PARECER  nº:

MPC/AF/63316/2019

PROCESSO nº:

LCC 14/00498861    

ORIGEM     :

Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão

INTERESSADO:

Departamento Estadual de Trânsito de SC

ASSUNTO    :

Irregularidades atinentes à celebração e manutenção de convênio para operacionalização da interligação do Sistema Nacional de Gravame.

Número Unificado: MPC-SC 2.1/2019.45

 

1 – RELATÓRIO

Cuida-se originalmente de denúncia encaminhada pelos senhores Hugo Moraes Pereira de Lucena e Mérison Marcos Amaro, apontando possíveis irregularidades no Convênio nº 19.744/2008-0, firmado pela Secretaria de Estado da Segurança Pública - SPP e pelo Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina – DETRAN/SC, com a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização – FENASEG, para operacionalizar a interligação do sistema nacional de gravames (SNG).

Por meio do Parecer n° MPTC/38208/2015, cujo relatório adoto para os eventos então ocorridos, opinei pela conversão dos autos em LCC, com o consequente aprofundamento da instrução processual, mediante apuração da legalidade do Convênio nº 2013/TN/004613 e do sistema SIRCOF, bem como avaliação quanto à pertinência na manutenção do atual modelo de gestão dos registros de gravames e contratos (fls. 1095/1105 – vol. III).

O Exmo. Relator acolheu a proposta ministerial, determinando a conversão do processo em LCC para avaliação mais aprofundada das questões aduzidas pelo Parquet fiscal (fls. 1110/1115 – vol. III).

Na reanálise dos autos, auditores da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC sugeriram audiência dos gestores responsabilizados, em virtude de indícios de irregularidades passíveis de sanção pecuniária (fls. 1119/1129 – vol. III).

A proposta foi acolhida pelo Exmo. Relator (fls. 1130/1131 – vol. III).

Intimados,[1] os responsáveis apresentaram suas justificativas como segue: - Sr. César Augusto Grubba – fls. 1148/1377 – vol. IV; - Sr. Vanderlei Olívio Rosso – fls. 1381/1609 – vols. IV e V; - Sr. André Luis Mendes da Silveira – fls. 1625/1642 – vol. V.

Ato contínuo, auditores da DLC suscitaram a necessidade de intimação da FENASEG, conforme sugerido no item 4.3 do Parecer n° MPTC/38208/2015 (fls. 1645/1648 – vol. V).

Devidamente intimada,[2] a Federação encaminhou a manifestação de fls. 1654/1854, posteriormente complementada com a documentação de fls. 1828/1856 – vol. V.

Em seguida, auditores do Tribunal elaboraram o Relatório n° DLC-109/2017, propondo diligência dirigida ao Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina – CIASC, em atendimento ao item 4.2.3 do Parecer n° MPTC/38208/2015,[3] mediante formulação de indagações envolvendo aspectos técnicos da matéria sob análise (fls. 1858/1867 – vol. V).

O relator da matéria, Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, aquiesceu com a proposta, determinando a realização do ato (fls. 1868/1868-v – vol. V).

Em resposta às indagações, o gestor do CIASC apresentou parecer elaborado pela Gerência de Produtos e Serviços da estatal (fls. 1873/1875 – vol. V).

Entrementes, os denunciantes apresentaram nova manifestação nos autos, requerendo concessão de cautelar no intuito de suspender o Convênio nº 2013/TN/004613 (fls. 1886/1955 – vol. V).

Outrossim, aportou nos autos o Ofício n° 477/2017/AND, por meio do qual o presidente da Associação Nacional dos Detrans comunicou a edição da Resolução n° CONTRAN-689/2017, bem como juntou manifestação do professor Miguel Reale Júnior relacionada ao tema (fls. 1957/1997 – vol. VI).

Por meio do Relatório n° DLC-236/2017, auditores da DLC opinaram pelo indeferimento da cautelar pleiteada e, no mérito, por considerar irregulares os convênios analisados, com fixação de prazo a fim de que o DETRAN comprove medidas para realização de licitação quanto aos serviços conveniados (fls. 2002/2011 – vol. VI).

Após reiteração do pedido cautelar pelos denunciantes,[4] o Exmo. Relator, em decisão posteriormente ratificada pelo Tribunal Pleno,[5] exarou o despacho de fls. 2016/2020, indeferindo a cautelar pleiteada, bem como fixando prazo para que o DETRAN comprove o atendimento à Resolução n° CONTRAN-689/2017.

Paralelamente, vieram-me os autos.

 

2 – RELATÓRIO

2.1 – Celebração de falsos convênios (Convênios nºs 19.744/2008-0, 25815/2010-6 e 2013/TN/004613) em função das características do objeto licitado, bem como da ausência de interesses convergentes, representando burla ao procedimento licitatório

A partir dos fatos trazidos pelos denunciantes, auditores do Tribunal impugnaram inicialmente os termos do Convênio nº 19.744/2008-0, que visava à operacionalização dos serviços técnicos de informática relativos à interligação do Sistema Nacional de Gravames da FENASEG com o cadastro de veículos do DETRAN/SC, em virtude de suposta burla ao regime licitatório das contratações públicas (fls. 1078/1093 – vol. III).

Por meio do Parecer n° MPTC/38208/2015, chamei atenção para o fato de que outro convênio havia substituído o anteriormente impugnado (Convênio nº 2013/TN/004613), fazendo-se necessária a análise conjunta dos instrumentos.

Na reanálise da proposta ministerial, auditores do Tribunal propuseram ainda incluir na irregularidade em comento o Convênio n° 25815/2010-6, entabulado em 2010, com vistas à operacionalização do Sistema de Registro de Contratos de Financiamento de Veículos Automotores – SIRCOF.[6]

Quanto ao convênio entabulado em 2008, houve a responsabilização do Sr. Ronaldo José Benedet, ex-secretário da SSP signatário do instrumento, bem como do Sr. Vanderlei Olívio Rosso, diretor do DETRAN à época dos fatos (fls. 437-v/439 – vol. II).

Em relação ao convênio firmado em 2010, a responsabilização foi direcionada ao Sr. André Luis Mendes da Silveira, então secretário da SSP, e também ao Sr. Vanderlei Olívio Rosso.

Por fim, no que tange ao convênio firmado em 2013, a responsabilização recaiu sobre o secretário da SSP à época, Sr. César Augusto Grubba, bem como sobre o Sr. Vanderlei Olívio Rosso, gestor do DETRAN (fls. 1128/1128-v – vol. III).  

Na condição de parte diretamente interessada, a FENASEG procurou demonstrar que a natureza das plataformas disponibilizadas aos DETRAN´s seria eminentemente privada, mantida no interesse do Sistema Financeiro Nacional, e utilizadas gratuitamente pelos departamentos de trânsito para efetuar os registros de sua competência, não havendo que se falar em natureza contratual da relação existente (fls. 1654/1676 – vol. V).

Para corroborar suas alegações, juntou julgamento exarado pelo TJSP (Apelação Cível n° 729.260-5/0-00), que declarou a regularidade do sistema de convênios com a FENASEG no Estado de São Paulo, assim como decisões favoráveis dos TCE´s de Mato Grosso e Piauí (fls. 1711/1739 – vol. V).

Outrossim, trouxe aos autos parecer exarado pelo professor Marçal Justen Filho em 2012, por meio do qual o eminente parecerista posiciona-se pela inexistência de natureza contratual nas relações da FENASEG com os departamentos de trânsito (fls. 1741/1824 – vol. V).

Basicamente, os responsáveis trouxeram considerações análogas à Federação interessada.

Conforme obtemperei na última manifestação ministerial, o tema em questão versa sobre assunto delicado de ampla repercussão nacional, que ensejou diversas discussões nos últimos anos.

Nesse sentido, veja-se que, já em 2014, o ponto foi objeto de análise pela Controladoria-Geral da União, por meio do Relatório de Auditoria n° 201412890, em que o órgão de controle interno federal detectara impropriedades no modelo então vigente, recomendando a necessidade de licitação para gerenciamento do sistema de gravames:[7]

 

Portanto, em conclusão, podemos relacionar os seguintes fatos que merecem justificativas por parte do Denatran a respeito da normatização e operacionalização da realização dos gravames:

1 – Atividade exclusiva – Instituição do Sistema Nacional de Gravames com atuação monopolizada do processo por uma única empresa na atividade de comunicação eletrônica para registro de gravames.

2 – Falta de procedimento licitatório – Falta de ampla concorrência para a seleção da empresa responsável pela operacionalização do SNG.

3 – Falta de fiscalização – Em nenhuma fase das análises realizadas pela equipe de auditoria da CGU, ficou caracterizada a participação do Denatran/Contran na função de órgão máximo executivo do Sistema Nacional de Trânsito e coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo, respectivamente, em qualquer atividade de regulamentação e acompanhamento das atividades do SNG.

4 – Possível ilegalidade na atuação da Cetip/GRV e Fenaseg – Devido à cobrança de valor que tem natureza jurídica de taxa, em razão do fato gerador da mesma estar vinculado à atividade de fiscalização dos Detrans. Por esse motivo, de acordo com o art. 7º do CTN, não é possível a delegação de competência tributária, salvo as atividades de arrecadar ou fiscalizar, que podem ser delegadas a outras pessoas jurídicas de direito público e não uma entidade privada.

[...].

Recomendações:

Recomendação 1: Recomenda-se ao Denatran que promova alterações normativas nas disciplinas de inscrição e baixa de gravames com o objetivo de promover a padronização dos procedimentos em âmbito nacional.

Recomendação 2: Recomenda-se ao Denatran promova alterações normativas nas disciplinas de inscrição e baixa de gravames com a finalidade de promover a ampla concorrência de potenciais interessados no acesso à base de dados do Renavam para fins de gravames, mediante amplo e público credenciamento.

Recomendação 3: Recomenda-se ao Denatran que elabore estudos sobre a criação de uma base nacional de gravames, conforme conclusões do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria nº 472, de 05/09/2012, destinado ao estudo e análise das questões que abordam o gravame de veículos. (Grifo meu)

 

Por outro lado, o TCE/PI, que outrora havia julgado irregular convênio análogo firmado pelo DETRAN/PI (Acórdão n° 214/2014),[8] reverteu seu posicionamento, dando efeitos infringentes aos Embargos Declaratórios n° TC-006283/2014, nos termos do voto proferido pelo conselheiro piauiense Kleber Danta Eulálio (fls. 1737/1739 – vol. V):

 

Trocando em miúdos, da leitura do convênio em testilha, percebe-se que a ora Embargante, tão somente, autorizou o DETRAN-PI a utilizar, repita-se, gratuitamente, o software do Sistema Nacional de Gravames (SNG), de sua propriedade, tornando possível ao DETRAN-PI o cumprimento da legislação de regência da matéria que, como já dito, lhe impõe a obrigação de, por ato próprio, efetua o registro dos contratos de alienação fiduciária de automóveis, no âmbito de sua circunscrição. [...]

Ademais, privar o DETRAN-PI de ter acesso à referida base de dados representaria uma atitude temerária que, seguramente, poderia acarretar o aumento de práticas criminosas e prejuízos de difícil reparação aos usuários, notadamente no que diz respeito à segurança das operações de aquisição de veículos novos e usados pela sociedade piauiense, levadas a cabo através do instrumento da alienação fiduciária. Por óbvio, o referido sistema impede que determinado veículo seja financiado por instituições financeiras diferentes, em Estados-Membros distintos da Federação.

No caso sub examine, considerando a relevância da matéria e a possibilidade de instalar-se um verdadeiro caos social e financeiro no Estado e em outras unidades subnacionais que, igualmente, se socorrem do aludido sistema, em decorrência da manutenção da declaração de nulidade do convênio em questão, o quê, a meu ver, violaria, flagrantemente o princípio da eficiência e o da segurança dos negócios jurídicos, entendo cabível, excepcionalmente, a atribuição de efeitos modificativos aos vertentes embargos de declaração, na forma das disposições preconizadas nos arts. 1.022 e 1.023, ambos do CPC, combinado com o Art. 495, do RITCEPI.

Diante disso e por tudo o mais que dos autos consta, em sintonia com o Parecer Ministerial (Peça 18), voto pelo acolhimento dos presentes declarativos, conferindo-lhe, excepcionalmente, os efeitos infringentes, para o fim de reconhecer as omissões e a contradição apontadas na peça recursal, dar-lhe PROVIMENTO e assim seja modificada a decisão embargada, de forma a declarar a regularidade formal do convênio celebrado entre o DETRAN-PI e a FENASEG, sobretudo no que diz respeito à preservação da competência do DETRAN/PI, em razão da atividade de registro de gravame permanecer na competência do DETRAN/PI, de acordo com a cláusula segunda, 2.1, letra a, do referido convênio, já que aí se trata de poder de polícia, indelegável a entidade de natureza privada. (Grifos meus)

 

O mesmo ocorreu com o TCE/MT, que, ao apreciar recurso interposto contra o Acórdão n° 198/2014, deu provimento às razões invocadas pela FENASEG, declarando a regularidade formal do convênio celebrado com o DETRAN-PI (Acórdão nº 136/2016), conforme razões sustentadas pelo conselheiro relator Valter Albano da Silva (fls. 1731/1732 – vol. V):

 

A escolha do Convênio também não encontra óbice na lei. De um lado a FENASEG visa defender os interesses das instituições financeiras associadas, evitando o risco de perdas causadas por possíveis fraudes nos registros, e de outro o DETRAN/MT, que está obrigado por lei a registrar as anotações restritivas no campo do Certificado de Registro de Veículos – CRV. Considerando, então, a existência de interesses convergentes para implementar a garantia da segurança jurídica dos financiamentos e registros veiculares, o convênio é forma adequada para a execução do ajuste, e encontra previsão legal na Lei 8.666/93, que não proíbe o recebimento de receitas. Portanto, sob o aspecto legal, a adoção do modelo proposto não encontra óbice no ordenamento jurídico, mais sim incentivo para a ampla descentralização dos serviços públicos não essenciais.

[...].

Diante do exposto, acolho em parte o Parecer 6.170/15, do Ministério Público de Contas, e VOTO no sentido de conhecer os recursos, para no mérito dar-lhes provimento a fim de reformar o Acórdão 198/14, e excluir a determinação para que o DETRAN-MT assuma diretamente, ou por meio de concessão, a execução dos serviços de gravames prestados por meio do Convênio com a FENASEG, mantendo, as demais disposições fixadas no Acórdão.

 

Mais recentemente, em abono aos julgados trazidos pela FENASEG, observa-se que o TCE/MG também exarou decisão favorável à regularidade de convênio análogo firmado com o DETRAN/MG:[9]

 

DENÚNCIA. CONVÊNIOS. DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DE MINAS GERAIS (DETRAN/MG). FEDERAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE SEGUROS PRIVADOS E DE CAPITALIZAÇÃO (FENASEG). DISPONIBILIZAÇÃO DE SISTEMAS. SISTEMA NACIONAL DE GRAVAMES (SNG). SISTEMA DE REGISTRO DE CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (SIRCOF). AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO PRÉVIO. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE. CONVÊNIOS NÃO ENVOLVEM DISPÊNDIO DE RECURSO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. DESVIRTUAMENTO DO INSTITUTO JURÍDICO DO CONVÊNIO. NÃO OCORRÊNCIA. INTERESSES CONVERGENTES DOS PARTÍCIPES. IMPROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES CONVENIADAS. EXAME PREJUDICADO.

[...]

2. O Sistema Nacional de Gravames – SNG e o Sistema de Registro de Contratos de Financiamento – SIRCOF foram desenvolvidos pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização – Fenaseg, entidade sem fins lucrativos, para viabilizar o envio aos órgãos executivos de trânsito, de forma eletrônica, das informações necessárias ao registro dos contratos de financiamento, à inserção e à liberação dos gravames.

3. Os interesses do Departamento de Trânsito de Minas Gerais – Detran/MG e da Fenaseg, na celebração dos Convênios n. 12, de 2009, e n. 127, de 2009, eram convergentes, pois ambos visavam ao cumprimento dos preceptivos da Resolução Contran n. 320, de 2009, e ao combate das fraudes nos contratos de financiamento de veículos.

4. As disposições da Lei n. 8.666, de 1993, consoante inteligência de seu art. 116, não se aplicam aos convênios celebrados sem dispêndio de recursos públicos.

5. Nada impede que particulares realizem doações em benefício dos cofres públicos, de modo que a previsão dessa liberalidade nos instrumentos de ajuste não desnatura a natureza dos convênios celebrados.

 

Na esteira de tais julgados, e no intuito de preservar a coerência dos pronunciamentos dos Tribunais de Contas sobre a matéria, entendo que os convênios sob análise podem ser considerados formalmente regulares, em que pese as ressalvas deste Ministério Público quanto ao papel da empresa mantenedora do banco de dados disponibilizado pela FENASEG.

Tais ressalvas, que serão melhor abordadas no encaminhamento final deste parecer, perdem relevo no caso em apreço, uma vez que o Convênio nº 2013/TN/004613 expirou em dezembro de 2018, não tendo sido renovado pelo DETRAN/SC em função do advento da Resolução n° CONTRAN-689, de 27-9-2017, por meio qual foram estipuladas novas normas sobre o tema em debate, implicando na remodelagem do sistema então vigente, a partir da criação do Registro Nacional de Gravames – RENAGRAV (fls. 1958/1964 – vol. VI).

De toda sorte, em caráter subsidiário, ainda que o Exmo. Relator entenda pela irregularidade dos convênios, coaduno com o posicionamento posterior da equipe técnica do Tribunal quanto à inexistência de motivos para punição dos agentes inicialmente responsabilizados (fl. 2010-v – vol. VI).

Isso porque os documentos carreados ao processo deixaram evidente que, ao tempo dos fatos auditados, o modelo nacional impunha a adoção do convênio com a FENASEG, em virtude do exclusivo banco nacional de dados privado mantido pela empresa CETIP (posteriormente B3 S/A), que gerou verdadeiro monopólio no setor, conforme atestado por Miguel Reale Júnior (fl. 1986-V – vol. VI).

 

2.2 – Ausência da devida prestação de contas dos recursos advindos dos Convênios nºs 19.744/2008-0, 25815/2010-6 e 2013/TN/004613, em afronta às obrigações estipuladas nos respectivos convênios e ao disposto no art. 70 da Constituição

Partindo igualmente dos fatos trazidos pelos denunciantes, auditores do Tribunal impugnaram os termos do Convênio nº 19.744/2008-0, sob o argumento de que inexistia prestação de contas dos recursos repassados ao DETRAN/SC, relativamente ao registro dos gravames e contratos efetuados pela FENASEG (fls. 435/436-v – vol. II).

À semelhança da irregularidade precedente, após as ponderações lançadas no Parecer n° MPTC/38208/2015, auditores do Tribunal incluíram na restrição em comento os Convênios nºs 25815/2010-6 e 2013/TN/004613 (fls. 1128/1129 – vol. III).

Nada obstante, após a reanálise da questão à vista dos esclarecimentos prestados pelos responsáveis, a equipe de auditoria do Tribunal considerou sanado o apontamento, ao destacar que nos documentos constantes nos autos, foram apresentadas diversos Termos de Transferência e Recebimento de Valores, com os respectivos Demonstrativos das Operações de Registros de Contratos e Demonstrativos das Operações de Gravames (fls. 1865/1866 – vol. V).

Analisando os documentos juntados às fls. 1187/1355 – vol. IV, referentes aos exercícios de 2011 a 2016, efetivamente constata-se a existência de documentos atrelados aos repasses efetivados ao DETRAN/SC, capazes de evidenciar correlação entre os valores envolvidos e as respectivas operações de registro.

O período a que se referem os documentos coincide com o 3° Termo Aditivo ao Convênio nº 19.744/2008-0, em cuja cláusula 3.1, c, foi acrescida obrigação à FENASEG justamente de oferecer mensalmente relatórios dos registros efetuados, para fins de mensuração dos repasses acertados no convênio (fl. 642 – vol. II).

Portanto, coaduno com a proposta de baixa do apontamento.

 

2.3 – Vigência irregular do Convênio n° 19.744/2008-0 após o prazo estipulado de 5 anos, nos termos da Cláusula 3.1 do referido instrumento

No relatório de instrução inicial, auditores do Tribunal impugnaram a suposta manutenção extemporânea do Convênio n° 19.744/2008-0, ao argumento de que sua vigência teria se estendido informalmente para além do prazo de validade estipulado até 26-12-2013 (fl. 434 – vol. II).

Na reanálise do ponto, a equipe técnica reconsiderou o apontamento, sustentando que houve a formalização tempestiva de novo convênio concomitantemente ao término da vigência do anterior (fls. 1088/1088-v – vol. III).

De fato, constata-se que o Convênio nº 2013/TN/004613, firmado em substituição ao de n° 19.744/2008-0, foi formalizado ainda em dezembro de 2013,[10] de modo que não subsistem razões para a manutenção do apontamento.

 

2.4 – Modelo de gestão dos registros de gravames e contratos de financiamento de veículos

A questão de fundo tratada nos autos girou em torno da forma pela qual o Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina operacionalizava o registro de gravames e o registro dos contratos de financiamento de veículos no Estado.

Nos termos do item 2 do Parecer n° MPTC/38208/2015, sustentei a necessidade de avaliação quanto à pertinência na manutenção do modelo então vigente, basicamente em virtude de sua possível ineficiência quanto às taxas que estariam deixando de ser arrecadadas pelo DETRAN/SC (fls. 1095/1105 – vol. III).

Na oportunidade, consignei a inexistência de elementos processuais seguros capazes de evidenciar o atrelamento do Estado ao banco de dados oferecido por intermédio da FENASEG, ou, alternativamente, a possibilidade de que o CIASC desenvolvesse software próprio com aplicativos capazes de operacionalizar o sistema em âmbito estadual, implicando na arrecadação de recursos diretamente pelo Estado.

A preocupação justificava-se pelos fortes indícios de que, em verdade, o banco de dados disponibilizado pela FENASEG seria mantido por outra empresa privada (CETIP).

Esta, por sua vez, auferia vultosas somas pagas pela sociedade com os registros efetuados pelas instituições financeiras e posteriormente utilizados pelos departamentos de trânsito.

No processo de incorporação, pela CETIP, da empresa originalmente gerenciadora dos dados (GRV), registrado na Comissão de Valores Imobiliários por meio do Relatório n° SMI-26/2010, é possível evidenciar a forma de repartição dos recursos financeiros movimentados por detrás dos convênios entabulados com os diversos departamento de trânsito estaduais, bem como o papel central da empresa CETIP (atual B3) em tais instrumentos firmados com a FENASEG:[11]

 

26. Quanto à atividade, não há dúvidas de que o negócio da GRV nada tem com o mercado de valores mobiliários. A GRV opera o "Sistema Nacional de Gravames", sistema informatizado que funciona como base para processamento, registro e guarda de informações e gravames relativos a financiamentos de veículos em todo o país, com o objetivo de reduzir os riscos de fraudes na alienação fiduciária de veículos e garantir a estabilidade sistêmica do processo.

27. A GRV recebe de R$ 22,00 a R$ 42,00 por veículo que é financiado no Brasil pelo fornecimento de uma plataforma eletrônica e administração da base de dados de gravames e seus detalhes contratuais. A empresa alvo possui registro de todos os financiamentos de veículos e está ligada a 27 DETRANs (Departamentos Estaduais de Trânsito), com os quais divide as receitas de registro dos gravames à seguinte proporção: 50% GRV; 25% DETRANs e 25% FENASEG - Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização.

28. A participação da FENASEG no processo é decisiva, uma vez que cabe a ela o relacionamento direto com os DETRANs e o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito) para obter acesso ao banco de dados público do SNVA (Sistema Nacional de Veículos Automotores). Existe um contrato de exclusividade, com termo final em 2028, entre a FENASEG e a GRV.  (Grifos meus)

 

E veja-se que já à época da confecção do Relatório n° de Auditoria n° 201412890, citado alhures, a CGU já identificara fortes suspeitas de irregularidade na gestão nacional do sistema de gravames, a partir de delações oriundas da operação Lava-Jato, reforçando as suspeitas iniciais deste Ministério Público quanto à vantajosidade do modelo vigente para a administração pública:[12]

 

Em depoimento realizado em 04/11/2014, em delação premiada obtida na Operação Lava-Jato da Polícia Federal, o doleiro Alberto Youssef apontou pagamento de suborno, em contratos do Denatran para congressistas do Partido Progressista:

QUE, no ano de 2008 ou 2009, na época em que era Ministro das Cidades o Sr. MARCIO FORTES, foi indicado determinado dirigente do DENATRAN pelo deputado JOAO PIZZOLATTI, salvo engano líder da bancada do PP; QUE, esse dirigente proporcionou a transferência da responsabilidade pelo registro das transferências de veículos para uma empresa de nome GRF, ligada a FENASEG; QUE não sabe o nome do referido dirigente e nem encontrou-se com o mesmo pessoalmente; QUE, não tem conhecimento ao certo como foi formalizada a contratação dessa empresa, apenas que houve uma facilitação por parte do DENATRAN para que ela atuasse sozinha nesse segmento; QUE, negocio teria rendido cerca de R$ 20 milhões em comissões para o PP, montante que seria pago em vinte parcelas; QUE, as parcelas eram pagas por um empresário de nome MONTENEGRO, dono do IBOPE e sócio majoritário da FENASEG/GRF (ou GFR); QUE, competia ao declarante receber as comissões em espécie no escritório do declarante junto a Av. São Gabriel em São Paulo, sendo os valores entregues pelo próprio JOAO PIZZOLATTI, e levar o dinheiro a Brasília; QUE esse dinheiro era entregue a PIZZOLATTI na residência do mesmo em Brasília/DF, competindo ao mesmo fazer a distribuição desses recurso; QUE, para esse serviço o declarante recebeu cinco por cento do valor, ou seja, um milhão de reais; [...]; QUE, na décima segunda ou terceira parcela dos pagamentos a empresa em questão foi vendida a CETIP ou estava em vias de ser vendida, sendo os pagamentos suspensos; QUE, foi realizada uma reunião no Rio de Janeiro, salvo engano no ano de 2010 ou 2011 em que estava presente o declarante, PEDRO CORREA, JOAO PIZZOLATTI e o presidente da FENASEG/GRF, cujo nome não recorda no momento; QUE, essa reunião foi realizada em um almoço em um restaurante, sendo acordado que os pagamentos iriam prosseguir, o que de fato ocorreu; QUE, a sistemática de pagamentos foi mantida a mesma nesse período; QUE, não recorda se na época a FENASEG/GRF já havia sido transferida ao controle da CETIP ou se os recursos para o pagamento das comissões eram determinadas ainda pelos titulares antigos da empresa; QUE, de fato a FENASEG/GRF foi adquirido pela CETIP nessa época; QUE, JOSE JANENE não teria participado dessa negociação, apenas a autorizou politicamente; QUE, diz ter condições de reconhecer o presidente da FENASEG/GRF que teria participado do referido almoço caso veja a imagem deste.”

[...].

Recomendação 4: Recomenda-se ao Denatran que encaminhe os fatos à Corregedoria Setorial do Ministério das Cidades (CRG-CGU) para que avalie a conveniência e oportunidade de avocar apuração de responsabilidade ou determinar que o Ministério das Cidades instaure o procedimento para apuração dos fatos citados nos itens de 1 a 7: atividade exclusiva, falta de ampla concorrência, falta de fiscalização, possível ilegalidade na autuação da Cetip/GRV e Fenaseg, fatos relatados em delação premiada da Operação Lava Jato, falta de motivação para o fim do GT Gravames e falta de folhas no processo do GT Gravames. (Grifos sublinhados meus)

 

De toda sorte, analisando retrospectivamente a questão à luz das considerações sobre o tema lançadas pelo professor Miguel Reale Júnior, é possível verificar que o Estado estava realmente atrelado ao banco de dados disponibilizado pela FENASEG/CETIP, que atuava no mercado em caráter de monopólio, na qualidade de única instância dotada de informações em nível nacional capazes de integralizar o sistema de gravames e contratos com o objetivo de evitar riscos de fraudes na alienação fiduciária de veículos.

Nesse sentido, ilustrativa a resposta de Miguel Reale Júnior à indagação n° 2 da consulta que lhe fora submetida pela Associação Nacional dos Detran’s (fls. 1987-v/1988):

 

2) É lícita a atuação da empresa responsável pelas consultas de pré-gravame e pela anotação do gravame, se, por exercer monopólio natural através do SNG, ela recebe informação antecipada sobre a celebração de contratos de financiamento de veículos, e, com tal informação privilegiada, já antecipa o registro dos contratos, tornando inviável a atuação das outras empresas habilitadas a fazê-lo?

RESPOSTA: A empresa que assim age atua com claro abuso de posição dominante. Dá-se a presença de um monopólio de fato, como decorrência de vínculos administrativos facilitadores da prevalência ilegal da exclusividade de uma empresa, em prejuízo da sadia competitividade. A exigência de registro junto ao SNG, a ser feito unicamente pela CETIP, detentora do monopólio natural, antes do registro do contrato junto ao DETRAN, constitui indevida inversão do processo, manifestamente provocada para beneficiar uma única empresa. Dessa forma, permite à CETIP S.A. – atual B3 – que receba informações antecipadas sobre os contratos de financiamentos, antecipando-se, sempre e sempre, às demais concorrentes no registro dos contratos perante o DETRAN-SP, impedindo que as competidoras atuem. É claro o abuso de posição dominante. Serve-se de um monopólio para criar outro.

A infração à ordem econômica e o crime contra a ordem econômica estão caracterizados. (Grifo meu)

 

Daí porque o Ministério Público de Contas se posiciona pela decisão de regularidade excepcional dos convênios analisados neste processo, pois, se de um lado os instrumentos firmados com a FENASEG implicavam no recebimento direto de lucros por parte da verdadeira empresa privada mantenedora do banco de dados; de outro lado, havia verdadeira situação fática de monopólio dos dados, inviabilizando processos licitatórios estaduais efetivos para selecionar outras empresas capazes de garantir a estabilidade sistêmica do setor.

Ou seja, a situação em que se encontravam os departamentos estaduais de trânsito era de sujeição perante a política nacional implicitamente estabelecida em torno dos registros privados organizados pelo Sistema Financeiro Nacional, tendo por base a normatização genérica da Resolução n° CONTRAN-320/2009.

Frente a esta circunstância, logicamente que apenas a partir de mudanças em nível nacional é que seria possível pensar na adoção de modelo alternativo ao então vigente, conforme consignado pelo próprio analista do CIASC, Sr. Amílcar Fernandes Abreu, em resposta à diligência propugnada por este Ministério Público (fls. 1874/1875 – vol. V):

 

d) Nos dias atuais é possível a elaboração de software compatível com o Sistema Nacional de Gravames?

RESPOSTA: Sim, é possível, desde que o DENATRAN e o SERPRO estejam envolvidos, pois trata-se de um sistema que atenderá a todos os estados. (Grifo meu)

 

E justamente no decorrer da instrução processual, adveio a edição da Resolução n° CONTRAN-689, de 27-9-2017, por meio qual foram estipuladas novas normas sobre o tema em debate, implicando na remodelagem do sistema então vigente, a partir da criação do Registro Nacional de Gravames – RENAGRAV (fls. 1958/1964 – vol. VI).

De acordo com o art. 3°, I, da referida resolução,[13] o RENAGRAV será organizado, mantido e gerenciado pelo próprio DENATRAN, rompendo com o antigo monopólio privado dos dados.

Outrossim, a teor dos arts. 5°, incisos I a III, 33 e 34 da norma, os custos de apontamento serão determinados e diretamente pagos ao DENATRAN, sem prejuízo da fixação de taxas pelos DETRAN´s estaduais para o efetivo registro dos contratos e gravames, no exercício da competência estipulada no art. 1361, § 1°, do Código Civil:[14]

 

Art. 5º Para fins desta Resolução, considera-se:

I - Apontamento: é a anotação prévia e provisória de Gravame no RENAGRAV, feita pelas instituições financeiras, as administradoras de consórcios, as sociedades de Arrendamento Mercantil ou entidades de registro e de liquidação financeira, autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, por meio das empresas credenciadas pelo DENATRAN

II - Registro de Contrato: procedimento realizado pelos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, mediante solicitação do Declarante, com base em instrumento público ou particular, com garantia de alienação fiduciária em operações financeiras, consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva de Domínio ou Penhor de veículo automotor, produzindo plenos efeitos probatórios contra terceiros;

III - Gravame: a anotação efetuada pelos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no campo de observações do CRV e CRLV, decorrente do Registro de Contratos de garantias de Alienação Fiduciária em operações financeiras, consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva de Domínio ou Penhor.

[...]

Art. 33. Os custos relativos ao Apontamento e ao protocolo do Registro de Contrato serão determinados e pagos diretamente ao DENATRAN, pela ECD ou empresa registradora de contrato, respectivamente, ficando à cargo do órgão ou entidade executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal o efetivo registro do contrato e a determinação do respectivo valor, através de taxa, tarifa ou preço público, para esse procedimento.

Art. 34. O órgão ou entidade executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal é responsável pela cobrança do respectivo valor de registro do contrato.

 

Para o efetivo registro dos contratos e gravames, veja-se que os departamentos estaduais poderão delegar os atos executórios a terceiros, mediante credenciamento ou contratação, nos termos do art. 10, § 1°, da resolução em comento:

 

Art. 10. O protocolo das informações para o registro do Contrato será realizado por empresa registradora de contratos, por meio da obtenção dos dados encaminhados pelas instituições credoras e daqueles constantes do RENAGRAV, a qual transmitirá as informações aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal para efetivação do registro do contrato.

§ 1º Os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal deverão implementar os novos procedimentos para registro dos contratos nos termos desta Resolução, cabendo-lhes a supervisão e o controle de todo o processo de forma privativa e intransferível, podendo sua execução ser realizada por terceiros, mediante credenciamento e/ou contratação.

 

Como se vê, a Resolução nº CONTRAN-689/2017 foi editada para superar o uso da plataforma particular de dados da empresa B3 (antiga CETIP), eliminando o monopólio privado no setor, bem como criando a possibilidade de que os DETRAN’s realizem, em sua respectiva base territorial, a seleção de empresas para proceder ao registro de contratos e gravames.

Em vista dessas novas disposições, o Exmo. Relator, em sua última manifestação nos autos, determinara ao gestor do DETRAN que comprovasse, em 60 dias, o implemento das mudanças exigidas pela Resolução n° CONTRAN-689/2017, especialmente no que tange aos aspectos relacionados à implementação do Sistema RENAGRAV (fl. 2019 – vol. VI).

Em que pese o gestor não tenha apresentado qualquer manifestação até o momento, importante destacar que a implementação do RENAGRAV (postergada para 31-3-2019 por meio da Resolução n° CONTRAN-739/2018),[15] incumbe ao próprio DENATRAN, que deverá credenciar empresas na qualidade de ECD´s, no intuito de alimentar o novo banco nacional público de dados, conforme redação dos arts. 6° e 19 do novel regramento:

 

Art. 6º Antecedendo o envio das informações para registro do contrato, a instituição credora deverá requerer, de forma preliminar, por meio de Empresa Credenciada pelo DENATRAN (ECD), o Apontamento da informação destinada à inserção do Gravame correspondente ao registro de contratos de garantias de alienação fiduciária em operações financeiras, consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva de Domínio ou Penhor.

§ 1º O Apontamento será realizado pela ECD, exclusivamente por meio eletrônico no Sistema RENAGRAV, e constará em campo próprio do cadastro do veículo, enquanto não realizado o registro do contrato, devendo a instituição credora armazenar arquivo eletrônico relativo à proposta de financiamento ou documento equivalente, para fins de consulta pelos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal.

[...]

Art. 19. As pessoas jurídicas interessadas em realizar a prestação de serviços de Apontamento deverão requerer seu credenciamento junto ao DENATRAN.

 

Portanto, acredita-se que a verificação da adequação do DETRAN/SC às novas disposições sobre a matéria deverá focar na atuação do órgão estadual a respeito do registro de contratos e gravames, conforme dispositivos citados mais acima, e não no registro dos apontamentos no RENAGRAV, que será administrado pelo órgão nacional de trânsito, em cooperação com empresas credenciadas cuja atuação, inclusive, não poderá se dar concomitantemente a atividades de registro de contratos e gravames junto aos estados (art. 10, § 4°, inc. I, da resolução).[16]

Em consulta ao repositório de normas do DETRAN/SC,[17] foi possível identificar que, já em 28-2-2018, o diretor-presidente do DETRAN catarinense editou a Portaria n° 59/DETRAN/ASJUR/2018,[18] dispondo sobre o credenciamento de empresas a fim de efetuarem registros eletrônicos de contratos de financiamento de veículos com cláusula de alienação fiduciária, arrendamento mercantil, reserva de domínio ou penhor.

Pouco tempo depois, a sobredita norma foi revogada e substituída pela Portaria n° 76/DETRAN/ASJUR/2018,[19] trazendo novas disposições sobre o mesmo tema.

Paralelamente, também houve a edição da Portaria n° 69/DETRAN/ASJUR/2018,[20] dispondo sobre a nova gestão do sistema de Registro de Gravame e o Registro de Contratos com cláusula de Alienação Fiduciária em operações financeiras, consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva de Domínio ou Penhor.

Mais recentemente, observa-se que houve a revogação deste último ato, conforme Portaria n° 33/DETRAN/ASJUR/2019,[21] sem que fosse identificada norma substitutiva disciplinando a nova gestão do registro de contratos e gravames no âmbito do departamento de trânsito catarinense.

Diante desse contexto, o Ministério Público de Contas entende que, a par do julgamento a ser proferido quanto às restrições analisadas neste processo, a complexidade da matéria justifica inclusão da questão no programa de fiscalização do Tribunal de Contas, a fim de que seja realizada auditoria específica destinada a fiscalizar a integral adequação do DETRAN/SC à Resolução n° CONTRAN-689/2017, com enfoque nas medidas adotadas pelo departamento para estruturar a nova gestão do sistema de Registro de Gravame e o Registro de Contratos, bem como nos atos de credenciamento de empresas e na vantajosidade do modelo eleito sob a perspectiva do recolhimento, para os cofres do Estado, das eventuais taxas ou preços públicos fixados com amparo no art. 33 da sobredita resolução.

A auditoria justifica-se também para eventual comunicação de irregularidades ao DENATRAN, nos termos do art. 29 da Resolução n° CONTRAN-689/2017,[22] com vistas a garantir correta atuação do DETRAN/SC dentro dos novos parâmetros nacionais fixados acerca da matéria.  

 

3 - CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar Estadual n° 202/2000, manifesta-se pela adoção das seguintes providências:

3.1 – DECISÃO de REGULARIDADE dos atos fiscalizados neste processo, a teor do disposto no art. 36, § 2°, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas.

3.2 – INCLUSÃO de AUDITORIA no Programa de Fiscalização do Tribunal de Contas, a fim de que seja fiscalizada a adequação do DETRAN/SC à Resolução n° CONTRAN-689/2017, com enfoque nas medidas adotadas pelo departamento para estruturar a nova gestão do sistema de Registro de Gravame e o Registro de Contratos, bem como nos atos de credenciamento de empresas e na vantajosidade do modelo eleito sob a perspectiva do recolhimento, para os cofres do Estado, das eventuais taxas ou preços públicos fixados com amparo no art. 33 da sobredita resolução.

3.3 – DAR CIÊNCIA deste parecer e da decisão vindoura aos denunciantes, aos responsáveis, aos atuais gestores da SSP e do DETRAN/SC, bem como à Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, com o consequente ARQUIVAMENTO do processo, ante a realização do seu objeto.

Florianópolis, 6 de março de 2019.

 

ADERSON FLORES

Procurador de Contas



[1] Fls. 1143/1144 e 1146 – vol. III.

[2] Fl. 1652 – vol. V.

[3] 4.2 – APROFUNDAMENTO da INSTRUÇÃO PROCESSUAL, mediante retorno dos autos à Diretoria de Controle de Licitações e Contratos - DLC, a fim de: [...];

4.2.3 - avaliar junto aos órgãos competentes (SSP/SC, DETRAN/SC, CIASC e DENATRAN), a pertinência na manutenção do atual modelo de gestão dos registros de gravames (SNG) e contratos (SIRCOF), considerando a possível renúncia de receitas e a possibilidade de o Estado desenvolver, sem intermediários, software próprio para a prestação dos serviços, ou contratar empresa, via licitação, para desenvolvê-lo.

[4] Fls. 2013/2014 – vol. VI.

[5] Sessão ordinária de 18-12-2017.

[6] Posteriormente os serviços dos convênios firmados em 2008 e 2010 foram abarcados pelo Convênio n° 2013/TN/004613.

[7] Disponível em: <https://auditoria.cgu.gov.br/download/7935.pdf>. Acesso em: 11-2-2019.

[8] Acórdão referenciado no Parecer n° MPTC/38208/2015 (fl. 1107 – vol. III).

[9] Disponível em: <https://tcnotas.tce.mg.gov.br/TCJuris/Nota/BuscarArquivo/1722121>. Acesso em: 12-2-2019.

[10] Fl. 551 – vol. II.

[11] Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/decisoes/anexos/0007/7384-0.pdf>. Acesso em: 12-2-2019.

[12] Disponível em: <https://auditoria.cgu.gov.br/download/7935.pdf>. Acesso em: 11-2-2019.

[13] Art. 3º Compete ao DENATRAN: I - organizar, manter e gerenciar o RENAGRAV; [...]

[14] Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

§ 1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

[15] Art. 1º - Alterar o art. 38, da Resolução Contran nº 689, de 27 de setembro de 2017, que passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 38 - Esta Resolução entra em vigor no dia 31 de março de 2019 para os aspectos relacionados ao Sistema Renagrav e no dia da sua publicação para os procedimentos relativos ao Registro de Contratos com cláusula de Alienação Fiduciária em operações financeiras, consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva de Domínio ou Penhor."

[16] Art. 10 [...] § 4º Não poderão atuar como registradoras de contrato junto aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal as: I - empresas credenciadas pelo DENATRAN para realizarem o apontamento; [...]

[17] Disponível em: <http://www.detran.sc.gov.br/legislacao>. Acesso em: 14-2-2019.

[18] Disponível em: <file:///C:/Users/9695206/Downloads/Portaria%200059_18_ASJUR%20-%20Credenciamento%20Financeiras%20Contratos%20SNG.pdf>. Acesso em: 14-2-2019.

[19] Disponível em: <file:///C:/Users/9695206/Downloads/Portaria%200076_18_ASJUR%20-%20Credenciamento%20Empresas%20Registro%20Contratos%20-%20SNG%20-%20C%C3%B3pia.pdf>. Acesso em: 14-2-2019.

[20] Disponível em: <file:///C:/Users/9695206/Downloads/Portaria%200069_18_ASJUR%20-%20Atribui%C3%A7%C3%B5es%20GEIET%20-%20Registro%20Gravame_Contratos%20(3).pdf>. Acesso em: 14-2-2019.

[21] Disponível em: <file:///C:/Users/9695206/Downloads/Portaria%200033_19%20Revoga%20Portaria%200069_2018%20-%20Registro%20de%20contratos.pdf>. Acesso em: 14-2-2019.

[22] Art. 29. Verificada, mediante ação de auditoria ou fiscalização do DENATRAN ou dos órgãos de controle interno ou externo da União, dos Estados e do Distrito Federal, a não observância das disposições contidas nesta Resolução, o DENATRAN providenciará a autuação de Processo Administrativo para apuração, sem prejuízo de outras medidas legais e ou administrativas cabíveis.