PARECER       nº:

MPC/55057/2018

PROCESSO      nº:

DEN-16/00305790

ORIGEM          :

Prefeitura de Imbituba

RESPONSÁVEL     :

Jaison Cardoso de Souza

ASSUNTO         :

Irregularidades concernentes a renúncias fiscais ilegais e sem registro contábil, e criação de cargos públicos sem indicação das atribuições correspondente

NÚMERO UNIFICADO:

MPC-SC/2.1/2018.462

 

1 - RELATÓRIO

Cuidam os autos de denúncia formulada pelo Sr. Sérgio de Carvalho, acerca de supostas irregularidades cometidas na Prefeitura de Imbituba no exercício de 2015, referentes a renúncias fiscais ilegais e sem registro contábil, e criação de cargos em comissão sem indicação das atribuições correspondentes (fls. 2/5).

Auditores da Diretoria de Controle dos Municípios – DMU sugeriram considerar a denúncia improcedente, em face da não confirmação das irregularidades apontadas pelo denunciante (fls. 95/98).

Vieram-me os autos.

 

2 – ADMISSIBILIDADE

A denúncia se mostra regular quanto ao aspecto de legitimidade do denunciante; de sujeição da unidade à jurisdição da Corte de Contas; de relato das irregularidades em linguagem clara e objetiva; de apresentação de indícios de prova; além de estar acompanhada de documentação oficial de identificação do denunciante, nos termos exigidos pelo art. 65 da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 96, caput e § 1º, I, do Regimento Interno do Tribunal de Contas.

Assim, a denúncia merece ser conhecida.

 

3 – ANÁLISE

3.1 – Atribuições de agentes públicos estabelecidas por decreto

O denunciante relata[1] que as atribuições relativas aos cargos públicos, incluídos os secretários municipais, são estabelecidas por meio da edição de decretos administrativos, em contrariedade ao disposto no art. 101 da Lei Orgânica do Município.[2]

Encaminhou o Decreto nº PMI nº 016.2013, que trata da estrutura regimental e organizacional, da composição do quadro de pessoal, bem como da descrição das atribuições dos cargos e funções do quadro de pessoal da Secretaria Municipal da Fazenda (fls. 18/21).

Auditores do Tribunal observaram que o preâmbulo do Decreto nº PMI 016.2013 faz referência à Lei Complementar nº 4161/2013, a qual dispõe sobre a estrutura organizacional do Poder Executivo (fls. 87/94).

Referida lei estabelece a composição[3] da estrutura organizacional básica do Município, as competências dos órgãos, além de dispor sobre cargos de provimento em comissão e funções gratificadas.

Mais especificamente, os seus arts. 34, § 2º, 40 e 42 dispõem o seguinte:

 

Art. 34. Ficam criados na Estrutura Organizacional Básica do Poder Executivo Municipal de Imbituba os cargos de provimento em comissão, correspondentes aos órgãos mencionados no art. 14 supra, na forma do Anexo I, parte integrante desta Lei Complementar.

[...]

§ 2º A forma remuneratória e seus respectivos valores, dos cargos de provimento em comissão, estão dispostos no Anexo I desta Lei Complementar.

[...]

Art. 40. O Chefe do Poder Executivo disporá, em Decreto, a estrutura regimental e organizacional dos órgãos de assistência e assessoramento direto e imediato ao Prefeito Municipal, dos órgãos de atividades específicas; dos órgãos de desconcentração territorial e demais órgãos, sobre as competências e atribuições, denominação das unidades, quantificação e especificação dos cargos e funções públicas.

[...]

Art. 42. Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a expedir Decretos e os demais atos necessários à plena execução da presente Lei Complementar. (Grifos meus)

 

Auditores da DMU consideraram inexistir irregularidade, em face da obediência ao previsto constitucionalmente quanto à criação de cargos (art. 48, X, da Constituição) e à Lei Orgânica do Município no que tange às competências dos auxiliares diretos do prefeito.

A criação de cargos, funções ou empregos públicos é feita através de lei de iniciativa reservada ao respectivo Poder.

Trata-se de uma decorrência do princípio da separação de poderes.

Na União, com relação ao Poder Executivo, a criação e extinção de cargos, bem como a fixação da respectiva remuneração, depende de lei de iniciativa privativa do Presidente da República, consoante art. 61, § 1º, II, a, da Constituição.

Essa disposição é de repetição obrigatória, ou seja, de inserção compulsória nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas.

Com relação à descrição das atribuições dos cargos, a jurisprudência é pacífica no sentido de que devem derivar de lei, e não de decreto.

Sobre o assunto, eis o teor da decisão de 2-12-2014, proferida nos autos do RE nº 707.202/SC:

 

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO SEM INDICAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES CORRESPONDENTE. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

6. Em 10.6.2010, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.125/TO, de minha relatoria, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal assentou:

“[...] 7. A delegação de poderes ao Governador para, mediante decreto, dispor sobre “as competências, as atribuições, as denominações das unidades setoriais e as especificações dos cargos, bem como a organização e reorganização administrativa do Estado”, é inconstitucional porque permite, em última análise, sejam criados novos cargos sem a aprovação de lei. 8. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do art. 5º, caput, e parágrafo único; art. 6º; das Tabelas II e III do Anexo II e das Tabelas I, II e III do Anexo III; e das expressões “atribuições”, “denominações” e “especificações” de cargos contidas no art. 8º da Lei n. 1.950/2008. 9. Definição do prazo máximo de 12 (doze) meses, contados da data de julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade, para que o Estado faça a substituição de todos os servidores nomeados ou designados para ocupação dos cargos criados na forma da Lei tocantinense n. 1.950”

[...]

7. Como alegado pelo Recorrente, “a ausência de previsão das atribuições dos servidores impede que o real objetivo dos cargos seja compreendido. Não se sabe se tais vagas poderiam ser preenchidas pela livre nomeação ou se trata de manobra para burlar a regra geral de provimento por concurso público”.

8. Ao manifestar-se, a Procuradoria-Geral da República afirmou:

“a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal marca-se pela especial cautela ao lidar com leis que criam cargos comissionados, atenta à necessidade de se prevenirem deliberações legislativas que desvirtuem a primazia da regra do concurso público (…), [motivo pelo qual] a descrição das atribuições dos cargos comissionados pela própria lei é imprescindível para a aferição da sua legitimidade”. [...] (Grifos meus)

(RE 707.202/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgado em 2-12-2014, DJe-242, divulgado em 10-12-2014 publicado em 11-12-2014).

 

Citem-se também os seguintes julgados:

 

RE 806436 AgR/SP - SÃO PAULO

Relator(a):  Min. LUIZ FUX

Julgamento:  02/09/2014

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. AUSÊNCIA DA DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES CORRESPONDENTES. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL REJEITADA PELO PLENÁRIO DO STF NO ARE Nº 748.371. CONTROVÉRSIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 93, IX, DA CF/88. INEXISTÊNCIA. 1. A criação de cargos em comissão para o exercício de atribuições técnicas e operacionais pela Municipalidade exige a descrição de suas respectivas atribuições na própria lei. Precedente: ADI 4.125, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, DJe 15/2/2011. [...]

 

RE 752769 AgR/SP - SÃO PAULO

Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA

Julgamento:  08/10/2013

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO SEM INDICAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES CORRESPONDENTES. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (Grifos acrescidos)

 

E mais: ADI 4125/TO, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 15-2-2011; ADI nº 3233/PB, Tribunal Pleno, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJE de 14-9-2007; ADI nº 3706/MS, Tribunal Pleno, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe de 5-10-2007.

Como se vê, a lei municipal que cria cargos de provimento em comissão e funções de confiança deve vir acompanhada da descrição das respectivas atribuições, em consonância com os comandos contidos no art. 37, caput, II e V, da Constituição.

Os cargos de provimento em comissão do Município de Imbituba, especificamente quanto aos secretários municipais, foram criados mediante lei específica, qual seja, a Lei Complementar nº 4161/2013, com a respectiva remuneração fixada em seu anexo I.

Contudo, referida lei tratou apenas das competências dos órgãos em si.

O Decreto nº PMI 016.2013 reproduziu a descrição dessas competências ao tratar das atribuições do secretário municipal da fazenda.

Assim, não consta na Lei Complementar nº 4161/2013 a descrição das atribuições dos cargos em comissão e funções de representação.

A inexistência de descrição das atribuições inerentes aos cargos comissionados e funções de confiança criados na lei municipal impossibilita que se verifique a ocorrência da hipótese excepcional de provimento em comissão, ou seja, direção, chefia e assessoramento.

Contudo, hoje, referida lei encontra-se revogada.

Quanto à reestruturação organizacional do Poder Executivo, vigora atualmente no Município de Imbituba a Lei Complementar nº 4800, de 28-3-2017.

Nessa lei consta a descrição das atribuições dos cargos em comissão e funções de representação.

Assim, resta caracterizado o cumprimento do previsto constitucionalmente no art. art. 61, § 1º, II, a, da Constituição, assim como na Lei Orgânica Municipal.

 

3.2 – Ilegalidade na iniciativa do Refis municipal

O denunciante relata[4] que o secretário municipal da fazenda, por meio da Exposição de Motivos nº EM-03/2015, submeteu ao Poder Legislativo projeto de lei concessiva de descontos de juros e multas moratórios (Refis municipal), dizendo não haver disposição legal para concessão de tais benefícios.

Acrescenta que referidos benefícios estão consubstanciados na Lei Complementar nº 4473/2014 e na Lei Complementar nº 4564/2015.

A exposição de motivos encontra-se à altura das fls. 22/23 e o projeto de lei às fls. 25/26 dos autos.

Auditores do Tribunal entenderam inexistir fundamentos indicativos de irregularidade (fl. 97).

As Leis Complementares nºs 4473/2014 e 4564/2015 instituíram o programa de recuperação fiscal do município de Imbituba - Refis Municipal, com relação à regularização de débitos tributários e não-tributários, cujo fato gerador tenha ocorrido até 31-12-2013 e 31-12-2014, respectivamente.

Inicialmente, impende sublinhar, como destacado por auditores, a legalidade do ato exarado pelo secretário municipal da fazenda, tendo em vista que entre suas atribuições está “a formulação, a coordenação, a administração e a execução da política de administração tributária e fiscal do Município [...]” (Lei Complementar nº 4161/2013).

As leis complementares foram legitimamente aprovadas pelo Poder Legislativo.

O Programa de Recuperação Fiscal - Refis é um mecanismo de incentivo destinado a promover a regularização de dívidas relativas a tributos e contribuições.

Foi originalmente instituído pela Lei nº 9964/2000, para promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos.

Desde então, esse mecanismo tem sido utilizado comumente nas três esferas de governo.

A finalidade do programa é refinanciar, ou seja, facilitar o pagamento de débitos, desse modo, reduzindo o inadimplemento dos contribuintes.

Trata-se, assim, de procedimento amplamente utilizado.

Ademais, o denunciante não indicou irregularidade específica.

Em face do exposto, corroboro com a análise efetuada por auditores, tendo em visto que não há fundamentos indicativos de irregularidade específica no Refis do Município de Imbituba.

 

3.3 – Ilegalidade na concessão de descontos no pagamento do IPTU

O denunciante questiona[5] a legalidade de atos expedidos pela administração do Município que concedem descontos para a quitação antecipada do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU.

Os atos concessivos de descontos fiscais encontram-se às fls. 27/54 dos autos.

Questiona-se o pagamento em cota única do IPTU com desconto de 20% sobre o valor.

Auditores do Tribunal concluíram que há legalidade nas normas expedidas pelo prefeito, tendo em vista o cumprimento do exposto na Lei Complementar nº 3019/2016 - Código Tributário do Município de Imbituba, que assim determina (fl. 97):

 

Capítulo I

IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA

[...]

Art. 263. O imposto lançado nos termos deste capítulo será pago anualmente, até o dia 28 de fevereiro do ano de competência.

§ 1º O pagamento integral do imposto até a data fixada no caput, assegura ao contribuinte, o desconto de 20% (vinte por cento) sobre o lançamento do exercício.

§ 2º Por opção do contribuinte, o imposto poderá ser pago em até dez parcelas com vencimento da primeira no dia 28 de fevereiro e as demais a cada trinta dias.

§ 3º É facultado ao Chefe do Poder Executivo, mediante Decreto, alterar as datas de vencimento do imposto, fixadas no caput e no § 2º deste artigo.

§ 4º O contribuinte incurso em multa e juros, pelo não pagamento da primeira e segunda parcelas, ficará dispensado desses encargos se efetuar o pagamento integral do imposto até a data do vencimento da terceira parcela. (Grifos meus)

 

Quanto ao assunto, assim dispõem os arts. 1º e 160, parágrafo único, do Código Tributário Nacional:[6]

 

Art. 1º Esta Lei regula, com fundamento na Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, o sistema tributário nacional e estabelece, com fundamento no artigo 5º, inciso XV, alínea b, da Constituição Federal as normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletiva ou regulamentar.

...

Art. 160. Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento.

Parágrafo único. A legislação tributária pode conceder desconto pela antecipação do pagamento, nas condições que estabeleça. (Grifos meus)

 

Como se vê, não há ilegalidade na concessão do desconto pela antecipação do pagamento.

Muito pelo contrário, como inclusive destacado por auditores, a fixação de data para quitação antecipada com desconto constitui obrigação imposta ao administrador municipal, sendo que seria passível de denúncia a situação inversa, omitindo-se esse direito garantido por lei ao contribuinte (fl. 98).

Ato contínuo, o denunciante argumenta que os descontos fiscais concedidos não são registrados contabilmente, sendo esta uma obrigação do Gerente de Contabilidade Pública (fl. 4).

Contudo, não encaminhou documentação relacionada ao fato denunciado, restando sem indicativo de indício de prova, em desatenção aos comandos do art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei Orgânica da Corte de Contas.

Diante de todo o exposto, opino em consonância com os termos do Relatório nº DMU-413/2017, de fls. 95/98, para considerar a denúncia improcedente, tendo em vista que não se verificaram irregularidades nas situações relatadas.

 

4 - CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pela IMPROCEDÊNCIA dos fatos da DENÚNCIA, em face da não confirmação das irregularidades apontadas pelo denunciante.

Florianópolis, 24 de abril de 2018.

 

Aderson Flores

Procurador



[1] Item 4 da denúncia (fls. 2/3).

[2] Art. 101 - A Lei Municipal estabelecerá as atribuições dos auxiliares direto do Prefeito, definindo-lhes a competência, deveres e responsabilidades.

[3] Órgãos de assistência e assessoramento direto e imediato ao prefeito, de atividades específicas, e de desconcentração territorial.

[4] Itens 5, 6 e 7 da denúncia (fls. 3/4).

[5] Item 8 da denúncia (fl. 8).

[6] Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.