PARECER       nº:

MPC/54700/2018

PROCESSO      nº:

RLA-15/00467828

ORIGEM          :

Autarquia de Melhoramentos da Capital – COMCAP

ASSUNTO         :

Auditoria ordinária - Análise da situação financeira da COMCAP

NÚMERO UNIFICADO:

MPC-SC/2.1/2018.357

 

 

 

 

 

1 - RELATÓRIO

Cuidam os autos de auditoria ordinária realizada na Companhia Melhoramentos da Capital – COMCAP,[1] referente à análise da situação financeira da Companhia entre julho de 2013 e junho de 2015.

Findos os trabalhos, auditores da Diretoria de Controle da Administração Estadual – DCE elaboraram o relatório de auditoria nº 715/2015, sugerindo audiência do Sr. César Souza Júnior, prefeito de Florianópolis à época, em razão de déficit financeiro constatado, irregularidade para a qual existe previsão legal de aplicação de multa, bem como sugerindo determinação em virtude da existência de dívidas atuais e futuras (fls. 1A/14).

O Exmo. Relator anuiu com a sugestão (fl. 14).

A audiência foi realizada em três oportunidades distintas (fls. 323, 325, 327), e não atendida.

Em nova informação, auditores da DCE destacaram a ausência de recebimento pessoal dos ofícios, sugerindo, além de nova oportunidade de defesa ao responsável, encaminhamento também ao prefeito recém-empossado, Sr. Gean Marques Loureiro, com relação a possíveis determinações (fl. 330).

O Exmo. Relator considerou válidas as notificações realizadas, no entanto, acrescentando que devido à necessidade de audiência do prefeito recém-empossado, não haveria óbice para nova oportunidade de manifestação ao Sr. César Souza Júnior (fl. 331).

Os responsáveis foram notificados (fls. 333/334).

O Sr. Gean Loureiro manteve-se silente.

O Sr. César Souza Júnior solicitou, nesta ordem, prorrogação de prazo (fl. 338/341), suspensão da instrução (fls. 346/347), sobrestamento do feito (fl. 351/353) e análise da existência de processos análogos (fls. 358/361).

A prorrogação de prazo foi deferida.

Na sequência, foram apresentadas justificativas às fls. 363/375.

Auditores do Tribunal sugeriram aplicação de multa ao responsável (fls. 378/387).

Por fim, vieram-me os autos.

 

2 – PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO FEITO

Antes de apresentar esclarecimentos quanto ao apontamento, o Sr. César Souza Júnior solicitou a suspensão da instrução para análise conjunta quando do julgamento do Recurso de Reconsideração nº 13/00665162. Requereu, com fundamento no art. 45, § 1º, do Regimento Interno da Corte de Contas, o sobrestamento do feito, nos seguintes termos (fls. 351/353):

 

3. [...] logo após o pedido de dilação de prazo, foi levado a julgamento o Recurso de Reconsideração n. 13/00665162 que analisa a Prestação de Contas Anual da Unidade Gestora referente ao exercício de 2009 [...].

[...]

8. [...] a presente auditoria está intrinsicamente ligada àquele recurso, visto que ambos tratam da situação financeira da COMCAP que piora a cada ano devido a impossibilidade de pagamento de suas dívidas e o constante e escalonado aumento de juros e de débitos moratórios.

9. Dessa forma, a conclusão a que se chegar naquele julgamento será de grande importância na presente instrução, uma vez que esta é posterior àquela (que se refere ao ano de 2009) e afetará diretamente o encaminhamento que deverá ser dado ao futuro financeiro da companhia e ao regime de responsabilização dos gestores municipais da companhia.

10. Assim, importante que a análise das contas da COMCAP e desta auditoria operacional, todas posteriores a 2009, sejam feitas de maneira uniforme e conjunta, a fim de evitar contradições internas da própria instituição e disparidades em relação ao tratamento a ser dado a cada gestor, o que feriria o princípio da isonomia que deve ser atribuído a situações dessa natureza.

11. Não bastasse, no caso específico do peticionante, importante ressaltar que o intimado nunca foi presidente da COMCAP, sequer pode ser qualificado como gestor responsável por sua execução orçamentária e, o que é ainda mais sintomático, sequer se encontra a frente do Município de Florianópolis, de modo que qualquer decisão no âmbito daquela força tarefa, sem que seja propiciada a sua participação, pode importar em grave prejuízo pessoal, porquanto a definição sobre o regime de responsabilização pode ser prejudicial à compreensão das consequências advindas da presente auditoria operacional.

 

Ato contínuo, o responsável apresentou informações às fls. 358/361, cujo conteúdo é, em grande parte, idêntico ao da peça anterior, acrescentando o seguinte:

 

[...]

15. Destaca-se que a instrução conjunta, seja ela proporcionada pela avocação destes autos, seja pelo apensamento àquele recurso, seja pela determinação de sobrestamento até que seja [m] definida [s] as medidas a serem tomadas não apenas evitará decisões conflitantes e não isonômicas, como também propiciará ao Plenário desta Corte de Contas manter sua jurisprudência em conformidade, fortalecendo as decisões da instituição, evitando conflitos internos e, ainda, reduzindo o volume de recursos interpostos diante de um posicionamento sólido, linear e definitivo sobre o assunto (lembra-se que todos os anos as contas da COMCAP são enviadas para análise da Corte).

16. Nesse sentido, informa-se a vossa excelência acerca da existência de processo que trata de assunto deveras semelhante, se não idêntico, e que ainda não teve a instrução concluída.

17. Assim, torna-se possível o encaminhamento no mesmo sentido de deliberação proferida no Recurso de Reconsideração n. 13/00665162 e demais processos que envolvam a companhia, seja ela proporcionada pela avocação destes autos, seja pelo apensamento àquele recurso, seja pela determinação de sobrestamento. (Grifos originais)

 

Na sequência, o Exmo. Relator encaminhou os autos à DCE para exame dos fatos e fundamentos invocados (fl. 377).

Auditores do Tribunal procederam à verificação dos processos autuados na Corte de Contas em que a COMCAP figura como unidade gestora, a fim de identificar similaridade entre os temas neles abordados (fl. 381).

Para isso, elaboraram quadro com todos os processos autuados a partir de 2010 (fls. 381/383).

Em análise dos dados obtidos, notadamente em relação aos assuntos abordados nos processos, concluiu-se pela inexistência de processo que trate de assunto semelhante ou relacionado ao destes autos.

“Tratam-se [Trata-se] de processos que trazem matérias, responsabilidade e períodos diversos, assim como responsáveis distintos, situação que não justifica o apensamento ou sobrestamento do feito ora em análise.”[2]

Especificamente quanto ao Recurso de Reconsideração nº 13/00665162, foi impetrado contra a decisão exarada no processo de prestação de contas anual da COMCAP referente ao exercício de 2009 (PCA 10/00236061).

Referida decisão julgou irregulares, com imputação de débito, as contas analisadas, condenando os responsáveis ao pagamento de valores devidos em virtude da realização de despesas com acréscimos financeiros indevidos (juros passivos, encargos sobre tributos e multas).

À época, auditores da DCE concluíram inexistir argumentos que justificassem o sobrestamento do feito até o julgamento do Recurso de Reconsideração nº 13/00665162, pois a matéria tratada no processo que deu origem ao recurso (PCA 10/00236061) diz respeito ao pagamento de acréscimos financeiros indevidos, que em nada se relaciona com a omissão do prefeito que, na qualidade de representante do acionista majoritário da companhia, não tomou as providências necessárias quanto à situação deficitária da COMCAP (fl. 384).

Em 6-12-2017, foi publicada a decisão do referido processo,[3] dando provimento parcial ao recurso, para considerar irregulares, sem imputação de débito, as contas referentes aos atos de gestão da COMCAP do exercício de 2009.

A modificação da decisão recorrida se deu em razão do reconhecimento de que não houve dano ao erário, uma vez que era de responsabilidade da Prefeitura de Florianópolis repassar os recursos orçamentários para a COMCAP, a fim de evitar o pagamento de acréscimo de juros e encargos financeiros, decorrente do não quitação em dia das dívidas da companhia no ano de 2009.

Como se vê, no recurso, discutiu-se o pagamento de acréscimos financeiros em razão da não quitação em dia das obrigações, decorrente da falta de repasse das verbas orçamentárias, cuja responsabilização recaiu sobre o diretor-presidente e diretor administrativo-financeiro da companhia.

Nestes autos, o cerne da questão é a omissão do prefeito, que na qualidade de representante legal da Prefeitura de Florianópolis, acionista majoritário da COMCAP, não adotou as providências necessárias quanto à situação financeira da Companhia.

A decisão proferida no recurso em nada altera a questão discutida neste processo.

A irregularidade em questão não se refere à ausência de repasse de valores previstos no orçamento, mas sim quanto à omissão na adoção de providências.

Trata-se, portanto, de assuntos distintos, não se justificando suspensão/sobrestamento/apensamento do processo.

 

3 - MÉRITO

3.1 - Omissão quanto à necessidade de adoção de providências em relação ao déficit financeiro da COMCAP, originário de dívidas, situação que teve início no exercício de 2013, descumprindo os princípios da legalidade e da eficiência, previstos no art. 37 da Constituição, arts. 1º, § 2º, e 2º, III, ambos da Lei Complementar nº 101/2000 e art. 18 da Lei nº 4.320/64.

Por ocasião da auditoria in loco, auditores do Tribunal verificaram que a COMCAP vinha passando por uma séria crise financeira.

Foram analisados os seguintes documentos: - atas de reunião dos Conselhos de Administração e Fiscal e da Assembleia de Acionistas; - ofícios encaminhados pela Administração da Companhia ao prefeito de Florianópolis e ao secretário da fazenda, solicitando providências em relação ao déficit financeiro; - resumo dos débitos da COMCAP até junho/2015; - projeção de Fluxo de Caixa para o exercício de 2015; - análise comparativa entre valores previstos no orçamento e as quantias efetivamente repassadas (fl. 2).

Constatou-se que a situação deficitária teve início em 2013 e foi se agravando nos exercícios seguintes.

As atas das reuniões demonstram a preocupação dos administradores com o déficit (fls. 2/7).

Quanto às dívidas existentes, a situação entre junho/2015 e julho/2015 era a seguinte:

- Débitos de INSS: R$ 138.362.608,66;

- Débitos junto ao FUMPRESC: R$ 10.568.695,03;

- FGTS: R$ 2.221.562,37;

- Dívidas com fornecedores/credores diversos: R$ 4.713.881,45.

As obrigações totais da COMCAP perfaziam um total de R$ 155.866.747,51 à época.

O fluxo de caixa para o exercício de 2015 estimava um déficit no valor de R$ 69.374.744,00 (fls. 277/278), o que aumentaria ainda mais a dívida.

O fluxo de caixa demonstra que 99% dos recursos da COMCAP eram provenientes de transferências realizadas pelo Município de Florianópolis.

Às fls. 11/12 constam quadros que refletem a situação dos repasses da Prefeitura de Florianópolis à COMCAP, evidenciando que os valores efetivamente repassados eram inferiores aos montantes previstos no orçamento.

Diante de todo o exposto, constatou-se a omissão quanto a providências em relação à situação financeira da COMCAP, originária de dívidas junto ao INSS, FGTS, FUMPRESC e outros fornecedores/devedores, situação que teve início no exercício de 2013.

A responsabilidade foi atribuída ao Sr. César Souza Júnior, prefeito à época.

Na qualidade de gestor da Prefeitura de Florianópolis, ele representava o acionista majoritário da COMCAP.

O responsável apresentou os seguintes esclarecimentos (fls. 364/368): - impossibilidade de destinação dos recursos inicialmente previstos em razão da baixa arrecadação do Município; - demanda nas áreas de saúde e educação e despesas oriundas de decisões judiciais; - os empenhos e efetiva distribuição do orçamento eram realizados pelo secretário da fazenda; - o prefeito não pode ser qualificado como gestor responsável pela execução orçamentária; - o orçamento de um ente federativo versa sobre uma previsão daquilo que se pretende realizar e não está imune a mudanças circunstanciais.

Juntou, na oportunidade, os balanços orçamentários referentes aos exercícios de 2013 e 2014 (fls. 369/375).

Auditores do Tribunal consideraram os argumentos apresentados insuficientes para afastar a irregularidade, sugerindo aplicação de multa ao responsável (fl. 387).

A Lei Complementar nº 618, de 13-07-2017,[4] alterou o regime jurídico da COMCAP, de sociedade de economia mista para autarquia. Seus arts. 1º e 2º dispõem o seguinte:

 

Art. 1º. Fica criada a Autarquia de Melhoramentos da Capital – COMCAP –, pessoa jurídica de direito público, pertencente à administração indireta do Município de Florianópolis.

Art. 2º. A Autarquia de Melhoramentos da Capital – COMCAP – reger-se-á por esta Lei Complementar e por seu Regimento Interno, observado:

[...]

V - o município de Florianópolis terá responsabilidade subsidiária no caso de insuficiência de recursos;

VI – tratamento equivalente à Fazenda Pública quanto à imunidade recíproca com os demais entes federativos, relativo a impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, à impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, prerrogativas processuais em razão do foro, prazos e custas assim como ao regime de precatórios. (Grifos meus)

 

A Lei Complementar nº 618/2017 dispõe, portanto, sobre a readequação da estrutura jurídica da COMCAP, assim como estabelece novas diretrizes administrativas.

Referida Lei foi proposta e promulgada no governo do Sr. Gean Marques Loureiro.

Quanto às alegações trazidas pelo Sr. Cesar Souza Júnior, merecem ser discutidos os pontos a seguir.

Acerca da arguida impossibilidade de atribuição de responsabilidade ao prefeito, na qualidade de gestor da Prefeitura, este representava o acionista majoritário da Companhia.

Como exposto por auditores do Tribunal, a Lei nº 6.404/76, em seu art. 116, dispõe que o acionista controlador deve usar seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social.

A COMCAP era uma empresa de prestação de serviços públicos, à época mantida quase que exclusivamente pelos repasses financeiros da Prefeitura de Florianópolis, que detinha 99% das ações ordinárias da Companhia.

Denota-se dos autos que, na gestão do Sr. César Souza Júnior, a COMCAP foi acometida de diversos problemas financeiros, a maioria resultantes da falta de repasses orçamentários.

O caso merece atenção especial, visto que a situação deficitária da COMCAP poderia implicar na paralisação das atividades por falta de recursos, conforme consignado nas atas das reuniões do Conselho Fiscal e Conselho de Administração (fls. 60/162).

Não houve demonstração de que o responsável tenha praticado atos para buscar resolver a situação financeira da Companhia.

Assim, tem-se que o responsável deixou de tomar as providências cabíveis a respeito da saúde financeira da Companhia.

Desta forma, o caso efetivamente é para aplicação de multa ao Sr. César Souza Júnior, prefeito de Florianópolis na gestão 2013/2016, em razão da omissão quanto à adoção de providências em relação ao déficit financeiro da COMCAP, a partir do exercício de 2013, descumprindo os princípios da legalidade e da eficiência, previstos no art. 37 da Constituição, arts. 1º, § 2º, e 2º, III, ambos da Lei Complementar 101/2000 e art. 18 da Lei nº 4.320/64.

Quanto à sugestão de determinação efetuada ao atual prefeito, tenho que o encaminhamento resta prejudicado em razão das alterações levadas a cabo pela Lei nº 618/2017.

 

4 - CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pela adoção das seguintes providências:

4.1 – Conhecimento do relatório de auditoria realizada na COMCAP, referente à análise da situação financeira da Companhia entre julho de 2013 e junho de 2015.

4.2 – APLICAÇÃO de MULTA ao Sr. César Souza Júnior, prefeito de Florianópolis na gestão 2013/2016, em razão da omissão quanto à adoção de providências em relação ao déficit financeiro da COMCAP, originário de dívidas junto ao INSS, FGTS, FUMPRESC e fornecedores/devedores diversos, a partir do exercício de 2013, descumprindo os princípios da legalidade e da eficiência, previstos no art. 37 da Constituição, arts. 1º, § 2º, e 2º, III, da Lei Complementar nº 101/2000 e art. 18 da Lei nº 4.320/64.

Florianópolis, 10 de abril de 2018.

 

Aderson Flores

Procurador



[1] Atualmente, Autarquia de Melhoramentos da Capital - COMCAP, conforme Lei Complementar nº 618, de 13 de julho de 2017, publicada no Diário Oficial Eletrônico de Florianópolis nº 1.983, de 13-7-2017.

[2] Fl. 383.

[3] Acórdão nº 642/2017, publicado no DOTC-e nº 2316, de 6-12-2017.

[4] Publicada no Diário Oficial Eletrônico do Município de Florianópolis nº 1983, de 13-7-2017.