PARECER nº: |
MPC/XX/59277/2018 |
PROCESSO nº: |
REC 17/00644413
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ORIGEM: |
Fundo de Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL |
INTERESSADO: |
ASSOCIAÇÃO COMUNITARIA SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS |
ASSUNTO: |
Recurso de Reconsideração da decisão exarada no
processo -TCE-13/00421379 |
Número Unificado: MPC-SC 2.2/2018.1562
Versam os autos sobre Recurso de Reconsideração (fls. 4-11) interposto, por intermédio de advogados, pela Associação Comunitária Sagrado Coração de Jesus e seu presidente, Sr. Valdino Backes, em face do Acórdão n. 0409/2017, exarado no processo TCE n. 13/00421379, que imputou débito e aplicou multa aos recorrentes, da seguinte maneira:
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de
Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas
pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei
Complementar (estadual) n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do
art. 18, III, "d" c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar
(estadual) n. 202/2000, as contas de recursos repassados pelo FUNDOSOCIAL à
Associação Comunitária Sagrado Coração de Jesus, de Rio Fortuna, através da
Nota de Empenho n. 2918, de 09/10/2009, no valor de R$ 28.290,00.
6.2. Condenar, SOLIDARIAMENTE, nos termos do art. 18, §2°, da
Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, o Sr. VALDINO BACKES - Presidente da
Associação Comunitária Sagrado Coração de Jesus em 2009, inscrito no CPF sob o
n. 927.946.299-72, a pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA SAGRADO CORAÇÃO DE
JESUS, inscrita no CNPJ sob o n. 01.245.408/0001-96, e a Sra. NEUSELI JUNCKES
COSTA, inscrita no CPF sob o n. 569.986.869-00, ao pagamento da quantia de R$
28.290,00 (vinte e oito mil, duzentos e noventa reais), em face da não
comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, fixando-lhes o
prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário
Oficial Eletrônico do TCE - DOTC-e -, para comprovarem, perante este Tribunal,
o recolhimento do valor do débito ao Tesouro do Estado, atualizado
monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da citada Lei
Complementar), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do
débito, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo
autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da
mencionada Lei Complementar), conforme segue:
6.2.1. Responsabilidade do Sr. VALDINO BACKES e da pessoa
jurídica ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, já qualificados, em
razão da:
6.2.1.1. ausência de comprovação da realização do objeto
proposto e da destinação dos materiais, não demonstrando a boa e regular
aplicação dos recursos públicos, em descumprimento aos arts. 144, §1º, da Lei
Complementar (estadual) n. 381/2007, 9º da Lei (estadual) n. 5.867/1981 e 49 e
52 da Resolução n. TC-16/1994;
6.2.1.2. indevida comprovação de despesas com notas fiscais
fotocopiadas, contrariando os arts. 24, §5°, do Decreto (estadual) n. 307/2003
e 46, parágrafo único, e 59 da Resolução n. TC-16/1994, não comprovando a boa e
regular aplicação dos recursos públicos conforme o art. 144, §1º, da Lei
Complementar (estadual) n. 381/2007. [...]
6.3. Aplicar aos Responsáveis adiante discriminados, com
fundamento no art. 68 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 c/c o art.
108, caput, do Regimento Interno deste Tribunal (Resolução n. TC-06/2001), as
multas a seguir relacionadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a
contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE - DOTC-e
-, para comprovarem a este Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do
Estado das multas cominadas, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê,
fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial,
observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:
6.3.1. ao Sr. VALDINO BACKES, já qualificado, multa de 100%
(cem por cento) do valor do dano constante do item 6.2 deste Acórdão, no
montante de R$ 28.290,00 (vinte e oito mil, duzentos e noventa reais)
atualizado monetariamente, devido à:
6.3.1.1. ausência de comprovação da realização do objeto
proposto e da destinação dos materiais, não demonstrando a boa e regular
aplicação dos recursos públicos, em descumprimento aos arts. 144, §1º, da Lei
Complementar (estadual) n. 381/2007, 9º da Lei (estadual) n. 5.867/1981 e 49 e
52 da Resolução n. TC-16/1994;
6.3.1.2. indevida comprovação de despesas com notas fiscais
fotocopiadas, contrariando os arts. 24, §5°, do Decreto (estadual) n. 307/2003
e 46, parágrafo único, e 59 da Resolução n. TC-16/1994, não comprovando a boa e
regular aplicação dos recursos públicos conforme o art. 144, §1º, da Lei
Complementar (estadual) n. 381/2007. [...]
6.4. Declarar o Sr. Valdino Backes e a pessoa jurídica
Associação Comunitária Sagrado Coração de Jesus impedidos de receber novos
recursos do erário até a regularização do presente processo, consoante dispõem
os arts. 16, §3º, da Lei (estadual) n. 16.292/2013 e 39 do Decreto (estadual)
n. 1.310/2012.
A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-203/2018 (fls. 12-17), opinando pelo conhecimento do recurso e, no mérito, por negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a decisão recorrida.
Vieram os autos, então, a este Ministério Público de Contas para manifestação.
1. Admissibilidade
O Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de prestação e tomada de contas, sendo as partes legítimas para a sua interposição, uma vez que figuraram como responsáveis pelos atos de gestão irregulares descritos na decisão recorrida.
O acórdão recorrido foi publicado na
imprensa oficial em 30.08.2017 e a peça recursal foi protocolizada nessa Corte
de Contas no dia 25.09.2017, sendo, portanto, tempestiva. Ainda, o recurso
obedece ao requisito da singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.
Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de
admissibilidade da presente peça recursal, de maneira que se passa, na
sequência, à análise de seu mérito.
2. Mérito
Em
apertada síntese, os recorrentes alegaram (fls. 4-11) que não poderiam ser
responsabilizados por irregularidades verificadas no procedimento adotado para
a concessão dos recursos do FUNDOSOCIAL em questão, tendo em vista que não
agiram em conluio ou sequer conheciam os servidores responsáveis por esses
trâmites.
Arguiram
que os valores recebidos foram utilizados de boa-fé para a realização de
serviços de terraplanagem no terreno sede da Associação, com a devida expedição
de nota fiscal e recolhimento dos tributos correspondentes, conforme
comprovariam as fotos acostadas às fls. 33-34 e os documentos de fls. 88-90,
todos dos autos principais. Asseveraram que as terras amontoadas no local (fl.
34 daquele processo) foram despejadas pela Prefeitura Municipal de Rio Fortuna
sem autorização da Associação.
Quanto
à apresentação da prestação de contas em cópias, alegaram que a via original
teria sido entregue tempestivamente à Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Regional de Braço do Norte, que teria se responsabilizado por encaminhá-la à
Secretaria de Estado da Fazenda.
Por
fim, argumentaram que a multa de 100% do valor do dano que restou aplicada
consistiria em bis in idem, pois foi
aplicada em razão das mesmas irregularidades que ensejaram a imputação de débito,
e que ofenderia o disposto no art. 109 do Regimento Interno dessa Corte de
Contas, que estabeleceria o limite máximo de R$ 5.000,00 para a aplicação de
multas.
Conforme
se verá adiante, a pretensão recursal da pessoa jurídica Associação
Comunitária Sagrado Coração de Jesus e de seu presidente, Sr. Valdino Backes, não merece prosperar.
2.1. Irregularidades na concessão versus aplicação dos recursos concedidos
Ao contrário do que fora alegado pelos recorrentes
(fl. 5), eles não foram responsabilizados pelas irregularidades identificadas
no processo de concessão dos recursos do FUNDOSOCIAL em questão.
Toda a instrução do processo originário – desde os
relatórios técnicos elaborados, os pareceres exarados por este órgão
ministerial, até o fundamentado voto do Relator, que culminou na decisão ora
atacada – deixou absolutamente claro que somente os agentes públicos que
operacionalizaram as concessões irregulares seriam responsáveis pelas
irregularidades identificadas nesse processo, de modo que, obviamente, a responsabilização
da entidade que logrou esses recursos e de seu presidente dá-se apenas em face
de restrições verificadas nas prestações de contas encaminhadas, assim como
ocorreu in casu.
Nesse sentido, a simples leitura da capitulação das
irregularidades que foram imputadas aos recorrentes – quais sejam, a ausência
de comprovação da realização do objeto proposto e da destinação dos materiais,
não demonstrando a boa e regular aplicação dos recursos públicos, e a indevida
comprovação de despesas com notas fiscais fotocopiadas – deixa claro que suas
responsabilizações não têm qualquer relação com o esquema fraudulento
identificado no FUNDOSOCIAL, mas tão somente com as restrições identificadas na
aplicação dos recursos concedidos.
Não há que se falar, portanto, em responsabilização
dos recorrentes em face de irregularidades identificadas no processo de
concessão dos recursos em questão.
2.2. Ausência de comprovação da boa e regular
aplicação dos recursos recebidos
Embora os recorrentes aleguem que os recursos do FUNDOSOCIAL
recebidos foram devidamente aplicados nos fins a que se destinavam, o fato é
que os documentos que compõem a prestação de contas apresentada não dão suporte
a essa alegação.
Nesse sentido, irretocáveis as considerações lançadas
pela Diretoria de Recursos e Reexames, a saber (fls. 14v-15):
De
plano, registre-se que o presente Recurso analisa o processo TCE 13/00421379,
referente a concessão de subvenção social equivalente a R$ 28.290,00 para
serviços de terraplenagem, para a Associação Comunitária Sagrado Coração de
Jesus, de Rio Fortuna, presidida na época pelo Recorrente, Sr. Valdino Backes.
Chama
a atenção que o pedido de recursos financeiros contém apenas um singelo Plano
de Aplicação (fl. 23), que, descreve “Serviços de terraplenagem”, sem maiores
detalhes para que possa exercer o devido controle das despesas. Deveras,
verifica-se que na prestação de contas não há planta, croqui ou qualquer
documento que especifique o local exato onde deveriam ser realizados os
serviços de terraplanagem, sendo que as fotos que constam nos autos não são
esclarecedoras. Também, não há registro de quantos metros quadrados foram
trabalhados, quantos metros cúbicos de barro foram deslocados, número de horas
de máquina trabalhadas etc.
Aliás,
nem mesmo o Recorrente, Sr. Valdino Backes, ex-Presidente da Associação
Comunitária Sagrado Coração de Jesus, soube apresentar tais informações.
Em
sede recursal os Recorrente alegam que a prestação de contas se deu com
apresentação da Nota Fiscal nº 000332, no valor de R$ 28.290,00 e que além
disso foram recolhidos os impostos devidos.
Ora,
a Nota Fiscal nº 000332 (fls. 93), não o socorre, pois, além do fato de ser uma
fotocópia, a discriminação dos serviços, conforme já mencionado, é genérica não
comprovando a execução dos serviços. Não existem fotos do local antes e depois,
e nenhum outro documento para dar suporte à nota fiscal.
Outrossim,
ressalte-se que a Nota de Empenho nº 2918 (fls. 31) foi emitida em 09/10/2009.
A Nota Fiscal (fl. 93), o Cheque (fl. 94) e a Prestação de Contas apresentada
perante a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Brado do Norte e
o seu envio para a Secretaria de Estado da Fazenda em Florianópolis, segundo a
Justificativa apresentada pelos Recorrentes (fl. 90), ocorreram todos em uma única
data, em 15/10/2009.
Por
sua vez, o recebimento do serviço foi certificado na Nota Fiscal (fls. 93) pelo
Recorrente Sr. Valdino Backes em 19/10/2009.
Isto
é, a prestação de contas é anterior ao recebimento do serviço (!), o que torna
tais documentos inverossímeis.
Como se vê, os recorrentes não cumpriram com o ônus da
comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos que lhes foram
confiados, sendo que a deficiência na confirmação dessa regularidade implica na
presunção de irregularidade da sua aplicação.
Sobre o ônus da prova em processos de prestações de
contas aos Tribunais de Contas, retira-se da doutrina que[1]:
No Brasil, a obrigação de prestar contas da gestão pública é realizada
mediante a apresentação de contas para julgamento pelos Tribunais de Contas,
conforme dispõe o art. 71, inciso II, da Constituição Federal. Esses órgãos
técnicos especializados emitirão um juízo de valor acerca da regularidade e da
conformidade da gestão dos administradores públicos, para dizer se foram regulares,
regulares com ressalva ou irregulares, conforme estabelecido nos arts. 15 e 16
da Lei 8.443/92.
Dessarte, forçoso é reconhecer que, nos
processos submetidos ao Tribunal de Contas da União na forma de processos de
contas (ordinárias ou especiais), por imperativo constitucional (art. 70,
parágrafo único, CF), compete ao gestor o ônus de comprovar a boa e regular
aplicação dos recursos por ele geridos.
Trata-se, pois, o dever de
prestar contas e comprovar a regularidade da aplicação dos recursos públicos, de
verdadeira inversão legal do ônus da prova (inversão ope legis) operada pela
própria Constituição Federal e corroborada pelas prescrições do art. 93
do Decreto-Lei 200/1967 e do art. 66 do Decreto 93.872/1986.
Esse entendimento está pacificado no Tribunal de Contas da União, que o
tem aplicado de maneira reiterada (Decisão 225/2000-2ª Câmara; Acórdão
1.656/2006 e 276/2010, do Plenário; e 903/2007-1ª Câmara e 1.445/2007-2ª
Câmara), e já foi referendado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do MS
20.335/DF (grifei).
Conforme pontuado no referido excerto, esse também é o
posicionamento do Tribunal de Contas União, a exemplo do disposto no Acórdão
TCU n. 321/2013, a saber:
TCE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE PARTE DE RECEITAS ORIUNDAS DE
CONVÊNIO COM ENTIDADE FEDERAL. CITAÇÃO. REVELIA. CONFIGURAÇÃO DE DANO AO
ERÁRIO, EM DECORRÊNCIA DE ATO DE GESTÃO ILEGÍTIMO OU ANTIECONÔMICO. CONTAS
IRREGULARES. DÉBITO. MULTA. RECURSO DE REVISÃO. CONHECIMENTO. NÃO-PROVIMENTO.
CIÊNCIA AOS INTERESSADOS.
1. A configuração de dano ao erário, em
decorrência de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, importa no julgamento
pela irregularidade, na condenação em débito e na aplicação de multa.
2. Nos processos de contas que tramitam
nesta Casa, compete ao gestor o ônus da prova da boa e da regular aplicação dos
recursos públicos que lhe são confiados, o que independe da comprovação de ter
se configurado o crime de improbidade administrativa, da ocorrência de
enriquecimento ilícito ou de locupletamento por parte do recorrente (grifei).
Na mesma linha, o voto condutor do Acórdão n.
0570/2015, exarado por essa Corte de Contas, preleciona, in verbis:
TOMADA DE CONTAS
ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE RECURSOS ANTECIPADOS DO FUNCULTURAL. AUSÊNCIA
DE COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS. AUTORREMUNERAÇÃO.
PAGAMENTOS A FAMILIARES. DESPESAS ILEGAIS E INJUSTIFICADAS. IRREGULARIDADE DAS
CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OMISSÕES DO PODER CONCEDENTE. MULTA.
1. Nos processos de
contas o onus probandi é do gestor dos recursos públicos, que
é pessoalmente responsável pela boa e regular aplicação dos recursos repassados
e tem o ônus de provar a execução do objeto pactuado, das despesas vinculadas
ao mesmo e trazer à colação elementos que demonstrem o atendimento ao interesse
público e a inexistência de lesão ao patrimônio público [...]
Esse é o entendimento
perfilhado no STF, conforme MS 20335, de relatoria do Min. Moreira Alves, DJ de
25.02.1983: "em direito financeiro, cabe ao ordenador de despesas
provar que não é responsável pelas infrações que lhe são imputadas, da leis e
regulamentos na aplicação do dinheiro público" (grifei).
Não há dúvidas, portanto, de que cabe à entidade
proponente e ao seu presidente, ora recorrentes, o ônus de comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos recebidos.
Note-se, ainda, que não há nenhum dispositivo na Lei
Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de má-fé para com o
imputável. Mais ainda, no âmbito do direito administrativo, não há que se
indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato
de praticar a conduta, a qual se constata nesses autos.
Sobre o tema, destaca-se as palavras de
Celso Antônio Bandeira de Mello[2], que bem
sintetiza esse entendimento:
É muito discutido em doutrina se basta a mera
voluntariedade para configurar a
existência de um ilícito administrativo sancionável, ou se haveria
necessidade ao menos de culpa. Quando menos até o presente, temos entendido que basta a
voluntariedade, sem prejuízo, como é claro, de a lei estabelecer
exigência maior perante a figura tal ou qual (grifei).
O Acórdão TCU n. 51/2008 também é bem didático ao
analisar a questão, a saber:
Quanto à ausência de dolo, a responsabilização perante esta Corte de
Contas não se perfaz necessariamente pela presença do elemento subjetivo dolo,
e excepcionalmente culpa, como no direito penal - onde até se exige expressa
previsão de punibilidade da modalidade culposa do tipo penal. Referida
característica é peculiar ao direito penal, não se aplicando, por conseguinte,
ao ramo do direito administrativo do controle externo, na espécie sancionador.
Assim, a conduta apenada poderá, em
se tratando do exercício do controle externo, tanto ter sido perpetrada com o
elemento dolo, como culpa grave, leve ou levíssima, indistintamente. Em
derradeiro, a nosso modo de ver, o aspecto que poderia vir a ser impactado
seria o tocante à dosimetria da pena (grifei).
No presente caso, está perfeitamente delineada, no
mínimo, a existência de culpa, consubstanciada na ausência de diligência na
observância das normas de conduta às quais os recorrentes estavam obrigados
enquanto responsáveis por recursos públicos. Nesse sentido, importante
transcrever trecho do Acórdão TCU n. 1830/2006, considerado como paradigma por
estabelecer as balizas da responsabilização perante aquela Corte de Contas da
União, in verbis:
[ ... ] o agente público deverá agir como se estivesse
cuidando dos seus próprios negócios, respondendo pelos danos que vier a causar
em decorrência de condutas desidiosas ou temerárias. Assim, nas palavras de José Aguiar Dias,
"a culpa pode ser entendida como
a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo,
por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não
objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das
consequências eventuais de sua atitude." (Da Responsabilidade
Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979) (grifei).
Em suma, portanto, tem-se que os responsáveis falharam
no cumprimento do inequívoco ônus que lhes competia de comprovar a boa e
regular aplicação dos recursos que receberam do FUNDOSOCIAL, devendo ser
mantidos, dessa forma, o débito e a multa proporcional ao dano que restaram
aplicados.
2.3. Apresentação de notas fiscais em cópias
Os recorrentes justificaram a apresentação de notas
fiscais em cópias alegando que a prestação de contas original teria sido
encaminhada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Braço do
Norte, que teria se responsabilizado por encaminhá-la à Secretaria de Estado da
Fazenda.
Ora, além de não terem apresentado qualquer
comprovação de que teriam realmente encaminhado a prestação de contas original
a quem quer que seja, o fato é que, nos termos do art. 8º da Lei n. 5.867/81, a
obrigação de apresentação da prestação de contas era diretamente perante a
Secretaria de Estado da Fazenda. Logo, ao entregarem essa documentação a
terceiros – ainda que representantes do Estado –, os recorrentes assumiram o
risco de ela ser extraviada e não chegar ao destino devido, não podendo se valer
dessa escolha para buscar afastar a irregularidade que lhes fora imputada.
Complementando a análise das justificativas
apresentadas pelos recorrentes sobre esse ponto, a área técnica anotou, ainda
(fls. 15-15v):
A
razão em se ter a prestação de contas com os documentos probatórios em seus
originais se dá pela preservação da transparência e fidedignidade na
comprovação da aplicação dos recursos. A utilização de fotocópias fragiliza o
processo de acompanhamento da destinação dos recursos públicos e compromete a
lisura de que tais notas não foram utilizadas em outras prestações de contas.
Ainda que esta Corte de Contas admita em casos excepcionais o uso de fotocópias
(Prejulgado 15402 ) não se verificam nos autos razões para que sejam admitidas
no caso em tela.
Os
Recorrentes defendem-se alegando que os originais foram entregues à Secretaria
de Desenvolvimento Regional, porém não fazem prova do alegado, mas conforme já
mencionado ainda que as notas fiscais apresentada no presente processo fossem
originais, isto não seria suficiente para comprovar a aplicação dos recursos,
face a sua descrição genérica, desacompanhada de outros documentos para
corroborar o seu conteúdo e, também, pelo fato de o recebimento do serviço ser
posterior à prestação de contas.
Ademais,
qualquer recurso público repassado a uma pessoa física ou jurídica, deve ter
sua aplicação comprovada na forma estatuída. A pessoa deve se ater ao
cumprimento das normas vigentes, no que concerne à aplicação e forma de
prestação de contas dos recursos públicos recebidos.
Portanto
a alegação de que as prestações de contas foram entregues na SDR de Braço do
Norte e a Secretaria de Estado da Fazenda, não elide a responsabilidade dos
Recorrentes, visto que quem recebe recursos públicos deve prestar contas, de
acordo o § 1º do art. 144 da Lei Complementar (estadual) nº 381/2007.
Dessa forma, entende-se que as arguições apresentadas
pelos recorrentes não têm o condão de alterar as conclusões já firmadas na
decisão ora atacada, considerando-se indevida, portanto, a comprovação de
despesas com documentos fiscais fotocopiados.
2.4. Multa de 100% do valor do dano
O Sr. Valdino Backes insurgiu-se em face da multa de
100% sobre o valor do dano que lhe fora aplicada, arguindo que referida
penalidade consistiria em bis in idem
e afrontaria ao disposto no art. 109 do Regimento Interno dessa Corte de
Contas.
Inicialmente, deve-se registrar que a multa que restou
aplicada ao responsável está expressamente prevista no art. 68 da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000 – “quando o responsável for julgado em
débito, além do ressarcimento a que está obrigado, poderá ainda o Tribunal
aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor do dano causado ao erário” –,
não podendo, dessa forma, ser confundida com as hipóteses de aplicação de multas
estabelecidas pelo art. 109 do Regimento Interno dessa Corte de Contas,
mencionado pelo recorrente.
A fixação, in
casu, da multa em seu patamar máximo, restou devidamente justificada no
voto condutor da decisão recorrida, a saber (fl. 323 do processo originário):
Em vista de todo o exposto, com base no relatório da
DCE e no parecer do MPTC, proponho voto no sentido de: a) imputar o débito
solidariamente à entidade e ao seu representante legal, bem como à Sra. Neuseli
Junckes Costa; b) aplicar, com fundamento no art. 68 da Lei Complementar
Estadual n. 202/2000, multa proporcional ao dano ao representante legal da
entidade e à Sra. Neuseli Junckes Costa, em 100% do valor, fixada no patamar máximo tendo em vista todo o contexto de dolo,
fraude e malversação dos recursos públicos amplamente relatado no processo;
e c) declarar a entidade e o seu representante legal impedidos de receber novos
recursos do erário, conforme a Lei 16.292/2013 (grifei).
Por sua vez, a ausência de bis in idem na acumulação da imputação de débito com a multa
proporcional ao dano já é entendimento debatido e amplamente consolidado no
âmbito do Tribunal de Contas da União. Nesse sentido, o julgamento da Tomada de
Contas Especial n. 004.019/1999-7 resultou na prolação do seguinte enunciado:
“não há violação ao princípio do non
bis in idem na decisão do TCU que condena a ressarcir débito em
conjunto com a aplicação de multa, tendo em vista que essa possibilidade está
expressamente prevista no art. 19 da Lei 8.443/1992”.
Na mesma linha, extrai-se da doutrina que[3]:
A responsabilidade financeira submete-se aos princípios da legalidade,
da tipicidade aberta, da vedação ao “bis
in idem”, da irretroatividade da norma estatuidora da infração.
É admitida a cumulação entre a responsabilidade por débito
(reintegratória) e a responsabilidade por multa (sancionatória), sem que isso
implique em “bis in idem”.
Deve ser mantida sem reparos, portanto, a multa
proporcional ao dano que fora aplicada ao Sr. Valdino Backes pelo item 6.3.1 do
acórdão recorrido.
2.5. Considerações finais
Após a detida análise de todas as arguições
apresentadas na peça recursal, este órgão ministerial entende que inexistem razões para alterar os termos da decisão
recorrida, devendo ser mantida, sem reparos, a responsabilização que fora
imputada à pessoa jurídica Associação Comunitária Sagrado Coração de Jesus e ao
Sr. Valdino Backes, consoante o disposto abaixo.
1. Conclusão
Ante o exposto, o Ministério Público
de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da
Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do presente Recurso de Reconsideração e, no mérito,
pelo seu DESPROVIMENTO,
ratificando-se na íntegra os termos do Acórdão n. 0409/2017.
Florianópolis, 5 de outubro de 2018.
Cibelly Farias
Procuradora
[1] BANDEIRA, Michel de Oliveira. Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU). Ônus da prova nos processos de prestação de contas perante os tribunais de contas. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2590521.PDF.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 805.
[3] GOMES, Emerson Cesar da Sila. Responsabilidade Financeira: uma teoria sobre a responsabilidade no âmbito dos Tribunais de Contas. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-26092011093734/publico/ Responsabilidade_Financeira_Versao_Simplificada.pdf.