Parecer nº:

MPC/DRR/49.505/2017

Processo nº:

TCE 08/00377559    

Origem:

Município de Itajaí

Assunto:

Representação do Poder Judiciário - Peças de Reclamatória Trabalhista - supostas irregularidades referentes ao Edital de Licitação nº 06/1990

 

Número unificado: MPC-SC 2.3/2017.342

 

Trata-se de tomada de contas especial oriunda de representação encaminhada pela 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú, com vistas a relatar irregularidades relacionadas ao Edital de Licitação nº 06/1990, lançado pelo Município de Itajaí.

Após a instrução processual, o Tribunal Pleno, na sessão de 30.03.2015, converteu os autos em tomada de contas especial, nos seguintes moldes (fl. 537):

 

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Converter o presente processo em “Tomada de Contas Especial”, nos termos do art. 65, §4°, da Lei Complementar n. 202/2000, tendo em vista possíveis irregularidades ensejadoras de dano ao erário, quando do pagamento de contrato por meio da dação de imóvel avaliado em R$ 439.613,57, segundo atualização do valor constante à fl. 32, à luz dos critérios indicados por este Tribunal de Contas.

6.2. Determinar a CITAÇÃO do Sr. Jandir Bellini - Prefeito Municipal de Itajaí, CPF n. 052.185.519-53, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202, de 15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno, apresentar alegações de defesa acerca:

6.2.1. Do pagamento de contrato por meio da dação de imóvel avaliado em R$ 439.613,57 (segundo atualização do valor constante à fl. 32, à luz dos critérios indicados pelo TCE/SC), sem a comprovação da integral execução do objeto contratual, com inobservância aos artigos 62 e 63 da Lei n.4320/64, irregularidade, esta, ensejadora de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar n. 202/2000;

6.2.2. das irregularidades abaixo relacionadas, ensejadoras de imputação de multas, com fundamento nos arts. 69 ou 70 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.2.1. Substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem a comprovação de equivalência dos custos e da falta de providências quanto à rescisão contratual, com inobservância aos arts. 65 e 77 da Lei n. 8.666/93;

6.2.2.2. Pagamento antes da liquidação da despesa, com afronta aos arts. 62 e 63, §2º, II, da Lei (federal) n. 4.320/64.

6.3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de Instrução DLC n. 473/2014 e do Parecer MPjTC n. 30.008/2014, à 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú e ao Sr. Jandir Bellini - Prefeito Municipal de Itajaí.

 

Dando efetividade à decisão plenária, procedeu-se à citação do Sr. Jandir Bellini, então Prefeito do Município de Itajaí. Em resposta, o aludido responsável apresentou as razões de defesa às fls. 544-557 e juntou ao feito os documentos de fls. 558-582.

Por fim, sobreveio novo relatório técnico, sob o nº 420/2015, com a seguinte conclusão (fls.583-588):

 

3.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III alínea b c/c o art. 21, parágrafo único da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinente à presente Tomada de Contas Especial, que trata de substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem comprovação da equivalência de custos, da falta de providências quanto à rescisão contratual e do pagamento efetuado antes da liquidação da despesa relacionadas à Concorrência Pública n. 006/90.

3.2. Aplicar multa ao Sr. Jandir Bellini – Prefeito Municipal de Itajaí, inscrito no MF/CPF sob n.º 052.185.519-53, com fundamento no art. 70, inc. II da Lei Complementar n° 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, inc. II do Regimento Interno (Resolução n° TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face das seguintes irregularidades:

3.2.1. Substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem a comprovação de equivalência dos custos e da falta de providências quanto à rescisão contratual, com inobservância aos arts. 65 e 77 da Lei nº 8.666/93 (item 6.2.2.1. da Decisão nº 0234/2015).

3.2.2. Pagamento antes da liquidação da despesa, com afronta aos arts. 62 e 63, §2º, II, da Lei (federal) nº 4.320/64 (item 6.2.2.2. da Decisão nº 0234/2015).

3.3. Dar ciência do Relatório, Voto e Decisão à 1.ª Vara de Trabalho da Comarca de Balneário Camboriú.

 

É o relatório.

 

 

1. Substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem comprovação da equivalência de custos, da falta de providências quanto à rescisão contratual e do pagamento efetuado antes da liquidação da despesa relacionada à Concorrência Pública nº 006/90

 

Ressalte-se, inicialmente, que os presentes autos versam sobre fatos graves ocorridos no Município de Itajaí relacionados à transação envolvendo um imóvel público dado a particular através de dação em pagamento e à edificação de obras de interesse da administração.

Para a melhor compreensão dos fatos, entendo pertinente fazer uma cronologia referente à conjuntura que envolve o negócio jurídico firmado entre o Município de Itajaí e a empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações Ltda.

De início, convém pontuar que as partes acima mencionadas celebraram, em 19.04.1991, contrato administrativo para execução de obra pública, após regular processo licitatório na modalidade concorrência, conforme faz prova os documentos carreados aos autos.

Ao compulsar o contrato firmado (fls. 53-68), denota-se que a empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações comprometeu-se a executar as obras de construção do prédio da administração municipal e da sede do legislativo, com área total de 4.008,05 m² e, ainda, a urbanização da área dos entornos.

Em contrapartida, o Município de Itajaí propôs-se a dar em pagamento um terreno localizado no bairro Fazenda, com superfície de 17.309,15 m², sendo que a escritura pública definitiva somente poderia ser outorgada após a execução das obras, consoante previsto no contrato ajustado entre as partes e, ainda, na Lei Municipal nº 2580/1990.

Em 15.03.1995, o Município de Itajaí e a empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações firmaram termo de confissão de dívida com compromisso e outorga de garantia, em função do não cumprimento integral do contrato. Na ocasião, a construtora comprometeu-se, como forma de pagar a dívida, a edificar um teatro municipal em outro terreno, com área de 1.400 m².

Nos moldes do novo ajuste pactuado, a obra deveria ser concluída até 20.03.1996, mas com base em termo aditivo firmado posteriormente prorrogou-se até outubro de 2009 o lapso temporal para a conclusão da edificação do teatro.

Na data de 09.04.1997, a empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações, alegando contingências econômico-financeiras, ajustou com o Sr. José da Rocha Martins contrato de assunção de obrigação de fazer com cessão de direitos, com a sub-rogação de obrigações e direitos.

Mesmo não havendo o término da construção do teatro, o qual ficou pronto somente em 11.06.2004, o Município de Itajaí e o Sr. José da Rocha Martins, em 10.04.1997, firmaram a escritura pública de dação em pagamento com garantia hipotecária, tendo como anuente a empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações.

A transferência do imóvel, no entanto, foi declarada ineficaz nos autos da Ação Trabalhista nº 1531/1996, da Junta de Conciliação e Julgamento de Balneário Camboriú, por configurar fraude contra credores por parte da empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações.

É válido comentar, neste ponto, que o imóvel havia sido utilizado pelo Sr. José da Rocha Martins para integralizar cotas de capital da empresa Jaconte Fomento e Participações. Em razão disso, tal empresa notificou o Município de Itajaí para que adotasse as providências necessárias para o deslinde da questão.

Diante da referida notificação, o Município de Itajaí apresentou embargos de terceiros na ação trabalhista, no intento de reivindicar a propriedade do imóvel e requerendo, ainda, o levantamento da penhora sobre ele existente.

Contudo, o Poder Judiciário julgou improcedentes os embargos de terceiros e determinou a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, para a adoção das providências cabíveis.

Presente todo esse contexto, faz-se necessário destacar que a equipe técnica apontou, em seu relatório inicial, a existência de dano ao erário, em virtude da substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem a comprovação da equivalência dos custos.

Aliado a isso, pontuou-se a ausência de adoção de providências quanto à rescisão contratual diante do inadimplemento da empresa contratada e, ainda, a realização de pagamento antes da regular liquidação da despesa.

Já em seu relatório derradeiro, a DLC entendeu que não existiu prejuízo aos cofres públicos, havendo, na verdade, lucro significativo à administração. Por outro lado, o órgão instrutivo defendeu a aplicação de penalidade de multa ao Sr. Jandir Bellini (Prefeito de Itajaí à época), em decorrência da violação de diversos dispositivos legais.

Para demonstrar a inexistência de dano ao Município de Itajaí, a equipe técnica apresentou o seguinte quadro:

 

Na ocasião, explicou-se que “comparando o somatório dos valores venais prediais do teatro municipal e centro administrativo (R$ 6.566.246,45), construído pela empresa, com o valor venal do terreno dado em pagamento, verifica-se um ‘superávit’ para o erário municipal no valor de R$ 2.461.322,07”.

Cotejando o caderno processual, verifica-se que o Município de Itajaí, em fevereiro de 1994, vendeu o imóvel no qual deveria ser edificado o centro administrativo e a câmara de vereadores à empresa Comércio e Representações Santa Mônica, no valor de CR$ 652.081.320,00. Tal montante atualizado monetariamente[1] perfaz a importância de R$ 6.844.058,86.

De acordo com a certidão do imóvel, o terreno possuía um prédio de alvenaria com 4.151,33 m², o qual havia sido edificado pela empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações e deveria servir de sede da Prefeitura de Itajaí e da Câmara de Vereadores.

Ante a não conclusão da obra nos termos pactuados, autorizou-se, através da Lei Municipal nº 2.868/1993, a alienação do aludido imóvel, conforme se observa abaixo:

 

Art. 1º Fica o Chefe do Poder Executivo Municipal autorizado a alienar, através do procedimento licitatório próprio, os seguintes bens municipais, localizados nesta cidade no bairro da Fazenda, na confluência da avenida Sete de Setembro com a rua Gregório Chaves, representados pelo remanescente do imóvel adquirido da Rede Ferroviária Federal S/A, onde encontra-se iniciada a construção do Centro Administrativo de Itajaí e respectivo estacionamento (áreas nº 01 e 02), a seguir discriminados:

I - área 01: com 6.171,18 m2 (seis mil, cento e setenta e um metros e dezoito decímetros quadrados), possuindo construção com 4.151,33 m2 (quatro mil, cento e cinqüenta e um metros e trinta e três decímetros quadrados), avaliada em CR$ 210.011.609,30 (duzentos e dez milhões, onze mil, seiscentos e nove cruzeiros reais e trinta centavos), equivalentes a U$$ 1.050.058,00 (um milhão, cinqüenta mil e cinqüenta e oito dólares americanos); e

II - área nº 02: com 3.500 m2 (três mil e quinhentos metros quadrados), avaliada em CR$ 31.500.000,00 (trinta e um milhões e quinhentos mil cruzeiros reais), equivalentes a U$$ 157.500,00 (cento e cinqüenta e sete mil e quinhentos dólares americanos).

Parágrafo Único - Permanecerão como áreas do domínio público aquelas que já se encontram urbanizadas como praças e vias públicas, excetuando-se as áreas previstas nos itens I e II do art. 1º do presente projeto.

 

À vista do exposto, não restam dúvidas de que a empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações deu início às edificações, construindo uma área de 4.151,33 m². No entanto, não se tem conhecimento do valor da área edificada, a fim de saber quanto valia exatamente a área construída e quanto valia apenas o terreno.

Nos termos da Lei Municipal nº 2.868/1993, o imóvel, com área total de 9.671,18 m², foi avaliado em CR$ 241.511.609,30. Se considerarmos o valor avaliado, podemos concluir que, de fato, houve lucro ao Município de Itajaí, pois a venda efetuada ao Comércio e Representações Santa Mônica foi realizada no montante de CR$ 652.081.320,00.

Todavia, acredita-se que tal avaliação não foi realizada corretamente, pois se presume que o Comércio e Representações Santa Mônica não iria pagar à administração pública um valor superior àquele constante na avaliação se tal preço não correspondesse ao valor de mercado.

Ao adquirir o imóvel, o Comércio e Representações Santa Mônica reformou o prédio edificado no terreno, o qual passou a ter 3.087,60 m², havendo, assim, uma redução do imóvel fundado inicialmente pela empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações.

Após a realização da reforma, o cadastro imobiliário relativo ao ano de 2015[2] do imóvel apresentou o valor venal total de R$ 6.498.321,45, sendo o montante de R$ 2.020.632,05 referente ao valor venal territorial e a importância de R$ 4.477.689,40 concernente ao valor venal predial.

Neste ponto, afigura-se oportuno comentar que há uma diferença entre o valor atualizado da venda do imóvel (R$ 6.844.058,86) e o valor que consta no cadastro imobiliário (R$ 6.498.321,45). Como é sabido, nem sempre o valor atribuído ao imóvel no cadastro junto ao município corresponde, de fato, ao valor de mercado, pois na maioria das vezes consta em tal cadastro valor aquém ao preço real.

No que toca ao teatro, tem-se de salientar que o seu valor venal em 2015 era de 2.088.557,05, conforme se extrai da certidão de fl. 574. Considerando tal montante e, ainda, o valor venal predial do imóvel que deveria ser o centro administrativo (R$ 4.477.689,40), chega-se à importância de R$ 6.566.246,45.

Já o valor venal - no ano de 2015 - do terreno dado em pagamento pelo Município de Itajaí (área de 17.309,15m²) era de R$ 4.104.924,38, conforme extrato de cadastro de imóvel emitido pela Secretaria Municipal da Fazenda, em 22.06.2015 (fl. 576).

Os fatos apontam, portanto, para situação superavitária e favorável ao Município de Itajaí, já que a diferença entre o que a Prefeitura recebeu da construtora e o que a ela forneceu equivale, em estimativas, a R$ 2.810.059,48 (R$ 6.911.983,86 menos R$ 4.101.924,38).

Eventualmente, poderíamos trilhar raciocínio diverso se tivesse sido realizada a avaliação da área construída pela empresa Paulo Caseca Construções e Incorporações no terreno em que deveria ser edificado o centro administrativo ou, ainda, se tivesse sido discriminado quanto o Comércio e Representação Santa Mônica pagou no terreno e quanto pagou na área construída.

No entanto, não foram efetuadas as devidas avaliações, constando no feito somente a informação de que tal empresa adquiriu o imóvel pelo valor total de CR$ 652.081.320,00. Não se sabe, ademais, qual a real valorização do imóvel após as reformas, tampouco se houve um acréscimo significativo, já que houve redução da área construída.

Convém sublinhar, em tempo, que o MPC realizou algumas diligências no intuito de auxiliar no esclarecimento dos fatos. Buscaram-se informações junto ao setor de cadastro imobiliário do Município de Itajaí, além de serem requisitadas ao Registro de Imóveis da Comarca de Itajaí algumas certidões imobiliárias.

Apesar da realização de tais diligências, não foi possível obter qualquer informação nova que pudesse contribuir para a elucidação da conjuntura fática. Notadamente, toda a transação jurídica relatada nos autos é suspeita, pois restou devidamente demostrado que o Município de Itajaí queria de todas as formas transferir o imóvel de sua propriedade, mesmo havendo a inadimplência contratual.

Em virtude de todas essas nuances é que este órgão ministerial tentou trazer novas informações aos autos, mas, infelizmente, não obteve êxito. Mesmo que se conclua que houve lucro aos cofres públicos, os atos administrativos praticados pelos gestores à época demonstram total descaso pela coisa pública e pelos mandamentos legais.

Remanesce, portanto, a incidência de multas pela substituição do objeto da licitação sem comprovação de equivalência prévia e transparente dos custos envolvidos nas transações entre o Município e a construtora, pela falta de iniciativa em providenciar a rescisão do contrato inadimplido e pelo pagamento antes da liquidação da despesa.

Consequentemente, deve ser aplicada sanção pecuniária ao Sr. Jandir Bellini, Prefeito do Município de Itajaí à época, pois está amplamente demonstrado nos autos o total desrespeito aos ditames legais e ao interesse público.  

Antes de encerrar este parecer, entendo pertinente comentar sobre a prescrição da pretensão punitiva no presente caso, já que tal assunto pode, eventualmente, ser abordado pelo Conselheiro Relator e pelo Sr. Jandir Bellini em razão do lapso temporal em que tramita este processo e considerando, ainda, a data dos fatos.

Seguindo a linha de raciocínio já exposta em outros pareceres, continuo defendendo que a Lei Complementar Estadual nº 588/2013 não pode ser aplicada, em virtude do vício formal de iniciativa que macula tal norma, tornando-a inconstitucional.

Como é sabido, a Lei Complementar Estadual nº 202/2000, em seu art. 2º, inciso IV, dispõe que compete ao Tribunal de Contas de Santa Catarina propor ao Poder Legislativo a alteração da sua lei orgânica. Não obstante, o PCL/0050.6/2011, que alterou a Lei Complementar Estadual nº 202/2000 e incluiu a prescrição, teve origem na Assembleia Legislativa.

Valendo-se das suas atribuições e poderes, o Tribunal de Contas de Santa Catarina pode deixar de aplicar tal norma inconstitucional, conforme preceitua a Súmula nº 347 do STF, a qual é cristalina ao dispor que “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.

Em caso semelhante, o Supremo Tribunal Federal deferiu, por unanimidade, medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4643, suspendendo a Lei Complementar Estadual nº 142/2011, do Rio de Janeiro, que alterou a Lei Orgânica do Tribunal de Contas estadual (TCE/RJ).

Ao proferir o julgamento, a Suprema Corte destacou ser plausível o argumento do vício de iniciativa suscitado, em razão de o projeto de lei ter sido proposto por deputado estadual, e não pelo Tribunal de Contas do Estado.

A propósito, eis a ementa lavrada pelo STF:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. ATRICON. LEGITIMIDADE AD CAUSAM . PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 142/2011. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO DE INICIATIVA. VIOLAÇÃO ÀS PRERROGATIVAS DA AUTONOMIA E DO AUTOGOVERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

1. As Cortes de Contas do país, conforme reconhecido pela Constituição de 1988 e por esta Suprema Corte, gozam das prerrogativas da autonomia e do autogoverno, o que inclui, essencialmente, a iniciativa reservada para instaurar processo legislativo que pretenda alterar sua organização e seu funcionamento, como resulta da interpretação lógico sistemática dos artigos 73, 75 e 96, II, “d”, CRFB/88. Precedentes: ADI 1.994/ES, Rel. Ministro Eros Grau, DJe 08.09.06; ADI nº 789/DF, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 19/12/94. 2. O ultraje à prerrogativa de instaurar o processo legislativo privativo traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência indubitavelmente reflete hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente concretizado. Precedentes: ADI nº 1.381 MC/AL, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 06.06.2003; ADI nº 1.681 MC/SC, Rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ 21.11.1997.[...]

4. Inconstitucionalidade formal da Lei Complementar Estadual nº 142/2011, de origem parlamentar, que altera diversos dispositivos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, por dispor sobre forma de atuação, competências, garantias, deveres e organização do Tribunal de Contas estadual, matéria de iniciativa privativa à referida Corte[3]. (Grifou-se)

 

Como se depreende, a decisão evidencia o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal quando da constatação - mesmo que em sede cautelar - da ocorrência de vício formal que macula ato normativo formulado em contrariedade ao rito que lhe deveria ter sido imposto.

Assim, sendo inaplicável a Lei Complementar Estadual nº 588/2013 em razão de sua inconstitucionalidade formal, deve-se adotar o prazo decenal estatuído no art. 205[4] do Código Civil aos processos que tramitam perante o Tribunal de Contas.

Na espécie, os fatos ocorreram antes da entrada em vigor do novo Código Civil (janeiro de 2003), aplicando-se, assim, o prazo de dez anos para exame dos fatos irregulares, visto que quando da entrada em vigor do novo diploma ainda não tinha transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada, que era de 20 anos (regra de transição estabelecida no art. 2028 do CC/2002[5]).

No que tange ao termo inicial para a contagem do prazo prescricional nos casos em que se aplica a regra de transição citada acima, o Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte entendimento:

 

AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PRESCRIÇÃO. REGRA DE TRANSIÇÃO. ARTS. 206, § 3º, V, E 2.028 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. TERMO INICIAL. DATA DE ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO. PRECEDENTES.

1. Afasta-se a alegada negativa de prestação jurisdicional quando o acórdão recorrido, integrado por julgado proferido em embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais.

2. Iniciando-se o prazo prescricional na vigência do CC/1916 e havendo sua redução pelo CC/2002, aplica-se a regra de transição prevista no art. 2.028 do novo diploma, sendo o termo inicial da contagem do prazo o dia 11 de janeiro de 2003.

3. Agravo regimental desprovido[6]. (Grifou-se)

 

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. REGRA DE TRANSIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS JÁ FIXADOS NO MÍNIMO LEGAL (10%).

1. Quando ainda não transcorrida a metade do prazo prescricional previsto no código anterior, aplica-se o prazo reduzido pelo Código Civil de 2002, contado a partir da vigência do código atual, ou seja, 11.1.2003, e não da data da ocorrência do fato danoso.

2. Nas causas em que a sentença for de natureza condenatória, os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 20, § 3º, do CPC. 3. Agravo regimental a que se nega provimento[7]. (Grifou-se)

 

 

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. NOVO CÓDIGO CIVIL. REGRA DE TRANSIÇÃO. ART. 2.028. CONTAGEM DO NOVO PRAZO. INÍCIO A PARTIR DA VIGÊNCIA DO ATUAL DIPLOMA CIVIL. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL NÃO IMPLEMENTADA NA ESPÉCIE. EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS.

 1. Ação monitória ajuizada para cobrança de debêntures, cujo prazo prescricional foi reduzido de vinte anos (CC/16) para cinco anos (CC/2002).

2. Havendo redução do prazo, o termo inicial da prescrição, computada com base no Código Civil de 2002, é fixado a partir da data de sua entrada em vigor, ou seja, o dia 11 de janeiro de 2003. Precedentes.

3. "Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais" (Art. 515, § 2º, do CPC).

4. Necessidade de retorno dos autos ao Tribunal de origem para julgamento das demais questões devolvidas por meio do recurso de apelação.

5. Dimensão vertical, ou profundidade, do efeito devolutivo. Doutrina e jurisprudência sobre o tema.

6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO[8]. (Grifou-se)

 

Nessa mesma linha de posicionamento, eis os excertos do Acórdão nº 1142/2011, do Tribunal de Contas da União:

 

10.   Com relação à eventual prescrição da pretensão punitiva, a impedir a aplicação de multa ao responsável, a jurisprudência desta Corte caminha no sentido de adotar o prazo vintenário previsto no Código Civil de 1916 ou o prazo decenário constante do Código Civil vigente, conforme o seguinte trecho do Voto que proferi por ocasião da prolação do Acórdão 771/2010 - Plenário:

“5. Quanto à prescrição quinquenal, em virtude da dimensão sancionatória da tomada de contas especial, conforme defende especificamente a responsável, transcreve-se excerto elucidativo extraído do Acórdão 330/2007 - 1ª Câmara:

‘4. Quanto à preliminar de prescrição, o raciocínio dos embargantes é falho, porque a dívida de valor representada pela aplicação da multa sujeita-se à prescrição geral dos créditos da União somente após a sua constituição, vale dizer, após a publicação do acórdão condenatório, e não pode ser contada desde o fato gerador, mesmo porque a certeza quanto à responsabilidade somente se firma após o julgamento desta Corte de Contas. Ademais, o Tribunal vem entendendo que prescrição para aplicação das sanções previstas em sua Lei Orgânica regula-se pelo prazo vintenário do antigo código civil ou decenário, para o vigente. (...)’.

6.    Este Tribunal tem entendido, portanto, que a prescrição para a punição de ilícitos praticados pelo agente público, de que não resulte dano, mas violação a normas e princípios, é a geral, prevista no Código Civil, atualmente, fixada em dez anos, conforme o art. 205 do Código Civil”.

11.   No presente caso, nos termos da regra de transição constante do art. 2028 do novo Código Civil, deve ser aplicada a prescrição decenária, uma vez que, em 11/1/2003, ainda não havia transcorrido metade do prazo vintenário previsto no Código Civil de 1916, considerando que a ocorrência motivadora da sanção do responsável (descumprimento do prazo para prestação de contas) data de 30/8/1999.

12.  Esse prazo prescricional de 10 anos tem como marco inicial a data de entrada em vigor do novo Código Civil, consoante defendido na proposta de deliberação que fundamentou o Acórdão 1727/2003 – 1ª Câmara, in verbis:

“12. Deve-se enfrentar, ainda, nos casos em que os fatos ocorreram na vigência do Código Civil de 1916, o tema atinente ao termo inicial para contagem do prazo prescricional previsto na nova legislação. Duas teses se apresentam. A primeira, de que a contagem do prazo inicia-se na data em que o direito foi violado (art. 189 do Código Civil de 2002). A segunda, de que o prazo inicia-se em 01/01/2003 [sic], data em que o novo Código Civil entrou em vigor.

3. Entendo que a segunda tese é a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico. Julgo que a regra de transição estabelecida no art. 2.028 do novo Código Civil veio para evitar ou atenuar efeitos drásticos nos prazos prescricionais em curso. A aplicação da primeira tese, de forma contrária, promoveria grandes impactos nas relações jurídicas já constituídas. Em diversos casos, resultaria na perda imediata do direito de ação quando, pela legislação anterior, ainda restaria mais da metade do prazo prescricional.

4. Com a aplicação da segunda tese assegura-se aos titulares de direitos já constituídos, ao menos, o mesmo prazo prescricional estabelecido para os casos ocorridos após a vigência da nova legislação”.

13. Esse também tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

“AgRg no Ag 986520/RS (Acórdão de 16/6/2009) AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. REGRA DE TRANSIÇÃO. MARCO INICIAL. ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. COMPROVAÇÃO DA QUITAÇÃO DOS VALORES EMPRESTADOS. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

I - Aplicada a regra de transição do art. 2028 do Código Civil de 2002, o marco inicial de contagem é data em que entrou em vigor do novo Código. Precedentes do STJ (...)” (sublinhei).

“AgRg no Ag 1136677/DF AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. OFENSA AO ART. 535, I E II, DO CPC NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALIMENTOS. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO E VÍCIO DE CITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. (...)

3. Conforme a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002, deve ser aplicado o novo prazo de prescrição do art. 206, § 2º (dois anos) para a pretensão de haver prestações alimentares, sendo o marco inicial de contagem a data de entrada em vigor do novo Código (11 de janeiro de 2003), e não a data do vencimento das prestações anteriores ao advento da nova Lei.

(...)”

14. Dessa forma, somente em 11/1/2013 ocorreria a prescrição em relação à irregularidade motivadora da sanção imposta ao recorrente. Considerando que as citações do Sr. Sérgio Figueiredo Ferreti foram realizadas no transcorrer de 2009 e que a decisão de mérito ora embargada foi proferida em 19/10/2010, não procede a alegação do recorrente, razão pela qual deve ser mantido em seus exatos termos o Acórdão 6.069/2010-2ª Câmara.

Por todo exposto, manifesto-me por que o Tribunal aprove o acórdão que ora submeto à apreciação deste Colegiado[9]. (Grifos no original e grifos meus)

 

À luz dessas deliberações, entende-se que no presente caso a contagem do prazo prescricional iniciou-se em 01.01.2003, data em que o novo Código Civil entrou em vigor.

A citação do Sr. Jandir Bellini, por sua vez, ocorreu em 19.08.2011 (fl. 349), ou seja, em prazo inferior aos dez anos previstos no Código Civil, não se falando, portanto, em prescrição.

Para encerrar, convém lembrar que, no momento em que se realizou a citação do gestor, o prazo prescricional foi interrompido, iniciando-se, assim, novamente a sua contagem. Logo, não restam dúvidas de que não há óbice à aplicação de penalidade de multa ao Sr. Jandir Bellini.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se por acompanhar as conclusões exaradas pela diretoria técnica.

Florianópolis, 08 de agosto de 2018.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador de Contas

 



[1] Valor atualizado de acordo com extrato imobiliário emitido pela Prefeitura em agosto de 2015.

[2] Extrato de cadastro imobiliário emitido pela Prefeitura de Itajaí em 22 de junho de 2015 (fl. 575).

[3] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4643, do Rio de Janeiro. Rel. Min. Luiz Fux. J. em: 06 nov. 2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 06 ago. 2018.

[4] Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

[5] Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial nº 1.335.993 – DF. Rel. João Otávio de Noronha. J. em: 17 maio 2015. Disponível em: www.stj.jus.br.

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 746.308 - DF. Rel. Maria Isabel Gallotti. J. em: 1º set. 2015. Disponível em: www.stj.jus.br.

[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.172.707 – AL. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino. J. em: 28 maio 2013. Disponível em: www.stj.jus.br.

[9] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1142/2011 – 2ª Câmara. Rel. Augusto Sherman Cavalcanti. J. em: 22 fev. 2011. Disponível em: www.tcu.gov.br.