Parecer nº:

MPC/54.608/2018

Processo nº:

REP 13/00120336    

Origem:

Município de Blumenau

Interessado:

Vanderlei Paulo de Oliveira

Assunto:

Irregularidades concernentes ao endividamento correspondente aos exercícios 2009/2012.

Numeração Única:

MPC-SC 2.3/2018.795

 

 

 

 

Trata-se de representação subscrita pelo Sr. Vanderlei Paulo de Oliveira, Vereador do Município de Blumenau, na qual relata supostas irregularidades no âmbito da Prefeitura Municipal de Blumenau.

A área técnica, mediante o relatório nº 1378/2015 (fls. 497-513v), sugeriu, como proposta de voto ao relator, considerar irregulares atos praticados por gestores de diversas Unidades vinculadas à Prefeitura Municipal de Blumenau e aplicar-lhes a pena de multa por realizar a liquidação de despesas sem o prévio empenho, afrontando o estabelecido no art. 60 da Lei nº 4.320/64 e, em determinadas situações, também o previsto no art. 167, II, da Constituição Federal. Em relação ao Sr. João Paulo Karam Kleinubing, Prefeito Municipal de Blumenau, e ao Sr. Marcelo Barasuol Lanzarin, gestor do Fundo Municipal de Saúde Blumenau, sugeriu-se, também, a cominação da pena de multa pelo não recolhimento da parte patronal das contribuições previdenciárias aos cofres do Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau – ISSBLU.

Na sequência, opinei no sentido de acompanhar o entendimento da Diretoria de Controle dos Municípios quanto à aplicação de multa aos responsáveis, acrescentando a necessidade de formação de autos apartados para averiguar o pagamento de multas e juros decorrentes do parcelamento de débito previdenciário realizado pela Prefeitura Municipal de Blumenau, nos termos da Lei Complementar Municipal nº 882/2013 (fls. 515-539).

Em seguida, por meio do Despacho nº GAC/CFF 074/2016 (fls. 540-543), o Relator determinou nova audiência do então Prefeito Municipal de Blumenau, Sr. João Paulo Karam Kleinubing, a fim de que se manifestasse sobre a sua responsabilidade como titular do Poder Executivo Municipal e a não observância ao art. 42 da Lei Complementar nº 101/2000, como também acerca da possibilidade de dano ao erário a partir do pagamento de juros e multa sobre o parcelamento do débito previdenciário. Por fim, determinou nova audiência dos demais responsáveis para que complementassem, caso entendessem pertinente, as justificativas já apresentadas.

Devidamente notificados, o Sr. João Paulo Karam Kleinubing juntou novas justificativas às fls. 563-574, enquanto o Sr. Evandro Luiz Schuller, Presidente do SAMAE de Blumenau, às fls. 576-580, complementou os esclarecimentos prestados anteriormente.

Após, a área técnica, por meio do relatório nº 1580/2016, encaminhou nova sugestão de voto no seguinte sentido (fls. 582-604):

 

3.1. - CONSIDERAR IRREGULARES, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n.º 202/2000, os atos abaixo relacionados, aplicando ao Sr. Vanderlei Mateus, Diretor Presidente da Fundação Municipal de Desportos de Blumenau, CPF 582.344.389-72, com endereço na Rua Leopoldo Hoeschl, 56, Bairro Progresso, CEP 89.026-240, Blumenau, SC; Sr. Julio César Pereira, Gestor do Fundo Municipal de Assistência Social de Blumenau, CPF 439.115.289-49, com endereço na Rua Thomé Braga, 175, Bairro Jardim Blumenau, CEP 89.010-570, Blumenau, SC; Sr. Marcelo Barasuol Lanzarin, Gestor do Fundo Municipal de Saúde de Blumenau, CPF 702.912.920-20, com endereço na Rua Heinrich Hosang, 310, Apto 103, Bairro Victor Konder, CEP 89.012-190, Blumenau, SC; Sr. João Paulo Karam Kleinubing, Prefeito na gestão 2009/2012, CPF 901.403.629-91, com endereço na Rua Dr. Luis de Freitas Melro, 06, Apto 202, Bairro Centro, CEP 89.010-000, Blumenau, SC; Sr. Evandro Luiz Schuller, Presidente Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Blumenau, CPF 788.642.089-68, com endereço na Rua Rodolfo Schmitz, 520, Bairro Passo Manso, CEP 89.032-320, Blumenau, SC; Sr. Rudolf Clebsch, Diretor Presidente Serviço Autônomo Municipal de Trânsito e Transportes de Blumenau, CPF 437.752.509-30, com endereço na Rua Mathias Herkenhoff, 130, Bairro Velha, CEP 89.040-070, Blumenau, SC, multas previstas no artigo 70, II, da Lei Complementar n.º 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

3.1.1. Despesas incorridas no exercício de 2012, além do total autorizado pelo Poder Legislativo Municipal, em afronta ao art. 167, II da CFRB c/c art. 60 da Lei nº 4.320/64 (item 2.1)

3.2. - CONSIDERAR IRREGULAR, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n.º 202/2000, o ato abaixo, aplicando ao Sr. Robson Tomasoni, Presidente Fundação Municipal do Meio Ambiente de Blumenau, CPF 948.537.119-53, com endereço na Rua São Paulo, 1212, Ed. Liverpool, Ap. A-502, Bairro Victor Konder, CEP 89012-001 Blumenau, SC e Sr. Cassio M. Chatagnier de Quadros, Gestor do Fundo de Segurança (FUNSEB), CPF 014.378.489-74, com endereço na Rua Harry Pofhal, 535, Apto 02, Bairro Asilo, CEP 89.037-650, Blumenau, SC, multas previstas no artigo 70, II, da Lei Complementar n.º 202/2000, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

3.2.1. Despesas realizadas no exercício de 2012 sem prévio empenho, em afronta ao art. 60 da Lei nº 4.320/64 (item 2.1);

3.3. CONSIDERAR IRREGULAR, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n.º 202/2000, o ato abaixo, aplicando ao Sr. João Paulo Karam Kleinubing, Prefeito na gestão 2009/2012 (já qualificado nos autos), multa prevista no artigo 70, II, da Lei Complementar n.º 202/2000, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

3.3.1. Despesas incorridas no período no montante de R$ 27.940.384,21, resultando em assunção de compromissos financeiros sem equivalente disponibilidade de recursos ao final da gestão, contrariando o art. 42 da LRF (item 2.3.1)

3.4. - CONSIDERAR IRREGULAR, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n.º 202/2000, o ato abaixo, aplicando ao Sr. João Paulo Karam Kleinubing, Prefeito na gestão 2009/2012 (já qualificado nos autos), bem como ao Sr. Marcelo Barasuol Lanzarin, Gestor do Fundo Municipal de Saúde de Blumenau (já qualificado nos autos), multa prevista no artigo 70, II, da Lei Complementar n.º 202/2000, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

3.4.1. Ausência de empenhamento e recolhimento aos cofres do Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau – ISSBLU da parte patronal das contribuições previdenciárias, nos meses de novembro e dezembro de 2012, bem como o 13° salário, no valor de R$ 7.523.180,91, sendo R$ 4.684.533,27, Prefeitura e R$ 2.838.647,64, do Fundo Municipal de Saúde, contrariando o disposto no art. 37 c/c 40 da Lei Complementar Municipal nº 308/200042 da LRF (item 2.2).

 

É o relatório.

Com a finalidade de evitar tautologia, reitero o meu posicionamento exarado no Parecer nº MPC/37.032/2015 quanto aos apontamentos restritivos atribuídos aos responsáveis Sra. Marlene Felix Schlindwein, Sr. Vanderlei Mateus, Sr. Robson Tomasoni, Sr. Cassio Chatagnier de Quadros, Sr. Júlio César Pereira, Sr. Marcelo Barasoul Lanzarin, Sr. Evandro Luiz Schuller, Sr. Rudolf Clebsch e Sr. João Paulo Karam Kleinübing.

Ressalto apenas – em relação ao complemento das justificativas apresentados pelo Sr. Evandro Luiz Schuller, Presidente do SAMAE de Blumenau – que não surgiram novas evidências para afastar a irregularidade concernente à realização de despesas sem o prévio empenho.

 Dito isso, neste momento da instrução, devo me ater aos motivos que ensejaram a realização de nova audiência do então Prefeito Municipal de Blumenau, quais sejam: a) a responsabilidade do Chefe do Poder Executivo Municipal em face das despesas realizadas em afronta ao art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, as quais totalizaram o montante de R$ 27.942.786,32; e b) a restrição passível de imputação de débito caracterizada pelo pagamento de multa e juros referente ao parcelamento da dívida relativa à contribuição previdenciária devida ao Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau - ISSBLU.

O Sr. João Paulo Karam Kleinübing veio aos autos para se defender dos apontamentos restritivos imputados a ele enquanto na condição de titular do Poder Executivo Municipal.

Primeiramente, o responsável sustentou que não é possível responsabilizá-lo por atos praticados por outras unidades que gozam de autonomia administrativa e financeira e, em alguns casos, possuem receitas próprias, provenientes da prestação de serviços.

Defendeu que nos órgãos descentralizados a responsabilidade pela ordenação de despesas compete aos respectivos dirigentes diretores.

Em seguida, o então Prefeito reiterou as suas justificativas sobre as despesas realizadas apenas no âmbito da Prefeitura Municipal de Blumenau.

A meu ver, não assiste razão ao responsável.

Destaca-se, inicialmente, que o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal preceitua, de forma cristalina, que ao titular de Poder é vedado contrair obrigação de despesa, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para tanto.

A realização de despesa de forma irregular já foi abordada exaustivamente ao longo da instrução, oportunidade em que se apontou que tal prática ocorreu diversas vezes.

No entanto, o que se discute no dado momento é se cabe responsabilizar o Chefe do Poder Executivo Municipal pelas despesas efetuadas em desconformidade com a lei por órgãos subordinados à Administração Direta Municipal.

 

No meu entendimento, sem sombra de dúvidas, a responsabilidade pela restrição em comento deve recair sobre o mandatário do cargo eletivo.

Além de o aludido art. 42 da LRF ser cristalino nesse aspecto, pondera-se que os órgãos municipais que realizaram despesas de forma irregular não possuem autonomia e poder de autogoverno, os quais se encontram concentrados na estrutura do Poder Executivo, comandada pelo Prefeito Municipal.

Sobre o assunto, colhe-se do Tribunal de Contas da União o seguinte julgado:

 

[...] firmar entendimento de que o art. 42 da Lei Complementar nº 101/2000 aplica-se aos titulares de todos os poderes e órgãos com autonomia administrativo-orçamentário-financeira (ou poder de autogoverno) garantida nos termos da Constituição, independentemente do período do mandato do respectivo titular à frente da gestão do órgão, que, no âmbito do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas da União, é definido, em geral, por meio dos respectivos regimentos, e deve ser aplicado em conjunto com os princípios norteadores do orçamento, em especial o da anualidade previsto no § 5º do art. 165 da Constituição e arts. 34 e 35 da Lei nº 4.320/1964, limitada a sua abrangência ao encerramento do exercício em 31 de dezembro; [...][1]

 

Nessa toada, a Constituição Federal, em seu art. 18, dispõe:

 

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

 

Em adição, o fato de existirem Unidades que arrecadam recursos mediante a prestação de serviços – em especial, o caso do SAMAE – não se revela suficiente para transferir a autonomia garantida pelo texto constitucional.

A propósito, colaciona-se o escólio de José dos Santos Carvalho Filho sobre essa questão:

 

[...] O Estado, quando cria autarquias, visa a atribuir-lhes algumas funções que merecem ser executadas de forma descentralizada. Daí não poderem criar regras jurídicas de auto-organização, nem terem capacidade política. Sua função é meramente administrativa. Por tal motivo é que se pode afirmar que, enquanto a autonomia é o próprio Estado, a autarquia é apenas uma pessoa administrativa criada pelo Estado. [...][2] (Grifou-se).

 

Portanto, concluo que – com fundamento no art. 42 da LRF – deve-se considerar o então Prefeito Municipal, Sr. João Paulo Karam Kleinübing, também responsável pelo valor total despendido em desconformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal em relação aos órgãos/Unidades Gestoras que compõem o orçamento do Município de Blumenau.

Adiante, no tocante à averiguação do pagamento de multas e juros decorrentes do parcelamento de débito previdenciário realizado pela Prefeitura Municipal de Blumenau nos termos da Lei Complementar Municipal nº 882/2013, o responsável trouxe à baila julgado do Tribunal de Contas Estadual que afastou a ocorrência de dano ao erário em situação análoga.

A seu turno, a área técnica argumentou que o pagamento parcelado do débito, acrescido de juros e atualização monetária, não configura prejuízos ao erário, pois haveria apenas a transferência de valores entre órgãos do mesmo ente federativo e, além do mais, o Município de Blumenau é garantidor do seu Regime Próprio de Previdência Social.

Em que pese a área técnica ter se posicionado nesse sentido, com a devida vênia, discordarei das suas conclusões.

A meu ver, também deve haver a imputação do débito ao responsável. Caso contrário, o pagamento de juros e multa será suportado pelos cofres da municipalidade, ou seja, por verba oriunda de tributos pagos pelos contribuintes.

É cediço que o Tribunal de Contas Estadual encampa o entendimento de que a imputação do débito nessa hipótese não é possível.

Para tanto, desenhou-se a tese de que os valores referentes aos juros e multas, em tais casos, não impactam negativamente no orçamento público, tendo em vista que haveria uma mera transferência de recursos entre entes que estão abrangidos por um único orçamento.

Data venia, discordarei do posicionamento da Corte de Contas.

No meu entendimento, o responsável não pode ser beneficiado por interpretações elásticas sobre regras orçamentárias, as quais inviabilizam a restituição de despesa desprovida caráter público, criada indevidamente pelo mandatário municipal.

Deveras, a imputação de débito revela-se necessária no caso concreto.

Depreende-se dos autos que houve atraso no repasse das contribuições patronais pela Prefeitura Municipal de Blumenau ao Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau – ISSBLU.

Cumpre rememorar, nesse contexto, que o Instituto Municipal de Seguridade Social de Blumenau está vinculado à administração direta, tendo em vista que foi criado sob a forma de autarquia de regime especial pela Lei Complementar Municipal nº 308/2005[3].

Note-se que tal vinculação ocorre apenas para fins de supervisão, de modo que o Instituto possui autonomia operacional, administrativa e financeira, conforme consta no texto da mencionada Lei Complementar[4].

Segundo a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, a supervisão exercida pela administração direta sobre a autarquia a ela vinculada ocorre da seguinte forma:

 

[...] São objetivos deste controle ou “supervisão” assegurar o cumprimento dos objetivos fixados em seu ato de criação; harmonizar sua atuação com a política e programação do Governo no correspondente setor de atividade; zelar pela obtenção de eficiência administrativa e pelo asseguramento de sua autonomia administrativa, operacional e financeira. [...][5]

 

Como se vê, não há uma relação de subordinação entre a autarquia e o ente federativo responsável por sua criação. O que existe é a obrigação de o Poder Executivo assegurar a boa administração do ente constituído para o desenvolvimento de determinada atividade.

Em outras palavras, o Poder Executivo do Município de Blumenau deveria supervisionar/auxiliar a gestão do seu regime próprio de previdência social, garantindo, entre outras coisas, a autonomia financeira do ISSBLU.

Acrescente-se a esse contexto a discussão quanto à aplicação do Princípio da Unidade Orçamentária. Conquanto o aludido brocardo contemple que cada ente federado detém competência para elaborar um orçamento anual único, pondero que o texto constitucional subdivide esse orçamento em três peças distintas[6].

Dentre eles, encontra-se o orçamento destinado à seguridade social, que engloba todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Ainda que faça parte da lei orçamentária anual do ente, a separação feita pelo Constituinte, no meu modo ver, encontra razão na importância que as despesas com seguridade social representam para o gasto público como um todo.

Logo, se dentro do orçamento único há espaço para prever receitas e fixar despesas para a previdência social, entendo que isso deve ser observado e respeitado pelo Chefe do Poder Executivo.

Pode-se afirmar, em face do exposto, que as receitas e despesas do Poder Executivo Municipal não podem ser confundidas com as do referido ISSBLU.

As contribuições e eventuais encargos incidentes são destinados ao regime próprio de previdência social, para atender tão somente a essa finalidade. Por outro lado, o orçamento previsto para o Poder Executivo Municipal alcança diversas outras receitas e despesas, incluindo sobretudo gastos com educação e segurança pública. Vê-se, portanto, que a separação entre os orçamentos destina-se a melhor organizar as finanças públicas.

Se isso não bastasse, a não imputação do débito ao responsável resultará, por consequência, na imposição de dispêndio (com juros moratórios e multas) não previsto inicialmente no orçamento da municipalidade, o que é vedado pelo art. 4º da Lei nº 4.320/64[7].

No âmbito do Tribunal de Contas Estadual, essa conduta enseja o reconhecimento da irregularidade, consoante se depreende do Prejulgado nº 604[8].

Em tempo, entende-se que decidir tão somente pela aplicação da pena de multa servirá como estímulo para que outros Chefes do Poder Executivo não cumpram com as suas obrigações, deixando de repassar (ou repassando intempestivamente) os valores relativos aos Institutos de Previdência municipais. E, no caso concreto, sinalizará ao responsável a benevolência da Corte de Contas com atrasos nos repasses de contribuições previdenciárias.

Não é demais asseverar que isso não contribuirá em nada para a resolução dos notórios problemas previdenciários enfrentados pelo país há décadas. Pelo contrário, agravará ainda mais a situação deficitária do sistema.

Por outro prisma, a intempestividade nos repasses ao Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau – ISSBLU prejudica demasiadamente a gestão das contribuições dos participantes.

Isso porque o que se espera, a partir da criação de uma autarquia especial para gerenciar o regime próprio de previdência social, é que as contribuições sejam capitalizadas de forma a garantir a sustentabilidade do sistema.

Por corolário lógico, o atraso nos repasses impede a capitalização das contribuições, razão pela qual se justifica a imposição de juros de mora nessa situação.

A propósito, os juros cobrados sobre o atraso no repasse das contribuições nada mais são do que o custo do dinheiro. No caso dos juros de mora, referem-se à indenização devida a quem deixa de dispor dos valores em virtude de atraso do pagamento na data acordada.

Nesse contexto, caso o repasse das contribuições tivesse ocorrido tempestivamente, haveria a aplicação do montante no mercado financeiro, remunerando esse capital em prol dos participantes do ISSBLU.

Contudo, como o chefe do Poder Executivo Municipal deixou de repassar as contribuições, houve então a incidência de encargos indenizatórios sobre o valor devido, sendo também uma forma de recompensar os cofres do Instituto.

Há uma distinção fundamental entre as duas hipóteses acima citadas: em que pese ambas servirem para remunerar o ISSBLU – a primeira pela obtenção de dividendos decorrentes da aplicação no mercado financeiro e a segunda pela cobrança de encargos pelo atraso no repasse das contribuições devidas por parte do Município – somente a segunda onera os cofres públicos. Vê-se que a primeira forma de remuneração não enseja nenhuma contrapartida do Ente federado, advindo exclusivamente de investimentos feitos pelo ISSBLU.

Diante disso, pondero que não é concebível que a remuneração sobre as contribuições, que poderia ter sido obtida no mercado financeiro, seja agora absorvida pelo erário municipal.

Em outras palavras, isso significará que a despesa gerada pela desídia do responsável será suportada pela sociedade, já penalizada por tanta incompetência na gestão pública.

Portanto, a meu sentir, os juros moratórios e multas não podem ser subtraídos dos cofres da Prefeitura Municipal de Blumenau, sob pena de prejudicar a execução orçamentária e interferir na prestação de outros serviços essenciais à população local.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se no sentido de acompanhar as conclusões do relatório técnico nº 1580/2016 quanto à aplicação da pena de multa aos responsáveis pela liquidação de despesas sem o prévio empenho, acrescentando tão somente a determinação para formação de autos apartados para apuração do dano ao erário ocasionado pelo pagamento de juros e multas em decorrência do parcelamento de dívida previdenciária contraída pela Prefeitura Municipal de Blumenau junto ao Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau – ISSBLU.  

Florianópolis, 13 de abril de 2018.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas



[1] BRASIL, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2354/2007. Plenário. J. em: 07/11/2007.  Acessado em: 10 nov. 2016.

[2] FILHO, José do Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. rev., ampl., e atual. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2011. p.427.

[3] Art. 1º Esta Lei Complementar cria o Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau - ISSBLU, autarquia de regime especial, com a finalidade de gerir o Plano de Seguridade Social, instituído pela Lei Complementar nº 1, de 04 de junho de 1990. Acessado em: 27/03/2017. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/blumenau/lei-complementar/2000/30/308/lei-complementar-n-308-2000-cria-o-instituto-municipal-de-seguridade-social-do-servidor-de-blumenau-issblu-e-da-outras-providencias

[4] Art. 2º O ISSBLU, entidade diretamente vinculada ao Prefeito Municipal, para fins de supervisão, com patrimônio e receita próprios, tem autonomia operacional nos assuntos de seu peculiar interesse e na gestão administrativa e financeira, nos termos desta Lei Complementar, sede e foro na cidade de Blumenau, Estado de Santa Catarina.

Parágrafo único. A supervisão será exercida na forma da legislação própria e, em especial, pelo recebimento sistemático de relatórios, balanços e informações que permitam o acompanhamento das atividades do ISSBLU e da execução do orçamento anual e da programação financeira aprovados pelo Governo Municipal.

[5] DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 33ª ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 92, de 12.7.2016. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 167.

[6] Art. 165. [...]

§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

[7] Art. 4º A Lei de Orçamento compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°.

[8] TCE, Prejulgado nº 604: Toda a despesa que não estiver contemplada no orçamento ou em lei específica carece de autorização, não podendo, portanto, ser considerada legal. O acréscimo de juros e multa quando do pagamento de obrigações tributárias vencidas, somente poderá ser efetivado, se estiver previamente previsto em lei. A ausência de autorização legal constituirá aplicação indevida de recursos públicos, irregularidade administrativa, incorrendo na responsabilidade de gestão.