Parecer
nº: |
MPC/53.107/2018 |
Processo
nº: |
TCE 13/00435329 |
Origem: |
Fundo de
Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL |
Assunto: |
Tomada de Contas
Especial referente à NE 122, 03/04/2009, no valor de R$ 25.000,00, material
esportivo e NE 2240, 09/09/2009, no valor de R$ 35.200,00, terraplanagem de
campo, repassados à Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s –
RSAG. |
Numeração
Única: |
MPC-SC
2.3/2018.78 |
Trata-se de Tomada de Contas Especial
instaurada internamente pela Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos
Desvinculados[1],
em decorrência de diversas irregularidades avistadas em processos de concessão
de recursos públicos no Fundo de Desenvolvimento Social no decorrer do
exercício de 2009.
Após a instrução processual, a Diretoria de
Controle da Administração Estadual manifestou-se nos seguintes termos (fls. 769-795):
3.1 Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18,
inciso III, alíneas “b” e “c” c/c o art. 21, caput,
da Lei Complementar Estadual nº 202/00, as contas de recursos repassados à ASSOCIAÇÃO DE
AÇÃO SOCIAL E DESPORTIVA REAL ANGEL’S, referente às notas de empenho nºs 2009NE000122 (de 03/04/2009),
no valor de 25.000,00, e 2009NE002240 (de 09/09/2009), no valor de R$ 35.200,00, de acordo com os relatórios emitidos nos autos.
3.2 Condenar solidariamente os responsáveis o Sr.
VANDERLEI BAGGIO MORGAN, então presidente
da Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s, inscrito no CPF sob o
nº 018.210.649-76, residente na Rua Sete de Setembro, nº 859, Centro – Braço do
Norte/SC, CEP 88.750-000; a pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO DE AÇÃO SOCIAL E DESPORTIVA REAL ANGEL’S, inscrita no
CNPJ sob o nº 07.996.474/0001-84, com endereço na Rua Sete de Setembro, nº
1781, Centro – Braço do Norte/SC, CEP 88.750-000; a Srª. NEUSELI JUNCKES COSTA, inscrita no CPF sob nº 569.986.869-00,
residente na Rua Batista Meirise, nº 63, Bairro Roçado, São José/SC, CEP
88.108-115; o Sr. CLEVERSON SIEWERT,
inscrito no CPF sob nº 017.452.629-62, com endereço profissional na CELESC -
Av. Itamarati, nº 160, Bairro Itacorubi, Florianópolis/SC – CEP 88.034-900, e as pessoas jurídicas GL ESPORTES lTDA., inscrita no CNPJ
sob o nº 03.445.162/0001-21, com endereço na Avenida Felipe Schmidt, nº 01681,
Bairro Centro, Braço do Norte/SC,
CEP 88.750-000 e SDB – SERVIÇOS DE
TERRAPLANAGEM LTDA. – ME, inscrita no CNPJ sob o nº 01.432.615/0001-50, com
endereço na Rua Irineu Bornhausen, nº 4717, Bairro Rio Bonito, Braço do
Norte/SC, CEP 88750-000, ao recolhimento da quantia de R$ 60.200,00,
em face da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, fixando-lhe
o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial
Eletrônico do TCE – DOTC-e, para comprovar, perante este Tribunal, o
recolhimento dos valores do débito ao Tesouro do Estado, atualizado
monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar
nº 202/00), calculado a partir de 07/04/2009 e 10/09/2009, respectivamente, sem
o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à
efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II, da Lei Complementar
nº 202/00), conforme segue:
3.2.1 De responsabilidade
solidária do Sr.
VANDERLEI BAGGIO MORGAN e da pessoa jurídica
ASSOCIAÇÃO DE AÇÃO SOCIAL E DESPORTIVA
REAL ANGEL’S, já qualificados nos autos, sem prejuízo de aplicação de multa
prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, em face da:
3.2.1.1 ausência de comprovação da realização do objeto proposto e da destinação
dos materiais, não demonstrando à boa e regular aplicação dos recursos
públicos, no montante de R$ 60.200,00
(sessenta mil e duzentos reais), contrariando o art. 9º da Lei Estadual nº
5.867/1981, o art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os
arts. 49 e 52, II e III, da Resolução TC
nº 16/1994 (item 2.2.1.1 do Relatório de Instrução DCE nº 346/2015 e item
2.2.1.1 deste Relatório).
3.2.1.2 indevida
comprovação de despesas com notas fiscais fotocopiadas, no montante de R$ 60.200,00
(sessenta mil e duzentos reais), valor já incluído no item 3.2.1.1,
contrariando o disposto nos arts. 46, parágrafo único, e 59 da Resolução TC nº
16/1994, no art. 24, § 5º, do Decreto Estadual nº 307/2003 e no Prejulgado nº
1540 desta Corte de Contas, não comprovando a boa e regular aplicação dos
recursos públicos previsto no art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº
381/2007 (item 2.2.1.2 do Relatório de Instrução DCE nº 346/2015 e item 2.2.1.2
deste Relatório).
3.2.1.3
descrição insuficiente nos documentos fiscais dos produtos contratados, no
montante de R$ 25.000,00 (vinte e cinco
mil reais), valor já incluído no item 3.2.1.1, contrariando o
disposto nos arts. 49 e 60 da Resolução nº TC - 16/94 (item 2.2.1.3 do
Relatório de Instrução DCE nº 346/2015 e item 2.2.1.3 do presente Relatório);
3.2.1.4
autorremuneração e aplicação de recursos para realização de benfeitorias em
imóvel de particular, no valor de R$
35.200,00 (trinta e cinco mil e duzentos reais), valor já incluído no
item 3.2.1.1, em desacordo com o que prevê o art. 37 da Carta Magna, o § 1º
do art. 144 da Lei Complementar Estadual nº 381/07 e o art. 16, caput, da Constituição do Estado de
Santa Catarina (item 2.2.1.4 do presente Relatório).
3.2.2 De responsabilidade solidária da Sra. NEUSELI JUNCKES COSTA e do Sr.
CLEVERSON SIEWERT, já qualificados, imputação de débito do montante de R$
60.200,00, sem prejuízo de aplicação de multa prevista no art. 68 da
Lei Orgânica deste Tribunal, por irregularidades que concorreram para a
ocorrência do dano, em face do:
3.2.2.1 repasse irregular de recursos, por meio de esquema paralelo aos
procedimentos estabelecidos na legislação e sem observância dos requisitos
legais e regulamentares, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 2º e 6º da
Lei Estadual nº 5.867/1981; nos arts. 1º, 2º, § 1º e 5º, da Lei Estadual nº
13.334/2005, art. 21 do Decreto Estadual nº 2.977/2005 e art. 116, § 1º, da Lei
Federal nº 8.666/1993, bem como os princípios
da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, razoabilidade,
economicidade e eficiência, contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal e no art. 16, caput, e 5º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, inclusive
da motivação dos atos administrativos; nos arts. 7º e 8º, III, do Decreto
Estadual nº 2.977/2005; e nos arts. 60 e 61 c/c o art. 116, caput, da Lei Federal nº 8.666/1993, e
arts. 120 e 130 da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 (item 2.1.1 do
Relatório de Instrução DCE nº 346/2015 e item 2.1.1 deste Relatório).
3.2.3
De responsabilidade solidária da pessoa jurídica GL ESPORTES lTDA., já qualificada, em face
da:
3.2.3.1 emissão de notas fiscais inidôneas, haja vista a ausência
de comprovação da realização do objeto e do efetivo fornecimento das
mercadorias, no valor de R$ 25.000,00
(vinte e cinco mil reais), nos termos dos arts. 49, 52, II e III, e do art.
60, II e III, todos da Resolução TC 16/94, vigente à época (item 2.7 do
Relatório de Instrução DCE nº 346/2015 e item 2.4 deste Relatório).
3.2.4
De responsabilidade solidária da pessoa jurídica SDB – SERVIÇOS DE TERRAPLANAGEM LTDA. ME, já qualificada, em face
da:
3.2.4.1 emissão de nota fiscal inidônea, haja vista a ausência de
comprovação da realização do objeto e do efetivo fornecimento das mercadorias,
no valor de R$ 35.200,00 (trinta e cinco
mil e duzentos reais), nos termos dos arts. 49, 52, II e III, e do art. 60,
II e III, todos da Resolução TC 16/94, vigente à época (item 2.7 do
Relatório de Instrução DCE nº 346/2015 e item 2.4 deste Relatório).
3.3 Aplicar ao Sr. VANDERLEI BAGGIO
MORGAN, já qualificado, multa
prevista no art. 70, inciso II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000,
fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no
DOTC-e, para comprovar perante este Tribunal o recolhimento do valor ao Tesouro
do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças
processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote
providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II e 71
da Lei Complementar nº 202/2000), em face da:
3.3.1 apresentação das prestações de contas com
atraso de 585 e 429 dias, em descumprimento ao art. 8º da Lei Estadual nº
5.867/1981 (item 2.2.1.6 do Relatório de Instrução DCE nº 346/2015 e item 2.3.3
deste Relatório).
3.4 Declarar o Sr. VANDERLEI BAGGIO MORGAN e a pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO
DE AÇÃO SOCIAL E DESPORTIVA REAL ANGEL’S impedidos de receber novos
recursos do erário até a regularização do presente processo, consoante dispõe o
art. 16, § 3º da Lei Estadual nº 16.292/2013, c/c o art. 1º, § 2º, inciso I,
alíneas “b” e “c” da Instrução Normativa TC nº 14/2012 e o art. 61, III, § 6º do
Decreto nº 1.196/2017 (estadual).
1.
Considerações iniciais
Ressalte-se, em primeiro lugar, que o caso em
análise faz parte de um grandioso esquema fraudulento ocorrido durante o
exercício de 2009 no Fundo de Desenvolvimento Social, com a participação de
servidores, gestores e particulares.
Com efeito, impõe-se rememorar que, nos
termos dos relatórios técnicos elaborados pela Diretoria de Controle de
Administração Estadual, houve um prejuízo aos cofres públicos no vultoso montante
de R$ 6.389.558,72.
Importante salientar, na ocasião, que o
Ministério Público de Contas, ao analisar processos semelhantes, manifestou-se
pela citação dos superiores hierárquicos[2] da Sra. Neuseli Junckes Costa, a qual é apontada como
executora do esquema fraudulento de repasses de verbas públicas através do
Fundo de Desenvolvimento Social no ano de 2009.
Procurou-se demonstrar que, ainda que não
existissem provas de uma conduta positiva dos superiores hierárquicos, houve
inequívoca omissão, visto não ser aceitável a ideia de que uma única servidora
pública pudesse ter o controle de todo o procedimento de concessão de recursos
públicos - desde o pedido inicial até a aprovação das contas prestadas - sem
que houvesse o mínimo de fiscalização.
É digno de nota, inclusive, que o Tribunal de
Contas catarinense, semanalmente, condena determinados gestores e ordenadores
primários em razão de suas condutas omissas.
O Relator, ao se manifestar nos feitos
semelhantes, divergiu desse posicionamento, pois, no seu entender, não existiam
provas suficientes da participação dos superiores hierárquicos da servidora
Neuseli Junckes Costa nos casos examinados. O Relator fez a ressalva de que tal
raciocínio poderia ser revisto caso surgissem novos elementos capazes de evidenciar
a responsabilidade dos gestores que compunham a cadeia hierárquica.
Diante
do entendimento do Relator no sentido de que haveria a necessidade de novos
elementos de convicção para que fosse adotada a providência solicitada, o
Ministério Público de Contas buscou medidas que pudessem colaborar para o
correto desenrolar do processo.
Oportuno comentar que foi solicitado, através
de notificação formal, o comparecimento da Sra. Neuseli Junckes Costa junto a
este órgão. Contudo, tal responsável não compareceu à oitiva agendada.
Somado a isso, buscou-se a troca de
informações e a união de esforços com o Ministério Público Estadual, o qual
também investiga o esquema fraudulento avistado neste feito.
Em decorrência desse trabalho conjunto,
obteve-se a informação de que a Sra. Neuseli Junckes Costa foi presa
preventivamente em 13.06.2016. Tal prisão, no entanto, foi relaxada em
02.08.2016, ante a concessão da ordem no habeas
corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
A propósito, sobreleva destacar que diversas
ações foram ajuizadas pelo Ministério Público Estadual junto ao Poder
Judiciário no intento de ressarcir o erário.
As ações protocolizadas pelo Ministério
Público Estadual estão em fase inicial de tramitação e até o presente momento
não se obteve informações novas que pudessem contribuir para a instrução dos
processos que estão em curso no TCE/SC.
Em razão disso e tendo em vista os princípios
aplicáveis ao processo - celeridade e razoável duração -, entendo necessário,
neste momento, analisar o mérito do presente feito, sem sugerir a
complementação de citação, consoante proposto em outros feitos que tramitam no
Tribunal, versando sobre a aludida fraude.
Ressalve-se, no entanto, que o Ministério
Público de Contas reitera o seu entendimento de que a medida mais acertada
seria a citação dos superiores hierárquicos da Sra. Neuseli Junckes Costa, pois
há elementos suficientes neste caderno processual para adotar a linha de
raciocínio exarada por este órgão.
Feita essa introdução e após deixar registrado
o posicionamento do Ministério Público de Contas a respeito do assunto, passo a
analisar os apontamentos levantados pela área técnica.
2.
Do processo de concessão de recursos públicos
Cabe ter presente, ao adentrar na análise
meritória, que o Fundo de Desenvolvimento Social repassou à Associação de Ação
Social e Desportiva Real Angel’s o valor total de R$ 60.200,00, com vistas à
aquisição de material esportivo e ao pagamento de serviços de terraplanagem.
Ao analisar o processo de concessão, a Diretoria
de Controle da Administração Estadual observou a existência de um esquema
paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e, ainda, a
inobservância de diversos requisitos legais e regulamentares.
Para corroborar, saliente-se que, além da fraude
constatada nos autos, restaram vislumbradas ainda as seguintes irregularidades:
a) ausência de expressa autorização do Chefe do Poder Executivo, em desacordo
ao art. 6º da Lei Estadual nº 5.867/1981; b) ausência de emissão de parecer
fundamentado de análise do pedido formulado pela entidade, contrariando o art.
1º, o art. 2º, § 1º e o art. 5º da Lei Estadual nº 13.334/2005; c) ausência de
aprovação do programa ou da ação pelo Conselho Deliberativo do Fundo de
Desenvolvimento Social, em afronta ao art. 7º e ao art. 8º, inciso III, do
Decreto Estadual nº 2.977/2005; d) ausência de formalização do contrato ou
ajuste entre as partes, em violação ao art. 60 e ao art. 61 c/c art. 116, caput, da Lei nº 8.666/1993.
A par disso, assinale-se que foram chamados aos
autos para responder solidariamente por tais apontamentos restritivos o Sr.
Abel Guilherme da Cunha (ordenador primário), o Sr. Cleverson Siewert
(ordenador secundário e Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais) e
a Sra. Neuseli Junckes Costa (Analista da Receita Estadual).
Prestigiando uma melhor análise das defesas
apresentadas pelos responsáveis, passo a examiná-las individualmente.
2.1.
Defesa do Sr. Abel Guilherme da Cunha
Saliente-se que a Diretoria de Controle da
Administração Estadual aduziu, em seu relatório técnico inicial, que o Sr. Abel
Guilherme da Cunha, além de ser o ordenador primário da despesa, foi o
responsável por convidar a Sra. Neuseli Junckes Costa para integrar a sua
equipe no Fundo de Desenvolvimento Social quando ainda exercia as atribuições
do cargo de Diretor Financeiro.
Ao encontro disso, faz-se oportuno citar que
a Sra. Neuseli era convidada pelo Sr. Abel para participar de reuniões
fechadas, sem a participação de seus superiores hierárquicos, o que demonstra o
grau de confiança e a ligação existente entre tais agentes.
É digno de nota, também, que foi o Sr. Abel
quem indicou, formalmente, a Sra. Neuseli para substituir o Diretor de Gestão
dos Fundos Estaduais - Sr. Giovani Machado Seemann - durante o seu gozo de
férias.
Presente esse contexto, anote-se que a equipe
técnica, após analisar a contestação apresentada pelo Sr. Abel Guilherme da
Cunha, afastou a sua responsabilidade, sob o argumento de que a nota de empenho
acostada aos autos não está assinada.
Com o devido respeito ao entendimento
consubstanciado no relatório técnico derradeiro, mas tenho para mim que o caso
exige desfecho diverso, pelas razões que passo a expor.
Em primeiro lugar, acentue-se que é fato
incontroverso que o Sr. Abel Guilherme da Cunha era ordenador primário à época
dos fatos, o que pode ser vislumbrado, inclusive, em sua defesa.
Como é sabido, a função de ordenador está
intimamente ligada à atividade administrativa de execução orçamentária da
despesa, envolvendo, por consequência, a responsabilidade gerencial dos
recursos públicos.
Sobre o assunto, Guido Kops[3] salienta:
As mais variadas
circunstâncias, em que pode ser colhido qualquer ato de despesa pública,
conduzem inflexivelmente ao autorizador ou ordenador dessa despesa. No âmago da
despesa se revela sempre um ordenador. De consequência, este assume a primeira
e mais importante responsabilidade na efetivação da despesa. Por outra, a nota
tônica da responsabilidade insere imanente na figura do ordenador ou
autorizador.
Nesse mesmo trilhar, acrescente-se que a
Corte de Contas catarinense tem posicionamento sedimentado de que “no
que concerne à responsabilidade administrativa, o ordenador de despesa
original, assim definido em lei, responde pelos atos e fatos praticados em sua
gestão”[4].
De
igual sorte, o Tribunal de Contas da União tem entendimento firme de que o
ordenador de despesas é pessoalmente responsável pelos atos dos quais resultem
despesas para a Administração Pública.
Para
corroborar, eis a transcrição do seguinte excerto:
O ordenador de despesas é pessoalmente responsável por todos
os atos dos quais resultem despesas para a União.
Deve, por isso, cercar-se de todas as cautelas possíveis ao autorizar despesas.
Não basta aferir a regularidade formal do processo. É preciso que os elementos
formadores do processo tenham sido constituídos de acordo com as normas que
regem a matéria e o princípio da economicidade seja observado. A afirmação de que apenas deram
seqüência a ato já previamente constituído não pode ser acolhida. O poder/dever
de diligência do ordenador de despesas impõe a ele a verificação da
regularidade dos atos de gestão sob todos os aspectos, sobretudo da adequação
do valor do contrato ao seu objeto.
O
exame da regularidade da despesa não se exaure na verificação da adequada
formalização do processo. A demonstração da despesa realizada deve induzir à
compreensão de que a observância das normas que regem a matéria proporcionou o
máximo de benefício com o mínimo de dispêndio (Constituição Federal, art. 70,
parágrafo único e DL 200/67, arts. 90 e 93)[5].
(Grifou-se)
À
luz dessa orientação, pode-se deduzir que é inadmissível que o ordenador da
despesa não tenha o mínimo de cautela ao autorizar os gastos públicos e ao
administrar o dinheiro da sociedade.
Feitas
essas considerações, sublinhe-se que a alegação da equipe técnica de que a nota
de empenho colacionada ao feito não está assinada não tem o condão de afastar a
responsabilidade do gestor.
Note-se
que os relatórios concernentes às notas de empenho acostados ao feito (fl. 37 e
fl. 266) foram emitidos em 06.10.2010 pelo servidor Sebastião Luiz Pereira. Os
empenhos, por sua vez, ocorreram efetivamente em 03.04.2009 e 09.09.2009.
Em
outras palavras, denota-se que o documento suscitado pela área técnica trata-se
de meros relatórios extraídos do sistema SIGEF/SC um ano após o repasse do
dinheiro público.
Forçoso
admitir, portanto, que a ausência de assinatura no relatório da nota de empenho
juntado aos autos não afasta a responsabilidade do Sr. Abel Guilherme da Cunha,
pois sequer corresponde à época da concessão.
Não
bastasse isso, ressalte-se que a ausência da assinatura na nota de empenho pode
ser vista, em tese, como uma irregularidade, mas não serve para afirmar que o
ordenador primário não sabia do repasse do dinheiro público.
Como
é sabido, o empenho consiste em apenas uma das fases da despesa. Ainda que
supostamente o Sr. Abel não tenha emitido a nota de empenho - o que não se
acredita -, vê-se que tal gestor foi responsável por determinar a realização da
última etapa do dispêndio - o pagamento.
Nessa
linha de argumentação, cumpre consignar que o Decreto-Lei nº 200/1967 conceitua
que ordenador de despesa é toda e
qualquer autoridade de cujos atos resultem emissão de empenho, autorização de
pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos (art. 80, § 1º).
Deduz-se, assim, que eventual irregularidade na
nota de empenho, por si só, não é o suficiente para afastar a responsabilidade
do ordenador de despesa, cuja atribuição não se restringe à emissão de tal
documento.
Ademais,
não me parece razoável afirmar que o Sr. Abel Guilherme da Cunha, na condição
de ordenador primário, não tinha ciência da emissão de 196 notas de empenho, no
valor total de R$ 6.389.558,72,
atreladas a repasses fraudulentos em um único exercício.
Acresça-se
a esse raciocínio, ainda, que a Sra. Neuseli Junckes Costa ocupava o cargo de
Analista da Receita Estadual e não possuía ingerência tamanha a ponto de
determinar a transferência de recursos públicos na ordem de aproximadamente 6,4
milhões em um único ano.
Embora
o Sr. Abel Guilherme da Cunha afirme que não exercia qualquer interferência
sobre a Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais e sobre a Secretaria Executiva
de Gestão de Fundos Estaduais, percebe-se que tal argumento não é aceitável.
Ora,
se tal agente aceitou ser ordenador de despesa da Unidade, mostra-se
incongruente a afirmação de que não possuía qualquer responsabilidade pela atividade administrativa de execução orçamentária dos
gastos públicos.
De igual modo, vê-se que a alegação de que a
fraude perpetuada no Fundo de Desenvolvimento Social ocorreu em lugar físico
diverso daquele em que o Sr. Abel exercia suas funções de Diretor de
Investimentos e Participações Públicas não é relevante a ponto de afastar a sua
responsabilidade.
A acumulação de duas atribuições, por sua
vez, apenas demonstra que tal gestor deveria exercer suas funções com
responsabilidade, ante o grau de confiança que lhe foi depositado.
Dessa forma, pode-se inferir que o Sr.
Abel deve responder pelos pagamentos que autorizou e, por corolário, deve ser
condenado ao ressarcimento ao erário e ao pagamento de multa.
2.2.
Defesa do Sr. Cleverson Siewert
Registre-se, neste ponto, que o Sr. Cleverson
Siewert, em 2009, estava à frente da Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos
Estaduais e, ainda, era ordenador secundário de despesa.
Em razão de tais atribuições, tal gestor foi
chamado aos autos para responder, de forma solidária, pela fraude avistada no
Fundo de Desenvolvimento Social e, ainda, pelas diversas irregularidades nos
processos de concessão de recursos públicos.
No intento de afastar a sua responsabilidade,
o Sr. Cleverson Siewert aduz que determinou, em 2010, a adoção de providências
administrativas, com vistas à elucidação da conjuntura fática.
Pontuou, também, que a responsabilidade pelos
fatos irregulares deve ser atribuída exclusivamente à Sra. Neuseli Junckes
Costa, uma vez que tal servidora articulou um esquema fraudulento, sigiloso e
suficientemente capaz de enganar, por certo período de tempo, os gestores.
Em arremate, a defesa assinalou que o
Ministério Público Estadual está apurando os fatos e que o nome do Sr.
Cleverson em nenhum momento foi citado como autor ou partícipe de quaisquer
irregularidades.
Para a Diretoria de Controle da Administração
Estadual, tais argumentos não prosperam, porquanto houve omissão do Sr.
Cleverson Siewert ao fiscalizar e supervisionar os seus subordinados.
Atrelado a isso, o corpo técnico asseverou
que a adoção de providências administrativas somente restou efetivada quando
tal responsável assumiu a Secretaria de Estado da Fazenda, em 2010.
A meu ver, a interpretação dada ao caso
concreto pela Diretoria de Controle da Administração Estadual é acertada e está
em consonância com as regras e com os princípios aplicáveis à espécie.
Na condição de superior hierárquico, o Sr.
Cleverson Siewert tinha a obrigação funcional de orientar, controlar,
supervisionar e fiscalizar os serviços desempenhados por seus subordinados.
Vale destacar, oportunamente, que as
atribuições elencadas acima dizem respeito ao poder hierárquico.
Cumpre registrar que a hierarquia, conceito
ínsito à organização da administração pública, envolve verdadeiros poderes e
não meras faculdades.
No
caso em apreço, evidencia-se que o Sr. Cleverson Siewert não exerceu o mínimo de controle, fiscalização e
supervisão dos serviços desempenhados pela Sra. Neuseli Junckes Costa.
É inadmissível, pois, uma servidora montar
processos de concessão de recursos públicos, repassar vultosos valores a
entidades particulares e ainda forjar falsas prestações de contas sem que
houvesse qualquer fiscalização.
Relembra-se, em tempo, que o Sr. Cleverson
possuía as atribuições de Secretário da pasta e ordenador secundário da
despesa, o que, notadamente, aumenta a sua responsabilidade pelos fatos aqui discutidos.
Nessa
linha de raciocínio, entende-se que “não é razoável
excluir a culpabilidade daqueles que possuíam atribuições fiscalizatórias para
evitar os danos ou, ainda, poderiam ter implantado controles de gestão
financeira tendentes a coibir o mau uso de recursos públicos. A grave
responsabilidade daqueles que gerenciam bens públicos passa, necessariamente,
pelo estabelecimento de controles e rotinas eficientes na sistemática de
movimentação de valores”[6].
Frente ao exposto, conclui-se que o Sr. Cleverson Siewert deve
responder solidariamente pelo dano causado aos cofres estatais, sem prejuízo da
multa proporcional ao dano.
2.3.
Defesa da Sra. Neuseli Junckes Costa
A última defesa a ser analisada é a da Sra.
Neuseli Junckes Costa, a qual foi apontada como executora e peça principal de
todo o esquema fraudulento ocorrido no Fundo de Desenvolvimento Social em 2009.
Ao cotejar os autos, observam-se diversos
elementos de provas capazes de demonstrar que a Sra. Neuseli atuou diretamente
nos repasses irregulares, desde a formalização do pedido de concessão até a
baixa das prestações de contas.
Não é demasia relembrar, a propósito, que tal
responsável foi presa preventivamente e responde por diversas ações de
improbidade administrativa, em decorrência da fraude aqui mencionada.
Atrelado a isso, sublinhe-se que a Sra.
Neuseli foi submetida a processo administrativo disciplinar, o qual resultou na
sua demissão qualificada.
Em sua defesa - intempestiva -, a Sra.
Neuseli tenta imputar a responsabilidade pelos atos ímprobos e irregulares a
outros agentes públicos. No entanto, não trouxe aos autos uma única prova
sequer a fim de confirmar suas alegações.
Em razão disso, valho-me integralmente das
considerações feitas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual
quanto à necessidade de responsabilização da Sra. Neuseli Junckes Costa.
Para finalizar este ponto, acresça-se que a
Sra. Neuseli deve responder pelo débito de forma solidária e, ainda, deve ser
condenada ao pagamento de multa proporcional ao dano, ante a gravidade da sua
conduta.
3.
Do processo de prestação de contas
Sabe-se
que aquele que recebe dinheiro oriundo dos cofres do erário deve comprovar, de
forma ampla e robusta, a sua boa utilização.
Nesse
sentido, anote-se o teor do art. 140, da Lei Complementar Estadual nº 284/2005:
Art. 140. Prestará
contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos, ou
pelos quais o Estado responsa, ou que, em nome deste, assuma obrigações de
natureza pecuniária.
§ 1º Quem quer que
utilize dinheiro público, terá de comprovar o seu bom e regular emprego, na
conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades
administrativas competentes.
Na oportunidade, sobreleva mencionar que o
ônus da prova da boa e da regular aplicação dos recursos públicos compete ao
gestor, conforme se depreende da jurisprudência sedimentada pelo Tribunal de
Contas da União:
TCE. APLICAÇÃO IRREGULAR
DE PARTE DE RECEITAS ORIUNDAS DE CONVÊNIO COM ENTIDADE FEDERAL. CITAÇÃO.
REVELIA. CONFIGURAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, EM DECORRÊNCIA DE ATO DE GESTÃO
ILEGÍTIMO OU ANTIECONÔMICO. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA. RECURSO DE
REVISÃO. CONHECIMENTO. NÃO-PROVIMENTO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS.
1. A
configuração de dano ao Erário, em decorrência de ato de gestão ilegítimo ou
antieconômico, importa no julgamento pela irregularidade, na condenação em
débito e na aplicação de multa.
2. Nos processos de contas que
tramitam nesta Casa, compete ao gestor o ônus da prova da boa e da regular
aplicação dos recursos públicos que lhe são confiados, o que independe da comprovação de ter se configurado o
crime de improbidade administrativa, da ocorrência de enriquecimento ilícito ou
de locupletamento por parte do recorrente[7]. (Grifou-se)
Nesse
mesmo passo, tem-se o entendimento do Tribunal de Contas de Santa Catarina,
conforme se vislumbra no voto lavrado pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz
Gavi:
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE RECURSOS
ANTECIPADOS DO FUNCULTURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO
DOS RECURSOS. AUTORREMUNERAÇÃO. PAGAMENTOS À FAMILIARES. DESPESAS ILEGAIS E
INJUSTIFICADAS. IRREGULARIDADE DAS CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OMISSÕES DO PODER
CONCEDENTE. MULTA.
1. Nos processos de contas o onus probandi é do gestor dos recursos públicos, que
é pessoalmente responsável pela boa e regular aplicação dos recursos repassados
e tem o ônus de provar a execução do objeto pactuado, das despesas vinculadas
ao mesmo e trazer à colação elementos que demonstrem o atendimento ao interesse
público e a inexistência de lesão ao patrimônio público.
2. A
aplicação de recursos públicos impõe a observância de regramentos que garantam
sua destinação única e exclusiva a finalidades que correspondam ao interesse
público. Despesas que caracterizam autorremuneração e pagamento a familiares
devem ser considerados ilegais quando atenderem a interesses exclusivamente
particulares e não atingirem à finalidade pública.
3. Os
atos e omissões que revelam irregularidades na aprovação de projetos para
financiamento no âmbito do SEITEC,
por inobservância aos dispostivos legais e regulamentares que regem a
matéria, são sujeitos à aplicação de multa[8]. (Grifou-se)
Fixada
essa premissa, saliente-se que, no presente caso, não restou comprovada a boa e
a regular aplicação dos recursos públicos, em razão das seguintes
irregularidades: a) ausência de comprovação da realização do objeto proposto;
b) comprovação de despesas com notas fiscais em cópias; c) documentos fiscais
com descrição insuficiente dos produtos e da prestação do serviço; d)
autorremuneração e aplicação de recursos para realização de benfeitorias em
imóvel de particular; e) ausência de movimentação em conta bancária através de
cheques nominais e individualizados; f) indevida apresentação de prestação de
contas fora do prazo legal.
A
par dos apontamentos restritivos, cabe aqui mencionar que a Associação de Ação
Social e Desportiva Real Angel’s apresentou ao Fundo de Desenvolvimento Social
dois projetos, tendo por escopo a arrecadação de subvenção social para a
aquisição de material esportivo e, ainda, a contratação de empresa para a
execução de serviços de terraplanagem.
Entretanto,
colhe-se dos autos que os projetos não foram executados em consonância com os
planos de trabalho aprovados, tampouco restou comprovada a boa e a regular
aplicação dos recursos públicos.
Seguindo
essa linha de argumentação, afigura-se oportuno comentar que a Gerência de
Auditoria de Recursos Antecipados, ao efetuar uma vistoria in loco na sede da entidade, constatou que não havia elementos para
certificar a regularidade das contas (fls. 284-290).
Para
demonstrar a gravidade da situação, sublinhe-se que os auditores da Secretaria
da Fazenda estiveram no lugar em que supostamente seria construído um campo de
futebol com a subvenção social repassada. Contudo, evidenciou-se que o local indicado
pelos membros da entidade fica dentro de uma fazenda e é utilizado para a
criação de gado, não havendo qualquer indício de que ali existia um campo de
futebol ou que haviam sido executados serviços de terraplanagem.
Nesse
sentido, extrai-se o seguinte excerto do relatório elaborado pela Gerência de
Auditoria de Recursos Antecipados (fls. 286-287):
No dia 17/11/2010, na
inspeção in loco, a equipe
entrevistou o Sr. Vanderlei Baggio Morgan, presidente da Associação de Ação
Social e Desportiva Real Angel’s – entidade que recebe recursos financeiros do
Estado no valor de R$ 60.200,00 [...], o qual prestou os seguintes
esclarecimentos:
[...]
- Que não seria
possível ausentar-se naquele momento do local de trabalho para levar-nos ao
local onde teria sido feita a terraplanagem, então solicitou por telefone que o
Sr. Ramiro Batista Stang, tesoureiro da entidade, acompanhasse a equipe até o
local onde teria sido feita a terraplanagem para construção de capo de futebol
suíço da entidade;
Procedeu-se ao
registro fotográfico do local apresentado, que conforme relatado pelo Sr.
Murilo seriam terras de seu pai que teriam sido arrendadas pela entidade para a
construção do campo. Conforme se verifica nas fotografias a seguir, trata-se de
terras utilizadas para criação de gado.
Como
se pode observar, a Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s sequer
tinha espaço próprio para a construção do campo de futebol, o que já
inviabilizaria, por si só, o repasse de recursos para o fim pretendido no plano
de trabalho.
Chama-se
a atenção, também, para o fato de o pai do tesoureiro da entidade ser o proprietário
da área em que seria construído o campo de futebol. E mais, o tesoureiro da
Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s figura como um dos sócios
da empresa supostamente contratada para executar os serviços de terraplanagem.
Notadamente,
as informações acima pontuadas demonstram ainda mais a gravidade dos fatos,
pois o dinheiro público foi utilizado para atender finalidade exclusivamente
particular, sem que houvesse qualquer interesse público.
Trilhando
esse raciocínio, faz-se necessário assinalar que não há no caderno processual a
lista das pessoas que participaram dos supostos eventos esportivos, nem a
relação das pessoas que, em tese, receberam os materiais descritos no plano de
trabalho.
As
fotografias constantes nos autos, por sua vez, não servem como indicativo de
que houve a realização de eventos esportivos, pois retratam apenas a existência
de alguns uniformes. De mais a mais, não se pode atestar, com a certeza
necessária, que os uniformes constantes nos registros fotográficos foram
adquiridos na mesma época em que houve o repasse da subvenção social.
Sobreleva
consignar, aliás, que foram arrolados aos autos alguns cartazes que retratam a
realização de algumas festas locais, mas se referem a data anterior ao repasse
efetuado pelo Fundo de Desenvolvimento Social, conforme se vislumbra à fl. 166.
Não
pode passar despercebido, neste ponto, que os planos de trabalho previam a
realização de eventos esportivos, mas os cartazes indicam, dentre outras
festas, a realização de festa julina (fl. 166) e balada de férias (fl. 167).
Já
as notas fiscais constantes na prestação de contas foram lançadas pelas mesmas
empresas responsáveis por emitirem documentos fiscais fraudulentos a outras
entidades beneficiadas com subvenções sociais. Seguem, portanto, o mesmo modelo
e contêm exatamente a mesma descrição dos produtos.
Se
não bastasse isso, observa-se que foram apresentadas apenas cópias das notas
fiscais, o que viola os mandamentos contidos no Decreto Estadual nº 307/2003,
pois a referida norma prevê que devem ser acostadas à prestação de contas as
notas originais.
Vale
salientar, outrossim, que não houve detalhamentos dos supostos produtos e
serviços adquiridos, como marca, tamanho, valor da hora trabalhada, quantidade
de dias pagos e tantas outras informações que necessariamente deveriam constar
nos documentos fiscais emitidos.
Oportuno
assinalar que a conta bancária não foi utilizada conforme determina a
legislação, isto é, através de cheques nominais e individualizados. Consonante
se extrai do caderno processual, foi realizado saque bancário dos valores
transferidos pelo Fundo de Desenvolvimento Social.
Presente
esse contexto, anote-se que foi efetuada a citação da Associação de Ação Social
e Desportiva Real Angel’s, do Sr. Vanderlei Baggio Morgan (Presidente da
entidade), da empresa GL Esportes Ltda. e da empresa SDB - Serviços de
Terraplanagem Ltda.
Apesar
de devidamente citada, a empresa SDB – Serviços de Terraplanagem Ltda. não
apresentou qualquer manifestação nos autos, razão pela qual deve ser
considerada revel.
Em
defesa conjunta, a Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s e o Sr.
Vanderlei Baggio Morgan alegaram, em síntese, que: i) a responsabilidade do
débito deve recair exclusivamente sobre o ordenador de despesa e sobre as
pessoas responsáveis pela liberação dos recursos públicos; ii) a subvenção
social foi efetivamente aplicada de acordo com o plano de trabalho; iii) a
realização do projeto está demonstrada através dos documentos constantes na
prestação de contas.
Com
o devido respeito aos argumentos trazidos à baila, mas não podem ser acolhidas
as teses lançadas pela defesa dos responsáveis. Nota-se que houve maior
preocupação em atribuir a culpa aos agentes públicos estaduais ao invés de
efetivamente comprovar que os recursos públicos foram utilizados em
conformidade com os planos de trabalho aprovados pelos gestores do Fundo de
Desenvolvimento Social.
Cabe
aqui explicar que a responsabilidade é solidária e, por conseguinte, a
condenação deve recair sobre todos aqueles que, de algum modo, contribuíram
para o prejuízo causado aos cofres do Poder Público.
De
fato, se o repasse não tivesse sido efetuado à Associação de Ação Social e
Desportiva Real Angel’s o prejuízo não existiria, razão pela qual se justifica
a condenação solidária da Sra. Neuseli, do Sr. Abel e do Sr. Cleverson.
Por
outro lado, os particulares, ao receberem a subvenção social, assumiram a
responsabilidade e o compromisso de aplicá-la de acordo com o plano previamente
aprovado. Mais que isso, comprometeram-se a provar através de prestação de
contas a boa e a regular aplicação da verba pública, o que não ocorreu.
Diante
da ausência de provas satisfatórias de que o projeto foi executado, entende-se
que as alegações apresentadas devem ser rechaçadas e, por corolário, os
recursos públicos devem ser restituídos, com os devidos acréscimos legais.
Quanto
à responsabilização das empresas GL Esportes Ltda e SDB - Serviços de
Terraplanagem Ltda., pode-se inferir que o raciocínio exposto pelo corpo
técnico mostra-se acertado, haja vista que não restou comprovado que as
empresas efetivamente venderam os produtos ou prestaram os serviços descritos
nas notas fiscais.
Conforme
já citado alhures, todos aqueles que contribuíram para o dano devem responder
de forma solidária, consoante determinação expressa do art. 18, § 2º, da Lei
Complementar Estadual nº 202/2000.
Assim,
valho-me dos fundamentos suscitados pelo corpo técnico para concluir que as
razões de defesa trazidas aos autos pela empresa GL Esportes Ltda. são
insuficientes para afastar a sua responsabilização, pois não restou demonstrada
a efetiva entrega dos materiais esportivos.
Ante
o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida
pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:
1. Por julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art.
18, inciso III, alíneas “b” e “c” c/c
o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, as contas de
recursos repassados à Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s, referente às notas de empenho nºs 2009NE000122
(de 03/04/2009), no valor de 25.000,00, e 2009NE002240 (de 09/09/2009), no valor de R$
35.200,00, de acordo com os relatórios
emitidos nos autos.
2. Por condenar
solidariamente o Sr. Vanderlei Baggio Morgan (Presidente da entidade), a
Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s, a Sra. Neuseli Junckes
Costa, o Sr. Abel Guilherme da Cunha, o Sr. Cleverson Siewert, a empresa SDB –
Serviços de Terraplanagem Ltda. ME e a empresa GL Esportes Ltda. ao recolhimento da quantia de até R$ 60.200,00, em face da não comprovação da boa e
regular aplicação dos recursos, conforme segue:
2.1. De responsabilidade solidária do Sr. Vanderlei Baggio
Morgan e da Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s o valor de R$
60.200,00, sem prejuízo da aplicação de multa, em face dos seguintes
apontamentos:
2.1.1. Ausência de comprovação da realização do objeto proposto e da
destinação dos materiais, não demonstrando a boa e regular aplicação dos
recursos públicos;
2.1.2. Indevida comprovação de despesas
com notas fiscais fotocopiadas;
2.1.3. Descrição insuficiente nos
documentos fiscais dos produtos contratados;
2.1.4. Autorremuneração e aplicação de
recursos para realização de benfeitorias em imóvel de particular.
2.2. De
responsabilidade solidária da Sra. Neuseli Junckes Costa, do Sr. Abel Guilherme
da Cunha e do Sr. Cleverson Sirwert o valor de R$ 60.200,00, sem prejuízo da
aplicação de multa, em face do seguinte apontamento:
2.2.1. Repasse irregular de recursos, por meio de esquema paralelo aos
procedimentos estabelecidos na legislação e sem observância dos requisitos
legais e regulamentares, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 2º e 6º da
Lei Estadual nº 5.867/1981; nos arts. 1º, 2º, § 1º e 5º, da Lei Estadual nº
13.334/2005, art. 21 do Decreto Estadual nº 2.977/2005 e art. 116, § 1º, da Lei
Federal nº 8.666/1993, bem como
os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade,
razoabilidade, economicidade e eficiência, contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal e no art.
16, caput, e 5º, da Constituição do
Estado de Santa Catarina, inclusive da motivação dos atos administrativos; nos
arts. 7º e 8º, III, do Decreto Estadual nº 2.977/2005; e nos arts. 60 e 61 c/c
o art. 116, caput, da Lei Federal nº
8.666/1993.
2.3. De
responsabilidade solidária da empresa GL Esportes Ltda. o valor de R$
25.000,00, em face do seguinte apontamento:
2.3.1. Emissão de notas fiscais inidôneas, haja vista a ausência de
comprovação da realização do objeto e do efetivo fornecimento das mercadorias,
no valor de R$ 25.000,00, nos termos dos arts. 49, 52, II e III, e do art. 60,
II e III, todos da Resolução TC 16/94, vigente à época.
2.4. De responsabilidade
solidária da empresa SDB - Serviços de Terraplanagem Ltda. o valor de R$
35.200,00, em face do seguinte apontamento:
2.4.1. Emissão de nota fiscal inidônea, haja vista a ausência de
comprovação da realização do objeto e do efetivo fornecimento das mercadorias,
no valor de R$ 35.200,00, nos termos dos arts. 49, 52, II e III, e do art. 60,
II e III, todos da Resolução TC 16/94, vigente à época.
3. Por aplicar multa ao
Sr. Vanderlei Baggio Morgan, com fulcro no art. 70, inciso II, da Lei
Complementar Estadual nº 202/2000, em face do seguinte apontamento:
3.1. Apresentação
das prestações de contas com atraso de 585 e 429 dias, em descumprimento ao
art. 8º da Lei Estadual nº 5.867/1981.
4. Por
declarar o Sr. Vanderlei Baggio Morgan e a Associação de Ação Social e Desportiva Real Angel’s
impedidos de receber novos recursos do erário até a regularização do presente
processo, consoante dispõe o art. 16, § 3º da Lei Estadual nº 16.292/2013, c/c
o art. 1º, § 2º, inciso I, alíneas “b”
e “c” da Instrução Normativa TC nº
14/2012 e o art. 61, III e § 6º do Decreto 1196/2017.
5.
Pela remessa das informações
contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em
observância ao art. 18, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, para a
adoção das providências que entender cabíveis.
6. Por
dar ciência da decisão proferida pelo TCE/SC aos responsáveis e ao Fundo de
Desenvolvimento Social.
Florianópolis,
02 de fevereiro de 2018.
Diogo
Roberto Ringenberg
Procurador
do Ministério
Público
de Contas
[1] A Secretaria Executiva de Recursos
Desvinculados era denominada, em 2009, de Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais
– DIFE.
[2] Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart
(Gerente de Execução Orçamentária e Financeira – GEORF), Sr. Giovani Machado
Semann (Diretor de Gestão de Fundos Estaduais – DIFE), Sr. Cleverson Siewert
(Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais) e Sr. Antônio Marcos
Gavazzoni (Secretário de Estado da Fazenda).
[3] KOPS, Guido. Os ordenadores da
despesa pública e a sua responsabilidade. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/24166/22941.
Acesso em: 21 nov. 2016.
[4] Trecho extraído do prejulgado nº
1533, do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.
[5] BRASIL, Tribunal de Contas da União.
Acórdão nº 661/2002 – Plenário. Disponível em: www.tcu.gov.br.
Acesso em: 22 nov. 2016.
[6] ARRAES, ANA. Autos do Processo nº AC-1340-20/12-P, Plenário. (TCU). Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 22 nov. 2016.
[7] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 013.473/2004-9,
do Plenário. Rel. José Jorge. J. em: 27 fev. 2013. Disponível em: www.tcu.
gov.br. Acesso em: 08 dez. 2015.
[8] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas.
TCE 10/002299497, do FUNCULTURAL. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 19 ago. 2015.