PARECER  nº:

MPC/AF/59786/2018

PROCESSO nº:

LCC 14/00629800    

ORIGEM     :

Autarquia de Segurança, Transito e Transportes de Criciúma

RESPONSÁVEL:

Adriano Boaroli

ASSUNTO    :

Análise de regularidade da Concorrência n° 22/2012 e do Contrato n° 21/2013, para implantação, operação, manutenção e gerenciamento do sistema rotativo no município de Criciúma.

Número Unificado: MPC-SC 2.1/2018.2349

 

1 - RELATÓRIO

Cuida-se de processo de análise de licitações e contratos relativo à Concorrência n° 22/2012 e ao Contrato n° 21/2013, por meio do qual a Autarquia de Segurança, Transporte e Trânsito de Criciúma – ASTC contratou a empresa BR Parking Estacionamentos Ltda para a prestação de serviços quanto à implantação de sistema rotativo de estacionamento nas vias públicas do Município.

O processo teve origem em comunicação feita pelo magistrado da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Criciúma, encaminhando petição de ação de improbidade administrativa formulada pelo Ministério Público Estadual, em que foram apontadas diversas irregularidades no âmbito da contratação em destaque.

Inicialmente, auditores da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC identificaram indícios de irregularidades na condução da licitação, pelo que sugeriram a citação dos respectivos responsáveis (fls. 41/52).

O Exmo. Relator determinou as citações (fl. 52).

Citados,[1] os responsáveis apresentaram alegações de defesa, como segue: Sr. Adriano Boaroli – fls. 57/66; Sr. Sílvio Pedro Petrelli – fls. 70/127; e Sr. Dárcio Vefago Dagostim – fls. 148/188.[2]

Posteriormente, a empresa BR Parking Estacionamentos Ltda apresentou as alegações e documentos de fls. 192/328.

Na reanálise dos autos, auditores do Tribunal recomendaram o julgamento de irregularidade da licitação e a necessidade de anulação do respectivo contrato, assim como aplicação de multas aos responsáveis (fls. 331/342).

Por meio do Parecer n° MPTC/40800/2016, manifestei-me pela necessidade de complemento da instrução, no sentido de obter documentos constantes de processo judicial sobre os mesmos fatos, a fim de evitar nulidade processual na utilização de prova indireta (fls. 344/350).

A sugestão ministerial foi acolhida pelo Exmo. Relator, com a consequente remessa de ofício ao juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Criciúma (fls. 352/354).

Em consequência, aportaram nos autos os documentos de fls. 355/1177, relativos às investigações realizadas pelo MPSC para subsidiar o ingresso da Ação Civil Pública n° 0008590-72.2014.8.24.0020.

À vista da documentação carreada, auditores do Tribunal reforçaram as constatações feitas no relatório precedente, sugerindo nova audiência dos responsáveis em respeito ao contraditório e à ampla defesa (fls. 1173/1185).

Determinada a realização do ato pelo Exmo. Relator, apenas a empresa contratada apresentou a manifestação de fls. 1201/1214, não tendo o Sr. Dárcio Vefago Dagostin se manifestado nos autos, apesar de regularmente citado por edital (fl. 1198).

Por derradeiro, auditores do Tribunal recomendaram declaração de ilegalidade da licitação e a necessidade de anulação do respectivo contrato, assim como aplicação de multas aos responsáveis (fls. 1218/1226).

Por derradeiro, vieram-me os autos.

 

2 - ANÁLISE

Levando em conta os fortes indícios de irregularidade delineados na petição inicial da ação de improbidade administrativa encaminhada a este Tribunal,[3] o Exmo. Conselheiro Presidente determinou ao gestor da ASTC o encaminhamento da documentação completa relativa à Concorrência n° 22/2012 (fl. 38).

À vista da documentação pertinente,[4] auditores do Tribunal identificaram, além da irregularidade central relativa ao direcionamento do certame (a qual será abordada mais adiante), três irregularidades adicionais no edital da referida licitação.

Especificamente quanto à irregularidade tratada no item 2.2 do Relatório n° DLC-91/2016,[5] ainda que o aviso de edital tenha sido publicado no Diário Oficial Eletrônico do Município e também no jornal de circulação regional “A Tribuna”,[6] não houve sua devida publicação no Diário Oficial do Estado, conforme prevê o art. 21, II, da Lei n° 8.666/93.[7]

A publicação no veículo de comunicação municipal não tem o condão de suprir a exigência legal, mormente considerando a maior abrangência da imprensa oficial do Estado, a qual reflete diretamente na competitividade do certame público.

Sobre a importância no cumprimento do referido dispositivo legal, justamente para se evitar a ocorrência de favorecimentos indevidos, o escólio do administrativista Joel de Menezes Niebuhr:[8]

 

Percebe-se que, consoante o inciso II do art. 21 da Lei n° 8666/93, os municípios devem publicar os avisos dos seus editais de licitação no Diário Oficial do respectivo Estado. Quer-se, com isso, evidentemente, fazer com que as licitações promovidas pelos municípios fiquem restritas a pessoas que atuam neles ou em pequenas regiões, o que favoreceria seu direcionamento. (Grifo meu)

 

Dessa feita, evidente o descumprimento do preceito legal em comento.

Relativamente ao item 2.3 do Relatório n° DLC-91/2016,[9] auditores da DLC sustentaram a ilegalidade da exigência estabelecida no subitem 3.1, g, do edital,[10] argumentando que a necessidade de atestado de participação de visita técnica extrapola o contido no art. 30, III, da Lei n° 8.666/93.[11]

Em razão disso, delinearam a seguinte irregularidade (fl. 341-v):

- exigência de documentação de habilitação técnica, atestado de participação de visita técnica a ser fornecido pela ASTC e agendado previamente, sem previsão legal, exigência que extrapola ao contido no inciso III, do artigo 30, da Lei n° 8.666/93, e coloca em risco a observância aos princípios arrolados no caput do artigo 3°, da Lei n° 8.666/93.

Divirjo da fundamentação adotada por auditores do Tribunal, embora entenda deva subsistir a irregularidade sob outra roupagem, pelas razões que seguem.

A exigência de visita técnica anterior à licitação não caracteriza, por si só, afronta ao art. 30, III, da Lei n° 8.666/93, pois o dispositivo legal não limita expressamente a comprovação da capacidade técnica à declaração da licitante acerca do conhecimento do objeto licitado.

Esse entendimento encontra eco no âmbito do Tribunal de Contas da União, que já teve oportunidade de sublinhar a possibilidade da exigência:[12]

 

11.1.3.1 A visita de vistoria tem por objetivo dar à Entidade a certeza e a comprovação de que todos os licitantes conhecem integralmente o objeto da licitação e, via de consequência, que suas propostas de preços possam refletir com exatidão a sua plena execução, evitando-se futuras alegações de desconhecimento das características dos bens licitados, resguardando a Entidade de possíveis inexecuções contratuais.

11.1.3.2. Portanto, a finalidade da introdução da fase de vistoria prévia no edital é propiciar ao proponente o exame, a conferência e a constatação prévia de todos os detalhes e características técnicas do objeto, para que o mesmo tome conhecimento de tudo aquilo que possa, de alguma forma, influir sobre o custo, preparação da proposta e execução do objeto.

 

Entretanto, a exigência de visita técnica prévia constitui hipótese excepcional, justificável apenas quando o objeto licitado possuir complexidade tal que a torne estritamente necessária, sob pena de acarretar ônus excessivo aos interessados que se encontrem em localidades distantes.[13]

Nesse sentido, o seguinte julgado do Tribunal de Contas da União:[14]

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que se aprecia monitoramento do item 9.4 do Acórdão nº 983/2008-TCU-Plenário.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em: [...]

9.7. determinar, ainda, à Setra/PE, com base no art. 43, I, da Lei nº 8.443/92, que, nas próximas licitações com recursos federais destinadas a obras rodoviárias, limite as exigências de habilitação dos licitantes aos termos preconizados nas normais federais pertinentes ao assunto, observando, em específico, o seguinte: [...]

9.7.5. abstenha-se de inserir em seus instrumentos convocatórios cláusulas impondo a obrigatoriedade de comparecimento ao local das obras quando, por sua limitação de tempo e em face da complexidade e extensão do objeto licitado, pouco acrescente acerca do conhecimento dos concorrentes sobre a obra/serviço, de maneira a preservar o que preconiza o art. 3ª caput, e § 1º, inciso I, da Lei 8.666/93, sendo suficiente a declaração do licitante de que conhece as condições locais para a execução do objeto. Para os casos onde haja a imprescindibilidade da visita, evite reunir os licitantes em data e horário marcados capaz de dar-lhes conhecimento prévio acerca do universo de concorrentes. (Grifo meu)

 

Sobre a necessidade estrita de justificação de visita técnica como requisito de habilitação, o voto proferido pelo Conselheiro Substituto Gerson dos Santos Sicca, posteriormente chancelado pelo Egrégio Tribunal Pleno:[15]

 

REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. ATESTADO. VISITA. MULTA.

A exigência de visita técnica como condição de pré-qualificação somente poderia ser admitida caso a complexidade do objeto exigisse o conhecimento prévio das circunstâncias locais referentes a uma determinada obra ou serviço, o que não é o caso dos autos.

[...]

Apreciando a exigência de visita técnica comprovada pelo órgão licitante, no caso em tela, considero que não passa de mero requisito formal e burocrático, pois não traz qualquer benefício ou garantia para avaliação da qualificação técnica do participante do certame e até mesmo para futura execução dos serviços de compensação previdenciária.

Para o objeto da licitação em comento, não há razão de que o licitante conheça as condições locais para o cumprimento das futuras obrigações contratuais, visto que os serviços relacionados à compensação previdenciária não exigem uma avaliação local, por se tratarem de procedimentos consabidos no mundo jurídico, mais especificamente aqueles que labutam no ramo do direito previdenciário.

Seria cabível a exigência de visita técnica, diferente do contexto do Pregão Presencial nº 064/2009, por exemplo, no caso de um serviço ou de uma obra onde exista um cenário com situações incomuns que não possam ser vislumbradas apenas pela leitura do ato convocatório, o que, no entanto, deve ter sua excepcionalidade devidamente comprovada.

Logo, como foi estabelecida a exigência de visita técnica no Pregão Presencial nº 064/2009 atinge o caráter competitivo que deve reger a licitação, dificultando e onerando a participação de empresas de locais distantes da sede do órgão licitante.

Por isso, entendo que a exigência de visita técnica no Pregão Presencial nº 064/2009 carece de justificativas, razão pela qual aplico a multa ao Responsável no percentual de 12% (dezesseis por cento) do valor constante do caput do art. 70 da Lei Complementar (Estadual) nº 202/2000, o que corresponde a R$ 600,00 (seiscentos reais), ficando observados os limites do inciso II do art. 109 do Regimento Interno deste Tribunal. (Grifos meus)

 

Em caso similar, manifestei-me pela arguição da irregularidade no edital analisado, justamente pela falta de justificativa da exigência:[16]

 

3.2 - Restrição para realização da visita técnica

O Edital de Concorrência exigiu atestado de visita técnica para comprovar a qualificação técnica (fl. 46).

Auditores do Tribunal constatam que a obrigatoriedade de visita técnica sem justificativas caracteriza exigência excessiva (fl. 299)

O art. 37, XXI, da Constituição assegura igualdade de condições entre os concorrentes e que só se permitirão as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Assim sendo, há motivo suficiente para arguir a referida irregularidade.

 

Considerando que, no caso em análise, o objeto contratado não impunha a estrita necessidade de visitação técnica, tanto que não foram apresentadas ao longo do procedimento licitatório justificativas neste sentido, propugno pela existência da irregularidade nos seguintes termos:

- exigência injustificada de documentação de habilitação técnica, consubstanciada em atestado de participação de visita técnica a ser fornecido pela ASTC com agendamento prévio, em violação ao previsto no art. 3°, caput, e art. 30, III, ambos da Lei n° 8.666/93.

No que tange ao item 2.4 do Relatório n° DLC-91/2016,[17] é cediço que a exigência de atestado de terceiro fabricante viola o caráter competitivo das licitações públicas, representando condição injustificada que não reflete garantia de cumprimento das obrigações advindas dos contratos visados.

Como bem obtemperou o procurador de contas Diogo Roberto Ringenberg,[18]qualquer declaração que envolva terceiro alheio à licitação configura-se como irregular, uma vez que na fase de habilitação não se há de solicitar dos licitantes qualquer prova, direta ou indiretamente, de propriedade de equipamentos, mas tão somente ‘declaração de disponibilidade’ ou declaração de que a empresa reúne condições de apresentá-los no momento oportuno”.

O Egrégio Tribunal Pleno recentemente teve oportunidade de reiterar esse entendimento, aplicando multa aos responsáveis pela irregularidade:[19]

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à representação encaminhada pela empresa Eletro Comercial Energiluz Ltda., contra a Prefeitura Municipal de São José, acerca de supostas irregularidades no edital de Concorrência n. 001/2010.

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Considerar irregular, com fundamento no artigo 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, a exigência para fins de qualificação técnica contida no item 9.3.5 do Edital de Concorrência n. 001/2010, de apresentação de “termo de compromisso” pelo proprietário, terceiro alheio ao certame, de que disponibilizará licença de uso de programa informatizado para a licitante proponente, por prejudicar o caráter competitivo do certame.

6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, em face da exigência para fins de qualificação técnica contida no item 9.3.5 do Edital de Concorrência n. 001/2010, de apresentação de “termo de compromisso” pelo proprietário, terceiro alheio ao certame, de que disponibilizará licença de uso de programa informatizado para a licitante proponente, por prejudicar o caráter competitivo do certame, em desacordo ao disposto no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, bem como nos arts. 3º, §1º e 30 da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.1.1 do Relatório DLC n. 760/2015), fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 1.136,52 (mil cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos) ao Sr. DJALMA VANDO BERGER, Prefeito Municipal de São José a época dos fatos, inscrito no CPF n. 436.678.729-68, e subscritor do Edital de Concorrência Pública n. 001/2010;

6.2.2. R$ 1.136,52 (mil cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos) ao Sr. PEDRO ROBERTO BARTUCHESKI, Presidente da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura Municipal de São José em 2010.

 

Destarte, a irregularidade merece ser objeto de sanção pecuniária.

Na esteira das irregularidades precedentes, auditores do Tribunal pugnaram por determinação de anulação da Concorrência n° 22/2012, em razão de restrição insanável consubstanciada no favorecimento ilegal conferido à empresa BR Parking Estacionamento Ltda durante o processo licitatório.

Sobre o ponto, a empresa contratada sustentou que inexistiu favorecimento ilícito mediante conluio com funcionários da Unidade Gestora.

Para sustentar o ponto, invocou-se o fato de que quatro outras empresas participaram do certamente, circunstância que demonstraria ter havido devida publicidade do procedimento licitatório.

Além disso, ponderou-se que a desclassificação das propostas das demais concorrentes decorreu do não atendimento de cláusulas objetivas do edital, sendo que o próprio diretor-presidente da ASTC teria anulado o certame administrativamente, retomando-se a disputa a partir das inabilitações somente após determinação judicial.

Ao arremate, destacou-se que a proposta da contratada era inclusive menos vantajosa à Administração do que o preço ofertado por outra concorrente (empresa Mega Park), que só não se sagrou vencedora pela sua inabilitação, fato que demonstraria a ausência de colusão para garantir a vitória da defendente (fls. 1202/1214).

O Sr. Dárcio Vefago Dagostin, então presidente da Comissão de Licitação, trouxe argumentos na mesma direção (fls. 149/152).

Em primeiro lugar, o fato de ter havido a participação de 4 outras empresas no certame licitatório, não exerce influência na avaliação da irregularidade em comento, que deve ser aferida à luz das provas e dos atos concretos que precederam à contratação sob análise.

Da mesma forma, a determinação judicial de continuidade da licitação não invalida o suposto favorecimento praticado, uma vez que a respectiva ação (MS n° 020.13.500251-6), visou tão somente garantir a continuidade do processo com a devida análise do respectivo recurso administrativo contra a inabilitação da empresa MegaPark, que não havia sido devidamente analisado pela Comissão de Licitação (fls. 297/305).

Quanto à determinação administrativa de anulação da concorrência, posteriormente revertida pelo Judiciário, tal circunstância tem o condão de influenciar na irregularidade em apreço, porém somente em relação ao diretor-presidente da ASTC à época, Sr. Adriano Boaroli, que demonstrou, com a realizado de tal ato, ausência de comprometimento com o esquema de favorecimento engendrado pelo presidente da Comissão de Licitação, Sr. Dárcio Vefago, que inclusive foi posteriormente afastado pelo gestor quando da retomada da licitação.

De outra banda, partindo das irregularidades acima analisadas, tanto na publicidade quanto nas exigências estabelecidas no edital em questão, a análise da sucessão de atos realizados na abertura e julgamento das propostas permite visualizar o favorecimento havido, sobretudo à vista dos elementos reunidos pelo MPSC no Procedimento Investigativo Criminal n° 06.2013.00014839-7.

Nese sentido, bastante ilustrativas as considerações lançadas pelo magistrado da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Criciúma, na sentença que julgou procedente a Ação Anulatória nº 020.13.014276-0, proposta pela empresa MegaPark, em que o referido juízo reconheceu o rigorismo excessivo da comissão de licitação na inabilitação da requerente, determinando a anulação de todos os atos do procedimento licitatório a partir da análise da habilitação dos interessados:[20]

 

No caso concreto, a autora provocou a Comissão Permanente de Licitação, mediante consulta, conforme folhas 78/86 do caderno 1 do objeto 1, recebendo como resposta “Da mesma forma, não há óbice que as quantidades previstas no edital sejam comprovadas por meio do somatório de atestados como define o Tribunal de Contas da União”, como se vê, mais precisamente, no segundo parágrafo a folha 174 do mesmo documento.

A autoria de fato apresentou dois atestados de capacidade técnica (folhas 130/131 do caderno 1 do objeto 1), das cidades de Biguaçu e Uruguaiana, em perfeita consonância com o que decidido pela Comissão de Licitação.

Assim, houve erro na decisão da Comissão em inabilitar a autoria por não ter apresentado atestado de capacidade técnica (folhas 791 do caderno 4 do objeto 1).

Não passou desapercebido a este juízo, quando da análise da íntegra do objeto 1, que a autoria não fez a juntada do atestado técnico emitido pelo município de Uruguaiana quando da entrega da documentação de habilitação (folhas 683/790). Juntou o atestado do Município de Biguaçu e o contrato firmado com o Município de Uruguaiana.

Todavia, o atestado relativo ao município de Uruguaiana havia sido apresentado em momento anterior (quando da consulta formulada), sendo de pleno conhecimento da Comissão de Licitação.

Ora, estando o documento no caderno do processo licitatório, configura rigorismo excessivo a obrigação de nova juntada do documento já existente, apenas para que fique junto com os demais documentos apresentados.

Deveria ter sido conhecido o documento previamente acostado ao processo de licitação, mesmo porque o formalismo exacerbado não pode ser óbice ao conhecimento de proposta formulada por licitante, uma vez que quanto mais propostas forem analisadas, melhor será para a administração pública, que terá maior probabilidade de receber uma oferta que lhe seja mais vantajosa.

[...]

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado pela empresa MegaPark Estacionamento Ltda EPP em face da Autarquia de Segurança, Trânsito e Transporte de Criciúma (ASTC) e de BR Parking Estacionamentos Ltda. e em consequência:

I) anulo todos os atos do procedimento licitatório regido pelo Edital n. 22/12 da ASTC a partir da análise da habilitação dos interessados em participar do certame, [...]. (Grifo meu)

 

A sobredita decisão judicial, que ainda se encontra pendente de análise recursal, expressamente detectou o rigorismo excessivo da Comissão de Licitação na inabilitação da empresa MegaPark, justamente a empresa cuja proposta, acaso habilitada, teria sobrepujado o preço ofertado pela contratada.

Também não se pode perder de vista o fato que motivou o ingresso da referida ação judicial, qual seja: o imediato julgamento pela Comissão da proposta classificada logo após a inabilitação das demais licitantes, não permitindo a estas o devido exercício do direito de recorrer da inabilitação, conforme reconhecido nos autos do Mandado de Segurança n° 020.13.500251-6, impetrado à época pela própria contratada contra a decisão de anulação da concorrência (fls. 297/300).

Todos estes atos se deram no âmbito da Comissão de Licitação sob a presidência do Sr. Dárcio Vefago, que também figurou como única autoridade signatária do Edital da Concorrência n° 22/2012,[21] cujo teor apresentou as irregularidades acima tratadas.

Na esteira dessas circunstâncias é que o procedimento investigativo encaminhado pelo MPSC ganha relevo.

Com efeito, no termo de declaração prestado pelo Sr. Dárcio Vefago em novembro de 2013, o acusado expressamente admitiu ter se sentido na “obrigação de retribuir” a empresa contratada, em virtude de auxílios prestados na sua campanha eleitoral para vereador de Criciúma (fls. 379/380).

Já no Termo de Interrogatório prestado poucos dias depois, o responsável reconheceu sua voz em gravações telefônicas interceptadas pelo MPSC, expressamente admitindo o favorecimento praticado em benefício da empresa contratada (fls. 392/396):

 

[...] que admite o depoente que LUIZ FERNANDO DAS DORES entrou em contato telefônico e que pelo teor do diálogo, ficou nervoso; que admite que o contato ocorrido no domingo à noite, véspera da abertura dos envelopes, não era correto; que admite que passou algumas orientações para os representantes da empresa BR parking; que acredita o depoente que existe um vício no processo licitatório, mais especificamente no que toca a Carta de Compromisso do Fornecedor do Equipamento, “dizendo mais ou menos isso: se a empresa A foi a vencedora da licitação, nós garantimos o fornecimento do equipamento”, que a empresa CERTEL, por conta disso, foi inabilitada; [...] que o depoente reconhece que em várias oportunidades pediu dinheiro para a BR PARKING, seja através de ALÉCIO, seja diretamente com RAFAELLE; [...] apresentado o áudio extra´[ido do terminal (48) 9169-6413, dia 03/10/2013 às 08:51:19, reconhece como sua a voz constante do diálogo, bem como o conteúdo da conversação que teve com ALÉCIO; que o depoente reconhece que fez de tudo para auxiliar a empresa BR PARKING como por exemplo, orientação, facilitando algum tipo de informação, bem como de procedimento; que o depoente facilitou a BR PARKING no sentido de trocar os envelopes contendo a proposta da referida empresa com o objetivo de vencer; que já circulava entre as empresas os valores que eles iam apresentar, mas mesmo assim foi necessário que a BR PARKING trocasse seu envelope para vencer; que o depoente antes da abertura dos envelopes já tinha conhecimento dos valores que seriam inseridos na proposta da empresa REK; [...]; que o depoente reconhece que errou e que tentou inclusive reparar esse erro expedindo memorando solicitando a suspensão do ato por conta da abertura prematura das propostas, sem que garantisse prazo para recurso das empresas inabilitadas; informa o depoente que se comportou dessa maneira porque estava desesperado, isto é, porque estava com sérios problemas financeiros [...]. (Grifos meus)

 

Tais elementos, aliados a todo o conjunto de diálogos interceptados constantes do PIC de fls. 357/800, cujos trechos deixo de transcrever em função da natureza sigilosa das informações, evidenciam a conduta ilícita do Sr. Dárcio Vefago, não deixando margem a dúvidas sobre a usurpação do art. 3° da Lei n° 8666/93, na tentativa de condução do certame de maneira ilícita.

Neste passo, iniludível a necessidade de penalização do agente pelo favorecimento ilegal da empresa BR Parking Estacionamentos Ltda, devendo a sanção pecuniária ser aplicada no patamar máximo previsto no âmbito do Tribunal de Contas, em função da gravidade da restrição em comento.

De outro lado, não se revela adequada a punição concomitante do Sr. Sílvio Pedro Ferreli, por não ter subscrito o edital da concorrência, tampouco aparecido em conversas comprometedoras nas escutas coligidas pelo MPSC.

Quanto à providência sugerida por auditores da DLC acerca da declaração de nulidade da licitação e dos atos subsequentes, ressalto que o contrato decorrente da Concorrência Pública n° 22/2012, originalmente previsto para vigorar até 2023, encontra-se suspenso desde outubro de 2015 por decisão judicial.[22]

Por oportuno, destaco ainda que a Ação Civil Pública n° 0008590-72.2014.8.24.0020, que trata dos mesmos fatos perante a 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Criciúma, ainda se encontra pendente de julgamento, conforme consulta processual realizada no sítio do TJSC.[23]

O mesmo ocorre com a Ação Penal n° 0010940-33.2014.8.24.0020, que tramita perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Criciúma, justificando a ciência dos respectivos juízos quanto à decisão a ser tomada neste processo, no intuito de subsidiar a prestação jurisdicional.

 

3 – CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar n° 202/2000, manifesta-se pelo ADOÇÃO da solução proposta por meio do Relatório n° DLC-136/2016, salvo no tocante à redação da irregularidade descrita no item 3.1.3, nos termos deste parecer, sugerindo-se adicionalmente dar ciência da decisão à 2ª Vara Criminal da Comarca de Criciúma, considerando a existência da Ação Penal n° 0010940-33.2014.8.24.0020.[24]

Florianópolis, 29 de outubro de 2018.

 

ADERSON FLORES

Procurador de Contas



[1] Fls. 56 e 69.

[2] O Sr. Dárcio foi citado por meio de edital, após tentativas frustradas via AR (fl. 136).

[3] Fls. 4/35.

[4] Fls. 39/40 – CD encaminhado pela Unidade Gestora.

[5] 2.2 - Ausência de comprovação da publicação do Aviso do Edital no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação, em desrespeito ao disposto no art. 21, II e III, da Lei n° 8.666/93, e ao princípio da publicidade, insculpido no art. 37, caput, da Constituição.

[6] Fls. 66 e 103 do CD (fl. 40).

[7] Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: [...] II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal quando se tratar, respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal; [...]

[8] NIEBURH, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo, 2 ª ed. Fórum: Belo Horizonte, 2011. p. 307.

[9] 2.3. Exigência injustificada de documentação de habilitação técnica, consubstanciada em atestado de participação de visita técnica a ser fornecido pela ASTC com agendamento prévio, em violação ao previsto no art. 3°, caput e art. 30, III, ambos da Lei n° 8.666/93.

[10] Fl. 10 do CD.

[11] Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: I - registro ou inscrição na entidade profissional competente; II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; III -comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso. (Grifei)

[12] Tribunal de Contas da União. Processo n° TC-023.890/2010-0. Acórdão n° 4968/2011. 2ª Câmara. Relator: Ministro Raimundo Carreiro. Sessão: 12-7-2011. Trecho extraído do relatório elaborado por auditores do TCU, cuja orientação foi adotada pelo relator, no ponto.

[13] Nesse sentido, conferido o artigo de Kelly Arruda, disponível em: <http://www.zenite.blog.br/visita-tecnica-ponderacoes-do-tcu/#.VvmCb-IrKM8>. Acesso em: 28-3-2016.

[14] Tribunal de Contas da União. Processo n° TC-008.642/2008-5. Acórdão n° 2150/2008. Plenário. Relator: Ministro Valmir Campelo. Sessão: 1°-10-2008.

[15] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REP 09/00486791. Relator: Conselheiro Substituto Gerson dos Santos Sicca. Voto sem número. Data: 11-8-2010.

[16] Tribunal de Contas do Estado de Sant Catarina. Processo nº REP-15/00234050. Parecer n° MPTC-35684/2015. Data: 17-7-2015.

[17] 2.4. Exigência injustificada de documentação de habilitação técnica, consubstanciada em carta de compromisso do fabricante dos equipamentos, em desrespeito aos limites previstos no art. 30 da Lei n° 8.666/93 e ao art. 3°, § 1°, I, do referido normativo.

[18] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REP-13/00746243. Parecer n° MPTC-35256/2015. Data: 30-6-2015.

[19] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REP-13/00746243. Relator: Conselheiro Herneus de Nadal. Acórdão n° 542/2015. Sessão: 12-8-2015.

[20] Disponível em: <https://www.tjsc.jus.br/consulta-comarcas>. Acesso em: 25-10-2018.

[21] Fl. 22 do CD.

[22] Ação Civil Pública n° 0008590-72.2014.8.24.0020.

[23] Disponível em: <https://www.tjsc.jus.br/consulta-comarcas>. Acesso em: 25-10-2018.

[24] O juízo em que tramita a respectiva ação civil pública já se encontra devidamente referido no item 3.4 do Relatório n° DLC-136/2017.