Parecer nº:

MPC/55.154/2018

Processo nº:

PCR 13/00525310    

Un. Gestora:

Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional - Lages

Assunto:

NE 501, de 15/06/2012, NL 4351, no valor de R$ 60.000,00, repassados à Associação Empresarial de Lages para a realização do projeto Fashion Hair 2012

Numeração única:

MPC-SC 2.3/2018.874

 

 

 

Trata-se de processo de prestação de contas de recursos repassados à Associação Empresarial de Lages para a execução do projeto denominado "Fashion Hair 2012”, no valor de R$ 60.000,00.

Ao receber os autos, a Diretoria de Controle da Administração Estadual, através do relatório nº 448/2015, definiu a responsabilidade dos envolvidos no caso e sugeriu efetuar a citação nos seguintes termos (fls. 160-170):

 

3.1 Definir a responsabilidade solidária nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, do Sr. Jurandi Domingos Agustini, inscrito no CPF sob o nº 084.485.239-20, com endereço na Rua Vidal Ramos Júnior, nº 340, Centro, Lages/SC, CEP 88502-120; e do Sr. Luiz José Spuldaro, inscrito no CPF sob o n. 032.240.909-87, com endereço na Rua Nilo Peçanha nº 714, Bairro Sagrado Coração de Jesus, Lages/SC e da CEP 88508-500, Associação Empresarial de Lages, CNPJ 83.227.108/0001-49, com endereço à Avenida Belizário Ramos, nº 2276, Centro, Lages/SC, por irregularidades verificadas no presente processo, que ensejaram a imputação do débito mencionado no item 2.2 deste relatório.

3.2 Determinar a CITAÇÃO dos responsáveis nominados no item anterior, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar nº 202/00, para apresentarem alegações de defesa, em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a respeito das irregularidades constantes do presente relatório, conforme segue.

3.2.1 De Responsabilidade do Sr. Jurandi Domingos Agustini, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), em face das irregularidades verificadas no item 2.1 e detalhadas nos subitens a seguir elencados:

3.2.1.1 Concessão de incentivo pelo SEITEC sem a comprovação da adequação do projeto ao Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL, contrariando o estabelecido pelos arts. 1º e 6º da Lei Estadual nº 13.792/06 e aos arts. 3º e 9º, parágrafo único, do Decreto Estadual nº 2.080/09 (subitem 2.1.1 deste relatório);

3.2.1.2 Aprovação do projeto e repasse dos recursos mesmo diante da ausência de Parecer Técnico e Orçamentário emitido pela Gerência de Turismo, Cultura e Esporte da SDR de Lages, contrariando os arts. 11, I e 36, § 3º do Decreto Estadual nº 1.291/2008, c/c a Lei Estadual nº 13.336/2005, o art. 37, caput da Constituição Federal e o art. 16, caput e § 5º da Constituição Estadual (item 2.1.2 deste relatório);

3.2.1.3 Repasse dos recursos financeiros posterior ao evento, contrariando o art. 59 do Decreto n. 1291/2008 (item 2.1.3 deste relatório);

3.2.1.4 Apresentação de projeto por entidade sem capacidade técnica para realizar o evento, servindo apenas de repassadora de recursos a empresa com fins lucrativos, contrariando o art. 2º, § 2º, da Lei Estadual nº 13.336/05, bem como os arts. 1º, § 1º, I, “b”, 42, XIX e 70, XII, todos do Decreto Estadual nº 1.291/08 (item 2.1.4 deste Relatório).

3.2.2 De responsabilidade do Sr. Luiz José Spuldaro, solidariamente com a Associação Empresarial de Lages no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), em face das seguintes irregularidades:

3.2.2.1 Ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, contrariando o art. 144 da Lei Complementar Estadual nº 381/07 (item 2.3.1 deste relatório), diante as irregularidades abaixo especificadas:

3.2.2.1.1 Ausência de comprovação da realização do objeto proposto em afronta ao disposto no art. 144, §1º, da Lei Complementar Estadual nº 381/07 (item 2.3.1.1 deste Relatório);

3.2.2.1.2 Ausência de comprovação do efetivo fornecimento dos materiais ou prestação dos serviços, em face da descrição insuficiente das notas fiscais apresentadas e da ausência de outros elementos de suporte, em desacordo com o disposto nos arts. 47, 49, 52, incisos I e III, e art. 60, inciso II, da Resolução TC-16/94 (item 2.3.1.2deste Relatório);

3.2.2.1.3 Falta de demonstração de todas as receitas obtidas por patrocinadores, apoiadores e venda de ingressos, bem como demonstração de que foram utilizados para a realização do evento, contrariando o estabelecido no art. 44, I e art. 70, XIII, ambos, do Decreto Estadual n. 1291/08 (item 2.3.1.3 deste relatório).

3.2.3 Passível de aplicação de multa ao Sr. Luiz José Spuldaro, em face das seguintes irregularidades:

3.2.3.1 Ausência de orçamentos claros afrontando o art. 48, incisos I e II, do Decreto Estadual nº 1.291/08 (item 2.3.1.4 deste relatório);

3.2.3.2 Ausência de comprovação da aplicação da contrapartida, contrariando o disposto no art. 52, III, do Decreto Estadual nº 1.291/08 (item 2.3.1.5 deste Relatório).

 

Em seguida, o Relator Gerson dos Santos Sicca acolheu a sugestão da área técnica (fl. 170).

Realizadas as citações, a Associação Empresarial de Lages e o Sr. Luiz José Spuldaro apresentaram razões de defesa às fls. 188-196 e juntaram Declaração prestada pelo Centro Serra Convention Center às fls. 231-232. O Sr. Jurandi Agustini Domingos acostou justificativas às fls. 200-229.

Por fim, a Diretoria de Controle da Administração Estadual, sob o relatório de nº 980/2015, propôs a seguinte conclusão (fls. 237-259v):

 

3.1 Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, III, b e c, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, as contas de recursos repassados à Associação Empresarial de Lages, no montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), referente a nota de empenho nº 501, de 15/06/2012, fonte 262.

3.2 Condenar solidariamente os responsáveis – Sr. Jurandi Domingos Agustini, inscrito no CPF sob o nº 084.485.239-20, com procuradora constituída (fl. 229), com endereço na Rua Caetano Costa Júnior, nº 54, Centro, Lages/SC, CEP 88.502-300; Sr. Luiz José Spuldaro, inscrito no CPF sob o n. 032.240.909-87, com procurador constituído à fl. 194, com endereço na Avenida Luiz de Camões, nº 243, Sala 04, Coral, Lages/SC, CEP 88.509-583; e Associação Empresarial de Lages, CNPJ 83.227.108/0001-49, com procurador constituído à fl. 194, com endereço na Avenida Luiz de Camões, nº 243, Sala 04, Coral, Lages/SC, CEP 88.509-583, ao recolhimento da quantia de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), fixando-lhes prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE – DOTC-e, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor de débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar nº 202/00), calculados a partir de 20/07/2012 (data de repasse da NE nº 501), sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II, da Lei Complementar nº 202/00), em face da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, contrariando o disposto no art. 144, §1º, Lei Complementar Estadual n.º 381/07, conforme segue:

3.2.1 De responsabilidade do Sr. Jurandi Domingos Agustini, já qualificado nos autos, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), em face das irregularidades seguintes que concorreram para a ocorrência do débito, verificadas no item 2.2 e detalhadas nos subitem a seguir:

3.2.1.1 Apresentação de projeto por entidade sem capacidade técnica para realizar o evento, servindo apenas de repassadora de recursos a empresa com fins lucrativos, contrariando o art. 2º, § 2º, da Lei Estadual nº 13.336/05, bem como os arts. 1º, § 1º, I, “b”, 42, XIX e 70, XII, todos do Decreto Estadual nº 1.291/08 (item 2.2.1 deste Relatório);

3.2.1.2 Concessão de incentivo pelo SEITEC sem a comprovação da adequação do projeto ao Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL, contrariando o estabelecido pelos arts. 1º e 6º da Lei Estadual nº 13.792/06 e aos arts. 3º e 9º, parágrafo único, do Decreto Estadual nº 2.080/09 (subitem 2.2.2 deste relatório);

3.2.1.3 Aprovação do projeto e repasse dos recursos mesmo diante da ausência de Parecer Técnico e Orçamentário emitido pela Gerência de Turismo, Cultura e Esporte da SDR de Lages, contrariando os arts. 11, I e 36, § 3º do Decreto Estadual nº 1.291/2008, c/c a Lei Estadual nº 13.336/2005, o art. 37, caput da Constituição Federal e o art. 16, caput e § 5º da Constituição Estadual (item 2.2.3, deste relatório); e

3.2.1.4 Repasse de recursos financeiros posterior ao evento, contrariando o art. 59 do Decreto nº 1.291/08 (subitem 2.2.4, deste relatório).

3.2.2 De responsabilidade solidária do Sr. Luiz José Spuldaro e da pessoa jurídica Associação Empresarial de Lages na pessoa de seu representante legal, já qualificados nos autos, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), em face das irregularidades que concorreram para a ocorrência do débito, verificadas no item 2.3 e detalhadas nos subitens a seguir elencados:

3.2.2.1 Ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, contrariando o art. 144 da Lei Complementar Estadual nº 381/07 (item 2.3.1 deste relatório), diante as irregularidades abaixo especificadas:

3.2.2.1.1 Ausência de comprovação do efetivo fornecimento dos materiais ou prestação dos serviços, em face da descrição insuficiente das notas fiscais apresentadas e da ausência de outros elementos de suporte, em desacordo com o disposto nos arts. 47, 49, 52, incisos I e III, e art. 60, inciso II, da Resolução TC-16/94 (item 2.3.1.2 deste Relatório);

3.2.2.1.2 Falta de demonstração de todas as receitas obtidas por patrocinadores, apoiadores e venda de ingressos, bem como demonstração de que foram utilizados para a realização do evento, contrariando o estabelecido no art. 44, I e art. 70, XIII, ambos, do Decreto Estadual n. 1291/08 (item 2.3.1.3 deste relatório).

3.3 Aplicar ao Sr. Luiz José Spuldaro e ao Sr. Jurandi Domingos Agustini, já qualificados, multa proporcional aos danos constantes do item 3.2 desta Conclusão, prevista no artigo 68 da Lei Complementar Estadual n.º 202/00, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no DOTC-e, para comprovar perante este Tribunal o recolhimento dos valores ao Tesouro do Estado, sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/00).

3.4 Aplicar ao Sr. Luiz José Spuldaro, já qualificado, multa prevista no artigo 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no DOTC-e, para comprovar perante este Tribunal o recolhimento do valor ao Tesouro do Estado, sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/00), em face da:

3.4.1 Ausência de orçamentos claros, afrontando o art. 48, incisos I e II, do Decreto Estadual nº 1.291/08 (item 2.3.1.4, deste relatório);

3.4.2 Ausência de comprovação da aplicação da contrapartida, contrariando o disposto no art. 52, III, do Decreto Estadual nº 1.291/08 (item 2.3.1.5, deste Relatório).

3.5 Declarar a Entidade Associação Empresarial de Lages e o Sr. Luiz José Spuldaro, impedidos de receber novos recursos do Erário, consoante dispõe o art. 16 da Lei nº 16.292/2013 c/c art. 61 do Decreto nº 1.309, de 13 de dezembro de 2012.

3.6 Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam à Associação Empresarial de Lages, ao Sr. Luiz José Spuldaro, ao Sr. Jurandi Domingos Agustini e à Agência de Desenvolvimento Regional de Lages.

 

É o relatório.

 

1. Considerações iniciais (particularidades do caso)

 

Inicialmente, cabe assentar que a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional – Lages repassou, em 20.07.2012, à Associação Empresarial de Lages o valor de R$ 60.000,00 com vistas à execução do projeto denominado "Fashion Hair 2012”.

O projeto proposto tinha por finalidade realizar um evento direcionado a todos os profissionais da área da beleza, bem como divulgar e atrair turistas para a região (fls. 05-06). Para sua execução, pleiteou-se o repasse de recursos que seriam destinados às seguintes despesas: i) locação de espaço para realização do evento; ii) folders de divulgação do evento; iii) decoração dos ambientes e; iv) montagem de estandes para a feira (fls. 05 e 09).

Feito esse comentário introdutório, passa-se à análise do processo.

 

2. Da preliminar arguida

 

A Associação Empresarial de Lages e o Sr. Luiz José Spuldaro (Presidente da entidade proponente à época dos fatos), em peça conjunta, às fls. 188-192, pugnaram pela produção de todos os meios de prova, especialmente a prova testemunhal, apresentando rol de testemunhas à fl. 193, e ainda a produção de prova pericial e juntada de novos documentos.

Todavia, conforme já sustentando pela área técnica, a regularidade da prestação de contas se comprova por meio da apresentação de documentos idôneos (como notas fiscais, contratos, dentre outros), não sendo a oitiva de testemunhas ou a realização de perícia os meios aptos para comprovar despesas com recursos públicos.

Ademais, os responsáveis não justificaram as razões de realização desses meios de prova, nem especificaram o que exatamente pretendiam provar com a sua utilização, muito menos o que seria objeto de perícia.

Assim, a preliminar aventada não merece prosperar.

 

3. Das irregularidades avistadas no processo de concessão de recursos públicos

 

Foram constatadas as seguintes irregularidades no processo de concessão de recursos públicos: a) apresentação de projeto por entidade sem capacidade técnica para realizar o evento, servindo apenas de repassadora de recursos a empresa com fins lucrativos; b) ausência de comprovação de enquadramento do projeto proposto no Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto (PDIL); c) ausência de pareceres técnico e orçamentário emitidos pela Gerência de Turismo, Cultura e Esporte da SDR da Lages; d) repasse dos recursos financeiros posterior ao evento.

Todas essas exigências estão expressamente previstas nas normas regulamentares de concessão de recursos do SEITEC a particulares, configurando suas ausências irregularidades graves que comprometem a lisura do processo de repasse dos recursos.

A par disso, assinale-se que foi chamado aos autos para responder pelos apontamentos restritivos o Sr. Jurandi Domingos Agustini (ex-Secretário de Estado de Desenvolvimento Regional de Lages).

Os esclarecimentos prestados pelo Sr. Jurandi Domingos Agustini não contribuíram para o afastamento das restrições apontadas.

Cabe destacar que o Sr. Jurandi, na condição de Secretário da SDR-Lages à época dos fatos, era responsável pela aprovação e repasse dos recursos em comento. Ademais, como superior hierárquico, tinha a obrigação funcional de orientar, controlar, supervisionar, averiguar possíveis falhas e fiscalizar os serviços desempenhados por seus subordinados.

No presente caso, sua atuação negligente possibilitou que houvesse a irregular concessão de recursos públicos, pois além do descumprimento dos requisitos normativos obrigatórios para a aprovação dos projetos vinculados aos fundos SEITEC, houve a celebração de contrato desprovido de interesse público, já que se tratou de evento com finalidade comercial e de promoção de uma determinada empresa privada com fins lucrativos (LAFI Cosméticos).

Logo, o Sr. Jurandi Domingos Agustini não pode se escusar de assumir a responsabilidade pelo repasse de recursos que autorizou e, por corolário, deve responder pelos fatos aqui discutidos.

No caso em apreço, percebe-se que o responsável praticou ato irregular, o qual consiste na concessão de recursos públicos sem o preenchimento dos requisitos legais (art. 18, § 2º, ‘a’, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000[1]).

Dessa forma, entende-se que o Sr. Jurandi Domingos Agustini deve responder, de forma solidária, pelos prejuízos causados ao erário, visto que sua conduta se amolda ao mandamento legal supracitado.

Diante disso, perfilho o entendimento exposto pela área técnica, a qual sugeriu a imputação solidária de débito no valor de R$ 60.000,00, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano, disposta no art. 68 da LC nº 202/2000.

 

4. Das irregularidades avistadas na prestação de contas 

 

Vale acentuar, oportunamente, que a comprovação da boa e da regular aplicação dos recursos públicos compete àquele que recebeu os valores que lhe foram confiados.

Esse é, pois, o entendimento sedimentado pelo Tribunal de Contas da União:

 

TCE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE PARTE DE RECEITAS ORIUNDAS DE CONVÊNIO COM ENTIDADE FEDERAL. CITAÇÃO. REVELIA. CONFIGURAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, EM DECORRÊNCIA DE ATO DE GESTÃO ILEGÍTIMO OU ANTIECONÔMICO. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA. RECURSO DE REVISÃO. CONHECIMENTO. NÃO-PROVIMENTO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS.

1. A configuração de dano ao Erário, em decorrência de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, importa no julgamento pela irregularidade, na condenação em débito e na aplicação de multa.

2. Nos processos de contas que tramitam nesta Casa, compete ao gestor o ônus da prova da boa e da regular aplicação dos recursos públicos que lhe são confiados, o que independe da comprovação de ter se configurado o crime de improbidade administrativa, da ocorrência de enriquecimento ilícito ou de locupletamento por parte do recorrente[2].

 

Nesse mesmo passo, tem-se o entendimento do Tribunal de Contas de Santa Catarina, conforme se vislumbra no voto lavrado pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE RECURSOS ANTECIPADOS DO FUNCULTURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS. AUTORREMUNERAÇÃO. PAGAMENTOS À FAMILIARES. DESPESAS ILEGAIS E INJUSTIFICADAS. IRREGULARIDADE DAS CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OMISSÕES DO PODER CONCEDENTE. MULTA.

1. Nos processos de contas o onus probandi é do gestor dos recursos públicos, que é pessoalmente responsável pela boa e regular aplicação dos recursos repassados e tem o ônus de provar a execução do objeto pactuado, das despesas vinculadas ao mesmo e trazer à colação elementos que demonstrem o atendimento ao interesse público e a inexistência de lesão ao patrimônio público.

2. A aplicação de recursos públicos impõe a observância de regramentos que garantam sua destinação única e exclusiva a finalidades que correspondam ao interesse público. Despesas que caracterizam autorremuneração e pagamento a familiares devem ser considerados ilegais quando atenderem a interesses exclusivamente particulares e não atingirem à finalidade pública.

3. Os atos e omissões que revelam irregularidades na aprovação de projetos para financiamento no âmbito do SEITEC, por inobservância aos dispostivos legais e regulamentares que regem a matéria, são sujeitos à aplicação de multa[3]. (Grifou-se)

 

Fixada essa premissa, saliente-se que, no presente caso, não restou comprovada a boa e a regular aplicação dos recursos públicos em razão das seguintes irregularidades: a) ausência de comprovação do efetivo fornecimento dos materiais ou prestação dos serviços, em face da descrição insuficiente das notas fiscais apresentadas e da ausência de outros elementos de suporte e; b) falta de demonstração de todas as receitas obtidas por patrocinadores, apoiadores e venda de ingressos, bem como demonstração de que foram utilizados para a realização do evento.

Foram apontadas ainda irregularidades que ensejam a cominação de multa, nos moldes do art. 70, II, da LC nº 202/2000: a) ausência de orçamentos claros e; b) ausência de comprovação da aplicação da contrapartida.

No que concerne à ausência de comprovação da realização do evento, a irregularidade restou afastada pela área técnica, após os responsáveis enviaram os documentos de fls. 195-196 e o Sr. Jurandi Domingos Agustini (apesar de não ter sido citado para se manifestar quanto a esta irregularidade) apresentar os documentos de fls. 226-228v.

 Os documentos concernem a notícias veiculadas na mídia acerca da realização do projeto. Assim, não é possível afirmar que este não ocorreu, tendo em vista a documentação acostada. Dessa feita, acompanho o posicionamento da área técnica.

Todavia, a imputação de débito deve subsistir, em face das demais irregularidades constatadas.

Salienta-se que, como forma de demonstrar a correta aplicação dos recursos repassados, a Associação acostou as Notas Fiscais nºs 630, 142 e 269 (respectivamente às fls. 127, 129 e 134), as quais não contêm a descrição precisa dos produtos e serviços adquiridos, não se prestando, portanto, para a comprovação da realização do projeto proposto. Ademais, não vieram acompanhadas por outros documentos de suporte.

No que tange à falta de demonstração de todas as receitas obtidas por patrocinadores, apoiadores, venda de ingressos, bem como demonstração de que foram utilizados para a realização do evento, os responsáveis se limitaram a fazer referência à planilha de fls. 147-149, em que estariam elencadas todas as receitas e despesas envolvidas no evento. Contudo, as alegações não vieram corroboradas por provas que pudessem comprovar a veracidade das informações apontadas na referida planilha.

Assim, acompanho a equipe técnica e manifesto-me pela manutenção da presente irregularidade.

Apontou-se ainda que o proponente, quando da aquisição de produtos e da contratação de serviços, deixou de demonstrar de forma clara a apresentação de três orçamentos.

Especificamente quanto à escolha do local do evento, os responsáveis arguiram que o espaço era o único disponível, visto que a outra alternativa estava em reforma, conforme comprova a Declaração do Centroserra Convention Center Ltda. (fl. 232), não estando a agenda liberada para eventos.

A área técnica entendeu que o apontamento merece ser mantido, visto que em anos anteriores o evento foi realizado no Clube de Caça e Tiro de Lages, não havendo nos autos qualquer justificativa ou orçamento que demonstrasse que o local era inviável para a realização do projeto proposto.

Diante da ausência de justificativas plausíveis e de orçamentos prévios capazes de demonstrar que o local utilizado para a realização do evento fora escolhido de acordo com a melhor proposta, a irregularidade subsiste.

Por fim, para comprovar a aplicação da contrapartida social – a qual se destinaria ao programa “Lages sem Fome” (fl. 02) –, o responsável fez referência às fotos de cestas básicas constantes às fls. 142-144.

Referidas fotografias foram consideradas insuficientes para comprovar a aplicação da contrapartida pela diretoria técnica, entendimento que acompanho.

 Não é possível vislumbrar, através de tais registros, a veracidade dos fatos, visto que as fotos não estão nem mesmo datadas. Ademais, não foi acostada qualquer declaração ou outro documento que demonstrasse quais foram as entidades ou pessoas beneficiadas.

Por fim, a Instrução obteve a informação de que nas edições do evento há doações de cestas básica pela empresa privada Lafi Cosméticos, não existindo qualquer referência à Associação Empresarial de Lages.

Assim, ante a ausência de comprovação da aplicação da contrapartida, a irregularidade inicialmente apontada subsiste.

 

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se por acompanhar as conclusões adotadas pela diretoria em seu relatório nº 980/2015, acrescentando a necessidade de remessa das informações contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, para a adoção das providências que entender cabíveis.

Florianópolis, 24 de abril de 2018.

 

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1] Art. 18. As contas serão julgadas:

 I — regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;

II — regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário; e

III — irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

a) omissão no dever de prestar contas;

b) prática de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, ou grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado; e

d) desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.

 § 1º O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que tenha ciência o responsável, feita em processo de prestação ou tomada de contas.

§ 2º Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d, deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:

a) do agente público que praticou o ato irregular e;

 b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo, haja concorrido para a ocorrência do dano apurado.

§ 3º Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público Estadual, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis. (Grifou-se).

[2] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 013.473/2004-9, do Plenário. Rel. José Jorge. J. em: 27 fev. 2013. Disponível em: www.tcu. gov.br. Acesso em: 02 abr. 2018.

[3] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. TCE 10/00299497, do FUNCULTURAL. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 19 ago. 2015.