PARECER nº:

MPTC/52916/2018

PROCESSO nº:

TCE 10/00177464    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Barra Velha

INTERESSADO:

Cibelly Farias Caleffi

ASSUNTO:

Referente a supostas irregularidades envolvendo o controle interno, o setor de compras, o Fundo Municipal de Saúde, a Fundação Hospitalar e despesas de consultoria com a empresa Planefaz

 

 

 

Número Unificado MPC: 2.2/2017.1420

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada por esse Tribunal de Contas, em atendimento à Decisão n. 0173/2017 (fls. 677-679v), exarada pelo Tribunal Pleno quando do julgamento do processo REP n. 10/00177464, que examinava supostas irregularidades envolvendo o controle interno, o setor de compras, o Fundo Municipal de Saúde, a Fundação Hospitalar e despesas de consultoria com a empresa Planefaz, sendo vazada a referida decisão nos seguintes termos:

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, decide:

6.1. Converter o presente processo em tomada de contas especial, nos termos do art. 65, §4º, c/c o art. 66, parágrafo único, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, tendo em vista os apontamentos da Diretoria de Controle dos Municípios (DMU), constantes do Relatório de Reinstrução DMU n. 1967/2016.

6.2. Definir a RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL e determinar a CITAÇÃO do Sr. VALTER MARINO ZIMMERMANN – ex-Prefeito Municipal de Barra Velha (Gestão 2005/2008), CPF n. 050.678.129-15, nos termos dos arts. 15, I e II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 e 34, caput, da Resolução n. TC 06/2001 - Regimento Interno do Tribunal de Contas - c/c a Decisão Normativa n. 04/2007, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, inciso I, alínea “b”, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 c/c o art. 124 do Regimento Interno deste Tribunal, apresentar alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de imputação de débitos e/ou aplicação de multas previstas nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000:

6.2.1. Pagamento à empresa Caruso Serviços Ambientais Ltda. com cheque n. 303366, de 18/01/2005, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), sem a devida comprovação documental dos serviços prestados, impossibilitando a devida escrituração contábil, contrariando o art. 4º c/c os arts. 12, §1º, e 58 a 64 da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 2.2.6 do Relatório DMU);

6.2.2. Pagamento ao Sr. Jakson Luiz Collaço, no valor de R$ 27.004,00 (vinte e sete mil e quatro reais), referente à aquisição de livros de literatura, para a Secretaria de Educação, Cultura e Desporto, em quantitativos incompatíveis com a necessidade do Município e com evidências de direcionamento, caracterizando despesas desprovidas de caráter público, contrariando o art. 4º c/c o art. 12, §1º, da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 2.2.10 do Relatório DMU).

6.3. Definir a RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA e determinar a CITAÇÃO dos Responsáveis a seguir identificados, nos termos dos arts. 15, I e II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 e 34, caput, da Resolução n. TC 06/2001 - Regimento Interno do Tribunal de Contas - c/c a Decisão Normativa n. 04/2007, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, inciso I, alínea “b”, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 c/c o art. 124 do Regimento Interno deste Tribunal, apresentarem alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de imputação de débitos e/ou aplicação de multas previstas nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000:

6.3.1. da Sra. OLGA DE SOUZA ZIMMERMANN - ex-Secretária de Saúde do Município de Barra Velha (Gestão 2005/2008), CPF n. 820.640.169-53, e do Sr. VALTER MARINO ZIMMERMANN, já qualificado, quanto aos pagamentos por meio dos cheques ns. 850032, 850094 e 850097, no montante de R$ 9.801,00 (nove mil, oitocentos e um reais), sem a devida comprovação documental das mercadorias fornecidas e/ou dos serviços prestados, impossibilitando a devida escrituração contábil, contrariando o art. 4º c/c o arts. 12, §1º, e 58 a 64 da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 2.2.7 do Relatório DMU).

6.3.2. da Sra. ELVIRA PIERRE DA SILVA - servidora da Fundação Hospitalar de Barra Velha, CPF n. 522.112.159-04, e do Sr. VALTER MARINO ZIMMERMANN, referente ao período de 2005 a 2008, já qualificado, quanto às seguintes restrições:

6.3.2.1. Pagamentos por meio de cheques e ordens de pagamento, no montante de R$ 103.175,21 (cento e três mil, cento e setenta e cinco reais e vinte e um centavos), sem a devida comprovação documental das mercadorias fornecidas e/ou dos serviços prestados, impossibilitando a devida escrituração contábil, contrariando o art. 4º c/c o arts. 12, §1º, e 58 a 64 da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 2.2.8 do Relatório DMU);

6.3.2.2. Transferência de depósitos em cheques nominais de empresas do setor médico hospitalar, no montante de R$ 5.171,50 (cinco mil, cento e setenta e um reais e cinqüenta centavos), para conta da Sra. Karine Suzana da Silva Mota – filha da servidora da Fundação Hospitalar, Sra. Elvira Pierre da Silva, contrariando o art. 4º c/c o arts. 12, §1º, e 58 a 64 da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 2.2.9 do Relatório DMU).

6.3.3. do Sr. ONOFRE ARAÚJO SILVA – Controlador-geral da Prefeitura Municipal de Barra Velha na gestão 2005/ 2008), CPF n. 230.806.989-91, e do Sr. VALTER MARINO ZIMMERMANN, já qualificado, quanto à emissão de empenhos para pagamentos de diárias ao Sr. Onofre Araújo Silva Júnior, no período de 1º/01/2006 a 30/11/2007 no montante de R$ 15.140,00 (quinze mil, cento e quarenta reais), cujos históricos apresentam especificação insuficiente, não evidenciando com clareza a finalidade das despesas realizadas, contrariando o art. 61 da Lei (federal) n. 4.320/64 c/c o art. 56, inciso I, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.2.3 do Relatório DMU).

6.4. Definir a RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL e determinar a CITAÇÃO dos Responsáveis a seguir identificados, nos termos dos arts. 15, I e II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 e 34, caput, da Resolução n. TC 06/2001 - Regimento Interno do Tribunal de Contas - c/c a Decisão Normativa n. 04/2007, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, inciso I, alínea “b”, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 c/c o art. 124 do Regimento Interno deste Tribunal, apresentarem alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de aplicação de multas previstas nos arts. 69 e 70 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000:

6.4.1. do Sr. VALTER MARINO ZIMMERMANN – já qualificado, quanto às seguintes restrições:

6.4.1.1. Pagamentos indevidos de indenizações de férias não gozadas, no montante de R$ 5.353,04, à Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann, ante a ausência de previsão na Lei Complementar (municipal) n. 03/1993, caracterizando afronta ao princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2.5.1 do Relatório DMU);

6.4.1.2. Pagamentos indevidos de indenizações de férias não gozadas, no montante de R$ 3.666,19, à Sra. Luci Rosane da Silva, ante a ausência de previsão na Lei Complementar (municipal) n. 03/1993, caracterizando afronta ao princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2.5.2 do Relatório DMU);

6.4.1.3. Pagamentos indevidos de indenizações de férias não gozadas, no montante de R$ 5.742,20, ao Sr. Marci José Schlichting, ante a ausência de previsão na Lei Complementar (municipal) n. 03/1993, caracterizando afronta ao princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2.5.3 do Relatório DMU);

6.4.1.4. Pagamentos indevidos de indenizações de férias não gozadas, no montante de R$ 5.045,12, ao Sr. Onofre Araujo Silva Júnior, ante a ausência de previsão na Lei Complementar (municipal) n. 03/1993, caracterizando afronta ao princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2.5.4 do Relatório DMU);

6.4.1.5. Ausência de atuação da Controladoria-geral do Município, em descumprimento aos arts. 1º, 4º e 5º da Lei Complementar (Municipal) n. 027/2003 (item 2.2.1 do Relatório DMU);

6.4.1.6. Acumulação indevida pelo Sr. Onofre Araújo Silva Júnior dos cargos de Controlador-geral com o de Secretário Municipal de Administração, contrariando o art. 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal (item 2.2.2 do Relatório DMU);

6.4.1.7. Aquisição de material odontológico da empresa Sigma Produtos Odontológicos Ltda. ME sem o devido processo licitatório, nos valores de R$ 19.218,18 (2005), R$ 9.110,72 (2007) e R$ 22.633,12 (2008), e de empresa de propriedade do esposo da responsável pelo setor de compras do Município, contrariando os arts. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, 2º e 3º da Lei (federal) n. 8.666/93 e 92 da Lei Orgânica do Município (item 2.2.4 do Relatório DMU);

6.4.1.8. Contratação de prestação de serviços no valor global de R$ 45.000,00, adversa do objeto do Edital de Licitação n. 10/2008 e Contrato n. 09/2008, em descumprimento ao que estabelecem os arts. 54 e 55, inciso I, da Lei (federal) n. 8.666/1993 (item 2.2.11 do Relatório DMU);

6.4.1.9. Despesas com serviços prestados pela empresa IPM Automação e Consultoria Ltda., nos exercícios de 2006 (R$ 9.848,00) e 2007 (R$ 24.157,59) não amparadas por processos licitatórios, contrariando os arts. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e 2º e 3º da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.2.12 do Relatório DMU);

6.4.2. do Sr. ONOFRE ARAUJO SILVA JUNIOR – já qualificado, quanto às seguintes restrições:

6.4.2.1. Ausência de atuação da Controladoria-geral do Município, em descumprimento aos arts. 1º, 4º e 5º da Lei Complementar (municipal) n. 027/2003 (item 2.2.1 do Relatório DMU);

6.4.2.2. Acumulação indevida pelo Sr. Onofre Araújo Silva Júnior dos cargos de Controlador-geral com o de Secretário Municipal de Administração, contrariando o art. 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal (item 2.2.2 do Relatório DMU);

6.4.3. da Sra. LUCIANA ERBS DA COSTA KOCHHANN - responsável pelo setor de compras e licitação da Prefeitura Municipal de Barra Velha no período de 2005 a 2008, quanto às seguintes restrições:

6.4.3.1. Aquisição de material odontológico da empresa Sigma Produtos Odontológicos Ltda. ME sem o devido processo licitatório, nos valores de R$ 19.218,18 (2005), R$ 9.110,72 (2007) e R$ 22.633,12 (2008), e de empresa de propriedade do esposo da responsável pelo setor de compras do Município, contrariando os arts. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, 2º e 3º da Lei (federal) n. 8.666/93 e 92 da Lei Orgânica do Município (item 2.2.4 do Relatório DMU);

6.4.3.2. Contratação de prestação de serviços no valor global de R$ 45.000,00, adversa do objeto do Edital de Licitação n. 10/2008 e Contrato n. 09/2008, em descumprimento ao que estabelecem os arts. 54 e 55, inciso I, da Lei (federal) n. 8.666/1993 (item 2.2.11 do Relatório DMU);

6.4.3.3. Despesas com serviços prestados pela empresa IPM Automação e Consultoria Ltda., nos exercícios de 2006 (R$ 9.848,00) e 2007 (R$ 24.157,59) não amparadas por processos licitatórios, contrariando os arts. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e 2º e 3º da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.2.12 do Relatório DMU);

6.4.4. da Sra. OLGA DE SOUZA ZIMMERMANN – já qualificada, quanto à aquisição de material odontológico da empresa Sigma Produtos Odontológicos Ltda. ME sem o devido processo licitatório, nos valores de R$ 19.218,18 (2005), R$ 9.110,72 (2007) e R$ 22.633,12 (2008), e de empresa de propriedade do esposo da responsável pelo setor de compras do Município, contrariando os arts. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, 2º e 3º da Lei (federal) n. 8.666/93 e 92 da Lei Orgânica do Município (item 2.2.4 do Relatório DMU).

6.5. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DMU n. 1967/2016, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação e ao procurador constituído nos autos.

Devidamente realizadas as citações (fls. 680-683v), e após o deferimento dos pedidos de prorrogação de prazo (fl. 686), foram apresentadas as alegações de defesa de fls. 699-708 e 756-771v (Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann), fls. 711-725 (Sr. Valter Marino Zimmermann), fls. 728-734 (Sr. Onofre Araújo Silva Junior), fls. 737-742 (Sra. Elvira Pierre da Silva) e fls. 745-751 (Sra. Olga de Souza Zimmermann).

A Diretoria de Controle dos Municípios, então, apresentou o Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833), propondo, ao final, julgar irregulares, com imputação de débito e aplicação de multas, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, condenando solidariamente o Sr. Valter Marino Zimmermann e a Sra. Olga de Souza Zimmermann ao recolhimento do valor de R$ 9.801,00, o Sr. Valter Marino Zimmermann e a Sra. Elvira Pierre da Silva ao recolhimento dos valores de R$ 103.175,21 e R$ 5.171,50, os Srs. Valter Marino Zimmermann e Onofre Araújo Silva Junior ao recolhimento do valor de R$ 15.140,00, e o Sr. Valter Marino Zimmermann, individualmente, ao recolhimento dos valores de R$ 15.000,00 e R$ 27.004,00, além da aplicação de multas aos Srs. Valter Marino Zimmermann e Onofre Araújo Silva Junior, aos Srs. Valter Marino Zimmermann, Olga de Souza Zimmermann e Luciana Erbs da Costa Kochhann, e aos Srs. Valter Marino Zimmermann e Luciana Erbs da Costa Kochhann, tudo consoante o descrito na conclusão do relatório técnico em comento.

Passa-se, assim, à análise das irregularidades apontadas pela Diretoria de Controle dos Municípios, não sem antes analisar a preliminar aventada pelos responsáveis.

1. Prescrição

Inicialmente, os responsáveis alegaram (fls. 699-701, 711-713, 728-730, 737-739 e 745-747) que entre os fatos apurados e a citação dos responsáveis decorreram-se mais de 10 anos, o que dificultaria o exercício do contraditório e da ampla defesa, e justificaria a dispensa da Tomada de Contas Especial em comento.

Ora, cumpre lembrar que as irregularidades pelas quais os responsáveis foram citados a se manifestarem no presente processo também implicaram em danos ao erário, já tendo este órgão ministerial exaustivamente apresentado posicionamento[1] expressamente contrário à tese de prescritibilidade processual em casos concretos análogos, em respeito ao art. 37, § 5º, da CRFB/88, fundamentando-se, inicialmente, na lição de José Afonso da Silva[2]:

A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porem, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada (grifei).

Já a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3] traça a seguinte explanação:

A prescrição da ação de improbidade está disciplinada no artigo 23, que distingue duas hipóteses: pelo inciso I, a prescrição ocorre em cinco anos após o término do exercício de mandato, cargo em comissão ou de função de confiança; para os que exercem cargo efetivo ou emprego, o inciso II estabelece que a prescrição ocorre no mesmo prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público. São, contudo, imprescritíveis, as ações de ressarcimento por danos causados por agente público, seja ele servidor público ou não, conforme estabelece o artigo 37, §5°, da Constituição. Assim, ainda que para outros fins a ação de improbidade esteja prescrita, o mesmo não ocorrerá quanto ao ressarcimento do dano (grifei).

O administrativista José dos Santos Carvalho Filho[4] trilha no mesmo sentido, afirmando que:

Consequentemente, no que concerne à pretensão ressarcitória (ou indenizatória) do Estado, a Constituição assegura a imprescritibilidade da ação. Assim, não há período máximo (vale dizer: prazo prescricional) para que o Poder Público possa propor a ação de indenização em face de seu agente, com o fito de garantir o ressarcimento pelos prejuízos que o mesmo lhe causou.

A jurisprudência dos tribunais superiores sempre caminhou no mesmo sentido. Veja-se o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:

“(...) 2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 26.210, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ 10.10.2008, fixou entendimento no sentido da imprescritibilidade da ação de ressarcimento de dano ao erário” (AI 848.482 AgR, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 27.11.2012, DJ 21.02.2013) (grifei).

A mesma orientação fora historicamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:

“Claro, a demora, sobretudo quando medida em anos, na proposição da ação reparatória (foram treze ou catorze neste caso), causa desconforto no juiz, quando não revolta com a morosidade da Administração em cobrar aquilo que, segundo seu pensamento, foi subtraído, indevidamente, dos cofres públicos, por comportamento ativo ou passivo de pessoas, em especial as que são pagas para por eles zelarem.

O retardamento pode e deve merecer o repúdio dos juízes e cidadãos, mas não a ponto de, em seu nome, justificar o enfraquecimento, ou mesmo o afastamento, da garantia social da imprescritibilidade do dano ao patrimônio público. [...]

E, demorados dez anos, a Constituição de 1988 fez uma clara opção em favor da cidadania lesada, mas em desfavor dos que atacam os cofres públicos. Ao assim proceder, inverteu a ordem tradicional da prática judicial. A segurança jurídica agora é dos cidadãos, no sentido de que, tarde o que tardar, a Justiça deverá se manifestar acerca do que foi abocanhado ilegalmente” (REsp 1.105.059/SP, 2ª T., trecho do voto-vista do Min. Herman Benjamin, rel. Min. Eliana Calmon, j. 24.08.2010, DJe 02.02.2011).

A exegese do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, em relação ao ressarcimento ao erário, consolidada nesta Corte Superior de Justiça, está cingida ao reconhecimento da imprescritibilidade. Precedentes: REsp 928.725/DF, rel. Min. Denise Arruda, rel. p/ Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., DJe 5.8.2009; Resp 1.069.723/SP, rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 02.04.2009; REsp 1.067.561/AM, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 27.2.2009; REsp 705.715/SP, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., DJe 14.05.2008” (AgRg no RMS 25.763, 2ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 02.09.2010, DJe 24.09.2010).

A ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível (art. 37, § 5º, da CF/1988)” (Resp 1.187.297/RJ, 2ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 02.09.2010, DJe 22.09.2010) (grifei).

O Tribunal de Contas da União, igualmente, segue nesta mesma senda, por meio da Súmula n. 282, a qual prescreve que “As ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis”.

Além disso, acerca da suposta incidência da prescrição em irregularidade passível somente de aplicação de multa (que não representaria, assim, dano ao erário), deve ser ressaltada a redação do art. 3º, inciso I, da Resolução n. TC-100/2014 (que disciplina a aplicação da Lei Complementar Estadual n. 588/2013 nessa Corte de Contas):

Art. 3° A aplicação do art. 24-A da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 será afastada nas seguintes hipóteses:

I - incidência do art. 37, §5°, da Constituição Federal nos processos em que for caracterizado dano ao erário, conforme dispõem os arts. 15, §3°, 18, inciso lll e §2°, e 32 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000; (grifei).

Ora, a presente norma regulamentar é evidente ao frisar a imprescritibilidade dos “processos em que for caracterizado dano ao erário”, não havendo espaço, portanto, para a cisão entre sanções passíveis de imputação de débito e de aplicação de multa, já que ambas se encontram em um mesmo “processo em que for caracterizado dano ao erário”, repita-se.

Trata-se, assim, de simples interpretação literal do mencionado dispositivo, não havendo, nem na Lei Complementar Estadual n. 588/2013, nem na Resolução n. TC-100/2014, amparo legal para o afastamento das multas aplicadas aos responsáveis, as quais se encontram no interior de “processo em que for caracterizado dano ao erário”, repita-se outra vez.

Destaca-se, ainda, que não é outro o entendimento da área técnica, conforme se observa às fls. 777-779.

Dessa forma, em razão da imprescritibilidade da ação de ressarcimento dos danos causados ao erário e da impossibilidade de cisão entre sanções disposta no art. 3º, inciso I, da Resolução n. TC-100/2014, entendo que a prescrição não atingiu o presente processo, seja no que tange às imputações de débito, seja no que se refere às aplicações de multa.

2. Mérito

2.1 Ausência de atuação da Controladoria Geral do Município, em descumprimento aos arts. 1º, 4º e 5º da Lei Complementar Municipal n. 027/2003 (itens 6.4.1.5 e 6.4.2.1 da Decisão n. 0173/2017)

A área técnica apontou a omissão do controle interno municipal no tocante ao dever de fiscalizar, controlar e analisar as ações da Administração, em especial a verificação dos recursos oriundos de convênios recebidos, em 2005, pela Fundação Hospitalar de Barra Velha.

Para corroborar a situação encontrada, a Diretoria de Controle dos Municípios trouxe os seguintes relatos referentes à inoperância do controle interno no período de 2005 a 2008 (fls. 775-775v):

Compulsando os autos, verificou-se relatório de auditoria lavrado pelo contador Daniel Cecílio Neves - CRC/SC 024870/0-1 (fl.70), em 08/05/2008, no qual se depreende a inoperância do Controle Interno no período, conforme trecho que se destaca, não havendo elementos que indiquem a atuação do controle interno na análise de recursos de convênios recebidos pela Fundação Hospitalar.

A Controladoria Geral do Município, responsável pelo controle interno da entidade auditada, não apresentou informações e dados inerentes aos procedimentos de controle e avaliação dos atos de gestão, procedimentos que demonstrem a avaliação e controle da legalidade dos fatos, nos termos que estabelece o Art. 74 da Constituição Federal (C.F.):

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União:

IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

No mesmo sentido, pela natureza da irregularidade, outras evidências corroboram a tese da ausência de atuação do Responsável pelo Controle Interno do Município, dentre as quais o “ofício contabilidade n° 003/2007”, de 12/01/2007, no qual o Sr. Vilson Testoni – CRC/SC – 04.970 – responsável pela Contabilidade naquela época, informou ao Sr. Onofre Araújo Silva Júnior – Controlador Geral do Poder Executivo as seguintes situações (fl.56):

Com fulcro na Lei nº 4.320 de 17/03/64 e demais Legislações aplicáveis, cumpreme o dever de comunicar a Vossa Senhoria irregularidades encontradas em alguns dos empenhos autorizados pelo Presidente do IPREVE, o Sr. Roberto José Luiz, de forma a comprometer o próprio gestor, bem como, a pessoa do ordenador geral, neste caso, o Prefeito Municipal, como também o Contador da entidade. As irregularidades encontradas referem-se a despesas com aquisição de materiais ainda não entregues, ou entregues parcialmente até a presente data, como também preço praticado em desacordo com o valor praticado no mercado, conforme documentos 01 a 06 anexos.

Em outra situação foi relatado (fls. 27 a 28):

Dia 24/10/06 cobrei do Dr. Onofre (Assessor Jurídico e Controlador Interno da Prefeitura) a Diligência do TCE da qual tive conhecimento de que havia sido encaminhada à Prefeitura Municipal para a resposta e providências para sanar as restrições apontadas. Em resposta o mesmo disse-me que a diligência foi a um Senhor de nome Luiz Carlos Zaia. A Contabilidade da Prefeitura só tomou conhecimento dia 25.10.06 às 17h30. Obs – o prazo para a resposta, não foi cumprido.

Tínhamos disponível na conta Alienação de Bens Móveis e Imóveis, R$ 85.900,00, valor este que só pode ser utilizado na aquisição de bens de Capital. Pois bem, entendeu a Administração Municipal sem sequer consultar o Contador, utilizar o saldo para fazer um Leasing (até prova em contrário, entendo que Leasing é um aluguel sendo o bem inscrito no Patrimônio após a emissão da Nota Fiscal que se dará com o pagamento da última parcela.

Neste contexto, é importante frisar que a inexistência ou deficiência do controle interno municipal afronta dispositivos constitucionais, legais e regulamentares que impõem expressamente tal obrigação, cuja inobservância acarreta a violação de deveres essenciais do gestor, no sentido de atuar com cautela e compromisso na utilização dos recursos públicos, com vistas a evitar o mau uso do erário.

Aliás, nunca é demasiado recordar o fato de que deficiências relacionadas à atuação do controle interno são consideradas falhas gravíssimas, sendo tal tipo de irregularidade passível, inclusive, de emissão de parecer prévio recomendando a rejeição das contas prestadas por Prefeitos, à luz do art. 9º, inciso XI, da Decisão Normativa n. TC-06/2008:

Art. 9º As restrições que podem ensejar a emissão de Parecer Prévio com recomendação de rejeição das contas prestadas pelo Prefeito, dentre outras, compõe o Anexo I, integrante desta Decisão Normativa, em especial as seguintes: [...]

XI – CONTROLE INTERNO – Ausência de efetiva atuação do Sistema de Controle Interno demonstrado no conteúdo dos relatórios enviados ao Tribunal de Contas, ou em auditoria in loco.

Em resposta (fls. 718 e 731), os Srs. Valter Marino Zimmermann e Onofre Araújo Silva Junior apenas informaram que todos os relatórios de controles internos efetivados no período, assim como as respostas e procedimentos produzidos em decorrência das supostas irregularidades citadas pelo contador estariam disponíveis junto ao referido órgão municipal.

No entanto, não foram acostados aos autos quaisquer documentos que pudessem demonstrar a efetiva atuação da controladoria interna municipal e contrapor as irregularidades apontadas.

Dessa maneira, à luz do entendimento delineado pela reinstrução às fls. 779-780, entendo que deva ser mantida a irregularidade e aplicada a multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 aos Srs. Valter Marino Zimmermann e Onofre Araújo Silva Junior, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.2 Acumulação indevida pelo Sr. Onofre Araújo Silva Junior dos cargos de Controlador Geral e de Secretário Municipal de Administração, em desacordo com o art. 37, incisos XVI e XVII, da CRFB/88 (itens 6.4.1.6 e 6.4.2.2 da Decisão n. 0173/2017)

A área técnica apontou a irregularidade referente à acumulação dos cargos de Secretário Municipal de Administração e de Controlador Geral do Poder Executivo Municipal pelo Sr. Onofre Araújo Silva Junior, conforme nomeação disposta na Portaria n. 586/2003-GAB (fl. 47).

A respeito dessa questão, estabeleceu-se a seguinte vedação na CRFB/88:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;     

Em suas alegações de defesa (fls. 718-719 e 732), os responsáveis alegaram que o Sr. Onofre Araújo Silva Junior não acumulou os proveitos econômicos dos referidos cargos, tendo apenas servido ao interesse público por meio do desempenho de ambas as funções.

Conquanto a área técnica tenha considerado as justificativas dos responsáveis para suprimir a restrição (fls. 780v-781v), não se pode deixar de reconhecer que as atividades desempenhadas pelo controle interno são permanentes e, além disso, essenciais à boa administração, pois compete ao seu titular apontar as falhas praticadas pelo gestor. Para tanto, é imprescindível que sejam desempenhadas por um servidor que tenha um vínculo empregatício insuscetível a ingerências políticas – o que não ocorre nas hipóteses de provimento de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração do gestor.

Dessa forma, a realização de concurso público para o provimento do cargo de Controlador Interno é medida que se impõe, como preceitua o art. 37, inciso II, da CRFB/88.

Além de evidenciar a burla ao concurso público, a execução de tarefas ligadas ao setor de controle interno por servidor ocupante do cargo de provimento em comissão de Secretário Municipal de Administração representa também uma violação à segregação de funções, princípio básico do controle interno administrativo, que orienta a gestão pública no sentido de evitar que os servidores fiscalizem suas próprias atividades.

A respeito de caso semelhante, esse Tribunal de Contas editou o Prejulgado n. 2068, nos seguintes termos:

O acúmulo do desempenho das atribuições inerentes ao cargo público de Procurador Municipal com a função gratificada de Coordenador de Controle Interno Municipal contraria o princípio da segregação das funções, segundo o qual os servidores nomeados para o exercício do controle interno não devem fiscalizar suas próprias atividades, ou seja, aquelas desempenhadas no cargo para o qual foram nomeados. Referida cumulação poderá ocasionar inconsistências e fragilidades no sistema de controle interno, prejudicando o pleno atendimento dos arts. 31 e 74, incisos II e IV, da Constituição Federal. 

Tais situações refletem – mais uma vez – um cenário de deficiências no controle interno, o que é exaustivamente alertado por este órgão ministerial na análise das Prestações de Contas de Prefeitos, que ainda persistem em grande parte do Estado, como bem demonstrado pelo Programa Unindo Forças (Programa de Fortalecimento dos Controles Internos Municipais), concebido em 2015 pelo Ministério Público Estadual[5]:

[...] quase 80% dos municípios catarinenses contam com apenas um servidor na área de controle interno; e 65% não dispõem de cargos específicos para o desempenho das atividades de controle em seus quadros funcionais. Além disso, em 35% dos Municípios, o responsável pelo controle interno não é servidor efetivo e foi nomeado, na condição de ocupante de cargo de provimento em comissão, para responder pela área. [...]

A situação agrava-se em face da constatação de que 34% dos controladores internos fizeram atividades em desvio e sem segregação de funções, ou seja, terminaram por gerir práticas e ações administrativas que, na verdade, deveriam fiscalizar, tais como: gestão de convênios, setor contábil, assessoria jurídica, entre outras (grifei).

Portanto, mesmo que não tenha ocorrido o acúmulo de remunerações, a situação ainda representa mais uma grave irregularidade que não pode passar despercebida por essa Corte de Contas.

Dessa maneira, manifesto-me pela manutenção da irregularidade e aplicação da multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 aos responsáveis, Srs. Valter Marino Zimmermann e Onofre Araújo Silva Junior, bem como pela determinação para que a Unidade Gestora adote providências para o provimento do cargo efetivo de Controlador Geral do Poder Executivo Municipal.

2.3 Emissão de empenhos para pagamentos de diárias ao Sr. Onofre Araújo Silva Junior, no período de 01.01.2006 a 30.11.2007, no montante de R$ 15.140,00, cujos históricos apresentam especificação insuficiente, não evidenciando com clareza a finalidade das despesas realizadas, em desacordo com o art. 61 da Lei n. 4.320/64 c/c o art. 56, inciso I, da então vigente Resolução n. TC-16/94 (item 6.3.3 da Decisão n. 0173/2017)

A área técnica verificou que foram pagas diárias ao Sr. Onofre Araújo Silva Junior pela realização de inúmeras viagens, no período de 01.01.2006 a 30.11.2007, cujos históricos apenas indicaram a finalidade genérica de “tratar de assuntos de interesse da Municipalidade”, consoante relatório de empenhos acostado às fls. 60-68.

De acordo com a Resolução n. TC-16/94, vigente à época dos fatos, as notas de empenho devem evidenciar com clareza a “especificação do objeto [...], finalidade da despesa e demais elementos que permitam sua perfeita identificação e destinação” (art. 56, inciso I).

Em suas alegações de defesa (fls. 716 e 730-731), os responsáveis apenas aduziram que todas as diárias pagas ao Sr. Onofre Araújo Silva Junior seguiram as orientações exaradas por essa Corte de Contas, estando os documentos comprobatórios das despesas sob poder do órgão municipal.

Como se vê, mais uma vez os responsáveis não aproveitaram a oportunidade para apresentar justificativas ou documentos que pudessem sanar a irregularidade.

Assim, remanesce a irregularidade referente à insuficiência de informações nas notas de empenho, restrição que se revela grave, pois, além de dificultar os trabalhos da auditoria realizados pelos técnicos dessa Corte de Contas, afronta o princípio da transparência de que se deve revestir o ato administrativo. Tal prática pode, ainda, encobrir outras irregularidades relacionadas ao uso indevido dos recursos públicos.

Não foi outro, aliás, o entendimento delineado pela Diretoria de Controle dos Municípios às fls. 783-784v.

Por tais razões, entendo que deva ser mantida a irregularidade e imputado o débito, no valor de R$ 15.140,00, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, aos responsáveis, Srs. Valter Marino Zimmermann e Onofre Araújo Silva Junior, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.4 Aquisição de material odontológico da empresa Sigma Produtos Odontológicos Ltda. ME sem o devido processo licitatório, nos valores de R$ 19.218,18 (2005), R$ 9.110,72 (2007) e R$ 22.633,12 (2008), e de empresa de propriedade do esposo da responsável pelo setor de compras do Município, em afronta ao art. 37, inciso XXI, da CRFB/88, aos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.666/93 e ao art. 92 da Lei Orgânica do Município (itens 6.4.1.7, 6.4.3.1 e 6.4.4 da Decisão n. 0173/2017)

A instrução apontou a aquisição de material odontológico da empresa Sigma Produtos Odontológicos Ltda. ME sem a realização de processo licitatório, em afronta ao art. 37, inciso XXI, da CRFB/88 e ao art. 2º da Lei de Licitações.

É sabido que o art. 37, inciso XXI, da CRFB/88, preceitua a obrigatoriedade, em regra, de os contratos firmados pela Administração Pública serem precedidos de processos licitatórios. Neste contexto, a Lei n. 8.666/93 trouxe exceções que tratam da contratação direta, para hipóteses onde é inviável realizar uma licitação (inexigibilidade) ou quando o processo licitatório puder trazer algum tipo de prejuízo ao interesse público (dispensa).

Merece aqui especial atenção o termo “dispensável”, utilizado no art. 24, caput, da Lei 8.666/93.

Marçal Justen Filho[6] esclarece que a dispensa se verifica nas situações em que, conquanto viável a competição, a licitação afigura-se objetivamente inconveniente ao interesse público.

Na mesma linha, Antônio Roque Citadini[7] aduz que

a licitação é dispensada, como se pode ver, em situações descritas pela legislação, nas quais se poderá, em tese, realizar o procedimento licitatório, mas que, pelas razões em cada caso apontado, entende-se desnecessário o certame, já que sua realização não propiciaria ao Poder Público a escolha de proposta economicamente mais adequada, nem o pronto atendimento do interesse público (nacional, estadual ou local) que requer providências imediatas.

Pode-se concluir, então, que ao afastar a regra básica de que toda a contratação no âmbito do Poder Público requer uma prévia licitação, deve-se fundamentar minuciosamente todas as razões que levaram o administrador a dispensar o certame, devendo comprovar os motivos pelos quais a licitação seria desvantajosa ou, até mesmo, apartada do interesse público.

Com efeito, sendo a licitação a regra – constitucional – geral a ser seguida antes de qualquer contratação, qualquer exceção deve ser interpretada da forma mais restrita possível, sob pena de se abarcar situações para as quais o legislador não previu a dispensa e que podem ferir princípios básicos que devem nortear toda a gestão pública, especialmente as contratações, como a isonomia, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a probidade administrativa.

Dentre as hipóteses previstas na Lei de Licitações, há a possibilidade de dispensa de licitação nos casos de serviços – não classificados como de engenharia – e compras de valor até R$ 8.000,00, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez (art. 24, inciso II, da Lei n. 8.666/93).

Sendo assim, não poderia a gestora maquiar em parcelas a dispensa de licitação e dissolver um valor de compras acima do limite de R$ 8.000,00, conforme se depreende das alegações apresentadas pela Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann (fls. 758-759), que, em síntese, alegou que cada um deles corresponderia a uma situação pontual que, de modo isolado, não totalizaria o referido valor.

Ainda que a responsável alegue que as situações não teriam desdobramentos futuros previsíveis, ressalta-se que as despesas foram executadas ao longo dos exercícios de 2005 a 2008, demonstrando que era de pleno conhecimento da Administração o total de gastos com materiais odontológicos.

Ao analisar as despesas efetuadas junto à empresa Sigma Produtos Odontológicos Ltda. ME, observa-se que foram adquiridos, durante os exercícios de 2005 a 2008, materiais odontológicos nos montantes de R$ 19.218,18 (2005), R$ 77.717,80 (2006), R$ 27.302,68 (2007) e R$ 22.633,12 (2008), cujos valores contratados mediante dispensa de licitação totalizaram, respectivamente, os montantes de R$ 19.218,18, R$ 3.692,80, R$ 9.110,72 e R$ 22.633,12.

Fica evidente, à vista disso, que o somatório dos valores anotados nas parcelas distribuídas durante o referido período ultrapassou o limite legal para dispensa de licitação, sendo imperativa a realização de processo licitatório a fim de garantir igualdade de condições aos concorrentes, nos termos estabelecidos pelo art. 37, inciso XXI, da CRFB/88.

Agrava-se ainda mais a presente situação diante da constatação, com base nos documentos de fls. 107-111 e 556, de que o proprietário da empresa Sigma Produtos Odontológicos Ltda. ME era esposo da servidora Luciana Erbs da Costa Kochhann, em violação ao disposto no art. 92 da Lei Orgânica do Município[8] e aos princípios da impessoalidade e moralidade, insculpidos no art. 37 da CRFB/88.

Acerca dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, o constitucionalista Uadi Lammêgo Bulos[9] traça os seguintes comentários:

O princípio da impessoalidade, consectário natural do princípio da finalidade, impõe que o ato administrativo seja praticado de acordo com os escopos da lei, precisamente para evitar autopromoções de agentes públicos.

Sua palavra de ordem é: banir favoritismos, extravios de conduta, perseguições governamentais, execrando a vetusta hipótese da ilegalidade e do abuso de poder.

A impessoalidade visa, pois, coibir o desvio de finalidade de ato comissivo ou omissivo na Administração Pública, impedindo que o administrador pratique ação ou omissão para beneficiar a si próprio ou a terceiros.

O vetor da impessoalidade recai, também, sobre a figura do administrado.

Assim, os atos e provimentos administrativos não são imputados unicamente aos órgãos ou entidades administrativas em nome dos quais os agentes públicos agem. Imputam-se, também, aos administrados, que devem ser tratados sem discriminações nem favoritismos.

Nesse aspecto, a impessoalidade constitui um desdobramento do pórtico geral da igualdade (art. 5º, caput), espraiando sua força centrípeta sobre outras normas constitucionais, a exemplo daquelas insculpidas nos arts. 37, II e XXI, e 175 da Carta de 1988.

Pelo princípio da moralidade administrativa, o administrador público deve exercer sua missão à luz da ética, da razoabilidade, do respeito ao próximo, da justiça e, sobretudo, da honestidade.

A moralidade administrativa envolve, além da moral comum, a moral jurídica, isto é, aquela que se extrai das regras de conduta do interior da Administração (Maurice Hauriou, Précis de droit administratif et de droit public, p. 424).

Note-se que a face jurídica da moralidade administrativa não exclui o dever de ser honesto de todo e qualquer agente público. Isso porque, muito mais que princípio reitor da atuação dos governos, ela é uma qualidade intrínseca do modo de proceder dos agentes públicos.

Essa qualidade não se presume. Deve ser provada e comprovada por aqueles que se encontram na vida pública ou resolvem nela ingressar.

Nesse sentido: “O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César” (STF, 2ª T., RE 160.381/SP, v. u., RTJ, 153:1030).

A moralidade, em seu sentido mais profundo, nada tem a ver com a intenção da prática do ato administrativo. Um administrador público, por exemplo, pode até contrair despesas lícitas, previstas, formalmente, nos diplomas normativos. Mas sua conduta somente estará de acordo com a ordem jurídica se tais despesas acatarem o sentido moral que a Carta Magna exige. Gastos com propagandas publicitárias, mordomias, nepotismos, e tantas outras chagas, por exemplo, malsinam o senso de honestidade, o caráter humano, o respeito ao próximo, a retidão, a boa-fé, o trabalho prestado com amor, a ética das instituições.

É que a ideia de moralidade atrela-se ao princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade entre os meios e os fins perseguidos pelo administrador. As autoridades públicas, para concretizar o vetor do art. 37, caput, da Carta Suprema, devem sopesar as vantagens que usufruem [...] com a realidade vivida pela maioria dos cidadãos [...].

Quer dizer, moralidade e imoralidade são figuras antagônicas, mas que podem facilmente ser percebidas pelo exame da proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir pela Administração Pública.

O quid caracterizador da moralidade administrativa, por certo, está na aplicação justa, honesta e razoável da lei. Não basta, apenas, aplica-la formalmente; é mister que se avalie o fato circundante, porque o cumprimento imoral de um a norma jurídica equivale ao seu próprio descumprimento. Daí se dizer que a moral jurídica é bilateral, imperativa, geral, sendo um corolário da aplicação equânime da lei.

O princípio da moralidade administrativa é a pauta jurídica mais importante dos Estados constitucionais que elegem a democracia como corolário fundamental da vida em sociedade.

Se esse princípio fosse levado às suas últimas consequências, metade do que está escrito na Constituição de 1988 não precisaria vir nela consignado. Exemplificando, a prática do nepotismo, em todas as esferas de poder, seria, de pronto, extirpada, sem maiores esforços políticos, muito menos legislativos. Nem haveria a necessidade de ser editada a Súmula Vinculante n. 13 do STF, que proibiu as práticas nepotistas.

Certamente, o princípio da moralidade administrativa é obrigatório. Não contempla mera recomendação ou lembrete. É pauta jurídica de conduta; possui alvo determinado: os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (grifei).

Prosseguindo na análise das respostas, os responsáveis sustentaram (fls. 702-703, 720, 749 e 760-765) que a Lei n. 8.666/93 não veda a contratação de pessoas jurídicas que tenham no seu quadro societário parentes de servidores públicos e que a Lei Orgânica Municipal excepcionou os casos de contratos cujas cláusulas e condições sejam uniformes para todos os interessados.

Em regra, diante da omissão na Lei de Licitações, é permitida a participação de parentes do Prefeito, Vice-Prefeito, dos Vereadores e servidores municipais em licitações, exceto nos casos em que a Lei Orgânica Municipal expressamente vede sua contratação, consoante posicionamento já sedimentado por essa Corte de Contas em diversos Prejulgados, dentre os quais destacam-se os n. 403, n. 600, n. 1102 e n. 1296, além dos Prejulgados n. 759, n. 170 e n. 395, os quais, por sua relevância, merecem ser transcritos:

Prejulgado n. 759:

Não poderão firmar ou manter contrato com o Município de Ibiam, o Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores, os Secretários Municipais ou autoridades equivalentes, e os Servidores Municipais, bem como as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consangüíneo, até 2° grau, ou por adoção, salvo, se o contrato obedecer a cláusulas uniformes, nos termos dos artigos 24, caput, 54, I, "a", e 91 da Lei Orgânica Municipal, combinado com os artigos 29, IX e 54, I, "a", da Constituição Federal.

O servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação, não poderá participar direta ou indiretamente, da licitação ou da execução da obra ou serviço ou do fornecimento de bens a eles necessários, nos termos do artigo 9°, inciso III, da Lei Federal n.° 8.666/93, de 21 de junho de 1993.

O contrato administrativo é consensual, formal, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae, objetivando o interesse público pela Administração e o lucro pelo particular, e por possuir características e peculiaridades próprias, além de comportar entre outras particularidades, alterações contratuais efetuáveis bilateralmente e a garantia do contrato ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que resulta de dispositivo Constitucional (artigo 37, XXI), não pode ser considerado contrato de cláusulas uniformes.

Prejulgado n. 170:

Não poderão contratar com o Município o Prefeito, Vice-Prefeito, Vereadores, seus cônjuges e parentes consangüíneos ou afins até o segundo grau, incluídos os adotados, nos exatos termos do artigo 98, da Lei Orgânica Municipal.

Nos moldes do mesmo dispositivo, a única hipótese possível é a dos contratos com cláusulas uniformes, aqueles cujos conteúdos forem predeterminados por um dos contratantes, sendo suas cláusulas sempre as mesmas, quaisquer que sejam os demais contratantes. (Município de Ituporanga).

Prejulgado n. 395:

É vedado ao Prefeito, ao Vice-Prefeito e aos Vereadores, bem como às pessoas ligadas a qualquer deles, por matrimônio, firmar ou manter contrato com o Município de Treze Tílias, nos termos do artigo 87 da Lei Orgânica Municipal.

Nos moldes do mesmo dispositivo, a única hipótese é a dos contratos cujas cláusulas e condições sejam uniformes para todos os interessados.

Além disso, as contratações analisadas no presente processo não se incluem na exceção prevista no acima citado parágrafo único do art. 92 da Lei Orgânica do Município de Barra Velha, já que são considerados contratos com cláusulas e condições uniformes apenas os contratos de adesão – tais como o de seguro, transporte, fornecimento de gás e luz e prestação de serviços de telefonia –, não se incluindo o contrato administrativo, portanto, nessa categoria, em razão de suas caraterísticas de consensualidade, onerosidade, comutatividade e da possibilidade de advento de alterações contratuais bilaterais e correspondente garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Ainda, a Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann refutou (fls. 701-702 e 759-760) a possibilidade de sua responsabilização, tendo em vista que não era ordenadora de despesa e que não assinou nenhum documento relativo às compras, assim como às requisições de produtos.

Ora, à luz do que delineado pela área técnica à fl. 794v, as portarias juntadas às fls. 323-351 não deixam dúvidas acerca da atuação da Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann junto à Prefeitura Municipal de Barra Velha – o que ratifica a impossibilidade de contratação de seu esposo –, merecendo destaque o documento de fl. 336, que demonstra sua atuação como responsável pelo Setor de Compras do Município até agosto de 2008, sendo irrelevante, assim, o fato de não ter sido a ordenadora das despesas em questão.

Portanto, entendo que deva ser mantida a irregularidade, aplicando-se a multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 ao Sr. Valter Marino Zimmermann, à Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann e à Sra. Olga de Souza Zimmermann, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.5 Pagamento indevido de indenização de férias não gozadas (itens 6.4.1.1 a 6.4.1.4 da Decisão n. 0173/2017)

A área técnica apontou a irregularidade atinente ao pagamento de indenizações de férias não usufruídas, no montante total de R$ 19.806,55, aos Srs. Marci José Schlichting, Onofre Araújo Silva Junior, Luci Rosane da Silva e Luciana Erbs da Costa Kochhann, sem que houvesse amparo na Lei Complementar Municipal n. 03/1993.

Em suas justificativas (fl. 717), o Sr. Valter Marino Zimmermann manifestou que o Supremo Tribunal Federal já pacificou a possibilidade de pagamento de férias não gozadas aos servidores, independentemente de previsão legal.

A matéria atinente à indenização devida aos servidores por férias não usufruídas teve a sua repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo n. 721.001, cuja decisão foi publicada em 07.03.2013.

Na mesma linha da jurisprudência dominante sobre a matéria, o Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes defendeu que

é devida conversão de férias não gozadas bem como de outros direitos de natureza remuneratória em indenização pecuniária por aqueles que não mais podem delas usufruir, seja por conta do rompimento do vínculo com a Administração, seja pela inatividade, em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração; (grifei).

Como se vê, a Suprema Corte reconheceu a possibilidade de pagamento de indenização por férias não usufruídas apenas aos servidores inativos, pois não seria lógico que os servidores aposentados ou desligados do órgão pudessem gozar desse período aquisitivo nessas condições.

Quanto aos servidores ativos, houve a interposição de embargos declaratórios ao referido acórdão com pedido de aplicação dos excepcionais efeitos infringentes, sob o fundamento de que o servidor embargado se encontraria em atividade.

Ao analisar o recurso, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes constatou a ocorrência de erro material no acórdão e votou pelo acolhimento dos embargos de declaração, atribuindo-lhe o efeito modificativo para “permitir o processamento do recurso extraordinário e apreciar a situação dos servidores ativos, facultando às partes o direito à sustentação na tribuna, quando da apreciação do mérito pelo Plenário” (grifei).

Ou seja: definiu-se apenas a questão relativa ao pagamento de indenização por férias não gozadas aos servidores inativos, deixando-se para um momento posterior – o que, até a presente data, ainda não ocorreu – a apreciação do mérito referente aos servidores ativos pelo Plenário.

Verifica-se, assim, que não há quaisquer controvérsias acerca da legalidade do pagamento de indenização por férias não usufruídas aos servidores inativos, como é o caso da Sra. Luci Rosane da Silva, ao passo que, em relação aos servidores ativos, enquanto não houver a apreciação definitiva por parte do Plenário da Suprema Corte, ficam suspensos todos os processos que versem sobre a mesma matéria e tramitem no território nacional, a teor do disposto no art. 1035, § 5º, do Código de Processo Civil.

Por esse motivo, não havendo um entendimento firmado acerca da irregularidade do pagamento de indenização por férias não usufruídas aos servidores ativos, entendo que deva ser afastada a presente restrição, consoante, inclusive, o entendimento da reinstrução (fl. 801).

2.6 Pagamento à empresa Caruso Serviços Ambientais Ltda., com o Cheque n. 303366, de 18.01.2005, no valor de R$ 15.000,00, sem a devida comprovação documental dos serviços prestados, impossibilitando a devida escrituração contábil, em desacordo com os arts. 4º c/c os arts. 12, § 1º, e 58 a 64 da Lei n. 4.320/64 (item 6.2.1 da Decisão n. 0173/2017)

A instrução anotou a irregularidade pela ausência de comprovação de empenhamento e liquidação da despesa representada pelo Cheque n. 303366, no montante de R$ 15.000,00, destinado à empresa Caruso Serviços Ambientais Ltda.

Ao se efetuar o pagamento sem a comprovação de sua liquidação, restaram infringidas as disposições contidas nos arts. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64, a saber:

Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.

Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

Além disso, a falta de prévio empenhamento também configura uma violação direta ao art. 60 de referida lei. Nesse sentido, trago o comentário de J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis[10], os quais esclarecem a importância da emissão do prévio empenho na realização de despesas:

O empenho constitui instrumento de programação, pois, ao utilizá-lo racionalmente, o Executivo tem sempre o panorama dos compromissos assumidos e das dotações ainda disponíveis. Isto constitui uma garantia para os fornecedores, prestadores de serviços e empreiteiros, contratantes em geral, como já foi dito.

O conceito de empenho pressupõe anterioridade. O empenho é ex-ante. Daí o receio de ter uma definição legal de empenho meramente formal. No entanto, a prática brasileira é a do empenho ex-post, isto é, depois de executada a despesa, apenas para satisfazer ao dispositivo legal, ao qual o Executivo não quer obedecer, por falta de capacidade de programação (grifei).

Em que pese a gravidade da irregularidade, o Sr. Valter Marino Zimmermann, de maneira sucinta, apenas justificou (fls. 713-714) que a quantia de R$ 15.000,00, representada pelo Cheque n. 303366, foi paga diretamente à empresa Caruso Serviços Ambientais Ltda. para a realização de estudo ambiental e o licenciamento de obra.

Desse modo, diante da ausência de documentos que comprovem a execução do serviço e demonstrem o prévio empenhamento da despesa, opino pela manutenção da irregularidade e pela imputação de débito, no valor de R$ 15.000,00, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, ao Sr. Valter Marino Zimmermann, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.7 Pagamentos por meio dos Cheques n. 850032, 850094 e 850097, no montante total de R$ 9.801,00, sem a devida comprovação documental das mercadorias fornecidas e/ou dos serviços prestados, impossibilitando a devida escrituração contábil, em desacordo com os arts. 4º c/c os arts. 12, § 1º, e 58 a 64 da Lei n. 4.320/64 (item 6.3.1 da Decisão n. 0173/2017)

A área técnica apontou a ausência de comprovação da liquidação das despesas efetuadas por meio dos cheques n. 850032, 850094 e 850097, no montante total de R$ 9.801,00, em afronta aos arts. 4º c/c os arts. 12, § 1º, e 58 a 64 da Lei n. 4.320/64.

Além dos comentários efetuados no item anterior a respeito da ausência de liquidação das despesas, há que se destacar que os recursos envolvidos nesses pagamentos são oriundos do Fundo Municipal de Saúde, o que demonstra a possibilidade, inclusive, de desvio dos recursos que deveriam ter sido aplicados em ações e serviços públicos de saúde.

Em suas justificativas (fls. 714-715 e 747-748), os Srs. Valter Marino Zimmermann e Olga de Souza Zimmermann apenas afirmaram que todas as despesas saldadas com fundos do Município seguiram o mesmo e rigoroso critério de prestação de contas, a qual estaria à disposição desse Tribunal junto ao órgão municipal.

Novamente, as justificativas dos responsáveis não vieram acompanhadas dos respectivos comprovantes das mercadorias fornecidas e dos serviços prestados, motivo pelo qual, em virtude da não comprovação da regular liquidação das despesas – o que sugere o desvio de finalidade dos recursos do Fundo Municipal de Saúde –, entendo pertinente a manutenção desta restrição e a imputação de débito, no valor de R$ 9.801,00, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, aos responsáveis, Srs. Valter Marino Zimmermann e Olga de Souza Zimmermann, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.8 Pagamentos por meio de cheques e ordens de pagamentos, no montante total de R$ 103.175,21, sem a devida comprovação documental das mercadorias fornecidas e/ou dos serviços prestados, impossibilitando a devida escrituração contábil, em desacordo com os arts. 4º c/c os arts. 12, § 1º, e 58 a 64 da Lei n. 4.320/64 (item 6.3.2.1 da Decisão n. 0173/2017)

Assim como nos itens anteriores, a área técnica apontou a irregularidade pela ausência de liquidação das despesas elencadas no quadro de fl. 653, no valor de R$ 103.175,21, caracterizando um suposto desvio de finalidade dos recursos da Fundação Hospitalar de Barra Velha.

Às fls. 715 e 739-740, o Sr. Valter Marino Zimmermann e a Sra. Elvira Pierre da Silva voltaram a reiterar a alegação de que todos os pagamentos efetuados foram devidamente comprovados por meio de documentos que estariam em poder da Administração Municipal, manifestando que a elucidação dos fatos poderia ser perfectibilizada com a intimação da municipalidade para a apresentação destes documentos.

Em que pesem tais assertivas – sustentadas na preliminar de impossibilidade de apresentação dos documentos comprobatórios –, convém lembrar os responsáveis de que a eles incumbia a faculdade de apresentar a documentação que comprovasse as suas alegações, tendo em vista a inversão do ônus da prova nos processos de prestação e tomada de contas, em razão da prevalência do princípio da supremacia do interesse público.

Além disso, a Resolução n. TC-16/94 era clara ao dispor sobre a obrigação de o gestor comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos. Veja-se: 

Art. 49. O responsável pela aplicação de dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprego, na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes (grifei).

Sabe-se que essa última norma foi em grande parte revogada pela Instrução Normativa n. TC-14/2012, que melhor sistematizou a temática já em seu art. 1º[11], o que, todavia, não lhe retirou a imperatividade decorrente de sua vigência à época dos fatos analisados nos presentes autos.

E, como se não bastasse, constata-se que o Sr. Valter Marino Zimmermann assumiu novamente a chefia do Poder Executivo do Município de Barra Velha em 01.01.2017, de modo que, à época em que foram apresentadas suas alegações de defesa (12.06.2017), possuía completo acesso à documentação referente às supostas prestações de contas.

Portanto, diante da ausência de documentos que demonstrem a regular liquidação das despesas, sugiro a manutenção da irregularidade e a imputação de débito, no valor de R$ 103.175,21, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, aos responsáveis, Srs. Valter Marino Zimmermann e Elvira Pierre da Silva, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.9 Transferência de Depósitos em Cheques Nominais de empresas do setor médico hospitalar, no montante total de R$ 5.171,50, para a conta da Sra. Karine Suzana da Silva Mota – filha da servidora da Fundação Hospitalar, Sra. Elvira Pierre da Silva –, caracterizando o descumprimento aos arts. 4º c/c os arts. 12, § 1º, e 58 a 64 da Lei n. 4.320/64 (item 6.3.2.2 da Decisão n. 0173/2017)

A área técnica anotou a irregularidade em relação à existência de cheques nominais para empresas do setor médico-hospitalar, no valor de R$ 5.171,50, que foram depositados na conta bancária da Sra. Karine Suzana da Silva Mota, filha da Sr. Elvira Pierre da Silva, servidora da Fundação Hospitalar de Barra Velha, conforme documentação juntada às fls. 211-219, evidenciando um suposto desvio de recursos públicos do órgão em questão.

De acordo com os princípios insculpidos no art. 37 da CRFB/88, a Administração Pública deverá observar, dentre outros ditames, a impessoalidade dos gastos públicos, visando sempre ao atendimento das necessidades coletivas.

Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho[12] é claro ao destacar que,

para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, em consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros

No presente caso, é incontestável a ofensa direta a diversos princípios constitucionais, diante da evidenciação de desvio de recursos, que deveriam ser aplicados nas ações e serviços públicos de saúde, para a conta bancária de particular, sem qualquer vínculo com a Administração.

Além disso, essa situação aponta a existência de indícios da prática de atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, consoante o disposto no art. 10, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...]

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

Sem dúvida, exemplos de improbidade administrativa não são novidades no atual cenário generalizado de corrupção que assola o País, conforme se pode visualizar diariamente nos noticiários relacionados à Operação Lava-Jato[13]. Era de se esperar, assim, uma preocupação e atenção maior por parte da gestão municipal em relação a esse assunto, o que não se demonstrou por meio das singelas alegações de defesa apresentadas às fls. 715-716 e 740, razão pela qual será requerido, ao final deste parecer, o envio das informações aqui salientadas ao Ministério Público Estadual para a devida averiguação de tal fato.

Conforme manifestado pelos responsáveis, os cheques saíram da gestão municipal nominais às empresas do setor médico hospitalar, fugindo da capacidade de sua fiscalização os depósitos efetuados em conta distinta, até porque não houve relatos das empresas nominadas a respeito da falta dos mencionados valores nos seus pagamentos.

Todavia, conforme já amplamente discorrido ao longo deste parecer, era de responsabilidade dos gestores comprovarem a boa e regular aplicação dos recursos públicos (art. 49 da Resolução n. TC-16/49), sendo sua obrigação o acompanhamento também da correta destinação dos depósitos efetuados.

Desse modo, não tendo sido apresentadas justificativas e documentos que pudessem afastar a presente restrição, entendo que deva ser mantida a irregularidade e imputado o débito, no importe de R$ 5.171,50, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, aos responsáveis, Sr. Valter Marino Zimmermann e Sra. Elvira Pierre da Silva, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.10 Pagamentos ao Sr. Jakson Luiz Collaço, no valor de R$ 27.004,00, referente à aquisição de livros de literatura, para a Secretaria de Educação, Cultura e Desporto, em quantitativos incompatíveis com a necessidade do Município e com evidências de direcionamento, caracterizando despesas desprovidas de caráter público, em desacordo com o art. 4º c/c o art. 12, § 1º, da Lei n. 4.320/64 (item 6.2.2 da Decisão n. 0173/2017)

A Diretoria de Controle dos Municípios constatou a realização de despesas no valor total de R$ 27.004,00, desprovidas de caráter público, referentes à aquisição de livros de literatura para a Secretaria de Educação, Cultura e Desporto, em quantitativos incompatíveis com a necessidade do Município e com evidências de direcionamento.

Nesse sentido, a área técnica expôs os seguintes apontamentos (fls. 810-810v):

Outra irregularidade, diz respeito à aquisição de 1.200 livros “Caminho de Volta” do Autor Jakson Luiz Collaço (item m), citado no corpo das Notas de empenhos de nºs. 2.738 e 2.739, com valores de R$ 5.376,00 e R$ 9.984,00 respectivamente como sendo adquiridos, por meio de processo de Inexigibilidade de Licitação nº 11/2007 e Contrato nº 29, porém, verificando no Sistema e-Sfinge, referidos dados não figuram no sistema.

Acrescente-se ainda, que foram registrados pelo Sistema e-Sfinge as Notas de empenhos nºs 540 e 3380, nos valores de R$ 5.500,00 e R$ 6.144,00 com aquisições de 500 livros “Coração Estranho” e 480 livros “Caminho de Volta” respectivamente, sem menção de realização de processo licitatório (fl. 298).

Menciona-se que o Sr. Vilson Testoni, contador à época, afirmou que os livros nunca foram entregues, e quem recebeu os valores foi o Sr. Luiz Carlos Zaia, que na época era funcionário desta Corte de Contas (fls. 224 e 227), [...] sendo que as anotações nos documentos fiscais que atestam o recebimento constam informado que “quem recebeu foi Luiz Carlos Zaia”: [...]

Importante destacar que a Nota Fiscal Avulsa nº 004554 no valor de R$ 6.144,00, com data da emissão de 29/08/07, menciona na descrição dos produts que “dia 03.09.07 Luiz Carlos Zaia esteve na Prefeitura e cobrou esta Nota (Fria)”(fl.227).

Como se pode observar, o procedimento adotado pela Prefeitura Municipal de Barra Velha para a aquisição de livros de literatura não se compatibilizou com os princípios da economicidade e eficiência, previstos nos arts. 37, caput, e 70 da CRFB/88.

A respeito dos princípios constitucionais da economicidade e eficiência, trago, por pertinente, o seguinte comentário da doutrina de Lucas Rocha Furtado[14]:

A eficiência, que foi elevada pela Constituição Federal à categoria de princípio geral da Administração Pública, é um dos aspectos da economicidade. Esta, além da eficiência, compreende a eficácia e a efetividade. Temos, portanto, que economicidade é gênero do qual a eficiência, a eficácia e a efetividade são suas manifestações. [...]

A eficiência requer do responsável pela aplicação dos recursos público o exame da relação custo/benefício da sua atuação. O primeiro aspecto a ser considerado em termos de eficiência é a necessidade de planejamento, de definição das necessidades e a indicação das melhores soluções para o atendimento dessa necessidade pública. [...]

O primeiro passo para o desenvolvimento de atividades de modo eficiente corresponde à necessidade de planejamento dos gastos públicos; o segundo passo a ser dado está ligado à definição das metas; e o terceiro passo corresponde ao exame dos custos necessários à realização das metas.

Além do controle da eficiência, exige-se igualmente do administrador o exame da eficácia e da efetividade de sua atuação, eis que o próprio texto constitucional estabeleceu que a Administração Pública haverá de ser fiscalizada sob a ótica da economicidade, consoante seu art. 70 (grifei).

Ao se analisar as compras efetuadas, observa-se que foram adquiridos livros de literatura em quantitativos muito superiores às necessidades das escolas da rede municipal de ensino e com evidências de direcionamento das aquisições, consoante constatado pela área técnica à fl. 810v.

Em resposta (fl. 714), o Sr. Valter Marino Zimmermann afirmou que todas as compras seguiram a solicitação da própria Secretaria de Educação, Cultura e Desporto, e que o alegado pagamento de valores ao Sr. Luiz Carlos Zaia, ex-funcionário desse Tribunal de Contas, estaria totalmente desprovido de lastro probatório, uma vez que os pagamentos teriam se dado unicamente ao Sr. Jakson Luiz Collaço.

Tais justificativas, contudo, não foram capazes de justificar a aquisição de livros literários em quantitativos superiores às necessidades do Município e com indícios de direcionamento, motivo pelo qual opino pela manutenção da irregularidade e pela imputação de débito, no valor de R$ 27.004,00, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, ao responsável, Sr. Valter Marino Zimmermann, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.11 Contratação de Prestação de Serviços, no valor global de R$ 45.000,00, adversa do objeto do Edital de Licitação n. 10/2008 e respectivo Contrato n. 09/2008, em descumprimento ao que estabelecem os arts. 54, § 1º, e 55, inciso I, da Lei n. 8.666/93 (itens 6.4.1.8 e 6.4.3.2 da Decisão n. 0173/2017)

A área técnica verificou o pagamento de R$ 45.000,00 à empresa Instituto Sinergia de Extensão de Pós-Graduação (ISEP) por serviços não previstos no Convite para Compras e Serviços n. 10/2008 e no Contrato n. 09/2008, em afronta ao disposto nos arts. 54, § 1º, e 55, inciso I, da Lei de Licitações.

Inicialmente, a Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann arguiu a sua ilegitimidade passiva, sob as seguintes justificativas (fls. 765-766):

[...] a servidora Luciana não pode ser responsabilizada por tal ato, à medida que não competia realizar os pagamentos, este eram atribuição da Contabilidade da Prefeitura, tampouco lhe cabia ordenar despesas, logo, o fato de os pagamentos terem sido efetuados por serviços diversos dos licitados, ou dos constantes no contrato, não era de sua alçada funcional, tampouco faziam parte do seu controle, razão pelo qual não pode por esta ilegalidade (se de fato existiu) ela responder isolada ou solidariamente.

À luz do que delineado pela área técnica à fl. 816, as portarias juntadas às fls. 323-351 não deixam dúvidas acerca da atuação da Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann junto à Prefeitura Municipal de Barra Velha, como responsável pelo Setor de Compras do Município, sendo irrelevante, assim, o fato de não ter sido a ordenadora das despesas em questão, na mesma linha já manifestada no item 2.4 deste parecer.

Na sequência, o Sr. Valter Marino Zimmermann e a Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann sustentaram (fls. 703-706 e 720-723), em síntese, que a contratação de empresa para capacitação de servidores estaria entre as hipóteses de inexigibilidade de licitação.

Nesse ponto, observa-se que houve equívoco por parte dos responsáveis ao centrarem suas justificativas no enquadramento da contratação dentro das hipóteses de inexigibilidade de licitação, visto que a irregularidade tratada se fundou em razão diversa, qual seja, a execução de serviço distinto daquele contratado.

Conforme se pode observar, a Prefeitura Municipal de Barra Velha firmou, em decorrência do edital de Convite para Compras e Serviços n. 10/2008 (fl. 308), o Contrato n. 09/2008 (fls. 309-310) com a empresa Instituto Sinergia de Extensão de Pós-Graduação (ISEP), cujo objeto foi definido na Cláusula Segunda, a saber:

CLÁUSULA SEGUNDA – DO OBJETO

2.1. Constitui objeto do presente contrato a Prestação de Serviços por parte da CONTRATADA a elaboração de Programa (Curso) de Formação Continuada aos Professores da Rede Pública Municipal com o objetivo de melhorias na qualidade do ensino no âmbito da Educação Infantil e Ensino Fundamental, mediante licitação Tipo Menor Preço, incluindo a logística e material, conforme solicitação da Secretaria Municipal de Educação Cultura e Desporto.

Apesar dessa finalidade, verificou-se que foram pagos os valores de R$ 11.250,00 e R$ 33.750,00 à ISEP pela prestação de serviços na elaboração e realização de concurso público para seleção e admissão de pessoal ao quadro de servidores públicos do Município de Barra Velha, conforme dados extraídos do sistema e-Sfinge (fl. 813v).

Mesmo que, consoante defendido pelos responsáveis, a contratação tivesse se fundado nas hipóteses do art. 25 da Lei de Licitações, ainda assim deveria haver a vinculação entre a contratação e o procedimento anterior, consoante os comentários de Marçal Justen Filho[15]:

9) Contratação direta

Mesmo quando não tiver sido precedida de licitação, a contratação deverá vincular-se ao procedimento anterior. Deverão ser verificadas as necessidades públicas e, respeitado o princípio da isonomia, promovida a contratação que se revelar mais adequada. Na fase anterior à contratação, a Administração deverá formalmente estabelecer as suas necessidades e os encargos que assumirá. Deverá investigar a existência de particulares em condições de atender a tais necessidades. Esses levantamentos preliminares são condicionantes do conteúdo da contratação. Constituem o fundamento tanto da decisão de promover a licitação formal como de escolher determinado particular para contratar diretamente. A contratação vincula-se a esses atos antecedentes.

Ao efetuar, assim, o pagamento por serviços não previstos no edital e no respectivo contrato, infringiu-se diretamente o princípio administrativo da vinculação ao instrumento convocatório, insculpido no art. 3º da Lei de Licitações.

Dessa maneira, entendo que deva ser mantida a irregularidade e aplicada a multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, ao Sr. Valter Marino Zimmermann e à Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

2.12 Despesas com serviços prestados pela empresa IPM Automação e Consultoria Ltda., nos exercícios de 2006 (R$ 9.848,00) e 2007 (R$ 24.157,59), não amparadas por processos licitatórios, ferindo o art. 37, inciso XXI, da CRFB/88 e os arts. 2º e 3º da Lei n. 8.666/93 (itens 6.4.1.9 e 6.4.3.3 da Decisão n. 0173/2017)

A área técnica verificou a realização de despesas, nos montantes de R$ 9.848,00 (2006) e R$ 24.157,59 (2007), sem o devido processo licitatório, em ofensa ao art. 37, inciso XXI, da CRFB/88 e ao art. 2º da Lei n. 8.666/93.

Inicialmente, a Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann requereu (fls. 767-768) o afastamento de sua responsabilidade, por não ser atribuição de seu cargo questionar contratos e perquirir sobre licitações realizadas ou não.

Na mesma linha já manifestada nos itens 2.4 e 2.11, e à luz do que delineado pela área técnica às fls. 819-830v, as portarias juntadas às fls. 323-351 não deixam dúvidas acerca da atuação da Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann junto à Prefeitura Municipal de Barra Velha, como responsável pelo Setor de Compras do Município.

De forma conjunta (fls. 706 e 723), o Sr. Valter Marino Zimmermann e a Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann ainda alegaram que nenhuma das despesas superaram o teto estipulado para a dispensa de licitação.

Entretanto, semelhantes argumentos já foram devidamente rebatidos no item 2.4 deste parecer, motivo pelo qual, com fulcro no entendimento exarado pela área técnica às fls. 879-830v, a presente irregularidade merece ser mantida, com a aplicação da multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 ao Sr. Valter Marino Zimmermann e à Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann, conforme disposto abaixo.

3. Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE das contas em análise nestes autos, na forma do art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, em razão das restrições apontadas nos itens 3.2.1, 3.3.1, 3.3.2, 3.4.1, 3.5.1, 3.5.2, 3.6.1, 3.7.1, 3.8.1 e 3.8.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833), assim como nos itens 6.4.1.6 e 6.4.2.2 da Decisão n. 0173/2017 (fls. 677-679v, conforme disposto no item 2.2 deste parecer);

2. pela IMPUTAÇÃO DE DÉBITO, de maneira solidária, aos responsáveis, na forma do art. 18, inciso III, alínea “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, da seguinte maneira:

2.1 ao Sr. Valter Marino Zimmermann e à Sra. Olga de Souza Zimmermann, no montante de R$ 9.801,00, em razão da irregularidade descrita no item 3.2.1 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833);

2.2 ao Sr. Valter Marino Zimmermann e à Sra. Elvira Pierre da Silva, nos importes de R$ 103.175,21 e R$ 5.171,50, em razão das irregularidades anotadas, respectivamente, nos itens 3.3.1 e 3.3.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833);

2.3 aos Srs. Valter Marino Zimmermann e Onofre Araújo Silva Junior, no valor de R$ 15.140,00, em razão da irregularidade apontada no item 3.4.1 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833);

2.4 ao Sr. Valter Marino Zimmermann, nas quantias de R$ 15.000,00 e R$ 27.004,00, em razão das irregularidades mencionadas, respectivamente, nos itens 3.5.1 e 3.5.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833);

3. pela APLICAÇÃO DE MULTAS proporcionais ao dano aos responsáveis, Srs. Valter Marino Zimmermann, Olga de Souza Zimmermann, Elvira Pierre da Silva e Onofre Araújo Silva Junior, na forma do art. 68 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, conforme disposto ao longo deste parecer;

4. pela APLICAÇÃO DE MULTAS aos responsáveis, na forma do art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, da seguinte maneira:

4.1 aos Srs. Valter Marino Zimmermann e Onofre Araújo Silva Junior, em face das irregularidades dispostas no item 3.6.1 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833) e nos itens 6.4.1.6 e 6.4.2.2 da Decisão n. 0173/2017 (fls. 677-679v, conforme disposto no item 2.2 deste parecer);

4.2 ao Sr. Valter Marino Zimmermann, à Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhnan e à Sra. Olga de Souza Zimmermann, em face da irregularidade disposta no item 3.7.1 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833);

4.3 ao Sr. Valter Marino Zimmermann e à Sra. Luciana Erbs da Costa Kochhann, em face das irregularidades dispostas nos itens 3.8.1 e 3.8.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-1558/2017 (fls. 773-833);

5. pela DETERMINAÇÃO à Prefeitura Municipal de Barra Velha para que adote providências com o intuito de prover o cargo efetivo de Controlador Geral do Poder Executivo Municipal;

6. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, oficiando-se também ao Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa, em cumprimento ao disposto no art. 18, § 3º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para ciência dos fatos descritos nestes autos e adoção das providências cabíveis.

Florianópolis, 10 de janeiro de 2018.

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] Pareceres n. MPTC/39398/2015, proferido nos autos TCE n. 09/00144130; n. MPTC/39696/2016, proferido nos autos TCE n. 11/00031364; e n. MPTC/44191/2016, proferido nos autos REC n. 15/00658763, dentre muitos outros.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 673.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2006, p. 791.

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 580.

[5] Trata-se da manchete de notícia retirada do endereço eletrônico da instituição, matéria que bem sintetiza a problemática, trazendo inclusive acesso ao diagnóstico completo das informações colhidas no programa: https://www.mpsc.mp.br/noticias/programa-do-mpsc-aponta-deficiencia-dos-controles-internos-municipais-em-santa-catarina. Acesso em: 27.09.2016, às 7h32min.

[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2005.

[7] CITADINI, Antonio Roque. Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 183.

 

[8] Art. 92. O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores e os servidores municipais bem como as pessoas ligadas a qualquer um deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consangüíneo, até o segundo grau, ou por adoção, não poderão contratar com o município, subsistindo a proibição até seis meses após findas as respectivas funções.

Parágrafo Único. Não se incluem nesta proibição os contratos cujas cláusulas e condições sejam uniformes para todos os interessados.

[9] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 984-985.

[10] MACHADO JR., J. Teixeira, REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. 31ª ed. Rio de Janeiro, IBAM, 2002/2003, p. 144.

[11] Art. 1º O responsável pela gestão de dinheiro público deve demonstrar que os recursos foram aplicados em conformidade com as leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes e nas finalidades a que se destinavam, por meio da respectiva prestação de contas, em cumprimento ao disposto no parágrafo único do art. 58 da Constituição do Estado.

[12] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 17.

[13] Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2017/03/em-tres-anos-lava-jato-identificou-r-38-bilhoes-em-desvios-9749610.html>. Acesso em: 13.11.2017, às 16h32min.

[14] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 112-113.

[15] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativo. São Paulo: Dialética, 2010, p. 707.