PARECER nº:

MPC/CF/61525/2018

PROCESSO nº:

PCR 14/00062907    

ORIGEM:

Fundo de Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

NE 2182 (R$ 20.000,00), de 01/12/11, repassados à Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades - OFCOM - Projeto: Música na Comunidade

 

 

 

Número Unificado: MPC-SC 2.2/2018.2991

 

 

Tratam os autos de prestação de contas da Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades - OFCOM, relativa a recursos oriundos do FUNDOSOCIAL, repassados sob a rubrica Subvenções Sociais, para a realização do Projeto “Música na Comunidade”, conforme plano de aplicação de fl. 23.

A transferência de recursos financeiros ocorreu por meio da seguinte nota de empenho (fl. 42):

Quadro 1 – Empenhamento da despesa

Empenho no

Data

Natureza da Despesa

Fonte

Valor (R$)

2011NE002182

01/12/2011

33.50.43.02

261

20.000,00

Em 10/04/2012 a Diretoria de Gestão do FUNDOSOCIAL encaminhou e-mail à entidade informando o atraso na apresentação da prestação de contas (fl. 45)

Por intermédio do documento acostado à fl. 48 dos autos, foi protocolada na data de 10/12/2012 a prestação de contas do recurso público repassado (fls. 48-91).

Em reanálise de prestação de contas realizada pela Diretoria de Gestão do FUNDOSOCIAL, constatou-se as irregularidades descritas no documento de fl. 92.

A Gerência de Controle do FUNDOSOCIAL encaminhou ofício de comunicação ao Presidente da Entidade (fl. 93), mas tal documento foi devolvido pelos Correios pelo motivo “desconhecido” (fl. 102).

À fl. 98 consta o parecer emitido pela Diretoria de Gestão do FUNDOSOCIAL.

Por sua vez o Dirigente de Controle Interno da Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos Desvinculados em seu parecer de fl. 101, concluiu pela reprovação da prestação de contas por não comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos, constando inclusive a ausência de verificação in loco do atendimento das finalidades para as quais os recursos foram repassados; sugerindo, ao final, o encaminhando dos autos ao Tribunal de Contas, conforme disposto no §3º do art. 48 da Instrução Normativa Nº TC 14/2012.

Vieram os autos, ocasião em que se emitiu o Relatório de Instrução DCE/CORA/Div.3 nº 191/2018, de fls. 117-136v, sugerindo a responsabilidade do ordenador primário, da entidade e seu representante legal.

Juntou-se aos autos o documento de fls. 137-175, referente à Ata da 13a reunião do Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL, realizado em 12/12/2011.

O Relator acatou em parte a sugestão do Corpo Técnico e determinou a citação dos responsáveis; porém, em relação ao Sr. Celso Antônio Calcagnotto, afastou as irregularidades destacadas nos subitens 2.1.1, 2.1.2 e 2.1.3 do Relatório de Instrução e, por conseguinte, a responsabilidade solidária do mesmo, mantendo as demais restrições elencadas naquele relatório (fls. 177-181).

As citações foram encaminhadas observando o despacho do Relator, conforme ofícios abaixo relacionados.

Devidamente citado, conforme Ofício nº 12.026/2018 (de 01/08/2018, fl. 182) e comprovante de recebimento de ofício de fl. 207, o Sr. Celso Antônio Calcagnotto apresentou suas alegações de defesa de fls. 186-197, juntando o documento de fl. 199, na data de 17/08/2018 (fl. 185).

Devidamente citado, conforme Ofício nº 12.027/2018 (de 01/08/2018, fl. 183) e comprovante de recebimento de ofício de fl. 183v, o Sr. Ubiratan Seixas de Amorim apresentou suas alegações de defesa de fls. 211-214, na data de 05/11/2018 (fl. 210), portanto após o prazo referido à fl. 204.

Apesar de devidamente citada, conforme Ofício nº 12.028/2018 (de 01/08/2018, fl. 184) e comprovante de recebimento de ofício de fl. 184v, o Representante Legal da Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades - OFCOM não apresentou defesa (Informação SEG 468/2018, fl. 209).

Retornaram os autos. A área técnica, no Relatório de Reinstrução TCE/DCE Nº 455/2018 (fls. 216 à 223v), para, ao fim, sugerir que sejam julgadas irregulares, com imputação de débito, as contas de recursos repassados pelo FUNDOSOCIAL à ASSOCIAÇÃO ORQUESTRA FILARMÔNICA DAS COMUNIDADES – OFCOM, determinando ainda a responsabilidade solidária dos responsáveis, sr. Ubiratan Seixas de Amorim e ASSOCIAÇÃO ORQUESTRA FILARMÔNICA DAS COMUNIDADES – OFCOM, além da aplicação de multa aos srs. Ubiratan Seixas de Amorim e Celso Antônio Calgagnotto, conforme previsão do art. 70, inciso II da Lei Complementar nº 202/2000, tudo consoante o descrito na conclusão do relatório técnico em comento.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos recursos repassados em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso II, da Constituição Estadual; art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Antes da análise pormenorizada das irregularidades, cabe destacar que, conforme informa o relatório técnico, à fl. 217, a Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades – OFCOM, apesar de devidamente citada, não apresentou resposta, razão pela qual aplica-se o disposto no art. 15, § 2º, da Lei Complementar 202/2000 e art. 17, § 6º do Regimento Interno dessa Corte, tornando revel o responsável que não atender à citação, dando-se seguimento ao processo, restando ratificados os apontamentos de irregularidades relativas à prestação de contas, já apontadas no Relatório 191/2018 (fls. 124v-131).

Passo, assim, à análise das irregularidades apontadas pela instrução, em face das alegações de defesa.

1.    Irregularidades de responsabilidade do concedente

A Diretoria de Controle da Administração Estadual identificou diversas irregularidades relativas ao processo de concessão e de acompanhamento da aplicação dos recursos em comento, todas de responsabilidade do Sr. Celso Antônio Calcagnotto, Secretário Executivo de Supervisão de Recursos Desvinculados e ordenador de despesas do FUNDOSOCIAL, tendo em vista que ele aprovou/homologou o repasse ao arrepio dos requisitos e procedimentos determinados na legislação aplicável e, após a concessão desses recursos, não zelou pela tempestiva apresentação de prestação de contas de sua aplicação.

A responsabilidade do referido gestor está delineada no art. 137 da Lei Complementar Estadual n. 381/2007, que é extremamente claro ao definir a responsabilidade do ordenador de despesas pelos prejuízos que cause à Fazenda Pública.

Esse também é o entendimento historicamente adotado pelo Tribunal de Contas da União, que pacificamente reconhece a responsabilidade dos ordenadores de despesas sobre operações financeiras indevidas e a sua inescusável obrigação - poder/dever - de verificação da regularidade de todas as despesas que são ordenadas (Acórdão TCU n. 661/2002); a fixação da responsabilidade solidária do ordenador de despesas diante da existência de danos ao erário (Acórdão TCU n. 7370/2009); e o ônus do ordenador de despesas de comprovar que não é responsável pelas infrações que lhe são imputadas, na linha da deliberação do Supremo Tribunal Federal nos autos do MS n. 20.335/DF (recente Acórdão TCU n. 7869/2016).

Perceba-se que não é outro o entendimento no âmbito dessa Corte de Contas Catarinense, conforme restou registrado no Prejulgado n. 1533, que expressamente consignou que o ordenador de despesas responde pelos atos e fatos praticados em sua gestão.

Além disso, sua responsabilização é reforçada pelo fato que lhe competia, enquanto superior hierárquico de toda a estrutura administrativa responsável pela análise e deferimento/concessão dos recursos do Fundo em comento, exercer as funções de supervisão, fiscalização, controle e revisão em relação a todos os seus subordinados, de forma que ele incorre, ainda, nas chamadas culpa in eligendo e culpa in vigilando, conforme entendimento historicamente consolidado no Tribunal de Contas da União.

Em relação às irregularidades identificadas no processo de concessão e de acompanhamento da aplicação dos recursos em comento, o responsável foi citado acerca: (1) da ausência de parecer fundamentado de análise do pedido formulado pela entidade; (2) da ausência de manifestação do Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL para liberação dos recursos; (3) da ausência de fiscalização e acompanhamento da execução do projeto e (4) do descumprimento do prazo máximo regulamentar para a adoção de providências administrativas para a cobrança da prestação de contas.

Note-se que tanto o parecer fundamentado de análise do pedido formulado pela entidade, quanto a manifestação do Conselho Deliberativo do FUNDODOCIAL e a formalização de ajuste entre as partes são documentos expressamente previstos nas normativas legais e regulamentares aplicáveis como indispensáveis à concessão de recursos do FUNDOSOCIAL a particulares, configurando suas ausências, portanto, em irregularidades graves que comprometem a lisura do processo de repasse dos recursos.

A propósito, o recente Acórdão n. 2154/2017 dessa Corte de Contas aplicou multas ao gestor responsável pelo FUNDOSOCIAL à época em face de referidas irregularidades[1], identificadas em processo de concessão de subvenção social similar ao presente, in verbis:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.3. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000: [...]

6.3.3. ao Sr. ABEL GUILHERME DA CUNHA, inscrito no CPF sob o n. 223.371.489-04, ordenador primário do FUNDOSOCIAL (de 02/02/2007 a 03/01/2011), as seguintes multas:

6.3.3.1. R$ 1.136,52 (mil cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos), em face de ordenar o repasse da subvenção social com inobservância de normas legais e sem que estivesse presente a emissão de parecer fundamentado de análise do pedido formulado pela entidade, descumprindo as exigências dos arts. 3º da Lei (estadual) n. 5.867/1981, 1º, 2º, § 1º e 5º da Lei (estadual) n. 13.334/2005 e 21 do Decreto (estadual) n. 2.977/2005, bem como contrariando os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da impessoalidade previstos nos arts. 37, caput da Constituição Federal e 16, caput e § 5º, da Constituição Estadual, inclusive da motivação dos atos administrativos (subitem 2.1.1.1 do Relatório DCE n. 0218/2016);

6.3.3.2. R$ 1.136,52 (um mil cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos), em face de ordenar o repasse da subvenção social mesmo ausente a manifestação do Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL, em desacordo com os princípios da legalidade e da motivação dos atos administrativos, desrespeitando os arts. 37, caput, da Constituição Federal, 16, caput e § 5º, da Constituição Estadual, e 7º e 8º, inciso III, do Decreto (estadual) n. 2.977/2005, que regulamenta a Lei n. 13.334/2005 (item 2.1.1.2 do Relatório DCE);

6.3.3.3. R$ 1.136,52 (um mil cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos), em face de ordenar o repasse da subvenção social mesmo ausente a formalização do contrato ou ajuste entre as partes, descumprindo os arts. 60 e 61, c/c os arts. 116, caput, da Lei n. 8.666/1993, 120 e 130 da Lei Complementar (estadual) n. 381/2007 e 2º da Lei (estadual) n. 5.867/1981 (item 2.1.1.3 do Relatório DCE n. 0218/2016); (grifei).

No mesmo sentido, essa Corte de Contas também entende pela aplicação de multas ao gestor que deixou de adotar ou tardou na adoção das providências administrativas para cobrança da prestação de contas que deveria ter sido apresentada por particular, conforme se extrai, por exemplo, dos Acórdãos n. 0558/2014 e n. 0548/2015, também proferidos no âmbito do próprio FUNDOSOCIAL.

Nas alegações de defesa de fls. 186-197, o Sr. Celso Antônio Calcagnotto contestou as irregularidades assinaladas pela área técnica, alegando, em síntese, que não era o responsável pela fiscalização da execução do projeto, função esta que caberia a outra pessoa, em razão de exercer ele “cargo de macrogestão e revisão geral dos procedimentos de controle do órgão” (fl. 188), afirmando também que não cabia a ele “analisar processo por processo, folha por folha, se os requisitos estavam ou não preenchidos, tampouco fiscalizar e acompanhar o projeto beneficiado” (fl. 189).

Em outra frente, como relata a área técnica, assim alegou o defendente, in verbis (fl. 217v):

O recorrente também suscitou que o exercício do controle das contas, ainda que tardio, foi devidamente exercido. Acrescentou que isso bastava (fl. 191). Aduziu que o atraso relatado no que toca a instauração da Tomada de Contas Especial não causou prejuízo aos cofres públicos, que podem ser ressarcidos a qualquer tempo, se fosse o caso, assim como, tampouco se fazia necessário a sanção ao agente público, sob pena de enriquecimento ilícito.

Ainda discorreu sobre os princípios e arguiu que se tivesse tomado conhecimento dos fatos certamente teria agido imediatamente para determinar a prestação de contas ou instauração da Tomada de Contas Especial, argumentando que foi o que efetivamente ocorreu, conforme fl. 03. Alegou que não houve dolo ou culpa no caso apresentado.

Em que pesem as justificativas apresentadas pelo responsável, entendo que não têm elas qualquer efeito no sentido de afastar sua responsabilização pela irregularidade verificada.

É imprescindível atentar para o fato de que praticamente a totalidade dos gestores e ordenadores primários de despesas, ao serem perquiridos por esta Corte de Contas, valem-se basicamente na mesma base argumentativa: a impossibilidade de se responsabilizar o agente público que exerce o cargo máximo em órgão ou entidade sob a justificativa de que não se poderia exigir conhecimento de todos os atos, fatos e processos em trâmite na respectiva Unidade.

Ocorre que este órgão ministerial vem reiteradamente se manifestando contrariamente a tal tese, encontrando eco junto às áreas técnicas do Tribunal de Contas, e em boa medida, junto aos relatores e Conselheiros, de modo que há rol significativo de decisões nesta esfera que entendem que os gestores detêm, sim, responsabilidade pelos atos irregulares praticados sob sua hierarquia.

Nesse sentido, o exercício da hierarquia e da autotutela não é mera faculdade do administrador, mas verdadeiro poder-dever inerente ao cargo de chefia que ocupa. É um ônus que lhe incumbe cumprir, na qualidade de agente público.

Essa responsabilidade decorre, também, das chamadas culpa in eligendo e culpa in vigilando, significando esta a ausência de fiscalização das atividades de seus subordinados, ou dos bens e valores sujeitos a esses agentes, ao passo que aquela representa a responsabilidade atribuída a quem deu causa à má escolha de seu representante ou preposto.

Adicione-se a isso, ainda, o fato de que, nas relações regidas pelo Direito Administrativo, o princípio da legalidade ganha contornos mais rígidos do que aqueles aplicáveis às relações privadas. Dessa forma, cabe ao administrador público cumprir fielmente aquilo que está expressamente previsto em lei, configurando-se as leis administrativas, portanto, como verdadeiros “poderes-deveres” dos agentes públicos. Tendo sido omisso no cumprimento dessa inescusável obrigação, portanto, deve ser responsabilizado.

Acerca da problemática da omissão dos gestores no cumprimento de suas obrigações funcionais[2], podemos pontuar, ainda, que:

A natureza funcional da competência pública acarreta a vedação à omissão. Tendo sido consagrado como obrigatório o atingimento de certo fim, inclusive ao ponto de ser dedicada uma competência estatal para tanto, é imperiosa a sua efetiva concretização. Como decorrência, a omissão em sua promoção configura infração à ordem jurídica.

Infringe-se a ordem jurídica não apenas quando se utiliza a competência para a realização de uma finalidade distinta daquela para a qual foi outorgada a competência. Também há antijuridicidade quando não se promove, por omissão, a finalidade protegida. Para o direito público, a omissão é equivalente à ação direcionada a realizar fim distinto daquele por ele prestigiado. (Grifei).

Neste contexto, examine-se a explanação do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello sobre a classificação dos agentes públicos[3]:

Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes os que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores.

O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um munus público. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto, candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade.

Ainda neste sentido, o mesmo autor, ao debater a questão da responsabilidade do Estado e quais os sujeitos cuja atuação pode comprometer o Estado, ensina[4]:

Quem são as pessoas suscetíveis de serem consideradas agentes públicos, cujos comportamentos, portanto, ensejam engajamento da responsabilidade do Estado? São todas aquelas que – em qualquer nível de escalão – tomam decisões ou realizam atividades da alçada do Estado, prepostas que estão ao desempenho de um mister público (jurídico ou material), isto é, havido pelo Estado como pertinente a si próprio.

Nesta qualidade ingressam desde as mais altas autoridades até os mais modestos trabalhadores que atuam pelo aparelho estatal.

[...]

Indicadas as pessoas cuja conduta compromete a responsabilidade do Estado, cumpre verificar quando esta condição subjetiva tem o relevo necessário para desencadear tal comprometimento. Sendo certo que a pessoa também atua em situação totalmente alheia à qualidade de agente, importa fixar o que se reputará necessário para configurar atuação (ou omissão indevida) imputável à qualidade jurídica de “agente do Estado”.

Conforme a doutrina colacionada acima, o Secretário enquadra-se na qualidade de agente político, cujos atos e omissões repercutem e refletem diretamente nos destinos da sociedade. Neste sentido, tem ele responsabilidade tanto direta quanto indiretamente sobre atos de sua Administração, as quais advém das já mencionadas culpa in eligendo e culpa in vigilando, as quais traduzem a responsabilidade que os agentes hierarquicamente superiores têm relativamente àqueles por eles conduzidos a cargos subordinados, seja pela própria condução ou pela fiscalização de seu regular cumprimento das funções.

No mesmo sentido, a Diretoria de Controle da Administração Estadual apontou (fl. 185) que a Lei Estadual n. 13.334/2005 “é cristalina quanto a responsabilidade imputada ao concedente pelo controle, fiscalização e acompanhamento dos resultados da execução do projeto proposto”. Nesse sentido, a área técnica apresentou o seguinte questionamento retórico: se uma das premissas do princípio da eficiência é o controle de resultado, como avaliar seu atingimento sem a adequada fiscalização e o devido acompanhamento da execução do projeto?

Inclusive, afigura-se essencial repisar a crítica aduzida pela área técnica quanto à flagrante e contínua omissão no que diz respeito ao controle mínimo da execução de projetos beneficiados por repasses de recursos públicos (fls. 185v-186):

Aliás, convém mencionar que em nenhum dos processos em trâmite neste TCE constatou-se a ocorrência de fiscalização do objeto, ou seja, os recursos eram simplesmente repassados sem qualquer tipo de acompanhamento, sendo, inclusive, apontadas em diversos relatórios desta Diretoria de Controle. Neste sentido, destaca-se que somente no ano de 2011 foram repassados pelo FUNDOSOCIAL o montante de R$ 38.676.442,45 (trinta e oito milhões, seiscentos e setenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e dois reais e quarenta e cinco centavos), sem que qualquer medida de acompanhamento a respeito da utilização destes recursos tenha sido adotada.

A propósito, incumbe ao administrador público empregar, no exercício de suas funções, cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios. Se o Gestor público cuida de seus bens com zelo e acuidade, com maior razão deverá gerenciar a coisa pública, a qual está sobre a sua guarda e vigilância, de modo a atingir o interesse público de forma eficiente e eficaz.

Diante do exposto, entendo pela manutenção da responsabilidade do Sr. Celso Antônio Calcagnotto, com a consequente aplicação da penalidade de multa prevista no art. 70, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

2.     Irregularidades na prestação de contas

Conforme será analisado a seguir, a Diretoria de Controle da Administração Estadual apurou uma série de irregularidades na prestação de contas objeto destes autos. A responsabilidade pelas falhas na aplicação dos recursos e respectiva prestação de contas, com a consequente obrigação de ressarcimento ao erário, por sua vez, é atribuída à entidade recebedora dos recursos e ao seu representante legal, em desacordo aos princípios da impessoalidade e da moralidade, insculpidos nos arts. 37, caput, da CF/1988 e 16, caput, da Constituição Estadual/1989, ao art. 58, parágrafo único, da Constituição Estadual/1989, ao art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 381/2007, ao art. 93 Decreto-Lei nº 200/1967, aos itens 8.8.2 e 10 da Deliberação nº 037/2011 do Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL e aos arts. 49, 52, caput e incisos e II e III, e 60, II, da Resolução no TC-16/1994.

Como visto, a Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades – OFCOM deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação de manifestação em face das irregularidades que lhe foram imputadas, de modo que se passará, na sequência, à análise das irregularidades identificadas na prestação de contas e das justificativas e documentos apresentados pelo Sr. Ubiratan Seixas de Amorim, então presidente de referida entidade.

 

2.1. Das irregularidades de responsabilidade do Sr. Ubiratan Seixas de Amorim (fls. 211-214)

A Diretoria de Controle da Administração Estadual concluiu pela ausência de comprovação material da efetiva realização do projeto proposto, da destinação dos serviços e de outros elementos de suporte que evidenciem a boa e regular aplicação dos recursos públicos repassados, bem como pela irregular movimentação de recursos em conta corrente não individualizada e vinculada ao projeto, bem como de emissão de cheques não cruzados e pelo encaminhamento da prestação de contas com 345 (trezentos e quarenta e cinco) dias de atraso.

Em suas alegações de defesa, o Sr. Ubiratan Seixas de Amorim, depois de apresentar um histórico da criação da Associação, informa, em suma que:

“As fotos enviadas na prestação de contas foram para mostrar a existência dessa união entre a Orquestra Sinfônica das Comunidades que passaria a atender somente crianças e da nova realidade com a Orquestra Filarmônica das Comunidades que atenderia exclusivamente os adultos, porém, cometemos o equívoco de não mencionar esta nova realidade, o que acontecia com aulas de música, tanto que prestei contas e desta esta forma, compreendi que tudo estava regular e normal, pois que apresentei todas as notas e cheques relativos a execução deste projeto. (...) Tudo o que foi feito está demonstrado nas notas e cheques devidamente comprovados e juntados ao Processo. Se existem erros de forma ou porque não se preencheu um formulário conforme se indica agora, não significa que pratiquei qualquer ato lesivo ao erário público ou a boa administração. (...) A prestação de contas está feita e com todos os dados corretas e na forma apresentada”.

Ora, tais argumentos são insuficientes para afastar a responsabilidade atribuída ao então presidente da entidade. Senão vejamos: o Relatório de Instrução TCE/DCE nº 191/2018 (fls. 117-136v) fez transparecer que as fotos apresentadas são, em verdade, do projeto distinto, como repisou a área técnica na reinstrução, às fls. 220 e 220v, litteris:

Contudo, conforme exposto no relatório de instrução, “Embora a entidade OFCOM refere-se a orquestra filarmônica, as evidências demonstrarm tratar-se do mesmo projeto da `orquestra sinfônica`” (fl. 125), o que foi concluído por meio das análises das fotografias apresentadas pela entidade e das fotografias apresentadas pelo Sr. André em processo diverso.

Ora, se o recurso foi repassado para a Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades – OFCOM (NE 2182, fl. 42), para o projeto “ MÚSICA NA COMUNIDADE” (fl. 23), não se justifica o emprego do recurso público em diversa atração musical.

De fato, é o que se constata da observação das imagens acostadas às fls. 83, 84, bem como as reproduzidas às fls. 125v, 127v e 128v do presente processo. Na defesa apresentada, não foram aportadas novas imagens que venham comprovar a execução física do projeto proposto. Tal fato reforça a tese levantada pela instrução técnica de tratar-se a OFCOM de entidade “laranja”, coordenada pelo sr. André Calibrina, como extrai-se do seguinte excerto, in verbis (fls 220v e 221):

Tudo leva a crer, notadamente porque não restou esclarecido na defesa, que a Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades – OFCOM, realmente é uma entidade “laranja” coordenada pelo Sr. André Calibrina. E, repisa-se, desta forma se entende porque não há comprovação nos autos da aplicação do recurso público realizada pela entidade recebedora do recurso no projeto em questão, uma vez que as imagens trazidas aos autos se referem a outro evento, sendo inclusive de período anterior ao repasse – e, desta forma, não comprova a execução física do projeto ora analisado, que consiste no projeto “Música na Comunidade” desenvolvida pela Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades.

(...)

Importante ressaltar que o Sr. André recebera recursos do FUNCULTURAL para o projeto “Orquestra Sinfônica das Comunidades”, sendo que umas das notas de empenho foi alvo de tomadas de contas especial, o que impossibilitou o Sr. André de receber novos repasses. Tal situação corrobora para os indícios, aliado às imagens trazidas aos autos e à ausência de novos documentos, de que o recurso público não foi aplicado no projeto em análise.

De fato, as evidências constantes no processo são demasiado fortes para que se descarte a hipótese aventada, não permitindo igualmente afastar a responsabilidade do sr. Ubiratan Seixas do Amorim.

Ademais, foram identificadas outras irregularidades, como a ausência de especificação acerca dos períodos de realização das aulas, ausência de relação original dos alunos beneficiados, de cópia do currículo e diploma dos professores, tudo sem que houvesse qualquer contestação ou aporte de nova documento quando da defesa do então presidente da entidade.

Outrossim, ressalte-se ainda a utilização de conta corrente não individualizada e vinculada ao projeto para movimentação dos recursos públicos recebidos, além do encaminhamento da prestação de contas fora do prazo legal, constatações igualmente não contestadas quando das alegações de defesa.

A fartura de evidências trazidas à tona pela instrução, aliadas à ausência de questionamentos ou demonstrações em sentido diverso por parte do defendente, constituem elemento suficiente para que se manifeste pela manutenção da responsabilidade do sr. Ubiratan Seixas de Amorim, diante inexistência de qualquer comprovação material da boa e regular realização do projeto “Música da Comunidade” pela Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades.

3.     Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

3.1 pela IRREGULARIDADE das contas, com imputação de débito, fundamentado do art. 18, inciso III, alínea “b” e “c” c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n.º 202/2000 (estadual), as contas de recursos repassados pelo FUNDOSOCIAL à ASSOCIAÇÃO ORQUESTRA FILARMÔNICA DAS COMUNIDADES – OFCOM, no valor de R$ 20.000,00, referente à Nota de Empenho nº 2182 (fl. 42), de acordo com os relatórios emitidos nos autos.

3.2 Condenar solidariamente, nos termos do artigo 15, I da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, os responsáveis, Sr. Ubiratan Seixas de Amorim, inscrito no CPF sob o no 543.700.519-91, com endereço residencial na Rua Major Livramento, 1745, Vendaval, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000 e Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades – OFCOM –, inscrita no CNPJ sob o no 12.164.949/0001-06, com endereço na Rua Elisabete Pereira de Melo, 123, Centro, Florianópolis/SC, CEP 88.020-510, ao recolhimento da quantia de R$ 19.500,00 fixando-lhes prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE (DOTC-e), para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor de débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), a partir de 06/12/2011, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II da mesma Lei Complementar nº 202/2000), sendo:

3.2.1 De responsabilidade solidária do Sr. Ubiratan Seixas de Amorim e da Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades – OFCOM, passíveis de imputação de débito, no valor de R$ 19.500,00 e aplicação de multa proporcional, nos termos do art. 68, 69, 70, II,  da Lei Complementar nº 202/2000, em face da:

3.2.1.1 ausência de comprovação material da efetiva realização do projeto proposto, da destinação dos serviços e de outros elementos de suporte que evidenciem a boa e regular aplicação dos recursos públicos repassados, no montante de R$ 19.500,00 (dezenove mil e quinhentos reais), em desacordo aos princípios da impessoalidade e da moralidade, insculpidos nos arts. 37, caput, da CF/1988 e 16, caput, da Constituição Estadual/1989, ao art. 58, parágrafo único, da Constituição Estadual/1989, ao art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 381/2007, ao art. 93 Decreto-Lei nº 200/1967, aos itens 8.8.2 e 10 da Deliberação nº 037/2011 do Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL e aos arts. 49, 52, caput e incisos e II e III, e 60, II, da Resolução no TC-16/1994 (item 2.2.1.1 do relatório de instrução e item 2.2.1 deste relatório).

3.3 pela APLICAÇÃO ao Sr. Ubiratan Seixas de Amorim, qualificado, multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar nº 202/2000 (estadual), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no DOTC-e, para comprovar perante este Tribunal o recolhimento dos valores ao Tesouro do Estado, sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (arts. 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/2000 - estadual), em face do(a):

3.3.1 de movimentação dos recursos em conta corrente não individualizada e vinculada ao projeto, bem como de emissão de cheques não cruzados, em afronta ao art. 16, caput, do Decreto Estadual no 307/2003, aos itens 7.1 e 7.3 da Deliberação nº 37/2011 do Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL e ao art. 47 da Resolução no TC-16/1994 (item 2.2.2 do Relatório de Instrução e item 2.2.1 deste relatório);

3.3.2 do encaminhamento da prestação de contas com 345 (trezentos e quarenta e cinco) dias de atraso, contrariando o estabelecido pelo art. 8º da Lei Estadual nº 5.867/1981 e pelo item 8.2 da Deliberação nº 37/2011 do Conselho Deliberação do FUNDOSOCIAL (item 2.2.3 do Relatório de Instrução e item 2.2.1 deste relatório).

3.4 pela APLICAÇÃO ao Sr. Celso Antônio Calcagnotto, inscrito no CPF sob nº 385.768.649-91, com domicílio na Rua Doutor Jorge Luz Fontes, nº 310, Assembleia Legislativa SC, Gabinete 037, Centro Florianópolis – SC,  CEP 88020900, multa prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar nº 202/2000 (estadual), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no DOTC-e, para comprovar perante este Tribunal o recolhimento dos valores ao Tesouro do Estado, sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (arts. 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/2000 - estadual), em face do(a):

3.4.1 ausência de acompanhamento e fiscalização da execução do projeto, haja vista a sua omissão, contrariando o disposto no art. 18 do Decreto nº 307/2003 (estadual), no art. 5º da Lei Estadual nº 13.334/2005 e no item 11, “11.1” e “11.2” da Deliberação nº 037/2011 do Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL (item 2.1.4 do Relatório de Instrução e 2.1.1 deste relatório).

3.4.2 adoção de providências administrativas intempestivamente, em inobservância ao art. 6o, caput, inciso I e § 1o, do Decreto Estadual nº 1.977/2008 (item 2.1.5 deste Relatório).

3.5 pela DECLARAÇÃO do Sr. Ubiratan Seixas de Amorim e a Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades – OFCOM como impedidos de receberem novos recursos do erário até a regularização do presente processo, consoante dispõe o art. 16, § 3º da Lei nº 16.292/2013 (estadual), c/c o art. 1º, § 2º, inciso I, alíneas “b” e “c” da Instrução Normativa TC nº 14/2012.

3.6 Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam ao Sr. Ubiratan Seixas de Amorim, à Associação Orquestra Filarmônica das Comunidades – OFCOM , ao Sr. Celso Antônio Calcagnotto, aos Procuradores constituídos nos autos, à Secretaria de Estado da Fazenda e ao Fundo de Desenvolvimento Social – FUNDOSOCIAL.

3.7. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, oficiando-se também ao Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa, em cumprimento ao disposto no art. 18, § 3º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para ciência dos fatos descritos nestes autos e adoção das providências cabíveis.

Florianópolis, 9 de janeiro de 2019.

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora de Contas



[1] Note-se, inclusive, que referido Acórdão aplicou multas distintas ao responsável em face da ausência da manifestação do Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL e da ausência de formalização do contrato ou termo de ajuste entre as partes, de modo que a configuração dessas irregularidades no presente processo, que se deu de forma conjunta pela área técnica, é mais benéfica ao responsável.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 130-131.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 247-248.

[4] Idem, p. 1008-1009.