Parecer nº: |
MPC/52.583/2017 |
Processo nº: |
REP 16/00319154 |
Un. Gestora: |
Município de Vitor Meireles |
Assunto: |
Comunicação à Ouvidoria n. 297/2016 -
Irregularidades em desapropriações. |
Numeração única: |
MPC-SC
2.3/2017/1595 |
Trata-se de representação
oriunda da Comunicação nº 297/2016 (fl. 05), encaminhada à Ouvidoria do
Tribunal de Contas, noticiando a ocorrência de supostas irregularidades
praticadas no Município de Vitor Meireles, referentes a desapropriações
realizadas nos exercícios de 2014-2015.
A Diretoria de Controle dos Municípios, por
meio do relatório nº 853/2016 (fl. 06), sugeriu a realização de diligência à
Unidade Gestora para que remetesse documentos e informações necessárias a
apuração dos fatos comunicados como irregulares.
Em resposta à diligência, a Unidade Gestora
juntou os documentos de fls. 09-61.
Após análise da documentação encaminhada, a
equipe técnica, mediante a Informação de nº 115/2016 (fl. 03), comunicou que
não possuía elementos suficientes para afastar ou apontar irregularidades sobre
as citadas desapropriações, propugnando pela autuação de processo para as
devidas verificações, posicionamento acolhido pelo Conselheiro Supervisor da Ouvidoria do Tribunal
(fl. 02).
Na sequência, a
diretoria técnica remeteu à Unidade o relatório de diligência nº 1579/2016 (fl.
64), requerendo a apresentação para consulta in loco das seguintes informações e documentos: a) Processos
Administrativos de Desapropriações completos ocorridos no Município nos
exercícios de 2014 e 2015; b) cópia dos Decretos autorizando as referidas
Desapropriações; c) documento contendo as justificativas para as
desapropriações devidamente fundamentadas; d) procedimentos e documentos
utilizados para a Avaliação dos Imóveis desapropriados, comprovando a habilitação
dos avaliadores, bem como a descrição dos critérios utilizados para definição
dos valores apurados; e) cópia dos atos de nomeação dos membros da Comissão de
Avaliação que atuaram nos processos de desapropriação ocorridos nos exercícios
de 2014 e 2015, acompanhados dos respectivos números de CPF e endereços
residenciais; f) documento contendo nome, número de CPF e endereço residencial
dos Prefeitos que representaram o Município de Vitor Meireles nas mencionadas
desapropriações.
Após análise da
documentação, sobreveio novo exame da área técnica, sob o relatório de nº
2408/2016[1],
concluindo pela improcedência da representação, em face da não confirmação das
irregularidades apontadas, e o consequente arquivamento dos autos.
É o relatório.
O comunicante
trouxe ao conhecimento da Corte de Contas a ocorrência de desapropriações supostamente
irregulares no Município de Vitor Meireles.
Segundo seu
entendimento, os atos contrariavam o art.
117 da Lei Orgânica Municipal[2],
uma vez que as desapropriações eram realizadas com base em Decreto Municipal,
não havendo consulta ao Poder Legislativo, conforme preceitua a citada legislação.
Asseverou
também que as desapropriações, além de não seguirem o rito proposto na Lei
Orgânica, teriam o intuito de “lavar dinheiro público”.
Antes de
adentrar no exame do caso concreto, cabe ressaltar que o procedimento de
desapropriação encontra fundamento constitucional no artigo 5º, inciso
XXIV, devendo atender à necessidade pública, à utilidade pública ou ao interesse
social.
A propósito, vale
destacar as duas leis reguladoras da desapropriação. A primeira é o Decreto-Lei
nº 3.365/41, considerado a lei geral das desapropriações, que em seu artigo 5º
e alíneas[3]
disciplina a desapropriação por utilidade pública. O outro diploma
regulamentador é a Lei Federal nº 4.132/62[4],
que define os casos de desapropriação por interesse social.
Acrescenta-se
que o procedimento da desapropriação inicia com a declaração expropriatória,
por meio de decreto ou lei.
Em que pese a
lei silenciar a seu respeito, a declaração é indispensável para que seja
identificado com precisão o bem sobre o qual a Administração tem interesse, a
fundamentação legal da desapropriação e a finalidade a que se destina. Somente
assim será possível apurar se não houve desvio de finalidade e se o caso se
enquadra nas hipóteses que a lei prevê como suscetíveis de ensejar a
desapropriação.
Após a fase
declaratória, vem a fase executória, na qual ocorre a transferência do bem para
o expropriante e a indenização ao antigo proprietário.
Feita essa
introdução, cabe pontuar que no caso em exame não se identifica irregularidade
quanto ao instrumento utilizado (decretos municipais) para efetuar as
desapropriações.
Nesse sentido,
o Prefeito à época, ao apresentar suas justificativas (fls. 09-10), arguiu que
a previsão contida no art. 161, § 3º da Lei Orgânica Municipal[5] se
trata de uma inconsistência legal, caracterizando invasão de competência.
Ressaltou que já estavam sendo adotadas providências junto à Câmara de
Vereadores para alteração do dispositivo.
Neste momento, cabe pontuar que o Supremo
Tribunal Federal possui entendimento de que há a possibilidade de o Executivo Municipal efetuar
desapropriações através de decretos, visto se tratar de decisão político
administrativa (ADI 969-9)[6].
Nesse sentido:
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 313 DA LEI ORGÂNCIA DO DISTRITO
FEDERAL. DESAPROPRIAÇÃO.
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO. SEPARAÇÃO DE PODERES. PROCEDÊNCIA.
É inconstitucional, por invadir a competência legislativa da
União e violar o princípio da separação dos poderes, norma distrital que submeta as desapropriações,
no âmbito do Distrito Federal, à aprovação prévia da Câmara Legislativa do
Distrito Federal. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
Assim, não
vislumbro irregularidade quanto à utilização de decretos municipais para efetuar
as desapropriações, tendo em vista a orientação acima transcrita.
Superado esse
ponto, passo a analisar os decretos expropriatórios apontados como irregulares
pelo comunicante.
1)
Decreto nº 15/2014 – desapropriação para construção de Unidade Básica de Saúde
De acordo com o comunicante, conforme consta no
Convênio firmado com o Governo Federal, a unidade deveria ser construída na Rua
Leandro Meneghelli, mas, no objetivo de beneficiar terceiros, foi desapropriado
um terreno localizado em uma rua sem infraestrutura de rede de água, iluminação
pública e rede pluvial.
Segundo
informações colhidas pela área técnica e por meio da análise dos documentos
fornecidos pela Unidade, auditores do TCE constataram que o Município de Vitor
Meireles recebeu recursos via Ministério da Saúde para a construção de uma
Unidade Básica de Saúde (fls. 75-90 e 100-102).
Destacaram que
a Unidade de Saúde foi construída com dois pavimentos[7] e,
devido ao declive do terreno, houve a necessidade de desapropriar outro terreno
localizado na Rua Guiomara Vendrami para que a população tivesse acesso a todos
os pavimentos, uma vez que pelo piso superior (com entrada pela Rua Leandro
Meneghelli, onde está localizada a entrada principal de atendimento à população)
somente se teria acesso ao piso inferior via escadas, conforme foto de fl. 204.
Insta mencionar
que a Unidade de Saúde foi construída ao lado do Hospital, conforme previsto
inicialmente (fl. 101).
Ao cotejar os
autos, observa-se que a presente desapropriação está acompanhada pelo Decreto
nº 15/2014 (fls. 49, 52, 65-66 e 154-156) e documentos de fls. 51-61
(Certidões, Carta e Ata de Avaliação, Memorial Descritivo, mapa e ART -
Anotação de Responsabilidade Técnica/CREA-SC), demonstrando não haver
irregularidades na referida desapropriação.
2) Decretos nºs 24/2014 e 47/2014 – desapropriação
para construção do Centro Integrado de Lazer
Segundo o
comunicante, a área desapropriada estava à venda inicialmente por R$
150.000,00. Todavia, o Município desapropriou a área pagando um montante de R$
280.000,00.
Em que pese o
comunicante citar o Decreto nº 47/2014, verifica-se que o foco da denúncia está
relacionado à desapropriação para construção do Centro Integrado de Lazer, que
ocorreu mediante o Decreto nº 24/2014, o qual será por ora analisado.
Auditores
verificaram que o Município recebeu recursos para a construção de um Centro
Integrado de Desporto e Lazer[8] – o
qual já se encontra em fase de conclusão[9] – e
que para a construção do referido Centro foi desapropriado um imóvel com área
de 20.875,50 m², pelo valor de R$ 280.000,00.
Nota-se que a
presente desapropriação está acompanhada pelo Decreto nº 24/2014 (fls. 37 e 67)
e documentos de fls. 39-48 e 147-153 (Certidões, Carta e Ata de Avaliação,
Memorial Descritivo, mapa e ART - Anotação de Responsabilidade
Técnica/CREA-SC).
Quanto ao valor
pago pelo terreno, observa-se que o Município utilizou como parâmetro de
avaliação terrenos escriturados e aprovados para venda naquela região (fls.
201-203).
Segundo
cálculos feitos pela Instrução, os valores de mercado de terrenos situados na
região (com cerca de 500 m²) possuem preço estimado de R$ 55.000,00. Assim,
calculou-se o valor do metro quadrado em R$ 110,00. No caso em exame, a
Administração empregou R$ 280.000,00 por uma área de 20.875,50 m². A área
técnica concluiu que o Município pagou o valor de R$ 13,41 por metro quadrado,
valor abaixo do aplicado no mercado
Tendo em vista
que as alegações do comunicante não vieram corroboradas por provas e
considerando a documentação angariada e a análise efetuada pela área técnica,
entendo não haver irregularidade no tocante a esta desapropriação.
3) Decreto nº 55/2015 – desapropriação da Rua
Germano Possamai
Segundo o
comunicante, a desapropriação da Rua Germano Possamai foi para fins de
prolongamento, sendo que no mesmo Decreto foi desapropriada área para ampliação
do sistema de tratamento de água da cidade. Entretanto, destaca que o
fornecimento de água no Município está a cargo da Companhia Catarinense de
Águas e Saneamento (Casan) e a rua desapropriada deu acesso à estação de
tratamento.
Infere-se dos
autos que o Município de Vitor Meireles desapropriou, através do Decreto nº
55/2015, dois imóveis, ambos com a finalidade de possibilitar à CASAN que
realizasse a ampliação e melhoria dos serviços prestados à população.
A equipe
técnica verificou que o Município de Vitor Meireles firmou o Convênio nº 184/93
com a CASAN (fls. 122-126) para a implantação, exploração, ampliação e
melhoramentos dos serviços públicos de abastecimento de água e/ou coleta de
esgotos sanitários no Município.
Nos termos da cláusula
nona, item e, do citado Convênio (fl. 124), a Prefeitura tinha, dentre outras,
a obrigação de promover a desapropriação de bens indispensáveis à execução dos
serviços. Como existia a necessidade de ampliar a estação de tratamento de
água, foi efetuada a desapropriação dos terrenos.
As desapropriações
estão acompanhadas pelo Decreto nº 55/2015 (fls. 23-24 e 69) e documentos de
fls. 25-36, 114-121, 198-200 e 206-207 (Certidões, Carta e Ata de Avaliação,
Memorial Descritivo, mapa e ART - Anotação de Responsabilidade Técnica/CREA-SC
e fotos da Estação de Tratamento da CASAN e da Rua Germano Possamai).
A par disso, em
consonância com a área técnica, entendo que não houve irregularidade nas
desapropriações examinadas.
4)
Decretos nºs 15/2015 (revogado) e 19/2015 – desapropriação de parte da
Rua Gertrudes Houver
Argumenta o
comunicante que a referida área foi doada ao Município para abertura da citada rua
em 1998, conforme preceitua a Lei Municipal nº 351/98. Todavia, em 2015, o
Município desapropriou parte da rua para beneficiar terceiros.
A equipe
técnica constatou que a desapropriação autorizada pelo Decreto nº 19/2015 (que
também revogou o Decreto nº 15/2015) foi para uma readequação (melhoramento de
via pública) da Rua Gertrudes Houver[10],
a qual não possuía largura adequada.
Diante da
necessidade de ampliação da pista, adequando-a aos parâmetros oficiais, o Município
de Vitor Meireles desapropriou uma faixa de terra de 6,00 metros de largura por
396,37 metros de extensão.
A presente
desapropriação está acompanhada pelo Decreto nº 19/2015 (fls. 11-12 e 71) e
documentos de fls. 13-22, 105-113, 196-197 (Certidões, Carta e Ata de
Avaliação, Memorial Descritivo, mapa e ART - Anotação de Responsabilidade
Técnica/CREA-SC)
Baseado nos
documentos que integram os autos, verifica-se que a suposta irregularidade
noticiada não procede.
Ante o exposto,
o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art.
108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pelo acolhimento da
conclusão constante do relatório nº 2408/2016.
Florianópolis, 21 de fevereiro de 2018.
Diogo
Roberto Ringenberg
Procurador do Ministério
Público de Contas
[1] Fls. 208-210v.
[2] Art. 117. A aquisição de bens imóveis, por compra ou permuta,
dependerá da prévia avaliação e autorização Legislativa.
[3] Art. 5o Consideram-se casos de utilidade pública:
a) a segurança nacional;
b) a defesa do Estado;
c) o socorro público em caso de calamidade;
d) a salubridade pública;
e) a criação e melhoramento de centros de
população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;
f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas
minerais, das águas e da energia hidráulica;
g) a assistência pública, as obras de higiene e
decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;
h) a exploração ou a conservação dos serviços
públicos;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias
ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o loteamento de
terrenos edificados ou não para sua melhor utilização econômica, higiênica ou
estética;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias
ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o loteamento de
terreno, edificados ou não, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou
estética; a construção ou ampliação de distritos industriais
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias
ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do
solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou
estética; a construção ou ampliação de distritos
industriais;
j) o funcionamento dos meios de transporte
coletivo;
k) a preservação e conservação dos monumentos
históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais,
bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais
valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais
particularmente dotados pela natureza;
l) a preservação e a conservação adequada de
arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico;
m) a construção de edifícios públicos,
monumentos comemorativos e cemitérios;
n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de
pouso para aeronaves;
o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de
natureza científica, artística ou literária;
p) os demais casos previstos por leis especiais.
[4]Art. 1º A desapropriação por interesse social será decretada
para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao
bem estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal.
Art. 2º
Considera-se de interesse social:
I - o aproveitamento de todo bem
improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação,
trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu
destino econômico;
II - a instalação ou a
intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano
de zoneamento agrícola, VETADO;
III - o
estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e
trabalho agrícola;
IV - a manutenção de posseiros em
terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário,
tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10
(dez) famílias;
V - a construção de casa
populares;
VI - as terras e águas
suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos,
notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de
água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente
aproveitadas;
VII - a
proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas
florestais.
VIII - a
utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam
apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.
[5] Art. 161. A política de desenvolvimento urbano tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem
estar de seus habitantes.
[...]
§ 3º As
desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização
em dinheiro e aprovadas em Lei Municipal.
[6] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 969/DF – Distrito
Federal. Rel. Min. Joaquim Barbosa.
J. em 27 set. 2006. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso
em: 29 nov. 2017.
[7] Fls. 91-94 e 204.
[8] Fls. 127-146.
[9] Fl. 205.
[10] Fls. 11-22 e
102A-104.