Parecer
nº: |
MPC/DRR/49.505/2017 |
Processo
nº: |
TCE 08/00377559 |
Origem: |
Município de Itajaí |
Assunto: |
Representação
do Poder Judiciário - Peças de Reclamatória Trabalhista - supostas
irregularidades referentes ao Edital de Licitação nº 06/1990 |
Número unificado: MPC-SC 2.3/2017.342
Trata-se de tomada de contas especial oriunda de representação
encaminhada pela 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú, com vistas a
relatar irregularidades relacionadas ao Edital de Licitação nº 06/1990, lançado
pelo Município de Itajaí.
Após a instrução processual, o Tribunal Pleno, na sessão de 30.03.2015,
converteu os autos em tomada de contas especial, nos seguintes moldes (fl.
537):
O TRIBUNAL PLENO, diante das razões
apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da
Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, decide:
6.1. Converter o presente processo em
“Tomada de Contas Especial”, nos termos do art. 65, §4°, da Lei Complementar n.
202/2000, tendo em vista possíveis irregularidades ensejadoras de dano ao
erário, quando do pagamento de contrato por meio da dação de imóvel avaliado em
R$ 439.613,57, segundo atualização do valor constante à fl. 32, à luz dos
critérios indicados por este Tribunal de Contas.
6.2. Determinar a CITAÇÃO do Sr. Jandir
Bellini - Prefeito Municipal de Itajaí, CPF n. 052.185.519-53, nos termos do
art. 15, II, da Lei Complementar n. 202, de 15 de dezembro de 2000, para, no
prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro
no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno,
apresentar alegações de defesa acerca:
6.2.1. Do pagamento de contrato por meio
da dação de imóvel avaliado em R$ 439.613,57 (segundo atualização do valor
constante à fl. 32, à luz dos critérios indicados pelo TCE/SC), sem a
comprovação da integral execução do objeto contratual, com inobservância aos
artigos 62 e 63 da Lei n.4320/64, irregularidade, esta, ensejadora de imputação
de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei
Complementar n. 202/2000;
6.2.2. das irregularidades abaixo
relacionadas, ensejadoras de imputação de multas, com fundamento nos arts. 69
ou 70 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.2.1. Substituição do objeto da
licitação sem amparo legal e sem a comprovação de equivalência dos custos e da
falta de providências quanto à rescisão contratual, com inobservância aos arts.
65 e 77 da Lei n. 8.666/93;
6.2.2.2. Pagamento antes da liquidação da
despesa, com afronta aos arts. 62 e 63, §2º, II, da Lei (federal) n. 4.320/64.
6.3. Dar ciência desta Decisão, do
Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de
Instrução DLC n. 473/2014 e do Parecer MPjTC n. 30.008/2014, à 1ª Vara do
Trabalho de Balneário Camboriú e ao Sr. Jandir Bellini - Prefeito Municipal de
Itajaí.
Dando efetividade à decisão plenária, procedeu-se à citação do Sr.
Jandir Bellini, então Prefeito do Município de Itajaí. Em resposta, o aludido
responsável apresentou as razões de defesa às fls. 544-557 e juntou ao feito os
documentos de fls. 558-582.
Por fim, sobreveio novo relatório técnico, sob o nº 420/2015, com a
seguinte conclusão (fls.583-588):
3.1. Julgar irregulares,
sem imputação de débito, na forma do art. 18, III alínea b c/c o art. 21,
parágrafo único da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinente à
presente Tomada de Contas Especial, que trata de substituição do objeto da
licitação sem amparo legal e sem comprovação da equivalência de custos, da
falta de providências quanto à rescisão contratual e do pagamento efetuado
antes da liquidação da despesa relacionadas à Concorrência Pública n. 006/90.
3.2. Aplicar multa ao Sr.
Jandir Bellini – Prefeito Municipal de Itajaí, inscrito no MF/CPF sob n.º
052.185.519-53, com fundamento no art. 70, inc. II da Lei Complementar n° 202,
de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, inc. II do Regimento Interno
(Resolução n° TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face das seguintes
irregularidades:
3.2.1. Substituição do
objeto da licitação sem amparo legal e sem a comprovação de equivalência dos
custos e da falta de providências quanto à rescisão contratual, com
inobservância aos arts. 65 e 77 da Lei nº 8.666/93 (item 6.2.2.1. da Decisão nº
0234/2015).
3.2.2. Pagamento antes da
liquidação da despesa, com afronta aos arts. 62 e 63, §2º, II, da Lei (federal)
nº 4.320/64 (item 6.2.2.2. da Decisão nº 0234/2015).
3.3. Dar ciência do
Relatório, Voto e Decisão à 1.ª Vara de Trabalho da Comarca de Balneário
Camboriú.
É o relatório.
1. Substituição do objeto da licitação sem
amparo legal e sem comprovação da equivalência de custos, da falta de
providências quanto à rescisão contratual e do pagamento efetuado antes da liquidação
da despesa relacionada à Concorrência Pública nº 006/90
Ressalte-se, inicialmente, que os presentes autos versam sobre fatos
graves ocorridos no Município de Itajaí relacionados à transação envolvendo um
imóvel público dado a particular através de dação em pagamento e à edificação
de obras de interesse da administração.
Para a melhor compreensão dos fatos, entendo pertinente fazer uma
cronologia referente à conjuntura que envolve o negócio jurídico firmado entre
o Município de Itajaí e a empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações
Ltda.
De início, convém pontuar que as partes acima mencionadas celebraram, em
19.04.1991, contrato administrativo para execução de obra pública, após regular
processo licitatório na modalidade concorrência, conforme faz prova os
documentos carreados aos autos.
Ao compulsar o contrato firmado (fls. 53-68), denota-se que a empresa
Paulo Caseca Construções e Incorporações comprometeu-se a executar as obras de
construção do prédio da administração municipal e da sede do legislativo, com
área total de 4.008,05 m² e, ainda, a urbanização da área dos entornos.
Em contrapartida, o Município de Itajaí propôs-se a dar em pagamento um
terreno localizado no bairro Fazenda, com superfície de 17.309,15 m², sendo que
a escritura pública definitiva somente poderia ser outorgada após a execução
das obras, consoante previsto no contrato ajustado entre as partes e, ainda, na
Lei Municipal nº 2580/1990.
Em 15.03.1995, o Município de Itajaí e a empresa Paulo Caseca Construções
e Incorporações firmaram termo de confissão de dívida com compromisso e outorga
de garantia, em função do não cumprimento integral do contrato. Na ocasião, a construtora
comprometeu-se, como forma de pagar a dívida, a edificar um teatro municipal em
outro terreno, com área de 1.400 m².
Nos moldes do novo ajuste pactuado, a obra deveria ser concluída até
20.03.1996, mas com base em termo aditivo firmado posteriormente prorrogou-se até
outubro de 2009 o lapso temporal para a conclusão da edificação do teatro.
Na data de 09.04.1997, a empresa Paulo Caseca Construções e
Incorporações, alegando contingências econômico-financeiras, ajustou com o Sr.
José da Rocha Martins contrato de assunção de obrigação de fazer com cessão de
direitos, com a sub-rogação de obrigações e direitos.
Mesmo não havendo o término da construção do teatro, o qual ficou pronto
somente em 11.06.2004, o Município de Itajaí e o Sr. José da Rocha Martins, em
10.04.1997, firmaram a escritura pública de dação em pagamento com garantia
hipotecária, tendo como anuente a empresa Paulo Caseca Construções e
Incorporações.
A transferência do imóvel, no entanto, foi declarada ineficaz nos autos
da Ação Trabalhista nº 1531/1996, da Junta de Conciliação e Julgamento de
Balneário Camboriú, por configurar fraude contra credores por parte da empresa
Paulo Caseca Construções e Incorporações.
É válido comentar, neste ponto, que o imóvel havia sido utilizado pelo
Sr. José da Rocha Martins para integralizar cotas de capital da empresa Jaconte
Fomento e Participações. Em razão disso, tal empresa notificou o Município de
Itajaí para que adotasse as providências necessárias para o deslinde da
questão.
Diante da referida notificação, o Município de Itajaí apresentou
embargos de terceiros na ação trabalhista, no intento de reivindicar a
propriedade do imóvel e requerendo, ainda, o levantamento da penhora sobre ele
existente.
Contudo, o Poder Judiciário julgou improcedentes os embargos de
terceiros e determinou a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público e ao
Tribunal de Contas, para a adoção das providências cabíveis.
Presente todo esse contexto, faz-se necessário destacar que a equipe
técnica apontou, em seu relatório inicial, a existência de dano ao erário, em
virtude da substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem a comprovação
da equivalência dos custos.
Aliado a isso, pontuou-se a ausência de adoção de providências quanto à
rescisão contratual diante do inadimplemento da empresa contratada e, ainda, a
realização de pagamento antes da regular liquidação da despesa.
Já em seu relatório derradeiro, a DLC entendeu que não existiu prejuízo
aos cofres públicos, havendo, na verdade, lucro significativo à administração. Por
outro lado, o órgão instrutivo defendeu a aplicação de penalidade de multa ao
Sr. Jandir Bellini (Prefeito de Itajaí à época), em decorrência da violação de
diversos dispositivos legais.
Para demonstrar a inexistência de dano ao Município de Itajaí, a equipe
técnica apresentou o seguinte quadro:
Na ocasião, explicou-se que “comparando o somatório dos valores venais
prediais do teatro municipal e centro administrativo (R$ 6.566.246,45),
construído pela empresa, com o valor venal do terreno dado em pagamento,
verifica-se um ‘superávit’ para o erário municipal no valor de R$
2.461.322,07”.
Cotejando o caderno processual, verifica-se que o Município de Itajaí,
em fevereiro de 1994, vendeu o imóvel no qual deveria ser edificado o centro
administrativo e a câmara de vereadores à empresa Comércio e Representações
Santa Mônica, no valor de CR$ 652.081.320,00. Tal montante atualizado
monetariamente[1]
perfaz a importância de R$ 6.844.058,86.
De acordo com a certidão do imóvel, o terreno possuía um prédio de
alvenaria com 4.151,33 m², o qual havia sido edificado pela empresa Paulo
Caseca Construções e Incorporações e deveria servir de sede da Prefeitura de
Itajaí e da Câmara de Vereadores.
Ante a não conclusão da obra nos termos pactuados, autorizou-se, através
da Lei Municipal nº 2.868/1993, a alienação do aludido imóvel, conforme se
observa abaixo:
Art.
1º Fica o Chefe do Poder Executivo Municipal autorizado a alienar, através do
procedimento licitatório próprio, os seguintes bens municipais, localizados
nesta cidade no bairro da Fazenda, na confluência da avenida Sete de Setembro
com a rua Gregório Chaves, representados pelo remanescente do imóvel adquirido
da Rede Ferroviária Federal S/A, onde encontra-se iniciada a construção do
Centro Administrativo de Itajaí e respectivo estacionamento (áreas nº 01 e 02),
a seguir discriminados:
I
- área 01: com 6.171,18 m2 (seis mil, cento e setenta e um metros e dezoito
decímetros quadrados), possuindo construção com 4.151,33 m2 (quatro mil, cento
e cinqüenta e um metros e trinta e três decímetros quadrados), avaliada em CR$
210.011.609,30 (duzentos e dez milhões, onze mil, seiscentos e nove cruzeiros
reais e trinta centavos), equivalentes a U$$ 1.050.058,00 (um milhão, cinqüenta
mil e cinqüenta e oito dólares americanos); e
II
- área nº 02: com 3.500 m2 (três mil e quinhentos metros quadrados), avaliada
em CR$ 31.500.000,00 (trinta e um milhões e quinhentos mil cruzeiros reais),
equivalentes a U$$ 157.500,00 (cento e cinqüenta e sete mil e quinhentos
dólares americanos).
Parágrafo
Único - Permanecerão como áreas do domínio público aquelas que já se encontram
urbanizadas como praças e vias públicas, excetuando-se as áreas previstas nos
itens I e II do art. 1º do presente projeto.
À vista do exposto, não restam dúvidas de que a empresa Paulo Caseca
Construções e Incorporações deu início às edificações, construindo uma área de
4.151,33 m². No entanto, não se tem conhecimento do valor da área edificada, a
fim de saber quanto valia exatamente a área construída e quanto valia apenas o
terreno.
Nos termos da Lei Municipal nº 2.868/1993, o imóvel, com área total de
9.671,18 m², foi avaliado em CR$ 241.511.609,30. Se considerarmos o valor
avaliado, podemos concluir que, de fato, houve lucro ao Município de Itajaí,
pois a venda efetuada ao Comércio e Representações Santa Mônica foi realizada
no montante de CR$ 652.081.320,00.
Todavia, acredita-se que tal avaliação não foi realizada corretamente,
pois se presume que o Comércio e Representações Santa Mônica não iria pagar à
administração pública um valor superior àquele constante na avaliação se tal
preço não correspondesse ao valor de mercado.
Ao adquirir o imóvel, o Comércio e Representações Santa Mônica reformou
o prédio edificado no terreno, o qual passou a ter 3.087,60 m², havendo, assim,
uma redução do imóvel fundado inicialmente pela empresa Paulo Caseca
Construções e Incorporações.
Após a realização da reforma, o cadastro imobiliário relativo ao ano de
2015[2]
do imóvel apresentou o valor venal total de R$ 6.498.321,45, sendo o montante
de R$ 2.020.632,05 referente ao valor venal territorial e a importância de R$
4.477.689,40 concernente ao valor venal predial.
Neste ponto, afigura-se oportuno comentar que há uma diferença entre o valor
atualizado da venda do imóvel (R$ 6.844.058,86) e o valor que consta no
cadastro imobiliário (R$ 6.498.321,45). Como é sabido, nem sempre o valor
atribuído ao imóvel no cadastro junto ao município corresponde, de fato, ao
valor de mercado, pois na maioria das vezes consta em tal cadastro valor aquém
ao preço real.
No que toca ao teatro, tem-se de salientar que o seu valor venal em 2015
era de 2.088.557,05, conforme se extrai da certidão de fl. 574. Considerando tal
montante e, ainda, o valor venal predial do imóvel que deveria ser o centro
administrativo (R$ 4.477.689,40), chega-se à importância de R$ 6.566.246,45.
Já o valor venal -
no ano de 2015 - do terreno dado em pagamento pelo Município de Itajaí (área de
17.309,15m²) era de R$ 4.104.924,38, conforme extrato de cadastro de imóvel
emitido pela Secretaria Municipal da Fazenda, em 22.06.2015 (fl. 576).
Os fatos apontam,
portanto, para situação superavitária e favorável ao Município de Itajaí, já
que a diferença entre o que a Prefeitura recebeu da construtora e o que a ela
forneceu equivale, em estimativas, a R$ 2.810.059,48 (R$ 6.911.983,86 menos R$
4.101.924,38).
Eventualmente, poderíamos trilhar raciocínio diverso se tivesse sido
realizada a avaliação da área construída pela empresa Paulo Caseca Construções
e Incorporações no terreno em que deveria ser edificado o centro administrativo
ou, ainda, se tivesse sido discriminado quanto o Comércio e Representação Santa
Mônica pagou no terreno e quanto pagou na área construída.
No entanto, não foram efetuadas as devidas avaliações, constando no
feito somente a informação de que tal empresa adquiriu o imóvel pelo valor total
de CR$ 652.081.320,00. Não se sabe, ademais, qual a real valorização do imóvel
após as reformas, tampouco se houve um acréscimo significativo, já que houve
redução da área construída.
Convém sublinhar, em tempo, que o MPC realizou algumas diligências no
intuito de auxiliar no esclarecimento dos fatos. Buscaram-se informações junto
ao setor de cadastro imobiliário do Município de Itajaí, além de serem
requisitadas ao Registro de Imóveis da Comarca de Itajaí algumas certidões
imobiliárias.
Apesar da realização de tais diligências, não foi possível obter
qualquer informação nova que pudesse contribuir para a elucidação da conjuntura
fática. Notadamente, toda a transação jurídica relatada nos autos é suspeita,
pois restou devidamente demostrado que o Município de Itajaí queria de todas as
formas transferir o imóvel de sua propriedade, mesmo havendo a inadimplência
contratual.
Em virtude de todas essas nuances é que este órgão ministerial tentou
trazer novas informações aos autos, mas, infelizmente, não obteve êxito. Mesmo
que se conclua que houve lucro aos cofres públicos, os atos administrativos
praticados pelos gestores à época demonstram total descaso pela coisa pública e
pelos mandamentos legais.
Remanesce, portanto, a
incidência de multas pela substituição do objeto da licitação sem comprovação
de equivalência prévia e transparente dos custos envolvidos nas transações
entre o Município e a construtora, pela falta de iniciativa em providenciar a
rescisão do contrato inadimplido e pelo pagamento antes da liquidação da
despesa.
Consequentemente,
deve ser aplicada sanção pecuniária ao Sr. Jandir Bellini, Prefeito do Município
de Itajaí à época, pois está amplamente demonstrado nos autos o total
desrespeito aos ditames legais e ao interesse público.
Antes de
encerrar este parecer, entendo pertinente comentar sobre a prescrição da
pretensão punitiva no presente caso, já que tal assunto pode, eventualmente,
ser abordado pelo Conselheiro Relator e pelo Sr. Jandir Bellini em razão do
lapso temporal em que tramita este processo e considerando, ainda, a data dos
fatos.
Seguindo a
linha de raciocínio já exposta em outros pareceres, continuo defendendo que a
Lei Complementar Estadual nº 588/2013 não pode ser aplicada, em virtude do
vício formal de iniciativa que macula tal norma, tornando-a inconstitucional.
Como é sabido,
a Lei Complementar Estadual nº 202/2000, em seu art. 2º, inciso IV, dispõe que compete
ao Tribunal de Contas de Santa Catarina propor ao Poder Legislativo a alteração
da sua lei orgânica. Não obstante, o PCL/0050.6/2011, que alterou a Lei
Complementar Estadual nº 202/2000 e incluiu a prescrição, teve origem na
Assembleia Legislativa.
Valendo-se das
suas atribuições e poderes, o Tribunal de Contas de Santa Catarina pode deixar
de aplicar tal norma inconstitucional, conforme preceitua a Súmula nº 347 do
STF, a qual é cristalina ao dispor que “o Tribunal de Contas, no exercício
de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do
Poder Público”.
Em caso semelhante, o Supremo Tribunal Federal deferiu, por unanimidade,
medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
4643, suspendendo a Lei Complementar Estadual nº 142/2011, do Rio de Janeiro,
que alterou a Lei Orgânica do Tribunal de Contas estadual (TCE/RJ).
Ao proferir o julgamento, a Suprema Corte destacou
ser plausível o argumento do vício de iniciativa suscitado, em razão de o projeto
de lei ter sido proposto por deputado estadual, e não pelo Tribunal de Contas
do Estado.
A propósito, eis a ementa lavrada pelo STF:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. ATRICON.
LEGITIMIDADE AD CAUSAM . PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº
142/2011. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO DE INICIATIVA. VIOLAÇÃO ÀS
PRERROGATIVAS DA AUTONOMIA E DO AUTOGOVERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA.
1. As Cortes de Contas do país, conforme reconhecido pela Constituição
de 1988 e por esta Suprema Corte, gozam das prerrogativas da autonomia e do
autogoverno, o que inclui, essencialmente, a iniciativa reservada para
instaurar processo legislativo que pretenda alterar sua organização e seu
funcionamento, como resulta da interpretação lógico sistemática dos artigos 73,
75 e 96, II, “d”, CRFB/88. Precedentes: ADI 1.994/ES, Rel. Ministro Eros Grau,
DJe 08.09.06; ADI nº 789/DF, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 19/12/94. 2. O
ultraje à prerrogativa de instaurar o processo legislativo privativo traduz
vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência indubitavelmente
reflete hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo
irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente
concretizado. Precedentes: ADI nº 1.381 MC/AL, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ
06.06.2003; ADI nº 1.681 MC/SC, Rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ
21.11.1997.[...]
4. Inconstitucionalidade
formal da Lei Complementar Estadual nº 142/2011, de origem parlamentar, que
altera diversos dispositivos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro, por dispor sobre forma de atuação, competências, garantias,
deveres e organização do Tribunal de Contas estadual, matéria de iniciativa
privativa à referida Corte[3].
(Grifou-se)
Como se depreende, a decisão evidencia o
posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal quando da constatação -
mesmo que em sede cautelar - da ocorrência de vício formal que macula ato
normativo formulado em contrariedade ao rito que lhe deveria ter sido imposto.
Assim, sendo inaplicável a Lei Complementar
Estadual nº 588/2013 em razão de sua inconstitucionalidade formal, deve-se
adotar o prazo decenal estatuído no art. 205[4]
do Código Civil aos processos que tramitam perante o Tribunal de Contas.
Na espécie, os fatos ocorreram antes da
entrada em vigor do novo Código Civil (janeiro de 2003), aplicando-se, assim, o
prazo de dez anos para exame dos fatos irregulares, visto que quando da entrada
em vigor do novo diploma ainda não tinha transcorrido mais da metade do tempo
estabelecido na lei revogada, que era de 20 anos (regra de transição
estabelecida no art. 2028 do CC/2002[5]).
No que tange ao termo inicial para a
contagem do prazo prescricional nos casos em que se aplica a regra de transição
citada acima, o Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte entendimento:
AGRAVO
REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO
OCORRÊNCIA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS.
PRESCRIÇÃO. REGRA DE TRANSIÇÃO. ARTS. 206, § 3º, V, E 2.028 DO CÓDIGO CIVIL DE
2002. TERMO INICIAL. DATA DE ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO. PRECEDENTES.
1.
Afasta-se a alegada negativa de prestação jurisdicional quando o acórdão
recorrido, integrado por julgado proferido em embargos de declaração, dirime,
de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões
recursais.
2. Iniciando-se o
prazo prescricional na vigência do CC/1916 e havendo sua redução pelo CC/2002,
aplica-se a regra de transição prevista no art. 2.028 do novo diploma, sendo o
termo inicial da contagem do prazo o dia 11 de janeiro de 2003.
3.
Agravo regimental desprovido[6].
(Grifou-se)
AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. REGRA
DE TRANSIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS JÁ FIXADOS NO MÍNIMO LEGAL (10%).
1. Quando ainda não
transcorrida a metade do prazo prescricional previsto no código anterior,
aplica-se o prazo reduzido pelo Código Civil de 2002, contado a partir da
vigência do código atual, ou seja, 11.1.2003, e não da data da ocorrência do
fato danoso.
2.
Nas causas em que a sentença for de natureza condenatória, os honorários serão
fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação,
nos termos do artigo 20, § 3º, do CPC. 3. Agravo regimental a que se nega
provimento[7].
(Grifou-se)
RECURSO
ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO
INICIAL. NOVO CÓDIGO CIVIL. REGRA DE TRANSIÇÃO. ART. 2.028. CONTAGEM DO NOVO
PRAZO. INÍCIO A PARTIR DA VIGÊNCIA DO ATUAL DIPLOMA CIVIL. PRECEDENTES.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL NÃO IMPLEMENTADA NA ESPÉCIE. EFEITO DEVOLUTIVO DA
APELAÇÃO. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS.
1. Ação monitória ajuizada para cobrança de
debêntures, cujo prazo prescricional foi reduzido de vinte anos (CC/16) para
cinco anos (CC/2002).
2. Havendo redução do
prazo, o termo inicial da prescrição, computada com base no Código Civil de
2002, é fixado a partir da data de sua entrada em vigor, ou seja, o dia 11 de
janeiro de 2003. Precedentes.
3.
"Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher
apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos
demais" (Art. 515, § 2º, do CPC).
4.
Necessidade de retorno dos autos ao Tribunal de origem para julgamento das
demais questões devolvidas por meio do recurso de apelação.
5.
Dimensão vertical, ou profundidade, do efeito devolutivo. Doutrina e
jurisprudência sobre o tema.
6.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO[8].
(Grifou-se)
Nessa mesma linha de posicionamento, eis os
excertos do Acórdão nº 1142/2011, do Tribunal de Contas da União:
10. Com relação à eventual prescrição da
pretensão punitiva, a impedir a aplicação de multa ao responsável, a
jurisprudência desta Corte caminha no sentido de adotar o prazo vintenário
previsto no Código Civil de 1916 ou o prazo decenário constante do Código Civil
vigente, conforme o seguinte trecho do Voto que proferi por ocasião da prolação
do Acórdão 771/2010 - Plenário:
“5.
Quanto à prescrição quinquenal, em virtude da dimensão sancionatória da tomada
de contas especial, conforme defende especificamente a responsável,
transcreve-se excerto elucidativo extraído do Acórdão 330/2007 - 1ª Câmara:
‘4.
Quanto à preliminar de prescrição, o raciocínio dos embargantes é falho, porque
a dívida de valor representada pela aplicação da multa sujeita-se à prescrição
geral dos créditos da União somente após a sua constituição, vale dizer, após a
publicação do acórdão condenatório, e não pode ser contada desde o fato
gerador, mesmo porque a certeza quanto à responsabilidade somente se firma após
o julgamento desta Corte de Contas. Ademais,
o Tribunal vem entendendo que prescrição para aplicação das sanções previstas
em sua Lei Orgânica regula-se pelo prazo vintenário do antigo código civil ou
decenário, para o vigente.
(...)’.
6.
Este Tribunal tem entendido, portanto,
que a prescrição para a punição de ilícitos praticados pelo agente público, de
que não resulte dano, mas violação a normas e princípios, é a geral, prevista
no Código Civil, atualmente, fixada em dez anos, conforme o art. 205 do Código
Civil”.
11. No presente caso, nos termos da regra de
transição constante do art. 2028 do novo Código Civil, deve ser aplicada a
prescrição decenária, uma vez que, em 11/1/2003, ainda não havia transcorrido
metade do prazo vintenário previsto no Código Civil de 1916, considerando que a
ocorrência motivadora da sanção do responsável (descumprimento do prazo para
prestação de contas) data de 30/8/1999.
12. Esse prazo prescricional de 10 anos tem como
marco inicial a data de entrada em vigor do novo Código Civil, consoante
defendido na proposta de deliberação que fundamentou o Acórdão 1727/2003 – 1ª
Câmara, in verbis:
“12. Deve-se
enfrentar, ainda, nos casos em que os fatos ocorreram na vigência do Código
Civil de 1916, o tema atinente ao termo inicial para contagem do prazo
prescricional previsto na nova legislação. Duas teses se apresentam. A
primeira, de que a contagem do prazo inicia-se na data em que o direito foi
violado (art. 189 do Código Civil de 2002). A segunda, de que o prazo inicia-se
em 01/01/2003 [sic], data em que o novo Código Civil entrou em vigor.
3. Entendo que a
segunda tese é a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico. Julgo que
a regra de transição estabelecida no art. 2.028 do novo Código Civil veio para
evitar ou atenuar efeitos drásticos nos prazos prescricionais em curso. A
aplicação da primeira tese, de forma contrária, promoveria grandes impactos nas
relações jurídicas já constituídas. Em diversos casos, resultaria na perda
imediata do direito de ação quando, pela legislação anterior, ainda restaria
mais da metade do prazo prescricional.
4.
Com a aplicação da segunda tese assegura-se aos titulares de direitos já
constituídos, ao menos, o mesmo prazo prescricional estabelecido para os casos
ocorridos após a vigência da nova legislação”.
13.
Esse também tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“AgRg
no Ag 986520/RS (Acórdão de 16/6/2009) AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. REGRA DE TRANSIÇÃO. MARCO INICIAL.
ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. COMPROVAÇÃO
DA QUITAÇÃO DOS VALORES EMPRESTADOS. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
I - Aplicada a regra de
transição do art. 2028 do Código Civil de 2002, o marco inicial de contagem é
data em que entrou em vigor do novo Código. Precedentes do STJ (...)”
(sublinhei).
“AgRg
no Ag 1136677/DF AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL.
OFENSA AO ART. 535, I E II, DO CPC NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
ALIMENTOS. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO E VÍCIO DE CITAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. (...)
3.
Conforme a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002,
deve ser aplicado o novo prazo de prescrição do art. 206, § 2º (dois anos) para
a pretensão de haver prestações alimentares, sendo o marco inicial de contagem
a data de entrada em vigor do novo Código (11 de janeiro de 2003), e não a data
do vencimento das prestações anteriores ao advento da nova Lei.
(...)”
14.
Dessa forma, somente em 11/1/2013 ocorreria a prescrição em relação à
irregularidade motivadora da sanção imposta ao recorrente. Considerando que as
citações do Sr. Sérgio Figueiredo Ferreti foram realizadas no transcorrer de
2009 e que a decisão de mérito ora embargada foi proferida em 19/10/2010, não
procede a alegação do recorrente, razão pela qual deve ser mantido em seus
exatos termos o Acórdão 6.069/2010-2ª Câmara.
Por
todo exposto, manifesto-me por que o Tribunal aprove o acórdão que ora submeto
à apreciação deste Colegiado[9].
(Grifos no original e grifos meus)
À luz dessas deliberações, entende-se que
no presente caso a contagem do prazo prescricional iniciou-se em 01.01.2003,
data em que o novo Código Civil entrou em vigor.
A citação do Sr. Jandir Bellini, por sua
vez, ocorreu em 19.08.2011 (fl. 349), ou seja, em prazo inferior aos dez anos
previstos no Código Civil, não se falando, portanto, em prescrição.
Para encerrar, convém lembrar que, no
momento em que se realizou a citação do gestor, o prazo prescricional foi
interrompido, iniciando-se, assim, novamente a sua contagem. Logo, não restam
dúvidas de que não há óbice à aplicação de penalidade de multa ao Sr. Jandir
Bellini.
Ante o
exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida
pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000,
manifesta-se por acompanhar as conclusões exaradas pela diretoria técnica.
Florianópolis, 08 de agosto de 2018.
Diogo Roberto Ringenberg
[1] Valor atualizado de
acordo com extrato imobiliário emitido pela Prefeitura em agosto de 2015.
[2] Extrato de cadastro
imobiliário emitido pela Prefeitura de Itajaí em 22 de junho de 2015 (fl. 575).
[3] BRASIL, Supremo Tribunal
Federal. ADI nº 4643, do Rio de Janeiro. Rel. Min. Luiz Fux. J. em: 06 nov.
2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em:
06 ago. 2018.
[4]
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado
prazo menor.
[5]
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos,
quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já
houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
[6]
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial nº 1.335.993 –
DF. Rel. João Otávio de Noronha. J. em: 17 maio 2015. Disponível em: www.stj.jus.br.
[7]
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial nº
746.308 - DF. Rel. Maria Isabel Gallotti. J. em: 1º set. 2015. Disponível em: www.stj.jus.br.
[8]
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.172.707 – AL. Rel.
Paulo de Tarso Sanseverino. J. em: 28 maio 2013. Disponível em: www.stj.jus.br.
[9]
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1142/2011 – 2ª Câmara. Rel.
Augusto Sherman Cavalcanti. J. em: 22 fev. 2011. Disponível em: www.tcu.gov.br.