PARECER nº:

MPTC/52934/2018

PROCESSO nº:

PCR 13/00527282    

ORIGEM:

Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional - Tubarão

INTERESSADO:

Djalma Marcelino

ASSUNTO:

Referente a NE de 16/03/2012 - NL 1239 no valor de R$ 70.000,00, repassados à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal para a realização do projeto -Encontro de Motociclismo de Gravatal 2012.

 

 

 

Número Unificado MPC: 2.2/2017.1502

 

 

Trata-se o presente processo da prestação de contas dos recursos repassados pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Tubarão à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, por meio da nota de empenho n. 203/2012, no valor de R$ 70.000,00, para a realização do projeto “Encontro de Motociclismo de Gravatal 2012”.

Às fls. 4-138 fora acostada a documentação pertinente ao processo de concessão dos referidos recursos e à respectiva prestação de contas, seguida da Informação – DCE/CORA/Div.3 n. 067/2015 (fls. 139-139v), elaborada pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, que sugeriu a emissão de ofício à Secretaria da Fazenda Municipal de Braço do Norte/SC para verificação da regularidade do documento fiscal de fl. 84.

Na sequência, a Diretoria de Controle da Administração Estadual elaborou o Relatório de Instrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00343/2015 (fls. 140-150), em cuja conclusão sugeriu os seguintes encaminhamentos:

3.1 Definir a responsabilidade solidária nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, do Sr. Haroldo de Oliveira Silva, inscrito no CPF sob o nº 305.674.089-49, com endereço na Rua José Acácio Moreira, 1499, Centro, Tubarão/SC; e do Sr. Edvan Bez de Oliveira, inscrito no CPF sob o n. 341.306.409-68, com endereço na Estrada Geral Variante, s/n, Gravatal/SC, da Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, CNPJ 11.576.169/0001-00, com endereço na Estrada Geral Caeté, s/n, Caeté, Gravatal/SC,  e da e da Empresa Djalma Produções – CNPJ 08.420.632/0001-16, com endereço na Gov. Jorge Lacerda, 1585, 1º andar, sala 2, Centro, Braço do Norte/SC, por irregularidades verificadas no presente processo, que ensejaram a imputação do débito mencionado no item 2.2 deste relatório.

3.2 Determinar a CITAÇÃO dos responsáveis nominados no item anterior, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar nº 202/00, para apresentarem alegações de defesa, em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a respeito das irregularidades constantes do presente relatório, conforme segue.

3.2.1 De Responsabilidade do Sr. Haroldo de Oliveira Silva, no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), em face das irregularidades verificadas no item 2.1 e detalhadas nos subitens a seguir elencados:

3.2.1.1 aprovação do projeto, assinatura do contrato e repasse dos recursos mesmo diante a ausência de documentos exigidos na tramitação inicial dos projetos, contrariando os itens 4,12, 13, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 do Anexo V do Decreto Estadual nº 1.291/2008, por força dos art. 30 e 36, § 3º do mesmo Decreto, bem como descumpriu o princípio da legalidade e a necessária motivação dos atos, ditado pelo art. 37, caput da Constituição Federal e o art. 16, caput, e § 5º da Constituição Estadual (item 2.1.1 deste Relatório);

3.2.1.2 concessão de incentivo pelo SEITEC sem a comprovação da adequação do projeto ao Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL, contrariando o estabelecido pelos arts. 1º e 6º da Lei Estadual nº 13.792/06 e aos arts. 3º e 9º, parágrafo único do Decreto Estadual nº 2.080/09 (subitem 2.1.2 deste relatório);

3.2.1.3 aprovação do projeto e repasse dos recursos mesmo diante da ausência de Parecer Técnico e Orçamentário emitido pela Gerência de Turismo, Cultura e Esporte da SDR de Lages, contrariando os arts. 11, I e 36, § 3º do Decreto Estadual nº 1.291/2008, c/c a Lei Estadual nº 13.336/2005, o art. 37, caput da Constituição Federal e o art. 16, caput e § 5º da Constituição Estadual (item 2.1.3 deste relatório).

3.2.1.4 repasse dos recursos financeiros posterior ao evento, contrariando o art. 59 do Decreto n. 1291/2008 (item 2.1.4 deste relatório).

3.2.2 De responsabilidade do Sr. Edvan Bez de Oliveira solidariamente com a Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), em face das seguintes irregularidades:

3.2.2.1 ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, contrariando o art. 144 da Lei Complementar Estadual nº 381/07 (item 2.3.1 deste relatório), diante as irregularidades abaixo especificadas:

3.2.2.1.1 realização de despesa com comprovante inidôneo em afronta ao disposto nos arts. 49 e 52, ambos da Resolução nº TC – 16/94 (item 2.3.1.1 deste Relatório);

3.2.2.1.2 movimentação incorreta da conta bancária, contrariando o estabelecido pelo art. 47, da Resolução nº TC-16/94 c/c art. 58, §2º do Decreto Estadual n. 1.291/08 (item 2.3.1.2 deste Relatório);

3.2.2.1.3 falta de demonstração de todas as receitas obtidas por patrocinadores, apoiadores, bem como demonstração de que foram utilizados para a realização do evento, contrariando o estabelecido no art. 44, I e art. 70, XIII, ambos, do Decreto Estadual n. 1291/08 (item 2.3.1.3 deste relatório);

3.2.2.1.4 ausência da relação dos beneficiários do Projeto em desacordo com o § 1º do art. 144 da Lei Complementar nº 381/2007 (item 2.3.1.4 deste Relatório).

3.2.3 Passível de aplicação de multa ao Sr. Edvan Bez de Oliveira, em face da:

3.2.3.1 ausência de comprovação da aplicação da contrapartida, contrariando o disposto no art. 52, III, do Decreto Estadual nº 1.291/08 (item 2.3.1.5 deste Relatório);

3.2.3.2 prestação de Contas fora do prazo, contrariando o art. 23 do Decreto Estadual nº 307/03 (item 2.3.1.6 deste relatório).

3.2.4 De responsabilidade da empresa Djalma Produções, em face da seguinte irregularidade:

3.2.4.1 emissão de nota fiscal inidônea, haja vista a ausência de comprovação da realização do objeto e do efetivo fornecimento das mercadorias e serviços, no valor de R$ 70.000,00 (limitado ao valor do repasse), nos termos dos arts. 49, 52, II e III, e do art. 60, II e III, todos da Resolução TC 16/94, vigente à época (item 2.5 deste Relatório).

O Relator autorizou a realização das citações à fl. 150, as quais, devidamente realizadas (fls. 167-168 e 231-232) – após o encaminhamento dos resultados fiscais solicitados anteriormente (fls. 152-158) e o deferimento do pedido de prorrogação de prazo de fl. 169 –, resultaram na apresentação das alegações de defesa de fls. 172-187 (Djalma Produções Artísticas Ltda.), fls. 190-229 (Sr. Edvan Bez de Oliveira), fls. 235-244 (Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal) e fls. 246-248 (Sr. Haroldo de Oliveira Silva).

Na sequência, após a juntada do documento de fl. 251, a Diretoria de Controle da Administração Estadual apresentou o relatório de instrução complementar de fls. 252-259v, em cuja conclusão sugeriu a citação da Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e do Sr. Edvan Bez de Oliveira para apresentarem alegações de defesa em relação às restrições dispostas nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2, bem como a citação do Sr. Edvan Bez de Oliveira, da Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e da empresa Djalma Produções Artísticas Ltda. em face das restrições elencadas nos itens 3.2.2.1 e 3.2.2.2, todos da conclusão do relatório técnico em comento.

O Relator, à fl. 259v, manifestou-se em concordância ao disposto no relatório técnico, em razão do que foram empreendidas as citações dos responsáveis (fls. 260v-261v). Por não ter sido possível a citação pessoal da Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, efetuou-se sua citação por edital (fl. 273).

O Sr. Edvan Bez de Oliveira apresentou suas justificativas às fls. 265-270, ao passo que os demais responsáveis, embora devidamente citados, deixaram transcorrer in albis o prazo previsto para apresentação de sua defesa, conforme atestado à fl. 274.

A Diretoria de Controle da Administração Estadual, então, exarou o Relatório de Reinstrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00251/2017 (fls. 275-310), sugerindo, ao final, não acolher as preliminares suscitadas pelos responsáveis e julgar irregulares, com imputação de débito, as contas dos recursos repassados à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, condenando solidariamente a referida entidade, seu presidente à época (Sr. Edvan Bez de Oliveira), o Sr. Haroldo de Oliveira Silva e a empresa Djalma Produções Artísticas Ltda. ao recolhimento do valor de R$ 70.000,00 - na medida da responsabilidade da cada um e sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano -, opinando, ainda, pela aplicação de multas e pela adoção de providências, tudo consoante o descrito na conclusão do relatório técnico em comento.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos recursos repassados em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso II, da Constituição Estadual; art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Passa-se, assim, à análise das irregularidades apontadas pela instrução, não sem antes analisar as preliminares aventadas pelos responsáveis.

1. Preliminares

A Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e seu presidente à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, arguiram (fls. 190-191 e 235-236), inicialmente, a incompetência desse Tribunal de Contas para julgar as contas aprovadas pela respectiva SEDR. Segundo eles,

Assiste a esse egrégio Tribunal, na forma da legislação que regulamenta suas atividades funcionais, não só o direito, mas também o dever de promover diligências e vistorias in loco, mas, salvo melhor entendimento, antes da emissão do Parecer Prévio, ou para fundamentar sua emissão, uma vez que o Parecer Prévio exaure para o Tribunal, diante do caso concreto, a função de órgão auxiliar integrante do controle externo das atividades administrativas, ressalvada tão somente a atuação do Ministério Público, em caso de comprovada presença de práticas relacionadas com improbidade administrativa, apurada previamente pelo Tribunal, antes da emissão do Parecer Prévio. Isto é, se o Parecer for pela rejeição das contas.

Contudo, a tentativa de restringir a competência dessa Corte de Contas à análise de contas, afastando a possibilidade de julgamento de contas aprovadas pela instituição estadual, não merece ser acolhida.

A título didático, veja-se a íntegra do art. 1º da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, que traz as competências do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, com especial foco nos incisos III, IV, V e principalmente XI:

Art. 1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma estabelecida nesta Lei:

I — apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador do Estado, nos termos do art. 47 e seguintes desta Lei;

II — apreciar as contas prestadas anualmente pelo Prefeito Municipal, nos termos do art. 50 e seguintes desta Lei;

III — julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;

IV — apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a legalidade dos atos de concessão de aposentadorias, reformas, transferências para a reserva e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório, na forma prescrita em provimento próprio;

V — proceder, por iniciativa própria ou por solicitação da Assembleia Legislativa, de comissões técnicas ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e nas demais entidades referidas no inciso III;

VI — prestar, dentro de trinta dias, sob pena de responsabilidade, as informações solicitadas pela Assembleia Legislativa, ou por qualquer de suas comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;

VII — emitir, no prazo de trinta dias, pronunciamento conclusivo sobre matéria que seja submetida à sua apreciação pela Comissão Mista Permanente de Deputados, nos termos do § 1º do art. 60 da Constituição Estadual;

VIII — auditar, por solicitação da Comissão a que se refere o § 1º do art.122 da Constituição Estadual, ou de comissão técnica da Assembleia Legislativa, projetos e programas autorizados na Lei Orçamentária Anual do Estado, avaliando os seus resultados quanto à eficácia, eficiência e economicidade;

IX — fiscalizar as contas de empresas de cujo capital social o Estado ou o Município participe, de forma direta ou indireta, nos termos do documento constitutivo;

X — fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado ou Município a pessoas jurídicas de direito público ou privado, mediante convênio, acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento congênere, bem como a aplicação das subvenções por eles concedidas a qualquer entidade de direito privado;

XI — aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas nesta Lei;

XII — assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da Lei, se verificada ilegalidade;

XIII — sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembleia Legislativa, exceto no caso de contrato, cuja sustação será adotada diretamente pela própria Assembleia;

XIV — representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados, indicando o ato inquinado e, se for o caso, definindo responsabilidades, inclusive as de Secretário de Estado ou autoridade de nível hierárquico equivalente;

XV — responder consultas de autoridades competentes sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese, relativas à matéria sujeita à sua fiscalização; e

XVI — decidir sobre denúncia que lhe seja encaminhada por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato, e representação, na forma prevista nesta Lei. § 1º Considera-se sociedade instituída e mantida pelo poder público a que se refere o inciso III deste artigo, a entidade para cujo custeio o erário concorra com mais de cinquenta por cento da receita anual.

§ 1º Considera-se sociedade instituída e mantida pelo poder público a que se refere o inciso III deste artigo, a entidade para cujo custeio o erário concorra com mais de cinqüenta por cento da receita anual.

§ 2º No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal decidirá sobre a legalidade, a legitimidade, a eficiência e a economicidade dos atos de gestão e das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia de receitas.

§ 3º As decisões do Tribunal de Contas em processo de consulta, tomadas por no mínimo dois terços dos Conselheiros que o compõem, têm caráter normativo e constituem prejulgamento da tese (grifei).

Nesse sentido, veja-se a lição de Marçal Justen Filho[1] acerca dessa temática:

O controle externo é previsto pela Constituição e sua instituição concreta depende de lei. Isso significa, em primeiro lugar, que nenhuma lei pode introduzir inovadoramente uma modalidade de controle externo não prevista constitucionalmente. Assim se passa porque o controle externo é uma manifestação direta do princípio da separação dos poderes, o qual tem dimensão constitucional.

No entanto, não basta a previsão constitucional para a existência do controle externo. É necessário que uma lei institua e discipline os órgãos encarregados de desempenhá-lo e disponha sobre o seu exercício. Portanto, não se admite o controle externo exercitado sem apoio em lei. [...]

O controle externo não é uma decorrência da titularidade da competência administrativa, diversamente do que se passa com o controle interno. Ele também apresenta natureza de um dever-poder, mas se constitui em uma competência específica e diferenciada, objeto de discriminação constitucional.

A Constituição, ao estabelecer as funções próprias de cada Poder e dos diversos órgãos, prevê instrumentos de controle externo da atividade administrativa. O controle externo se configura como uma função específica e diferenciada, reservada constitucionalmente a Poderes e órgãos determinados.

Assim, por exemplo, a Constituição atribui ao Poder Judiciário a competência jurisdicional para rever os atos administrativos. Essa é uma modalidade de controle externo, subordinada a um regime próprio e diferenciado.

Há a tentação de afirmar que o controle interno se configura como uma modalidade atividade administrativa, enquanto o controle externo apresenta natureza não administrativa. Essa afirmativa é verdadeira quanto ao controle externo realizado por meio da função jurisdicional. Mas a sua admissão generalizada apenas poderá ocorrer quando se reconhecer que a atividade desenvolvida pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público não teria natureza nem administrativa nem jurisdicional, o que significaria superar a tradicional teoria da tripartição dos poderes. Enquanto assim não se passar, ter-se-á de reconhecer que o controle externo desempenhado pelo Poder Legislativo, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público apresenta natureza administrativa – por exclusão, visto que a atuação de controle externo dessas instituições não configura nem função jurisdicional, nem função legiferante.

De todo modo, a atividade administrativa de controle externo desempenhada pelo Poder Legislativo, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público não apresenta natureza jurídica idêntica àquela que é objeto de controle.

Isso significa que, qualquer que seja a concepção adotada relativamente à natureza jurídica da atividade de controle externo, não consiste na assunção das competências próprias e privativas do órgão ou entidade controlada. Ou seja, a atividade administrativa pode ser sujeitada ao controle externo. Mas este não significa a assunção pelo órgão controlador da competência para desempenhar atividade do órgão controlado. Por isso, exercer jurisdição permite rever a validade da atividade administrativa, mas não atribui ao Poder Judiciário competência para se substituir ao órgão administrativo. Idênticas ponderações se fazer relativamente à atuação de controle externo do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas e do Ministério Público (grifei).

Assim, não procede a afirmação de que o Tribunal de Contas teria laborado fora de sua esfera de competências. Em prejuízo das teses arguidas, atente-se para o magistério de Phillip Gil França em obra específica sobre o controle da Administração Pública[2]:

O Tribunal de Contas tem como mister a verificação técnica dos dispêndios e investimentos da Administração Pública. Exemplo de exaltação da saudável tecnicidade objetiva da atuação estatal, o controle exercido pelo Tribunal de Contas deve ser acolhido como meio operacional voltado a afastar a análise subjetiva dos atos administrativos – muitas vezes rotulada como ofensiva ao mérito do Executivo.

As contas; a adequação entre o recebido e o gasto; a correição do dinheiro público empregado de acordo com políticas de Estado factíveis, impessoais e com verdadeiras finalidades de atingir o maior bem comum possível devem ser feitas por um órgão técnico, como o Tribunal de Contas. Da mesma forma que os demais meios de controle da Administração, a valorização, a fortificação e o respeito do trabalho desta instituição são chaves-mestra para a realidade de um Estado forte, promotor do cidadão.

Para Carlos Ayres Brito, tão elevado prestígio conferido ao controle externo e a quem dele mais se ocupa, funcionalmente, é reflexo direto do princípio republicano. Isso porque, mediante a análise de sua doutrina, numa república impõe-se responsabilidade jurídica pessoal a todo aquele que tenha por competência (e consequente dever) cuidar de tudo que é de todos, assim ocorre com o prisma de decisão como pelo prisma de gestão. E tal responsabilidade implica o compromisso da melhor decisão e da melhor administração possíveis. Donde a exposição de todos eles (os que decidem sobre a res publica e os que a gerenciam) à comprovação do estrito cumprimento dos princípios constitucionais e preceitos legais que lhes sejam especificamente exigidos. A começar, naturalmente, pela prestação de contas das sobreditas gestões orçamentária, financeira, patrimonial, contábil e operacional. É essa responsabilidade jurídica pessoal (verdadeiro elemento conceitual da República como forma de governo) que demanda ou que exige, assim, todo um aparato orgânico-funcional de controle externo. E, participando desse aparato como peça-chave, os Tribunais de Contas se assumem como órgãos de impeditivos do desgoverno e da desadministração.

Possui atribuições que o caracteriza como ente controlador da administração dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, deste modo, em que pese seu vínculo ao Poder Legislativo, não se observa qualquer hierarquia na relação com essa função do Estado, em virtude da natureza de fiscalização imparcial de suas atividades (grifei).

Destaca-se, ainda, a exposição da Diretoria de Controle da Administração Estadual às fls. 276v-277:

[...] ainda que a SDR de Tubarão tenha aprovados as contas da subvenção sem indicar irregularidades, isso não impede que o Tribunal de Contas exerça suas competências de controle externo ditadas pelo art. 59 da Constituição Estadual, bem como as previstas no art. 1º da Lei Complementar (estadual) nº 202/2000 – Lei Orgânica.

Nesta senda, o TCE/SC pode a qualquer tempo requisitar processos e documentos para desempenho de suas funções, nos termos dos arts. 3º e 14 da Lei Orgânica, uma vez que detém jurisdição própria estabelecida no art. 6º do mesmo dispositivo legal.

Assim, da observância dos excertos legais e doutrinários acima colacionados, não restam dúvidas da extensão e alcance das competências dos Tribunais de Contas, de modo que não merece acatamento a preliminar de impropriedade do julgamento em face do objeto.

Às fls. 191-192 e 236-237, o Sr. Edvan Bez de Oliveira e a Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal arguiram também a ocorrência de prescrição da ação punitiva do Estado, em razão do tempo e da inexistência de desvio de recursos públicos.

Não obstante os argumentos referidos, cumpre lembrar que as irregularidades pelas quais tais responsáveis foram citados a se manifestarem no presente processo implicaram em danos ao erário, de modo que a respectiva ação de ressarcimento está abarcada pela imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5º, da CRFB/88.

A propósito, o Pleno do Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre o tema no Mandado de Segurança n. 26.210-9/DF, julgado em 04.09.2008, concluindo pela imprescritibilidade da ação de ressarcimento do Estado em face do particular e invocando, para isso, a doutrina de José Afonso da Silva.

Ainda com relação à imprescritibilidade, o Tribunal de Contas da União, no incidente de uniformização de jurisprudência proveniente da Tomada de Contas n. 005.378/2000-2, julgado em 26.11.2008, pacificou o entendimento daquela Corte no seguinte sentido:

A temática aqui analisada trata exclusivamente de interpretação de dispositivo constitucional. Considerando que o STF, intérprete maior e guarda da Constituição, já se manifestou no sentido de que a parte final do § 5o do art. 37 da Carta Política determina a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, não me parece razoável adotar posição diversa na esfera administrativa. [...]

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1. deixar assente no âmbito desta Corte que o art. 37 da Constituição Federal conduz ao entendimento de que as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis [...] (grifei).

Por sua vez, deve-se destacar que a questão da prescrição fora disciplinada, no âmbito dessa Corte de Contas, pela Lei Complementar Estadual n. 588/2013. Nesse sentido, entretanto, ressalta-se que o art. 3º, inciso I, da Resolução n. TC-100/2014 (que regulamenta a aplicação da Lei Complementar Estadual n. 588/2013 nesse Tribunal de Contas) destaca que a legislação em comento será afastada nos casos de dano ao erário:

Art. 3° A aplicação do art. 24-A da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 será afastada nas seguintes hipóteses:

I - incidência do art. 37, §5°, da Constituição Federal nos processos em que for caracterizado dano ao erário, conforme dispõem os arts. 15, §3°, 18, inciso lll e §2°, e 32 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000;

[...]

De qualquer forma, mesmo se a Lei Complementar Estadual n. 588/2013 fosse aplicada indistintamente a todas as irregularidades discutidas no presente processo, também não estaria configurada a prescrição pretendida pelos responsáveis.

Com efeito, extrai-se da referida normativa que essa Corte de Contas tem o prazo de 5 anos, contados da citação do responsável pelos atos administrativos impugnados, para proferir decisão definitiva sobre o processo. Considerando-se, portanto, que as citações dos responsáveis foram realizadas em 27.07.2015 e 18.09.2015 (fls. 167 e 231), as prescrições somente incidiriam no presente processo em 27.07.2020 e 21.09.2020, respectivamente.

Dessa forma, entendo que a prescrição não atingiu o presente processo.

A Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal arguiu (fls. 237-239), também, a ilegitimidade passiva do atual presidente da associação, Sr. Fabio dos Santos Pieri, por não ter assinado o cheque.

De forma semelhante, o Sr. Edvan Bez de Oliveira arguiu (fls. 192-195) a sua ilegitimidade passiva, alegando que deixou a presidência da Associação em 15.01.2012, ocasião em que o Sr. Fabio dos Santos de Pieri assumiu o cargo.

Ainda, o Sr. Edvan Bez de Oliveira alegou que o cheque foi assinado em conjunto com o tesoureiro da Associação, Sr. Idoir Daufemback, justificando que, “diante do pagamento dos recursos em atraso, e uma vez que a ata da Associação ainda não tinha sido levada ao banco para cadastro do novo presidente, o Sr. EDVAN BEZ DE OLIVEIRA, que já possuía cadastro assinou o referido cheque” (fls. 192-193).

De pronto, convém ressaltar que em nenhum momento se apontou a responsabilidade do Sr. Fabio dos Santos Pieri pelas irregularidades relativas à prestação de contas dos recursos repassados à Associação. Conforme bem exposto pela área técnica às fls. 279v-280, a responsabilidade estaria adstrita à entidade proponente e ao seu representante legal à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, pelos seguintes motivos:

Apesar de não ser mais representante legal da entidade, o Sr. Edvan movimentou o recurso do convênio, por meio da assinatura do cheque em 27/03/12, participando de forma ativa na aplicação dos recursos. Além disso, assinou o Contrato de Apoio Financeiro nº 2955/2012-6 em 16/03/12 (fls. 41-46), o contrato com a empresa que prestaria os serviços de locação de estrutura e divulgação do evento em 15/02/12 (fls. 109 a 115) e a liquidação da despesa na Nota Fiscal nº 000455 (fl. 84), certificando que os serviços foram prestados, em 27 de março de 2012.

Por fim, na mesma data, o Sr. Edvan assinou o cheque nº 850019, utilizado para o pagamento da despesa. Conforme exposto na sua defesa (fl. 192), o fato de ter assinado o cheque ocorreu em virtude da ata de posse da nova diretoria não ter sido entregue no banco, não permitindo, assim a atualização do cadastro. Mesmo que não figurasse mais como representante legal da entidade e, independentemente da situação que levou ao atraso na atualização do cadastro da entidade junto à instituição bancária, fato é, que o Sr. Edvan teve atuação direta e fundamental na aplicação dos recursos [...]

Além disso, atribui-se ao Sr. Edvan a responsabilidade pelos atos de prestação de contas – os quais foram assinados pelo Sr. Fabio, tais como o atraso na entrega da prestação de contas e a supressão de outras receitas, uma vez que o Sr. Edvan exerceu de fato todos os demais atos para a realização do projeto, mesmo não estando formalmente mais à frente da Associação.

Verifica-se, inclusive, que o próprio Sr. Edvan Bez de Oliveira declarou, à fl. 21, a sua responsabilidade pelo “recebimento, aplicação e futura prestação de contas dos recursos solicitados por esta entidade”.

Assim, não há que se cogitar a responsabilização do tesoureiro, mas tão somente daqueles que tinham a obrigação de prestar contas em conformidade com as normas legais e regulamentares, a teor do disposto na Instrução Normativa n. TC-14/2012:

Art. 1º O responsável pela gestão de dinheiro público deve demonstrar que os recursos foram aplicados em conformidade com as leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes e nas finalidades a que se destinavam, por meio da respectiva prestação de contas, em cumprimento ao disposto no parágrafo único do art. 58 da Constituição do Estado. [...]

§ 2º Para os fins desta Instrução Normativa, considera-se: I - Responsável:

a) a autoridade administrativa titular da competência para a concessão dos recursos e do correspondente dever de exigir a prestação de contas;

b) a pessoa física beneficiária de recursos públicos e o representante legal de pessoa jurídica de direito público ou privado que tenha recebido recurso público sujeito à prestação de contas;

c) a pessoa jurídica de direito privado que tenha recebido recurso público sujeito à prestação de contas;

d) os demais agentes públicos envolvidos no processo de concessão e na fiscalização da aplicação dos recursos concedidos (grifei).

Diante do exposto, e considerando toda a explanação da Diretoria de Controle da Administração Estadual (fls. 279-286) acerca do desenvolvimento doutrinário-jurisprudencial da questão da responsabilização solidária da pessoa jurídica de direito privado recebedora de recursos públicos que dá causa a danos ao erário[3], entende-se que não há óbice à responsabilização solidária da entidade proponente e de seu representante legal à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, sendo improcedente também a arguição de ilegitimidade passiva.

2.     Irregularidades na concessão dos recursos

A Diretoria de Controle da Administração Estadual identificou diversas irregularidades relativas ao processo de concessão dos recursos em comento, assinalando como responsável o Sr. Haroldo de Oliveira Silva, então Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Tubarão.

O fundamento da responsabilização do Sr. Haroldo de Oliveira Silva reside no fato de ele, na qualidade de ordenador primário, ter aprovado/homologado o repasse sem certificar-se da legalidade dos procedimentos adotados até aquele momento no processo de concessão, chancelando, portanto, o repasse dos recursos ora analisados ao arrepio dos requisitos e procedimentos determinados na legislação aplicável.

Na linha do que já fora exaustivamente pontuado por esta representante ministerial em processos similares[4], a responsabilidade solidária do referido gestor está delineada no art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c”, c/c § 2º, alíneas “a” e “b”, do mesmo dispositivo, todos da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Em relação às irregularidades identificadas no processo de concessão dos recursos em comento, destacam-se (1) a ausência de documentos exigidos para a tramitação da concessão; (2) a ausência do parecer de enquadramento do projeto no PDIL; (3) a ausência do parecer técnico e orçamentário; e (4) o repasse dos recursos financeiros em data posterior à ocorrência do evento.

Note-se que todas essas questões estão expressamente previstas nas normativas legais e regulamentares aplicáveis como indispensáveis à concessão de recursos do SEITEC a particulares, configurando suas ocorrências, portanto, em irregularidades graves que comprometem a lisura do processo de repasse dos recursos.

O Sr. Haroldo de Oliveira Silva, por sua vez, não apresentou quaisquer justificativas hábeis a sanar as restrições verificadas, trazendo singelos argumentos (fls. 247-248) que são sistematicamente rebatidos e afastados em processos similares pela área técnica, por este órgão ministerial e, em grande medida, também pelo Pleno desse Tribunal.

Nesse sentido, e remetendo-me ao disposto pela Diretoria de Controle da Administração Estadual nos pareceres técnicos que compõem os presentes autos – especialmente o que fora delineado às fls. 286v-292v –, esta representante ministerial rebate as alegações de defesa apresentadas pelo Sr. Haroldo de Oliveira Silva, repisando a obrigatoriedade da presença de todos os documentos formais que estão ausentes no processo de concessão dos recursos em comento e a irregularidade atinente ao repasse dos recursos financeiros após a realização do evento.

Portanto, verifica-se que os argumentos apresentados pelo responsável não foram capazes de sanar as presentes restrições, motivo pelo qual sugiro a manutenção das irregularidades relacionadas à concessão dos recursos, o que implica na responsabilização solidária do Sr. Haroldo de Oliveira Silva na imputação de débito no valor de R$ 70.000,00, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, consoante será exposto ao final deste parecer.

3.     Irregularidades na prestação de contas

Conforme será analisado nos subitens seguintes deste parecer, a Diretoria de Controle da Administração Estadual apurou uma série de irregularidades na prestação de contas objeto destes autos, configurando ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos recebidos, em afronta ao art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual n. 381/2007 e ao art. 49 da então vigente Resolução n. TC-16/94 dessa Corte de Contas, de modo que, nos termos do art. 52, incisos II e III, da já mencionada Resolução n. TC-16/94, considera-se que as presentes contas sequer foram prestadas.

A responsabilidade pelas falhas na aplicação dos recursos e respectiva prestação de contas, com a consequente obrigação de ressarcimento ao erário, por sua vez, é atribuída à entidade recebedora dos recursos e ao seu representante legal à época, em face do disposto no art. 1º, § 2º, inciso I, alínea “c”, da Instrução Normativa n. TC-14/2012, e no art. 133, § 1º, alínea “a”, do Regimento Interno dessa Corte de Contas, entendimento também já pacificado pelo Tribunal de Contas da União, conforme destacado ao final do item 1 deste parecer.

3.1. Indevida apresentação de comprovante de despesa inidôneo

A Diretoria de Controle da Administração Estadual verificou que a empresa Djalma Produções Artísticas Ltda. declarou ao fisco municipal valor distinto daquele inserido na nota fiscal n. 000455 (fl. 84), sugerindo que as despesas não foram executadas da forma como apresentada na prestação de contas. Dessa forma, restou configurada afronta ao disposto nos arts. 49, 52 e 58 da então vigente Resolução n. TC-16/94.

Com efeito, extrai-se da conclusão remetida pela Secretaria da Fazenda de Braço do Norte (fl. 153) que a empresa declarou o valor de R$ 13.000,00, e não de R$ 73.200,00, como se verifica na nota fiscal apresentada a essa Corte de Contas, acrescentando-se o apontamento da área técnica (fls. 293-293v) de que o fornecimento de refeições e camisetas sequer faria parte da atividade econômica da pessoa jurídica Djalma Produções Artísticas Ltda.

Às fls. 195 e 240, a entidade proponente e seu representante legal à época apresentaram, em síntese, os mesmos argumentos, afirmando que a nota fiscal juntada à prestação de contas demonstraria a boa-fé dos responsáveis.

Na sequência, o Sr. Edvan Bez de Oliveira argumentou (fl. 266) que não poderia ser penalizado pela sonegação e crime praticados pela empresa, os quais seriam passíveis de apuração nas vias ordinárias.

Todavia, destaque-se que não há nenhum dispositivo na Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de má-fé para com o imputável. Mais ainda, no âmbito do direito administrativo, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato de praticar a conduta, a qual se constata no presente caso.

E, nesse sentido, a área técnica foi clara ao atribuir a responsabilidade pela presente restrição, conforme se extrai à fl. 303:

Observa-se que não se trata de afirmar quem fraudou a referida nota fiscal, mas do seu uso em processo administrativo de prestação de contas. O uso de documento falsificado ou alterado está tipificado no Código Penal, art. 304, sendo um vício insanável no presente processo. Ademais, o Sr. Edvan buscou recursos públicos, por meio da Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, para a realização do evento motociclístico, subcontratando a empresa Djalma Produções – à revelia da lei – para organizar o evento.

Já a pessoa jurídica Djalma Produções Artísticas Ltda., por sua vez, limitou-se a afirmar (fl. 173) que jamais teve, em seus 10 anos de atuação no mercado, qualquer envolvimento com emissão de documentos fiscais inidôneos, sem apresentar quaisquer informações ou documentos que pudessem justificar o apontamento efetuado por essa Corte de Contas.

Registre-se que os indícios aqui não se limitam à mera irregularidade fiscal da empresa, mas sim à possível simulação de serviços não prestados ou compra de materiais não entregues, o que implica na responsabilização da entidade que deveria gerir esses recursos, de seu presidente à época e da empresa emissora da documentação.

Portanto, considerando a ausência de informações ou documentos que pudessem sanar a irregularidade ou mesmo afastar as responsabilidades atribuídas, tem-se que a nota fiscal de fl. 84 não está dotada de credibilidade, sendo inapta a comprovar os gastos com recursos públicos a que se referem, de modo que deve ser imputado débito à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, ao seu presidente à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, e à pessoa jurídica Djalma Produções Artísticas Ltda. no valor de R$ 70.000,00 (limite do valor repassado) - sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano -, conforme o disposto na conclusão deste parecer.

3.2. Ausência da movimentação em conta bancária, através de cheques nominais e individualizados por credor

Constatou-se que a movimentação bancária da conta corrente da Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal não foi efetuada devidamente, pois, segundo apontado pela área técnica, os recursos teriam sido movimentados por meio de saque bancário, em afronta ao art. 47 da então vigente Resolução n. TC-16/94, que determina que a movimentação dos recursos antecipados deve ser realizada por cheques nominais e individualizados por credor.

Em suas alegações de defesa (fls. 197 e 241), a entidade proponente e o seu presidente à época informaram que o pagamento ocorreu através de cheque no valor integral do repasse.

Após analisar as justificativas apresentadas pelos responsáveis, a Diretoria de Controle da Administração Estadual concluiu (fls. 295-295v) pelo afastamento da restrição, em face da comprovação de que os recursos teriam sido movimentados por meio do Cheque n. 850019, no valor de R$ 73.200,00, o qual estaria cruzado e nominal à empresa Djalma Produções Artísticas Ltda.

Entretanto, divirjo do encaminhamento proposto pela área técnica por entender que a conclusão anotada no item 3.6 deste parecer – e também no item 2.4.1.7 do relatório de reinstrução (fls. 301-302) – interfere diretamente na análise da presente restrição, impedindo que se constate a autenticidade da documentação acostada à fl. 85 dos autos.

Assim, manifesto-me pela manutenção da irregularidade, a corroborar com a imputação de débito à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e ao seu presidente à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, no valor de R$ 70.000,00 - sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano -, conforme o disposto na conclusão deste parecer.

3.3. Falta de demonstração de todas as receitas obtidas por patrocinadores, apoiadores, bem como demonstração de que foram utilizados para a realização do evento

O corpo técnico dessa Corte de Contas identificou que a prestação de contas apresentada pela Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, relativa ao projeto “Encontro de Motociclismo de Gravatal 2012”, deixou de observar o disposto no art. 70, inciso XIII, do Decreto Estadual n. 1.291/08, que exige a demonstração de todas as despesas e receitas envolvidas no projeto patrocinado com recursos do SEITEC, inclusive aquelas auferidas por meio de outros patrocínios e bilheteria, as quais devem ser integralmente aplicadas no objeto do contrato.

Em suas respostas (fls. 197 e 241), a entidade proponente e o seu representante legal à época se limitaram a negar a existência de renda externa, patrocínio ou colaboração, ressaltando que as empresas apenas manifestaram seu apoio com a divulgação do evento.

Em que pese tais argumentos, há nos autos documentos que evidenciam suficientemente a participação da empresa Djalma Produções Artísticas Ltda. como promotora do evento (fl. 13) e a utilização de palco, iluminação, som e banda (fls. 116-131), o que, em conjunto com a declaração do presidente da entidade à época de que o evento teve um “custo total três vezes superior a verba pública repassada pelo Estado” (fls. 265-266), revela a existência de despesas e receitas que não foram demonstradas por meio da prestação de contas.

Assim, tendo em vista que os argumentos apresentados não foram capazes de desconstituir a presente irregularidade, opino pela manutenção do apontamento, a corroborar com a imputação de débito à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e ao seu presidente à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, no valor de R$ 70.000,00 - sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano -, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

3.4. Terceirização dos recursos recebidos

Apontou-se a irregularidade pela transferência integral dos recursos públicos recebidos pela entidade convenente, no valor de R$ 70.000,00, à pessoa jurídica Djalma Produções Artísticas Ltda. por meio do Cheque n. 850019 (fl. 85, na quantia de R$ 73.200,00), sendo, inclusive, confirmado pelos responsáveis que o projeto foi executado pela empresa Djalma Produções Artísticas Ltda. (fls. 197 e 239).

Através dessa operação, a Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal terceirizou integralmente a execução do objeto para uma pessoa jurídica de direito privado com fins lucrativos, o que é expressamente vedado pelo Decreto Estadual n. 1.291/08, a saber:

Art. 1º A execução descentralizada de programas de governo e ações da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte - SOL, que envolva a transferência de recursos, financiados pelo Fundo Estadual de Incentivo à Cultura - FUNCULTURAL, Fundo Estadual de Incentivo ao Turismo - FUNTURISMO e Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte - FUNDESPORTE, no âmbito do Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte - SEITEC, mediante vinculação a projeto, será efetivada por meio da celebração de instrumento legal denominado Contrato de Apoio Financeiro, nos termos deste Decreto, observada a legislação pertinente.

§ 1º Para efeitos da execução do Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte - SEITEC, consideram-se:

I - contratado (a) - proponente: [...]

b) pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos que comprove registro legal no Estado de Santa Catarina, com finalidade estatutária compatível com a área passível de aprovação pelo Fundo que a abrange; e [...]

§ 2º A descentralização da execução de programas de governo e ações dos Fundos da cultura, turismo e esporte, através do Instrumento Legal, somente se efetivará para proponentes que comprovem capacidade profissional, administrativa e financeira para realizá-lo e tenham atribuições regimentais ou estatutárias relacionadas com este objeto. [...]

Art. 42. O instrumento legal conterá, expressa e obrigatoriamente, cláusulas que estabeleçam: [...]

XIX - a proibição de o proponente repassar os recursos financeiros recebidos pelo Fundo a outras entidades de direito público ou privado; (grifei).

A Diretoria de Controle da Administração Estadual destacou (fl. 298v), ainda, a subcontratação de outras empresas, conforme declarado pela pessoa jurídica Djalma Produções Artísticas Ltda. à fl. 184 dos autos:

Denota-se, desta forma, que a nota fiscal nº 000455 não demonstra a veracidade dos fatos, pois os serviços discriminados não foram contratados pela Associação dos Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal (entidade proponente), mas, sim, por Djalma Produções Artísticas Ltda. (suposta prestadora dos serviços), que, por sua vez, subcontratou os serviços, deixando de comprovar nos autos referidas subcontratações, bem como a forma em que se deram os pagamentos (cópia dos cheques e movimentação bancária), informações estas essenciais para demonstrar a boa e regular aplicação dos recursos, haja vista a perda do vínculo entre o recurso público repassado à entidade proponente com a contratação dos serviços visando a realização do evento.

Restou evidente, dessa maneira, o intuito de mascarar a concessão de recursos públicos à empresa privada com fins lucrativos, o que foi possibilitado em razão da deficiente análise efetuada pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Tubarão no processo de concessão dos recursos.

Perante a presente restrição, efetuou-se a citação da entidade convenente e de seu presidente à época para que apresentassem alegações de defesa.

O Sr. Edvan Bez de Oliveira, às fls. 265-270, negou a ocorrência de terceirização dos serviços, afirmando que o evento teria custado três vezes o valor repassado e que, por esse motivo, o valor de R$ 70.000,00 foi integralmente repassado à empresa Djalma Produções Artísticas Ltda. para aluguel de tendas, divisórias, grades de isolamento, banheiros químicos, camisetas e refeições aos participantes.

Já a Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, por sua vez, deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação em relação à presente irregularidade, consoante atestado à fl. 274.

Ao se analisar os argumentos apresentados pelo Sr. Edvan Bez de Oliveira, verifica-se que sua resposta apresenta informações totalmente contraditórias, pois ao longo de toda a sua defesa nos autos afirmou que o evento foi de fato executado pela empresa Djalma Produções Artísticas Ltda.

Assim, em razão da ausência de novas informações ou documentos que pudessem descaracterizar a constatação de terceirização dos serviços, entendo que a presente irregularidade deve ser mantida, corroborando para a imputação de débito à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e ao seu representante legal à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, no valor de R$ 70.000,00, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, consoante o disposto ao final deste parecer.

3.5. Ausência de comprovação material da aquisição dos serviços

A Diretoria de Controle da Administração Estadual apurou que a prestação de contas encaminhada pela Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal é bastante deficitária, estando ausentes os elementos mínimos que comprovassem que, de fato, os materiais e serviços elencados na Nota Fiscal n. 000455 (fl. 84) foram adquiridos, prestados e utilizados para os fins a que se destinavam.

Esse entendimento decorre da constatação da ausência de notícias em revistas ou jornais, relação dos beneficiários das camisetas e refeições[5], e da inexistência de registros fotográficos dos materiais adquiridos que pudessem comprovar que eles foram de fato comprados e alugados, e possibilitar, mesmo que superficialmente, a aferição de conformidade com a descrição dos bens contida nas notas fiscais apresentadas.

A Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal não se manifestou especificamente em relação à presente irregularidade, limitando-se a atribuir a responsabilidade pela execução do projeto à empresa Djalma Produções Artísticas Ltda., a qual, por sua vez, alegou (fls. 172-187) que essa Corte de Contas poderia confirmar o fornecimento de 800 refeições com o Hotel Internacional, onde foi realizado o jantar temático.

Todavia, é importante esclarecer que o dever de comprovar a boa e regular aplicação dos recursos em comento é do representante legal à época da entidade recebedora dos recursos, consoante declarado à fl. 21 dos autos, e não dessa Corte de Contas.

Nesse sentido, a Resolução n. TC – 16/94 é clara ao dispor sobre a obrigação de o gestor comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos. Veja-se: 

Art. 49. O responsável pela aplicação de dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprego, na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes (grifei).

Sabe-se que essa última norma foi em grande parte revogada pela Instrução Normativa n. TC-14/2012, que melhor sistematizou a temática já em seu art. 1º[6], o que, todavia, não lhe retirou a imperatividade decorrente de sua vigência à época dos fatos analisados nos presentes autos.

Por conta desse entendimento, inclusive, é que divirjo em parte da conclusão apresentada pela área técnica, por entender que a empresa prestadora dos serviços – embora tenha sido irregularmente responsável pela execução do projeto – não pode ser responsabilizada pela ausência de comprovação material da prestação dos serviços[7], haja vista que a pessoa jurídica não figura dentre os responsáveis pela gestão de recursos públicos, a teor do disposto no art. 1º, § 2º, da Instrução Normativa n. TC-14/2012.

Quanto à apresentação, por parte da empresa, de um exemplar da camiseta produzida (fl. 187) e de declarações dos fornecedores confirmando a confecção das peças (fl. 185) e a locação de tendas, divisórias, grades de isolamento e banheiros químicos portáteis (fl. 184), ressalta-se que as declarações, apesar de serem aceitas como comprovantes de despesas – desde que devidamente autenticadas –, não possuem o condão de comprovar isoladamente o fornecimento dos materiais e a prestação dos serviços, devendo ser apresentados – conforme anteriormente exposto – documentos complementares que demonstrem que os materiais e serviços indicados no documento fiscal foram, de fato, utilizados no objeto proposto.

De igual modo, o Sr. Edvan Bez de Oliveira não apresentou quaisquer documentos que pudessem alterar a constatação da irregularidade, informando tão somente que os serviços foram utilizados e atribuindo a ausência de identificação de todos os produtos nos registros fotográficos em razão da grande dimensão do evento.

Ainda, após tecer comentários acerca da presunção de legitimidade dos atos administrativos (fls. 268-269), afirmou que não agiu de má-fé, tendo em vista que o evento foi comprovadamente realizado, e requereu a produção de todos os meios de prova em direito admitidas (fl. 270).

Apesar de tais alegações, convém lembrar novamente que ao responsável incumbe a faculdade de apresentar a documentação que comprove suas justificativas, tendo em vista a inversão do ônus da prova nos processos de prestação e tomada de contas, em razão da prevalência do princípio da supremacia do interesse público.

Além disso, entende-se pertinente traçar outros esclarecimentos – além daqueles já expostos no item 3.1 deste parecer – acerca da relação que a boa-fé guarda com as atividades desempenhadas no âmbito da Administração Pública.

Verifica-se em diversos processos que tramitam nessa Corte de Contas a contumaz tentativa de afastar a responsabilização dos agentes, desconstituir débitos e cancelar multas, sob o argumento de que os atos que deram ensejo às irregularidades não se revestiram de má-fé.

Tal justificativa é ineficaz na medida em que a simples (e hipotética) ausência de má-fé não implica necessariamente que tenha sido observado o seu oposto, isto é, a boa-fé.

De acordo com Maria Helena Diniz[8], o princípio da boa-fé está:

[...] intimamente ligado não só à interpretação do contrato – pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade (integridade de caráter), denodo e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não traindo a confiança depositada, procurando cooperar, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas, etc. É uma norma que requer o comportamento leal e honesto dos contratantes, sendo incompatível com quaisquer condutas abusivas, tendo por escopo gerar na relação obrigacional a confiança necessária e o equilíbrio das prestações e da distribuição dos riscos e encargos, ante a proibição do enriquecimento sem causa. Trata-se, portanto, da boa-fé objetiva. [...]

A boa-fé objetiva está relacionada com o inadimplemento absoluto do contrato, ou melhor, com a violação positiva da obrigação contratual. Logo, se um dos contratantes não vier a cumprir seu dever, estará ofendendo a boa-fé objetiva, caracterizando o inadimplemento do ato negocial, independentemente de culpa (Enunciado n. 24 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal) (grifei).

Por sua vez, o Código Civil Comentado[9], sob organização do ex-Ministro do STF, Cezar Peluso, traz as seguintes considerações sobre a boa-fé:

Tendo em mente que os três grandes paradigmas do CC/2002 são eticidade, socialidade e operabilidade, a boa-fé objetiva é a maior demonstração de eticidade da obra conduzida por Miguel Reale. No CC/2002, o neologismo eticidade se relaciona de forma mais próxima com uma noção de moralidade, que pode ser conceituada como uma forma de comportamento suportável, aceitável em determinado tempo e lugar. Destarte, a boa-fé servirá como um parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação objetiva entre meios e fins. [...]

Em sentido diverso, o princípio da boa-fé objetiva – localizado no campo dos direitos das obrigações – é o objetivo de nosso enfoque. Trata-se da “confiança adjetivada”, uma crença efetiva no comportamento alheio. O princípio compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte. [...]

De fato, o princípio da boa-fé justifica-se no interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir na cooperação e na retidão, garantam a promoção do valor constitucional do solidarismo, incentivando o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos parâmetros sedimentados de honestidade e lisura. Seria, em última instância, a tradução do campo jurídico do indispensável cuidado e da estima que devemos conceder ao nosso semelhante.

[...] É preciso desde logo apartar a boa-fé das noções de equidade e bons costumes. O princípio da boa-fé é justificado sistematicamente, sendo capaz de enunciar comportamentos concretos. A outro turno, a equidade ignora regras técnicas e instrumentais, pois apela a “sentimentos jurídicos”, tratando-se de um princípio que permite ao aplicador da norma a possibilidade de abrandar o seu rigor, aproximando o direito da ideia de justiça. Comparativamente aos bons costumes, os requisitos da boa-fé são mais rígidos, pressupondo uma especial confiança entre as pessoas que intervêm na relação jurídica concreta. Já os bons costumes remetem a algo exterior ao direito e limitado à autonomia privada, já que, ao contrário da boa-fé, eles não prescrevem comportamentos, mas proscrevem condutas ofensivas à moral média. Enfim, nem toda infração à boa-fé é contrária aos bons costumes, mas a recíproca não é verdadeira, pois toda conduta imoral representa uma ofensa à boa-fé.

Para descobrir a boa-fé no caso concreto, objetiva-se a situação – livrando-a dos aspectos subjetivos – indagando-se: qual seria a conduta confiável e leal conforme os padrões culturais incidentes no tempo e no lugar? Diante da resposta, cumpre observar se os contratantes observaram ou não o aludido padrão (grifei).

Torna-se claro, portanto, que há considerável diferença entre a simples ausência de má-fé e a inobservância da boa-fé. Em casos como o presente, é plenamente possível que o agente atue, de fato, apartado da má-fé, mas ao mesmo tempo alheio aos ditames e requisitos que revestem a boa-fé. Nessa medida, entende-se que remanesce a possibilidade de responsabilização dos agentes por restrições emanadas de tais condutas.

Por fim, apesar de o responsável requisitar a oitiva de testemunhas e a realização de prova pericial para comprovar a realização do objeto proposto, ressalta-se que não há qualquer dispositivo na legislação dessa Corte de Contas que ampare tais pleitos.

Longe disso, a ampla defesa em processos administrativos que tramitam nessa Corte de Contas não deve ser considerada de forma irrestrita, com especial atenção ao fato de que as provas vinculadas a restrições nesta seara se pressupõem eminentemente documentais. Somente em hipóteses excepcionais, onde a prova documental não seja suficiente para esclarecer os fatos, consagra-se a possibilidade de deferir as demais medidas.

Nesse sentido, transcreve-se excerto do Relatório n. DRR-199/2014, elaborado pela Diretoria de Recursos e Reexames nos autos do processo REC n. 14/00444346 (fls. 16-17 de referido processo):

Ademais, cabe esclarecer ao Recorrente que para os processos de Tomada de Contas Especial que tramitam nesta Corte de Contas, não há previsão legal para justificar o pleito de “oitiva pessoal” dos agentes públicos que estejam sendo convidados a prestar esclarecimentos a esta Corte de Contas, tal como, não se convoca “testemunhas” para prestar depoimentos sobre os fatos, atos e contratos auditados, cabendo aos agentes públicos e terceiros citados, apresentar por escrito as justificativas e os documentos que entenderem ser necessários para o esclarecimentos dos fatos. [...]

No que se refere a perícia técnica pleiteada, cabe esclarecer ao Recorrente que, não há previsão legal que legitime sua pretensão, não sendo possível o Tribunal de Contas determinar ou impor – como ocorre em processos judiciais – que terceiros realizem perícias para o Tribunal de Contas.

Não se trata de omissão quanto a previsão à produção de prova pericial, mas de regramento próprio aos processos que tramitam no TCE/SC, em que a citação dos supostos envolvidos nos atos de gestão que estejam sendo fiscalizados, abra a oportunidade de os citados apresentarem as suas justificativas por escrito no prazo de 30 dias (art. 123 c/c 124 do Regimento Interno do TCE/SC), lhes cabendo juntar documentos que entenderem ser pertinentes à solução da controvérsia em discussão (art. 144, § 4º do Regimento Interno do TCE/SC), o que incluiu fotos, laudos periciais, e tudo que permita obter a verdade real sobre os atos sob análise desta Corte de Contas.

Portanto, entendendo ser oportuno a realização de perícia técnica, cabe aos responsáveis e interessados que tenham sido citados em processos que tramitam no TCE/SC, promover a produção dos laudos a apresentá-los ao TCE/SC.

Aliás, no Código de Processo Civil – invocado pelo Recorrente – a realização de perícia2 ou o acolhimento da conclusão do laudo3 , não é uma garantia indiscutível da parte no processo judicial, podendo o Juiz do feito indeferir pleito de perícia proposto pela parte, ou mesmo desconsiderar a conclusão do laudo pericial, sem que com isto seja considerado prejudicado o exercício do direito ao contraditório e ampla defesa.

No caso de processos de prestação de contas e tomada de contas especial, faz-se imprescindível a juntada de documentos para comprovação da boa e regular aplicação do dinheiro público, razão pela qual o deferimento de prova testemunhal ou pericial se mostra inócuo, apenas atrasando o curso normal do processo sem nenhuma utilidade prática.

Vê-se, assim, que a única medida cabível é a produção de prova documental, a qual, apesar de requisitada pelo responsável, já foi amplamente utilizada ao longo de toda a instrução processual e, ainda assim, em nenhuma dessas oportunidades foram juntados aos autos documentos que comprovassem a correta destinação dos recursos públicos para a realização do projeto “Encontro de Motociclismo de Gravatal 2012”, motivo pelo qual refuta-se as medidas pleiteadas.

Dessa forma, entendo que a restrição deve ser conservada, a corroborar com a imputação de débito à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e ao seu representante legal, Sr. Edvan Bez de Oliveira, no valor de R$ 70.000,00 - sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano -, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

3.6. Apresentação de cópias de cheque divergentes

A Diretoria de Controle da Administração Estadual requereu o encaminhamento de fotocópia do microfilme do Cheque n. 850019, tendo em vista que as fotocópias do cheque acostadas às fls. 85, 203 e 217 divergem daquela juntada à fl. 225, o que indica uma possível adulteração ou falsificação do documento – conduta essa tipificada no Código Penal, inclusive – com a intenção de mascarar a boa e regular aplicação dos recursos públicos repassados pelo Estado para execução do projeto “Encontro de Motociclismo de Gravatal 2012”.

Inclusive, a constatação de que o cheque foi originalmente emitido ao portador viola o procedimento disciplinado pelo art. 47 da Resolução n. TC-16/94 e pelo art. 58, § 2º, do Decreto Estadual n. 1.291/08 – conforme já analisado no item 3.2 deste parecer –, inviabilizando a aferição do nexo entre o pagamento e a respectiva despesa.

Citados para se manifestarem quanto à presente restrição (fls. 260v e 273), os responsáveis não apresentaram quaisquer informações ou documentos capazes de sanar a irregularidade ou afastar a responsabilidade atribuída a eles.

Assim, sugiro a manutenção da irregularidade em comento, a corroborar com a imputação de débito à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e ao seu representante legal, Sr. Edvan Bez de Oliveira, no valor de R$ 70.000,00 - sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, consoante disposto na conclusão deste parecer.

3.7. Ausência de comprovação da aplicação da contrapartida social

Em cumprimento aos arts. 52, inciso III, e 53 do Decreto Estadual n. 1.291/08, a entidade proponente apresentou o projeto de solicitação de recursos oriundos do SEITEC estipulando a realização de contrapartida social pelo recebimento do incentivo, a qual previa (fls. 11-12) a “Realização de um dia de Lazer para crianças de 3 a 10 anos” com a disponibilização de R$ 2.000,00, a título de contrapartida social e financeira. A instrução, no entanto, apurou que inexistem nos autos documentos que comprovem que referida contrapartida tenha sido realizada.

Em resposta (fls. 197 e 242), a entidade proponente e seu representante legal à época alegaram que a aplicação da contrapartida foi feita através de depósito bancário na conta da associação (fl. 59), a fim de possibilitar a compensação do cheque feito para pagamento das despesas.

Em que pese tais justificativas, não foram acostados aos autos quaisquer documentos que comprovassem a realização da ação social com crianças de 3 a 10 anos, motivo pelo qual sugiro a manutenção da irregularidade, com a consequente aplicação de multa ao responsável, Sr. Edvan Bez de Oliveira, conforme o disposto na conclusão deste parecer.

3.8. Apresentação de prestação de contas fora do prazo

O art. 70, parágrafo único, da CRFB/88, bem como o art. 58 da Constituição Estadual, estabelecem a obrigatoriedade de prestação de contas daquele que utilizar, arrecadar, guardar, gerenciar ou administrar dinheiros, bens e valores públicos. No mesmo sentido, a Lei Complementar Estadual n. 381/2007, em seu art. 144, § 1º, esclarece que a prestação de contas se destina a comprovar o bom e regular emprego do dinheiro público em conformidade com as leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.

O dever de prestar contas dos recursos públicos recebidos é, portanto, além de uma imposição constitucional, uma obrigação moral, intimamente relacionada ao princípio da publicidade e à necessária transparência que deve permear as ações do Poder Público.

No caso em comento, o prazo para apresentação da prestação de contas obedece ao art. 69 do Decreto Estadual n. 1.291/08, devendo ser apresentada no prazo de 180 dias no caso de primeira parcela ou de parcela única e de 60 dias a partir do recebimento de cada parcela do repasse, com exceção à primeira.

No entanto, como se não bastassem todas as irregularidades identificadas na prestação de contas do projeto “Encontro de Motociclismo de Gravatal 2012”, conforme analisado nos subitens anteriores deste parecer, a Diretoria de Controle da Administração Estadual verificou que ocorreu atraso na entrega da prestação de contas referente à Nota de Empenho n. 203/2012, da seguinte maneira:

Nota de empenho

Data da NE

Valor (R$)

Repasse dos recursos

Prazo para apresentação

Data de apresentação

Dias de atraso

203/12

16.03.12

70.000,00

26.03.12

22.09.12

20.12.12

89

Em suas alegações de defesa (fls. 242-243 e 197-198), a entidade proponente e o seu representante legal à época atribuíram o atraso ao processo de transferência da presidência e mencionaram que o Tribunal de Contas concedeu, por meio do Ofício n. 061/2012/SDR-GEAFC, o prazo de 15 dias para apresentação da prestação de contas, o que teria sido cumprido.

Registre-se, no entanto, que a numeração do ofício não corresponde àquela utilizada por essa Corte de Contas, conforme o exposto pela área técnica à fl. 304v, sendo possível que a mesma tenha se originado do órgão concedente.

Assim, não havendo justificativas plausíveis para a intempestividade observada, a presente restrição deve ser mantida, com a consequente aplicação da multa do art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, ao responsável, Sr. Edvan Bez de Oliveira, consoante o disposto abaixo.

4. Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE das contas em análise nestes autos, na forma do art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, em razão das restrições apontadas nos itens 3.3.1.1 a 3.3.1.4, 3.3.2.1.1 a 3.3.2.1.3, 3.3.4.1, 3.3.4.2, 3.4.1 e 3.4.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00251/2017 (fls. 275-310) e item 3.2.2.1.2 da conclusão do Relatório de Instrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00343/2015 (fls. 140-150), as quais evidenciam a não comprovação da boa e regular aplicação de recursos públicos, no montante de R$ 70.000,00, em afronta ao art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual n. 381/2007;

2. pela IMPUTAÇÃO DE DÉBITO, de maneira solidária, no valor atualizado e corrigido de R$ 70.000,00, aos responsáveis, Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, seu presidente à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, Sr. Haroldo de Oliveira Silva, ordenador primário e Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Tubarão à época, e empresa Djalma Produções Artísticas Ltda., na forma do art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, em face da não comprovação da boa e regular aplicação de recursos públicos, em afronta ao art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual n. 381/2007, da seguinte maneira:

2.1 à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e ao seu presidente, Sr. Edvan Bez de Oliveira, em razão das irregularidades descritas nos itens 3.3.2.1.1 a 3.3.2.1.3 e 3.3.4.1 da conclusão do Relatório de Reinstrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00251/2017 (fls. 275-310) e item 3.2.2.1.2 da conclusão do Relatório de Instrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00343/2015 (fls. 140-150);

2.2 à Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, ao seu presidente, Sr. Edvan Bez de Oliveira, e à empresa Djalma Produções Artísticas Ltda., em razão da irregularidade descrita no item 3.3.4.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00251/2017 (fls. 275-310);

2.3 ao Sr. Haroldo de Oliveira Silva, em razão das irregularidades descritas nos itens 3.3.1.1 a 3.3.1.4 da conclusão do Relatório de Reinstrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00251/2017 (fls. 275-310);

3. pela APLICAÇÃO DE MULTAS proporcionais ao dano aos responsáveis, Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal, seu presidente à época, Sr. Edvan Bez de Oliveira, Sr. Haroldo de Oliveira Silva e empresa Djalma Produções Artísticas Ltda., na forma do art. 68 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, conforme disposto ao longo deste parecer;

4. pela APLICAÇÃO DE MULTAS ao Sr. Edvan Bez de Oliveira, na forma do art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, em face das irregularidades indicadas nos itens 3.4.1 e 3.4.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução DCE/CORA/Div. 3 n. 00251/2017 (fls. 275-310);

5. pela DETERMINAÇÃO para que se declare a Associação de Jipeiros e Esportes Radicais de Gravatal e o Sr. Edvan Bez de Oliveira impedidos de receber novos recursos do erário, à luz do art. 16 da Lei Estadual n. 16.292/13;

6. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, oficiando-se também ao Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa, em cumprimento ao disposto no art. 18, § 3º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para ciência dos fatos descritos nestes autos e adoção das providências cabíveis.

Florianópolis, 15 de janeiro de 2018.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1147-1148.

[2] FRANÇA, Phillip Gil. O Controle da Administração Pública: Tutela jurisdicional, regulação econômica e desenvolvimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 93-94.

[3] O que culminou, no âmbito do Tribunal de Contas da União, no Incidente de Uniformização de Jurisprudência materializado no processo n. 006.310/2006-0 (Acórdão TCU n. 2763/2011, de 19.10.2011).

[4] Processos PCR n. 11/00353990 (Parecer n. MPTC/47340/2017), PCR n. 12/00074529 (Parecer n. MPTC/47088/2017) e PCR n. 10/00444330 (Parecer n. MPTC/47031/2016), dentre muitos outros.

[5] Destaca-se que a área técnica, inicialmente, havia assinalado restrição apartada diante da ausência de relação dos beneficiários das camisetas e refeições distribuídas, o que fora devidamente corrigido no relatório técnico final, porquanto o apontamento de fato faz parte da irregularidade ora debatida, não se mostrando razoável a dividir em duas restrições.

[6] Art. 1º O responsável pela gestão de dinheiro público deve demonstrar que os recursos foram aplicados em conformidade com as leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes e nas finalidades a que se destinavam, por meio da respectiva prestação de contas, em cumprimento ao disposto no parágrafo único do art. 58 da Constituição do Estado.

[7] Situação distinta daquela analisada no item 3.1 deste parecer, em que houve indícios de simulação da prestação de serviços e compra de materiais.

[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 61-62.

[9] Vários autores. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002/ Coordenador Cezar Peluso. São Paulo: Manole, 2015, p. 437-438.