PARECER nº:

MPTC/56058/2018

PROCESSO nº:

REC 17/00627160    

ORIGEM:

Hospital Municipal São José de Joinville

INTERESSADO:

Paulo Manoel de Souza

ASSUNTO:

Recurso de Reexame - REP-16/00049858

 

Número Unificado MPC: 2.2/2018.749

 

 

 

Versam os autos sobre Recurso de Reexame interposto pelo Sr. Paulo Manoel de Souza, Diretor-Presidente do Hospital Municipal São José de Joinville à época, em face do Acórdão n. 0335/2017, exarado nos autos do processo REP 16/00049858, que da seguinte maneira aplicou multa ao recorrente:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Considerar procedente a presente Representação, encaminhada pela pessoa jurídica Profarma Specialty S/A, na forma do art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar n. 202, de 15 de dezembro de 2000, para considerar irregular a quebra da ordem cronológica de pagamento de empenhos do Hospital Municipal São José, de Joinville.

6.2. Aplicar ao Sr. Paulo Manoel de Souza – Diretor-Presidente do Hospital Municipal São José, de Joinville à época, CPF n. 248.637.009-97, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.136,52 (mil, cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos), em face da quebra da ordem cronológica de pagamento de empenhos do Hospital Municipal São José, de Joinville, decorrente do não pagamento do Empenho n. 3583/2015, de 17/09/2015, no montante de R$ 173.400,00, já liquidado, em detrimento de outras despesas liquidadas em data posterior, com violação ao art. 5º da Lei n. 8.666/93, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, ao Responsável nominado no item 3 desta deliberação, ao Representante e ao Hospital Municipal São José, de Joinville (grifei).

A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-064/2018 (fls. 11-13), opinando pelo não conhecimento do recurso em decorrência do não atendimento do requisito da tempestividade.

Vieram os autos, então, a este Ministério Público de Contas para manifestação.

1.   Admissibilidade

O Recurso de Reexame, com amparo nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de fiscalização de ato e contrato, sendo a parte legítima para a sua interposição, uma vez que figurou como responsável pelo ato de gestão irregular descrito na decisão recorrida. Ainda, o recurso obedece ao requisito da singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.

Quanto à tempestividade, a Diretoria de Recursos e Reexames destacou que o acórdão recorrido foi publicado na imprensa oficial em 04.08.2017 e a peça recursal foi protocolizada nessa Corte de Contas no dia 06.09.2017, caracterizando, no entendimento da área técnica, sua intempestividade, tendo em vista o esgotamento do prazo de 30 dias para sua interposição previsto no já mencionado art. 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Não obstante, entendo que deva ser considerada a contagem de prazo em dias úteis, a teor do disposto no art. 219 do Código de Processo Civil, o que resultaria na tempestividade do presente recurso.

Nesse sentido, destaca-se a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil no âmbito do Tribunal de Contas da União, diante do art. 298 de seu Regimento Interno, e da Súmula TCU n. 103, no sentido de que “na falta de normas legais regimentais específicas, aplicam-se, analógica e subsidiariamente, no que couber, a juízo do Tribunal de Contas da União, as disposições do Código de Processo Civil”.

Esse Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina segue a mesma linha ao dispor no art. 308 de seu Regimento Interno (Resolução n. TC-06/2001) que “os casos omissos serão resolvidos mediante aplicação subsidiária da legislação processual ou, quando for o caso, por deliberação do Tribunal Pleno”.

Entretanto, especificamente com relação à contagem de prazo, o Tribunal de Contas da União ainda adota posição conservadora, entendendo que não caberia a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, porquanto haveria disposição expressa sobre a questão em sua Lei Orgânica, conforme enunciado publicado no Boletim de Jurisprudência n. 151, de 21.11.2016:

Não é aplicável aos processos de controle externo no âmbito do TCU a contagem de prazos em dias úteis prevista no art. 212 da Lei 13.105/2015 (Código de Processo Civil), pois o art. 30 da Lei 8.443/1992 c/c o art. 183 do Regimento Interno do TCU disciplinam a matéria, estabelecendo a contagem de prazo dia a dia. (Acórdão TCU n. 2781/2016 - Plenário. Data da sessão: 01.11.2016. Relator: BENJAMIN ZYMLER)

Por outro lado, o Tribunal de Contas do Estado de Tocantins sediou, nos dias 20 e 21 de setembro de 2016, o “I Fórum de Processualística dos Tribunais de Contas”[1], a fim de propiciar uma reflexão conjunta sobre o progresso da processualística nacional.

Como resultado, foi elaborada a Carta de Palmas, que reúne dezesseis enunciados e propõe recomendações aos Tribunais de Contas do país acerca da temática “O Novo Código de Processo Civil e sua aplicação subsidiária aos TCs”, objeto de discussão da primeira edição do evento. Especificamente a respeito da contagem de prazos em dias úteis, estabeleceu-se o seguinte:

4. Em não havendo disposição normativa em contrário, na contagem do prazo em dias estabelecido pela Lei ou pelo Julgador, serão computados apenas os dias úteis.

(Aprovada por unanimidade)

Justificativa: Trata-se do emprego subsidiário do art. 219 do CPC. Não há colisão com o entendimento de tribunais que não fazem uso dessa contagem de prazos, [...]

6. Os Tribunais de Contas tomarão medidas para harmonizar os prazos processuais legais e regimentais aos praticados no Código do Processo Civil, dando preferência ao prazo de quinze dias úteis para recurso e para defesa, salvo no caso de embargos de declaração e tutelas de urgência.

(Aprovada por maioria simples)

Justificativa: Aproximação com os arts. 1003, 1023, § 5º, 120, caput, 235, § 1º, 335, caput, 343, § 1º, 350 e 351 do CPC (grifei).

No ano seguinte, nos dias 21 e 22 de setembro de 2017, foi realizado o “II Fórum Nacional de Processualística nos Tribunais de Contas”, também buscando contribuir para a atualização, harmonização e padronização da processualística nos Tribunais de Contas. Este encontro, por sua vez, deu origem à Carta de Vitória, que estabelece as seguintes proposições, traduzidas por comandos direcionados aos Tribunais de Contas, dentre as quais se destacam:

I) Atualizar e adequar, no que couber, o regimento interno, lei orgânica e demais normativos aos preceitos contidos na parte geral [arts. 1º a 317] do Código de Processo Civil [CPC] vigente.

II) Definir o CPC como norma processual subsidiária [finalidade de suprir ausência de norma] e supletiva [fim de complementação de matérias já previstas] aplicável aos processos de contas lato sensu.

III) Estabelecer a contagem dos prazos em dias úteis [art. 219 do CPC] [...] (grifei).

Durante tal encontro, na perspectiva de aprimoramento e padronização dos processos de contas, foi apresentado diagnóstico de processualística dos Tribunais de Contas, sendo informado que onze Tribunais já adotam a contagem de prazos em dias úteis.

Nesse sentido, por meio do Comunicado – GP 8/2016, de 27.04.2016, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo se manifestou favorável à contagem em dias úteis dos prazos processuais:

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso de suas atribuições, e

CONSIDERANDO que, com a entrada em vigor da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, novo Código de Processo Civil, alterou-se a forma de contagem dos prazos processuais, quando fixados em dias, consoante o seu artigo 219;

CONSIDERANDO as relevantes razões envolvendo, sobretudo segurança jurídica aos que lidam com o processo de contas, e que recomendam prestigiar a nova disposição legal, de caráter geral, estendendo sua aplicabilidade também a processos que tramitam perante esta Corte de Contas;

CONSIDERANDO, ainda, as disposições do artigo 119 da Lei Complementar Estadual n. 709/93 sobre aplicação supletiva da legislação federal, no caso de ausência de norma específica à matéria disciplinada na Lei Orgânica deste Tribunal; e

CONSIDERANDO a proposta sobre a questão da contagem de prazos formulada pela Comissão de Estudos para alteração de normas regimentais (TC-A 20613/026/10) à luz do novo Código de Processo Civil;

COMUNICA que, na contagem de prazos processuais em dias, estabelecidos por norma, Auditor ou Conselheiro, computar-se-ão somente os dias úteis (grifei).

No âmbito do Tribunal de Contas do Paraná, a Resolução n. 58/2016 alterou o art. 385, § 1º, do Regimento Interno daquela Corte (Resolução n. 1/2006), que passou a ter a seguinte redação:

Art. 385. Salvo disposição em contrário, os prazos serão computados excluindo-se o dia do início e incluindo o do vencimento. [...]

§ 1º Os prazos processuais serão contados apenas nos dias úteis (grifei).

De igual modo, o Tribunal de Contas do Piauí também alterou seu Regimento Interno (Resolução n. 13/2011) por meio da Resolução TCE/PI n. 19, de 21.09.2017:

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PIAUÍ, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 4º da Lei Estadual nº 5.888, de 19 de agosto de 2009, e pelo art. 3º da Resolução TCE/PI n. 13/11,

Considerando competência atribuída a este Plenário pelo art.132 do Regimento Interno deste Tribunal;

Considerando que o art. 341 do Regimento Interno prevê a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil;

Considerando a forma de contagem de prazos em dias úteis instituída pelo art. 219 da Lei nº 13.105/2015 – Novo Código de Processo Civil;

Considerando a proposição orientativa nº 4 formulada na Carta de Palmas, por ocasião do I Fórum de Processualística dos Tribunais de Contas, segundo a qual “Em não havendo disposição normativa em contrário, na contagem do prazo em dias estabelecido pela Lei ou pelo Julgador, serão computados apenas os dias úteis”;

RESOLVE:

Art. 1° Os §§ 1º e 2º do art. 258 da Resolução TCE/PI nº 13/11, passam a vigorar com as seguintes redações:

“Art. 258. (...)

§1º Na contagem de prazo processual em dias, estabelecido por lei, ato normativo ou pelo julgador, computar-se-ão somente os dias úteis;

§2º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil imediato se o início ou o término cair em dia que:

I – for determinado o fechamento do Tribunal;

II – o encerramento do expediente ocorrer antes da hora normal.

Art. 2º Esta Resolução entre em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário (grifei).

Dessa forma, sabendo-se que a celeuma não é pacífica nessa Corte de Contas e considerando a tendência dos Tribunais de Contas pátrios de adotarem a contagem de prazos processuais em dias úteis, entendo que essa Corte deva adotar o novo entendimento, em consonância aos avanços da processualística nacional, do que resulta a tempestividade do presente recurso, já que, como visto, a decisão recorrida foi publicada na imprensa oficial em 04.08.2017 e a peça recursal foi protocolizada nessa Corte de Contas no dia 06.09.2017.

Assim, no entendimento desta representante ministerial, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade da presente peça recursal, de modo que se passa, na sequência, à análise de mérito do recurso.

2.   Mérito

Como visto inicialmente, ao ora recorrente fora aplicada multa no valor de R$ 1.136,52 em razão da quebra da ordem cronológica de pagamento de empenhos do Hospital Municipal São José de Joinville.

Em suas alegações recursais, às fls. 4-8, o Sr. Paulo Manoel de Souza afirma que as despesas do Hospital Municipal São José são custeadas pelo Município de Joinville e com recursos do SUS, os quais são repassados mediante transferência do Fundo Municipal de Saúde.

A respeito das receitas provenientes do SUS, afirma o recorrente que decorrem do faturamento das contas hospitalares, porém tais recursos nem sempre são suficientes para a demanda (fl. 5):

O faturamento, após processado pelo sistema do Ministério da Saúde, gera a receita financeira que vem para a Secretaria de Estado da Saúde que repassa para a Secretaria Municipal de Saúde e após ocorre o pagamento ao Hospital Municipal São José. No entanto, os repasses não são efetuados em datas regulares e também não ocorrem em parcela única, o que causa muita dificuldade ao gestor do Hospital no gerenciamento dos recursos e por consequência pagamento regular das despesas.

Ademais, condena a estagnação da Tabela SIGTAP – SUS – que serve de referência para o repasse dos valores do Ministério da Saúde ao Município – que atualmente prevê valores muito abaixo do valor pago ao prestador de serviço, criando um déficit financeiro bancado pela municipalidade e ocasionando eventuais atrasos de pagamentos a fornecedores (fl. 5).

Assim, conclui que tais fatos provocam desequilíbrio econômico entre o órgão público gerador da despesa e o privado, razão pela qual não se poderia exigir a obediência à ordem cronológica no pagamento das obrigações, prevista no art. 5º, da Lei n. 8.666/93, porquanto esta só seria possível em caso de absoluto equilíbrio (fls. 5-6).

Defende, ainda, que considerando a deficiência de recursos financeiros e em se tratando de um hospital, algumas vezes há a necessidade excepcional de efetuar o pagamento das despesas que podem impactar na descontinuidade dos serviços essenciais, sendo que no caso em exame, apesar de ter havido quebra na ordem cronológica de pagamentos, teria atuado com razoabilidade, sopesando o direito do fornecedor receber em dia os seus créditos e a preservação da vida do paciente (fl. 6).

A atuação do gestor do hospital, no caso, se deu com razoabilidade tendo em vista a situação da “reserva do financeiramente possível”. Ou seja, considerou o gestor como primordiais os pagamentos diante de uma demanda de pronta solução, considerando as necessidades mais prementes dos pacientes que não poderiam ficar desassistidos do mínimo para a sobrevivência, a exemplo de exames de tomografia, de análises clínicas, cuja regularidade da prestação do serviço no âmbito de um hospital (que é referência no tratamento do AVE e Câncer, por exemplo) tem vital importância.

Destaca que os créditos da empresa representante foram pagos em 11.02.2016, 18.02.2016 e 26.02.2016, inscritos em restos a pagar (fl. 6), conforme afirmado no processo principal, alegando, por fim, que há casos em que deve ocorrer a priorização dos pagamentos de débitos, como em razão de empregados, tributos e retenção de impostos (fl. 7).

Pugna, então, pela reforma da decisão em questão, devendo ser levado em consideração o teor da Decisão n. 544 dessa Corte de Contas, que em processo análogo optou pela recomendação à Unidade Gestora, sem aplicação de multa.

Ora, não obstante tais razões recursais, entendo que a deliberação recorrida não merece reparos.

No processo originário, a Diretoria de Controle dos Municípios buscou a confirmação, por meio do Sistema e-Sfinge, dos pagamentos mencionados pelo Sr. Paulo Manoel de Souza que justificariam a excepcional quebra da ordem cronológica de pagamento de empenhos, porém não encontrou nenhum tipo de registro sobre tais pagamentos e informou que os documentos de fls. 149-153 daqueles autos se referiam apenas a registros nos relatórios do setor contábil.

Desta forma, percebeu-se que o empenho n. 3583/2015 foi preterido, sem justificativa plausível para tanto, em relação a outros pagamentos, como se pode observar do quadro de fls. 158-160 do processo principal, que demonstra os empenhos liquidados após a data de liquidação do empenho em questão e que já teriam sido pagos, em nítida quebra da ordem cronológica de pagamento de empenhos.

Ademais, o próprio recorrente reconhece tal quebra na ordem cronológica de pagamento de empenhos, justificando tal medida no desequilíbrio econômico entre o órgão público gerador da despesa e o privado, bem como na necessidade de privilegiar o pagamento de serviços vitais, justificativas as quais, todavia, não restaram cabalmente demonstradas, configurando, portanto, infração ao art. 5º da Lei n. 8.666/93, in verbis:

Art. 5º Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada (grifei).

Com efeito, conforme já mencionado por este órgão ministerial no processo principal (fls. 165-167v), referida norma tem como missão salvaguardar o princípio da isonomia, o princípio da segurança jurídica, o princípio da economicidade e o princípio da proposta mais vantajosa, pois no momento em que há um freio ao poder discricionário da Administração Pública em relação à ordem de pagamento de seus fornecedores, tem o particular a segurança jurídica para realizar contrato de prestação de serviço e/ou fornecimento de produtos com qualidade e melhor preço.

Sendo assim, de acordo com o teor do já transcrito art. 5º da Lei n. 8.666/93, apenas excepcionalmente poderia ter sido alterada a ordem de pagamento dos empenhos, porém tal medida necessitaria de prévia justificativa da autoridade competente, o que em nenhum momento restou comprovado pelo responsável.

Nesse sentido, relembro que Joel de Menezes Niebuhr[2] adverte que a quebra da ordem cronológica é medida excepcional e deve ser interpretada de forma restritiva:

De nada serviria o comando estatuído no caput do art. 5º da Lei n. 8.666/93 se a Administração pudesse subverter a ordem cronológica dos pagamentos sob quaisquer alegações, impertinentes ou irrelevantes. A quebra da ordem cronológica é medida extremamente excepcional, em razão do que deve ser fitada de modo restritivo para albergar situações fáticas realmente anômalas, inevitáveis, alheias à vontade dos agentes administrativos, potencialmente causadores de relevantes prejuízos ao interesse público (grifei).

A propósito, essa Corte de Contas já se pronunciou sobre o assunto por meio dos seguintes Prejulgados:

Prejulgado 0171:

Para aquelas despesas constituídas a partir da vigência da Lei n. 8.666/93, de 21 de junho de 1993, cada unidade da Administração Pública deverá obedece, quando do pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realizações de obras e prestações de serviços, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público, mediante prévia justificativa da autoridade competente devidamente publicada, nos termos do caput do artigo 5º, sob pena de infringência ao disposto no artigo 92, em sua parte final (grifei).

Prejulgado 0421:

A ordem cronológica de pagamentos instituída pelo artigo 5° da Lei Federal n. 8.666/93 só não prevalecerá quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante justificativa da autoridade competente, devidamente publicada (grifei).

Portanto, para que o administrador possa invocar de forma legítima a quebra da ordem cronológica de pagamento de empenhos, há a necessidade de prévia comprovação das situações atípicas de relevante interesse público, o que, repita-se, não restou demonstrado no caso em exame.

E com relação à alegação de que em processo análogo esse Tribunal de Contas teria decidido somente pela expedição de recomendação à Unidade Gestora, sem a cominação de multa ao responsável, salienta-se que mesmo diante de processos semelhantes não há a obrigatoriedade de esse Tribunal chegar à mesma conclusão e aplicar sanções idênticas em ambos os casos, pois cada processo é analisado consoante suas características e peculiaridades próprias e a responsabilização é sopesada de acordo com as circunstâncias específicas de cada caso, já que, embora a capitulação das restrições possa se repetir, cada processo analisa situações diferentes, envolvendo diversas partes, justificativas e particularidades que devem ser pontualmente consideradas.

Desta forma, diante da confirmação da quebra da ordem cronológica de pagamento de empenhos – reconhecida pelo próprio responsável – e tendo em vista que a não observância de tal dever exige prévia motivação da autoridade competente – o que inexistiu no caso em exame –, entendo que o recurso apresentado não merece ser provido.

3.   Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do presente Recurso de Reexame e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, ratificando-se na íntegra os termos do Acórdão n. 0335/2017.

Florianópolis, 5 de junho de 2018.

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 

 



[1]Disponível em: https://www.tce.to.gov.br/sitetce/sala-de-imprensa/noticias/item/1724-f%C3%B3rum-de-processual%C3%ADstica-e-encontro-juristc%C2%B4s-ser%C3%A3o-realizados-na-pr%C3%B3xima-semana. Acesso em 16.05.2018, às 11h23min.

 

[2] NIEBUHR, Joel de Menezes. O direito subjetivo dos contratados pela Administração Pública de que os pagamentos sejam realizados em observância à ordem cronológica de suas exigibilidades. Disponível em: http://www.zenite.com.br/jsp/site/item/Text1Text2AutorDet.jsp?PagAtual=1& Modo=2&IntPrdcId=1&IntScId=105&IntItemId=44&IntDocId=19317. Acesso em 14.05.2018, às 10h31min.