Parecer nº:

MPC/43.509/2016

 

Processo nº:

REP 15/00624273    

 

Un. Gestora:

Município de Gaspar

 

Assunto:

Irregularidades no edital de Pregão Presencial n. 226/2015, visando o registro de preços para aquisição de oxigênio medicinal e nitrogênio líquido, com fornecimento de cilindros em regime de comodato.

 

Numeração única:

MPC-SC 2.3/2017.1356

 

 

 Trata-se de representação movida pela empresa Bruox Comércio de Gases Industriais Ltda. ME. em face do edital do Pregão Presencial nº 226/2015, lançado pela Prefeitura Municipal de Gaspar, visando ao registro de preços para aquisição de oxigênio medicinal e nitrogênio líquido, com fornecimento de cilindros em regime de comodato.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, por meio do relatório nº 685/2015[1], sugeriu o conhecimento da representação e a realização da audiência do Sr. Pedro Cândido de Souza, pregoeiro e subscritor da resposta à impugnação feita pela representante junto à Prefeitura Municipal de Gaspar.

O Relator deferiu a sugestão, acrescentando a necessidade de realização de audiência do Sr. Cleones Hostins, Secretário Municipal de Saúde e subscritor do edital (fl. 63).

Realizado o ato processual, os responsáveis apresentaram justificativas (fls. 69-136).

Por fim, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, sob o relatório de nº 292/2016, manifestou-se nos seguintes moldes:

 

3.1. Considerar improcedente a Representação apresentada pela Empresa Bruox Comércio de Gases Industriais Ltda. ME. contra possíveis irregularidades no Pregão Presencial nº 226/2015 ante a ausência de prejuízo à disputa ou violação de preceitos legais.

3.2. Determinar à Prefeitura Municipal de Gaspar o estrito cumprimento das disposições da Lei Complementar nº. 123/2006, inclusive com a redação dada pela Lei Complementar nº. 147/2014, motivando as escolhas feitas no processo administrativo para esse fim.

3.3. Dar ciência do Relatório e da Decisão, à Sra. Franciele Maria Fachini, aos responsáveis Sr. Pedro Cândido de Souza e Sr. Cleones Hostins e à Prefeitura Municipal de Gaspar.

 

É o relatório.

A representante insurgiu-se contra a inobservância ao disposto no art. 48, inciso I, da Lei Complementar nº 123/2006 (alterada pela Lei Complementar Federal nº 147/2014), o qual estabelece:

 

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:

I - deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); [Grifou-se].

 

Importante destacar que a partir da publicação da Lei Complementar n° 147/2014, determinou-se que as licitações de até R$ 80.000,00 deveriam (e não mais poderiam, como constava na redação anterior) ser destinadas exclusivamente à participação das microempresas e empresas de pequeno porte. Nos termos da nova norma, somente pode ser possibilitada a participação de outras empresas nos casos previstos no art. 49 da Lei Complementar n° 123/06, in verbis:

 

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

I – (revogado pela LC 147/14)

II – não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;

III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado;

IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014). [Grifou-se].

 

No caso vertente, depreende-se do item 3.1 do instrumento convocatório que qualquer empresa interessada poderia participar do certame licitatório:

 

3.1. Serão admitidos a participar desta Licitação, empresários, sociedades empresárias e outros entes os quais legalmente se dediquem à exploração da atividade econômica relativa ao objeto da futura contratação e que atendam às condições de credenciamento e habilitação do presente Edital.

 

Assim, segundo a representante, ao lançar o edital do Pregão Presencial nº 226/2015 visando à aquisição de oxigênio medicinal e nitrogênio líquido, no valor de R$ 45.393,95, a Administração teria descumprido a exigência prevista no artigo art. 48, inciso I, da Lei Complementar nº 123/2006.

Objetivando afastar a restrição apontada, o Sr. Pedro Cândido de Souza (pregoeiro), alegou em síntese (69-180):

 

[...] com o advento da Lei Complementar n° 147/2014, a primeira dúvida que surgiu no Município não foi sobre a obrigatoriedade de se realizar as licitações exclusivas, mas sim a quem elas deveriam ser destinadas, uma vez que não há na Lei Complementar um conceito do que seria âmbito local e ou regional.

Asseverou que o Governo Federal somente publicou o Decreto Regulamentando a Lei Complementar n° 123/2006 contemplando as alterações trazidas pela Lei Complementar n° 147/2014 em 05/10/2015 (Decreto Federal n° 8.538/2015), sendo que o decreto somente entrou em vigor em 90 dias após a publicação, portanto, já em 2016.

Informou que o Município já está trabalhando na edição de um Decreto para regulamentar a situação e garantir o cumprimento da Lei de forma efetiva e, essencialmente, atender o objetivo buscado pelo legislador quando da edição da Lei: fomentar a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.

Seguindo as definições do decreto que estabelece que as pequenas empresas de âmbito local são as que estão dentro do limite geográfico do município onde será executado o objeto da contratação e as de âmbito regional são as que estão dentro do limite geográfico do estado ou da região metropolitana, conforme delimitação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informa que o Município foi verificar junto ao IBGE a quais mesorregiões pertencem os municípios em que estão sediadas as empresas citadas no Ofício do TCE/SC.

Aponta que utilizando um conceito operacional para "âmbito regional", já se diminuiu bastante o número de municípios que estariam na mesorregião a qual pertence o município de Gaspar/SC. De nove caíram para três as empresas que estariam enquadradas na mesorregião, considerando o conceito mais amplo, para não haver a alegação que se está restringindo a abrangência.

Observa ainda que embora haja três supostas microempresas ou empresas de pequeno porte sediadas na mesorregião do vale do Itajaí, na relação apresentada, não são nove, e, portanto, não há uma ampla gama de microempresas e empresas de pequeno porte que atuam nesse ramo de atividade nesta região, como é afirmado no ofício encaminhado pelo TCE/SC; que o Município, com base em informações de anos anteriores, conhece o perfil dos licitantes que participam de licitações.

Informa que no levantamento dos últimos 5 (cinco) anos, com exceção do ano de 2013, em que houve a participação de duas ME/EPP, nos outros anos houve sempre a participação de apenas uma ME/EPP nas licitações avaliadas, destacando que sempre houve apenas uma ME/EPP da mesorregião do Vale do Itajaí participando das licitações.

A ME/EPP da mesorregião do Vale do Itajaí, que participou de tais licitações, foi representada sempre pelo mesmo representante, embora atuando em nome de empresas diferentes e salienta que pelo histórico de licitações registrado pelo Município de Gaspar, não há interesse de no mínimo 3 (três) microempresas e empresas de pequeno porte sediadas na mesorregião do Vale do Itajaí em participar das licitações promovidas pelo Município de Gaspar/SC neste objeto.

Alega que isso não significa que não há competitividade no setor e apresenta um quadro demonstrando os valores estimados e os valores efetivamente registrados para comprovar que, mesmo com o baixo número de interessados, houve competição nas licitações.

Observa que, nos anos anteriores, com exceção de 2015, a maior participação de empresas gerou economia significativa para o Município.

Dessa forma, o responsável afirma que foram preenchidos os requisitos constantes nos incisos II e III do Art. 49 da Lei Complementar n° 123/2006, permitindo que seja afastada a licitação exclusiva, caso não haja no mínimo três fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente, capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório.

Sustenta que pelo histórico das licitações a realização de licitação exclusiva não seria vantajosa para a Administração, pois provavelmente haveria a participação de uma única empresa, que seria, ao que tudo indica, levando em conta o histórico apresentado, justamente a que promoveu a representação junto ao TCE/SC, inviabilizando a competitividade no certame, obrigando o Município a pagar mais caro pelo produto licitado. [Grifou-se].

 

Já o Sr. Cleones Hostins, Secretário de Saúde, argumentou que não houve desrespeito à Lei Complementar 123/2016, conforme fatos e motivos expostos no Ofício n° 009/2016 encaminhado pelo Pregoeiro do Município ao Tribunal de Contas de Santa Catarina (fls. 112-136).

Passa-se ao exame das razões apresentadas.

Do exame da LC nº 123/2006, extrai-se que o tratamento diferenciado outorgado às microempresas e empresas de pequeno porte (art. 48, I) não será aplicado, dentre outras hipóteses (art. 49): i) quando não houver um mínimo de 3 fornecedores enquadrados nessa categoria, sediados local ou regionalmente, capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; ii) quando o tratamento diferenciado e simplificado não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.

Portanto, nem toda licitação no valor de até R$ 80.000,00 deverá ser destinada exclusivamente às micro e pequenas empresas. De todo modo, como destacado pela equipe técnica, a eventual opção de não realizar a licitação nestes moldes deve constar do procedimento licitatório, o que não se verificou no presente caso, tendo a justificativa sido apresentada somente por ocasião da resposta à impugnação ao edital.

Quanto à omissão prevista na Lei Complementar nº 123/06 – a qual não definia os termos “local” e “regionalmente” –, cabe apontar que a referida norma, em seu art. 47, parágrafo único, estabeleceu que enquanto não houvesse legislação específica sobre a matéria (estadual, municipal ou regulamento de cada órgão) deveria ser aplicada a regra federal.

Entretanto, verifica-se que somente com o advento do Decreto Federal nº 8.538/2015[2] (que passou a vigorar a partir de janeiro de 2016, data posterior à deflagração do certame em análise) houve a elaboração de um conceito mais preciso de “âmbito local e regional”. A título de conhecimento, os termos acima mencionados restaram assim definidos pelo art. 2º do Decreto:

 

§ 2º  Para efeitos deste Decreto, considera-se:

I - âmbito local - limites geográficos do Município onde será executado o objeto da contratação;

II - âmbito regional - limites geográficos do Estado ou da região metropolitana, que podem envolver mesorregiões ou microrregiões, conforme definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE;

 

Ante a indefinição até então prevista na norma, a interpretação e aplicação desses conceitos jurídicos indeterminados demandava uma atuação cuidadosa da Administração Pública à luz da legalidade e da razoabilidade. Caberia a Administração levar em consideração a realidade fática da contratação, buscando, caso possível, a proteção à microempresa e à empresa de pequeno porte, bem como o fomento da economia local e regional.

No caso vertente, a Administração poderia utilizar como norte a Lei Complementar n° 495/2010, a qual institui as Regiões Metropolitanas de Florianópolis, do Vale do Itajaí, do Alto Vale do Itajaí, do Norte/Nordeste Catarinense, de Lages, da Foz do Rio Itajaí, Carbonífera, de Tubarão, de Chapecó, do Extremo Oeste e do Contestado.

Segundo o art. 6º da LC nº 495/2010, o Município de Gaspar integra a região metropolitana do Vale do Itajaí: 

 

Art. 6º O Núcleo Metropolitano da Região Metropolitana do Vale do Itajaí será integrado pelos municípios de Blumenau, Pomerode, Gaspar, Indaial e Timbó.

Parágrafo único. A Área de Expansão Metropolitana da Região Metropolitana Vale do Itajaí será integrada pelos municípios de Apiúna, Ascurra, Benedito Novo, Botuverá, Brusque, Doutor Pedrinho, Guabiruba, Ilhota, Luiz Alves, Rio dos Cedros e Rodeio.

 

Adotando como parâmetro a referida lei, a Municipalidade poderia identificar as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas na região e avaliar a viabilidade de promover ou não a licitação ora examinada nos termos do art. 48, inciso I, da LC nº 123/2006.

Utilizando a listagem dos possíveis fornecedores de oxigênio medicinal apresentada pela empresa representante e adotando, apenas a título exemplificativo, a classificação contida no art. 6º da LC nº 495/2010, chega-se ao número de duas empresas cujo objeto social é compatível com o certame, considerando apenas o núcleo metropolitano (critério contido no caput), ou três empresas, considerando a área de expansão metropolitana (nos termos do parágrafo único).

Ademais, consoante demonstrado pelos responsáveis (fl. 75), caso fosse adotado o critério da mesorregião a qual pertence o Município de Gaspar (Vale do Itajaí), nos termos definidos pelo IBGE, somente três empresas teriam interesse, em tese, em participar do certame.

Cabe ressaltar que o quadro acima exposto considera parâmetros previstos em outras normas e fontes, com vistas a delimitar os conceitos jurídicos indeterminados contidos na LC nº 123/2006.

 

Assim, entendo que restou prejudicada a análise da aplicação do inciso II do art. 49 da LC nº 123/2006.

Os responsáveis ainda sustentaram que nas últimas cinco licitações lançadas com objeto idêntico houve a participação de apenas uma ME/EPP, a exceção do ano de 2013, em que houve a participação de duas ME/EPP (conforme atas de julgamento acostadas às fls. 83-103).

Ainda, na licitação em análise (Pregão Presencial 226/2015), observa-se que somente as empresas Air Liquide Brasil Ltda. e Bruox Comércio de Gases Industriais Ltda. participaram do certame. Ademais, apenas a Bruox Ltda. (que se sagrou vencedora) apresentou certidão simplificada da Junta Comercial comprovando a qualidade de microempresa ou empresa de pequeno porte (fl. 104).

Diante de todo esse contexto, percebe-se que a deflagração de licitação prevendo a participação exclusiva de micro e pequenas empresas (sem que existissem pelo menos três licitantes capazes e interessadas em disputar o certame) não seria vantajosa para a Administração, visto que prejudicaria a ampla competitividade, contrariando a regra do art. 3º, § 1º, inciso I da Lei nº 8.666/93.

Logo, no caso em apreço, verifica-se a ocorrência da exceção prevista no inciso III do art. 49 da LC nº 123/2006, segundo o qual não se aplica a licitação exclusiva quando não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.

Assim, considerando a ausência de definição dos termos “âmbito local” e “âmbito regional” na LC nº 123/2006, o advento somente posterior de legislação federal conceituando as expressões citadas, o número pouco expressivo de micro e pequenas empresas que atuam no ramo na região do Vale do Itajaí, a falta de interessados em participar dos certames anteriores e do certame em análise e o possível prejuízo à administração caso fosse adotada a licitação exclusiva, entendo que merece ser acolhida a manifestação da área técnica, no sentido de considerar improcedente a representação formulada.

Ademais, mostra-se cabível, nos termos sugeridos pela diretoria, determinar à Prefeitura Municipal de Gaspar que motive as escolhas feitas no processo administrativo, com vistas a dar cumprimento às disposições constantes na Lei Complementar nº 123/2006.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pelo acolhimento da conclusão constante no relatório técnico.

Florianópolis, 24 de outubro de 2017.

 

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1] Fls. 56-59.

[2] O Decreto regulamenta o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas, empresas de pequeno porte, agricultores familiares, produtores rurais pessoa física, microempreendedores individuais e sociedades cooperativas de consumo nas contratações públicas de bens, serviços e obras no âmbito da administração pública federal.