PARECER nº:

MPTC/54867/2018

PROCESSO nº:

RLI 16/00038309    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Maracajá

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Autos apartados do processo @PCP-15/00258315 - Prestação de Contas do Prefeito referente ao exercício de 2014

 

 

 

Trata-se de Inspeção de Regularidade relacionada à formação de autos apartados determinada pelo Tribunal Pleno quando da emissão do Parecer Prévio n. 0117/2015, exarado no processo PCP n. 15/00258315, referente às contas anuais do exercício de 2014 da Prefeitura Municipal de Maracajá, conforme o seguinte excerto do decisum (fl. 3):

6.3. Determina a formação de autos apartados para fins de exame acerca das seguintes restrições:

6.3.1. Não foram encaminhados os atos de posse e a nominata dos Conselheiros do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, caracterizando ausência de criação do referido Conselho, em desacordo ao art. 88, II, da Lei n. 8.069/90 c/c o art. 2º da Resolução CONANDA n. 105/2005 (subitem 6.3.1 do Relatório DMU);

6.3.2. Não houve a remessa do Plano de Aplicação dos recursos do FIA, caracterizando a ausência de elaboração do mesmo, contrariando o disposto no art. 260, §2º, da Lei n. 8.069/90 c/c o art. 1º da Resolução do CONANDA n. 105/2005 (subitem 6.3.1 do Relatório DMU);

6.3.3. A manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar representa 21,40% da despesa total do Fundo Municipal da Infância e Adolescência (f. 162), sendo que a mesma está sendo financiada com recursos do referido Fundo, em desacordo com o art. 16 da Resolução CONANDA n. 137, de 21 de janeiro de 2010 (subitem 6.3.1 do Relatório DMU);

6.3.4. Remuneração dos Conselheiros Tutelares foi paga com recursos do Fundo Municipal de Assistência Social, conforme f. 117 dos autos (subitem 6.3.1 do Relatório DMU).

Após a juntada dos documentos de fls. 4-5, a Diretoria de Controle dos Municípios apresentou o Relatório de Instrução n. DMU-216/2016 (fls. 7-9), em cuja conclusão sugeriu a realização de audiência do Sr. Wagner da Rosa, então Prefeito Municipal de Maracajá, para que apresentasse justificativas quanto às restrições assinaladas.

Às fls. 12-13, o Relator, após a juntada dos documentos de fls. 10-11, entendeu pela existência de ilegalidade na remuneração dos Conselheiros Tutelares com recursos do Fundo Municipal de Assistência Social do Município de Maracajá, incluindo-a no rol das restrições assinaladas pela área técnica e determinando a audiência do responsável para apresentação de defesa.

Devidamente notificado (fls. 14-15), o responsável apresentou resposta às fls. 16-35.

Após a juntada dos documentos de fls. 37-38 e 40-45, a Diretoria de Controle dos Municípios emitiu o Relatório de Reinstrução n. DMU-18/2018 (fls. 47-51), opinando por considerar irregulares – com a aplicação de multas ao responsável – as disposições descritas nos itens 1.1 e 1.2 da conclusão do relatório técnico em comento.

Vieram os autos, então, a este Ministério Público de Contas para manifestação.

Note-se que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do ente em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso IV, da Constituição Estadual; art. 1º, inciso V, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Passa-se, assim, à análise das irregularidades verificadas pela Diretoria de Controle dos Municípios.

1. Ausência dos atos de posse e da nominata dos Conselheiros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, caracterizando a não criação do referido Conselho, em desacordo ao art. 88, inciso II, do ECA, c/c o disposto no art. 2º da Resolução CONANDA n. 105/2005

Na análise do processo de Prestação de Contas do Prefeito de Maracajá do exercício de 2014 restaram ausentes a nominata dos Conselheiros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e os respectivos atos de posse, o que caracteriza a não constituição formal do conselho em tal período, em afronta ao art. 88, inciso II, do ECA, c/c o disposto no art. 2º da Resolução CONANDA n. 105/2005.

Salienta-se desde já que o responsável não apresentou alegações específicas acerca das restrições assinaladas, limitando-se a aduzir (f. 16) que a documentação anexada (fls. 17-35) demonstraria a inexistência de irregularidades.

Verifica-se que, com relação ao presente apontamento, fora devidamente remetida apenas a nominata dos membros do CMDCA de Maracajá para o exercício de 2014, conforme comprova o documento de fls. 34-35 (Decreto Municipal n. 42/2013), permanecendo incólume a ausência de remessa dos respectivos atos de posse de tais Conselheiros.

Dessa maneira, ao contrário do entendimento esposado pela área técnica à fl. 48, não há como se considerar plenamente sanado o presente apontamento, permanecendo a irregularidade referente à ausência de encaminhamento dos atos de posse dos membros do CMDCA de Maracajá para o exercício de 2014, caracterizando a não constituição formal do conselho em tal período, em desacordo ao art. 88, inciso II, do ECA, c/c o disposto no art. 2º da Resolução CONANDA n. 105/2005, o que enseja a aplicação de multa ao responsável, com fulcro no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, conforme o disposto na conclusão deste parecer.

2. Não remessa do Plano de Aplicação dos recursos do FIA, caracterizando a ausência de elaboração do referido documento, contrariando o disposto no art. 260, § 2º, do ECA, c/c o art. 1º da Resolução CONANDA n. 105/2005

Na análise do processo de Prestação de Contas do Prefeito de Maracajá no exercício de 2014, verificou-se a ausência de remessa do Plano de Aplicação referente ao FIA, apontamento que afronta o art. 260, § 2º, do ECA, bem como o art. 1º da Resolução CONANDA n. 105/2005, acrescentando-se que essa Corte de Contas disciplinou a remessa do documento em questão no art. 20, § 2º, alínea “b”, da à época vigente Resolução n. TC-16/1994.

Com relação ao presente apontamento, observa-se a remessa do Plano de Aplicação de fl. 19.

Contudo, destaca-se que tal documento fora elaborado apenas em setembro de 2014, deixando a descoberto a maior parte do exercício sob análise, o que, evidentemente, não elimina a irregularidade em questão, conforme também entendido pela área técnica à fl. 42v.

Logo, o apontamento merece ser mantido, com a consequente aplicação de multa ao responsável, tudo conforme a conclusão deste parecer.

3. A manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar representa 21,40% da despesa total do FIA, em desacordo com o art. 16, parágrafo único, inciso II, da Resolução CONANDA n. 137/ 2010 

Constatou-se, nos autos do processo de Prestação de Contas do Prefeito referente ao exercício de 2014, que o FIA de Maracajá executou despesas com manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar (fl. 4), o que representa clara afronta ao art. 16, parágrafo único, inciso II, da Resolução CONANDA n. 137/2010, in verbis:

Art. 16. Deve ser vedada à utilização dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para despesas que não se identifiquem diretamente com a realização de seus objetivos ou serviços determinados pela lei que os instituiu, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública previstas em lei. Esses casos excepcionais devem ser aprovados pelo plenário do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Parágrafo Único. Além das condições estabelecidas no caput, deve ser vedada ainda a utilização dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para: [...]

II - pagamento, manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar;

Como visto, o responsável não apresentou alegações específicas acerca das restrições assinaladas, sendo que a documentação anexada (fls. 17-35) não elimina o presente apontamento, não justificando a utilização de recursos do FIA em despesas com a manutenção e o funcionamento do Conselho Tutelar, o que se revela gravíssimo.

Não é outro o entendimento da Diretoria de Controle dos Municípios, conforme disposto à fl. 43.

Portanto, a irregularidade em comento merece ser conservada, com a consequente aplicação de multa ao responsável, consoante delineado na conclusão deste parecer.

4. Remuneração dos Conselheiros Tutelares paga com recursos do Fundo Municipal de Assistência Social, em desacordo com o art. 4º da Lei Municipal n. 399/96

O Relator, no despacho de fls. 12-13, acrescentou a presente irregularidade no rol das restrições assinaladas pela área técnica, uma vez que o art. 4º da Lei Municipal n. 399/96 não contemplaria a remuneração de Conselheiros Tutelares na aplicação dos recursos do Fundo Municipal de Assistência Social.  

O responsável, na documentação encaminhada como resposta, acaba por confirmar a restrição a partir dos documentos de fls. 17-18.

Por sua vez, a Diretoria de Controle dos Municípios, no Relatório de Reinstrução n. DMU-18/2018 (fls. 49v-50v) entendeu por afastar a irregularidade, sob os seguintes argumentos:

De acordo com a análise efetuada às fls. 12/13 dos autos teceu-se o seguinte comentário: “Examinando o regramento, além do dispositivo supracitado, à primeira vista, não se vislumbra a possibilidade de enquadrar o pagamento de remuneração de conselheiros tutelares dentre uma das hipóteses previstas na Lei (municipal) n° 399/1996.”

A Lei Orgânica de Assistência Social (Lei n° 8.742, de 7/12/1993), que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, estabelece o sistema de proteção social para os grupos mais vulneráveis da população, por meio de benefícios, serviços, programas e projetos. Em seu art. 2º a referida Lei estabelece que a assistência social tem por objetivos entre outros: a proteção à família, à infância e à adolescência; e o amparo às crianças e adolescentes carentes.

Como parceiro da rede de proteção especial, o Conselho Tutelar, criado por meio da Lei n° 8.069/1990, atua no sistema de atendimento do município toda vez que crianças e adolescentes encontram-se em situações de risco pessoal e social. Assim, em determinadas situações os Conselhos Tutelares interagem com a Assistência Social.

A Resolução n° 139/2010 do CONANDA, que dispõe sobre os parâmetros para criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares, disciplina em seu art. 4°, §3°:

Art. 4º A Lei Orçamentária Municipal ou Distrital deverá, preferencialmente, estabelecer dotação específica para implantação, manutenção e funcionamento dos Conselhos Tutelares e custeio de suas atividades.

(...)

§ 3º O Conselho Tutelar deverá, de preferência, ser vinculado administrativamente ao órgão da administração municipal ou, na inexistência deste, ao Gabinete do Prefeito ou ao Governador, caso seja do Distrito Federal.

A norma dispõe que de preferência o Conselho Tutelar deverá ser vinculado administrativamente ao órgão da administração municipal ou, na inexistência deste, ao Gabinete do Prefeito, e nessa esteira, entende-se que os recursos financeiros também devem ter a mesma vinculação.

As normas também não vedam expressamente a possibilidade do repasse de verba, para o pagamento dos Conselheiros Tutelares, via Fundo Municipal de Assistência Social, vedação essa prevista no caso do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (art. 16 da Resolução CONANDA n° 137/2010 e art. 4°, § 6º da Resolução CONANDA n° 139/2010). Por outro lado, a legislação municipal não prevê a possibilidade de pagamento da remuneração dos Conselheiros Tutelares com recursos do Fundo Municipal de Assistência Social, conforme mencionado anteriormente.

Todavia, sugere-se que o apontamento seja relevado, frisando que no exercício de 2016, as despesas relacionadas com a remuneração dos Conselheiros Tutelares passaram a ser alocadas na Prefeitura Municipal – Unidade Orçamentária: Secretaria de Administração e Finanças, conforme análise efetuada via Sistema e-Sfinge (fls. 42/45 dos autos), em atendimento a Resolução n° 139/2010 do CONANDA.

De fato, em consonância com o entendimento exarado pela área técnica, entendo que a interpretação de toda a legislação aplicável ao presente caso não traz qualquer vedação expressa na utilização de recursos do Fundo Municipal de Assistência Social para a remuneração dos Conselheiros Tutelares, ao contrário da acima referida disposição do art. 16, parágrafo único, inciso II, da Resolução CONANDA n. 137/2010, no que tange ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Dessa maneira, a restrição em questão realmente pode ser afastada.

5. Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

5.1. pela IRREGULARIDADE, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, dos atos descritos nos itens 1.1 e 1.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-18/2018 (fl. 50v), bem como quanto à ausência de encaminhamento dos atos de posse dos membros do CMDCA de Maracajá para o exercício de 2014, caracterizando a não constituição formal do conselho em tal período, em desacordo ao art. 88, inciso II, do ECA, c/c o disposto no art. 2º da Resolução CONANDA n. 105/2005, consoante o disposto no item 1 deste parecer;

5.2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS, na forma do art. 70, incisos II e VII, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, ao Sr. Wagner da Rosa, então Prefeito Municipal de Maracajá, em virtude das irregularidades descritas nos itens 1.1 e 1.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. DMU-18/2018 (fl. 50v), bem como diante da restrição correspondente à ausência de encaminhamento dos atos de posse dos membros do CMDCA de Maracajá para o exercício de 2014, conforme o disposto no item 1 deste parecer[1].

Florianópolis, 9 de abril de 2018.

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] Salienta-se que, consoante discriminado pela Diretoria de Controle dos Municípios à fl. 50v, a irregularidade disposta no item 1.1 (da conclusão do relatório técnico) é fundamentada no art. 70, inciso VII, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, ao passo que as restrições assinaladas nos itens 1.2 (da conclusão do relatório técnico) e 1 (deste parecer) são baseadas no art. 70, inciso II, também da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.