PARECER nº: |
MPC/AF/63316/2019 |
PROCESSO nº: |
LCC 14/00498861 |
ORIGEM : |
Secretaria de Estado da
Segurança Pública e Defesa do Cidadão |
INTERESSADO: |
Departamento Estadual de
Trânsito de SC |
ASSUNTO : |
Irregularidades atinentes à
celebração e manutenção de convênio para operacionalização da interligação do
Sistema Nacional de Gravame. |
Número
Unificado: MPC-SC 2.1/2019.45
1
– RELATÓRIO
Cuida-se
originalmente de denúncia encaminhada pelos senhores Hugo Moraes Pereira de
Lucena e Mérison Marcos Amaro, apontando possíveis irregularidades no Convênio
nº 19.744/2008-0, firmado pela Secretaria de Estado da Segurança Pública - SPP
e pelo Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina – DETRAN/SC, com a Federação Nacional das Empresas de Seguros
Privados e de Capitalização – FENASEG, para operacionalizar a interligação
do sistema nacional de gravames (SNG).
Por meio do
Parecer n° MPTC/38208/2015, cujo relatório adoto para os eventos então
ocorridos, opinei pela conversão dos autos em LCC, com o consequente
aprofundamento da instrução processual, mediante apuração da legalidade do
Convênio nº 2013/TN/004613 e do sistema SIRCOF, bem como avaliação quanto à
pertinência na manutenção do atual modelo de gestão dos registros de gravames e
contratos (fls. 1095/1105 – vol. III).
O Exmo.
Relator acolheu a proposta ministerial, determinando a conversão do processo em
LCC para avaliação mais aprofundada das questões aduzidas pelo Parquet fiscal (fls. 1110/1115 – vol.
III).
Na reanálise
dos autos, auditores da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC
sugeriram audiência dos gestores responsabilizados, em virtude de indícios de
irregularidades passíveis de sanção pecuniária (fls. 1119/1129 – vol. III).
A proposta
foi acolhida pelo Exmo. Relator (fls. 1130/1131 – vol. III).
Intimados,[1]
os responsáveis apresentaram suas justificativas como segue: - Sr. César
Augusto Grubba – fls. 1148/1377 – vol. IV; - Sr. Vanderlei Olívio Rosso – fls.
1381/1609 – vols. IV e V; - Sr. André Luis Mendes da Silveira – fls. 1625/1642
– vol. V.
Ato
contínuo, auditores da DLC suscitaram a necessidade de intimação da FENASEG, conforme sugerido no item 4.3 do Parecer n° MPTC/38208/2015 (fls.
1645/1648 – vol. V).
Devidamente
intimada,[2]
a Federação encaminhou a manifestação de fls. 1654/1854, posteriormente
complementada com a documentação de fls. 1828/1856 – vol. V.
Em seguida,
auditores do Tribunal elaboraram o Relatório n° DLC-109/2017, propondo
diligência dirigida ao Centro de Informática e Automação do Estado de Santa
Catarina – CIASC, em atendimento ao item 4.2.3
do Parecer n° MPTC/38208/2015,[3]
mediante formulação de indagações envolvendo aspectos técnicos da matéria sob
análise (fls. 1858/1867 – vol. V).
O relator da
matéria, Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, aquiesceu com a proposta,
determinando a realização do ato (fls. 1868/1868-v – vol. V).
Em resposta
às indagações, o gestor do CIASC apresentou parecer elaborado pela Gerência de
Produtos e Serviços da estatal (fls. 1873/1875 – vol. V).
Entrementes,
os denunciantes apresentaram nova manifestação nos autos, requerendo concessão
de cautelar no intuito de suspender o Convênio nº 2013/TN/004613 (fls.
1886/1955 – vol. V).
Outrossim,
aportou nos autos o Ofício n° 477/2017/AND, por meio do qual o presidente da
Associação Nacional dos Detrans comunicou a edição da Resolução n° CONTRAN-689/2017,
bem como juntou manifestação do professor Miguel Reale Júnior relacionada ao
tema (fls. 1957/1997 – vol. VI).
Por meio do
Relatório n° DLC-236/2017, auditores da DLC opinaram pelo indeferimento da
cautelar pleiteada e, no mérito, por considerar irregulares os convênios
analisados, com fixação de prazo a fim de que o DETRAN comprove medidas para
realização de licitação quanto aos serviços conveniados (fls. 2002/2011 – vol.
VI).
Após
reiteração do pedido cautelar pelos denunciantes,[4]
o Exmo. Relator, em decisão posteriormente ratificada pelo Tribunal Pleno,[5]
exarou o despacho de fls. 2016/2020, indeferindo a cautelar pleiteada, bem como
fixando prazo para que o DETRAN comprove o atendimento à Resolução n°
CONTRAN-689/2017.
Paralelamente,
vieram-me os autos.
2
– RELATÓRIO
2.1
– Celebração de falsos convênios (Convênios nºs 19.744/2008-0, 25815/2010-6 e
2013/TN/004613) em função das características do objeto licitado, bem como da
ausência de interesses convergentes, representando burla ao procedimento
licitatório
A partir dos
fatos trazidos pelos denunciantes, auditores do Tribunal impugnaram inicialmente
os termos do Convênio nº 19.744/2008-0, que visava à operacionalização dos
serviços técnicos de informática relativos à interligação do Sistema Nacional
de Gravames da FENASEG com o cadastro
de veículos do DETRAN/SC, em virtude de suposta burla ao regime licitatório das
contratações públicas (fls. 1078/1093 – vol. III).
Por meio do
Parecer n° MPTC/38208/2015, chamei atenção para o fato de que outro convênio
havia substituído o anteriormente impugnado (Convênio nº 2013/TN/004613),
fazendo-se necessária a análise conjunta dos instrumentos.
Na reanálise
da proposta ministerial, auditores do Tribunal propuseram ainda incluir na
irregularidade em comento o Convênio n° 25815/2010-6, entabulado em 2010, com
vistas à operacionalização do Sistema de Registro de Contratos de Financiamento
de Veículos Automotores – SIRCOF.[6]
Quanto ao
convênio entabulado em 2008, houve a responsabilização do Sr. Ronaldo José
Benedet, ex-secretário da SSP signatário do instrumento, bem como do Sr.
Vanderlei Olívio Rosso, diretor do DETRAN à época dos fatos (fls. 437-v/439 –
vol. II).
Em relação
ao convênio firmado em 2010, a responsabilização foi direcionada ao Sr. André
Luis Mendes da Silveira, então secretário da SSP, e também ao Sr. Vanderlei
Olívio Rosso.
Por fim, no
que tange ao convênio firmado em 2013, a responsabilização recaiu sobre o
secretário da SSP à época, Sr. César Augusto Grubba, bem como sobre o Sr.
Vanderlei Olívio Rosso, gestor do DETRAN (fls. 1128/1128-v – vol. III).
Na condição
de parte diretamente interessada, a FENASEG
procurou demonstrar que a natureza das plataformas disponibilizadas aos
DETRAN´s seria eminentemente privada, mantida no interesse do Sistema
Financeiro Nacional, e utilizadas gratuitamente pelos departamentos de trânsito
para efetuar os registros de sua competência, não havendo que se falar em
natureza contratual da relação existente (fls. 1654/1676 – vol. V).
Para
corroborar suas alegações, juntou julgamento exarado pelo TJSP (Apelação Cível
n° 729.260-5/0-00), que declarou a regularidade do sistema de convênios com a FENASEG no Estado de São Paulo, assim
como decisões favoráveis dos TCE´s de Mato Grosso e Piauí (fls. 1711/1739 –
vol. V).
Outrossim,
trouxe aos autos parecer exarado pelo professor Marçal Justen Filho em 2012,
por meio do qual o eminente parecerista posiciona-se pela inexistência de
natureza contratual nas relações da FENASEG
com os departamentos de trânsito (fls. 1741/1824 – vol. V).
Basicamente,
os responsáveis trouxeram considerações análogas à Federação interessada.
Conforme
obtemperei na última manifestação ministerial, o tema em questão versa sobre
assunto delicado de ampla repercussão nacional, que ensejou diversas discussões
nos últimos anos.
Nesse
sentido, veja-se que, já em 2014, o ponto foi objeto de análise pela
Controladoria-Geral da União, por meio do Relatório de Auditoria n° 201412890,
em que o órgão de controle interno federal detectara impropriedades no modelo
então vigente, recomendando a necessidade de licitação para gerenciamento do
sistema de gravames:[7]
Portanto,
em conclusão, podemos relacionar os seguintes fatos que merecem justificativas
por parte do Denatran a respeito da normatização e operacionalização da
realização dos gravames:
1 –
Atividade exclusiva – Instituição do Sistema Nacional de Gravames com atuação
monopolizada do processo por uma única empresa na atividade de comunicação
eletrônica para registro de gravames.
2 – Falta
de procedimento licitatório – Falta de ampla concorrência para a seleção da
empresa responsável pela operacionalização do SNG.
3 – Falta
de fiscalização – Em nenhuma fase das análises realizadas pela equipe de
auditoria da CGU, ficou caracterizada a participação do Denatran/Contran na
função de órgão máximo executivo do Sistema Nacional de Trânsito e coordenador
do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo, respectivamente, em qualquer
atividade de regulamentação e acompanhamento das atividades do SNG.
4 –
Possível ilegalidade na atuação da Cetip/GRV e Fenaseg – Devido à cobrança de
valor que tem natureza jurídica de taxa, em razão do fato gerador da mesma
estar vinculado à atividade de fiscalização dos Detrans. Por esse motivo, de
acordo com o art. 7º do CTN, não é possível a delegação de competência
tributária, salvo as atividades de arrecadar ou fiscalizar, que podem ser
delegadas a outras pessoas jurídicas de direito público e não uma entidade
privada.
[...].
Recomendações:
Recomendação
1: Recomenda-se ao Denatran que promova alterações normativas nas disciplinas
de inscrição e baixa de gravames com o objetivo de promover a padronização dos
procedimentos em âmbito nacional.
Recomendação
2: Recomenda-se ao Denatran promova alterações normativas nas disciplinas de
inscrição e baixa de gravames com a finalidade de promover a ampla concorrência
de potenciais interessados no acesso à base de dados do Renavam para fins de
gravames, mediante amplo e público credenciamento.
Recomendação
3: Recomenda-se ao Denatran que elabore estudos sobre a criação de uma base
nacional de gravames, conforme conclusões do Grupo de Trabalho instituído pela
Portaria nº 472, de 05/09/2012, destinado ao estudo e análise das questões que
abordam o gravame de veículos. (Grifo meu)
Por outro
lado, o TCE/PI, que outrora havia julgado irregular convênio análogo firmado
pelo DETRAN/PI (Acórdão n° 214/2014),[8]
reverteu seu posicionamento, dando efeitos infringentes aos Embargos
Declaratórios n° TC-006283/2014, nos termos do voto proferido pelo conselheiro
piauiense Kleber Danta Eulálio (fls. 1737/1739 – vol. V):
Trocando em
miúdos, da leitura do convênio em testilha, percebe-se que a ora Embargante,
tão somente, autorizou o DETRAN-PI a utilizar, repita-se, gratuitamente, o
software do Sistema Nacional de Gravames (SNG), de sua propriedade, tornando
possível ao DETRAN-PI o cumprimento da legislação de regência da matéria que,
como já dito, lhe impõe a obrigação de, por ato próprio, efetua o registro dos
contratos de alienação fiduciária de automóveis, no âmbito de sua circunscrição. [...]
Ademais,
privar o DETRAN-PI de ter acesso à referida base de dados representaria uma
atitude temerária que, seguramente, poderia acarretar o aumento de práticas
criminosas e prejuízos de difícil reparação aos usuários, notadamente no que
diz respeito à segurança das operações de aquisição de veículos novos e usados
pela sociedade piauiense, levadas a cabo através do instrumento da alienação
fiduciária. Por óbvio, o referido sistema impede que determinado veículo seja
financiado por instituições financeiras diferentes, em Estados-Membros
distintos da Federação.
No caso sub
examine, considerando a relevância da matéria e a possibilidade de instalar-se
um verdadeiro caos social e financeiro no Estado e em outras unidades
subnacionais que, igualmente, se socorrem do aludido sistema, em decorrência da
manutenção da declaração de nulidade do convênio em questão, o quê, a meu ver,
violaria, flagrantemente o princípio da eficiência e o da segurança dos
negócios jurídicos, entendo cabível, excepcionalmente, a atribuição de efeitos
modificativos aos vertentes embargos de declaração, na forma das disposições
preconizadas nos arts. 1.022 e 1.023, ambos do CPC, combinado com o Art. 495, do
RITCEPI.
Diante
disso e por tudo o mais que dos autos consta, em sintonia com o Parecer
Ministerial (Peça 18), voto pelo acolhimento dos presentes declarativos,
conferindo-lhe, excepcionalmente, os efeitos infringentes, para o fim de
reconhecer as omissões e a contradição apontadas na peça recursal, dar-lhe
PROVIMENTO e assim seja modificada a decisão embargada, de forma a declarar
a regularidade formal do convênio celebrado entre o DETRAN-PI e a FENASEG,
sobretudo no que diz respeito à preservação da competência do DETRAN/PI, em
razão da atividade de registro de gravame permanecer na competência do
DETRAN/PI, de acordo com a cláusula segunda, 2.1, letra a, do referido
convênio, já que aí se trata de poder de polícia, indelegável a entidade de
natureza privada. (Grifos meus)
O mesmo
ocorreu com o TCE/MT, que, ao apreciar recurso interposto contra o Acórdão n°
198/2014, deu provimento às razões invocadas pela FENASEG, declarando a regularidade formal do convênio celebrado com
o DETRAN-PI (Acórdão nº 136/2016), conforme razões sustentadas pelo conselheiro
relator Valter Albano da Silva (fls. 1731/1732 – vol. V):
A escolha
do Convênio também não encontra óbice na lei. De um lado a FENASEG visa
defender os interesses das instituições financeiras associadas, evitando o
risco de perdas causadas por possíveis fraudes nos registros, e de outro o
DETRAN/MT, que está obrigado por lei a registrar as anotações restritivas no
campo do Certificado de Registro de Veículos – CRV. Considerando, então, a
existência de interesses convergentes para implementar a garantia da segurança
jurídica dos financiamentos e registros veiculares, o convênio é forma adequada
para a execução do ajuste, e encontra previsão legal na Lei 8.666/93, que não
proíbe o recebimento de receitas. Portanto, sob o aspecto legal, a adoção do
modelo proposto não encontra óbice no ordenamento jurídico, mais sim incentivo
para a ampla descentralização dos serviços públicos não essenciais.
[...].
Diante do
exposto, acolho em parte o Parecer 6.170/15, do Ministério Público de Contas, e
VOTO no sentido de conhecer os recursos, para no mérito dar-lhes provimento a
fim de reformar o Acórdão 198/14, e excluir a determinação para que o DETRAN-MT
assuma diretamente, ou por meio de concessão, a execução dos serviços de gravames
prestados por meio do Convênio com a FENASEG, mantendo, as demais disposições
fixadas no Acórdão.
Mais
recentemente, em abono aos julgados trazidos pela FENASEG, observa-se que o TCE/MG também exarou decisão favorável à
regularidade de convênio análogo firmado com o DETRAN/MG:[9]
DENÚNCIA.
CONVÊNIOS. DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DE MINAS GERAIS (DETRAN/MG). FEDERAÇÃO
NACIONAL DAS EMPRESAS DE SEGUROS PRIVADOS E DE CAPITALIZAÇÃO (FENASEG).
DISPONIBILIZAÇÃO DE SISTEMAS. SISTEMA NACIONAL DE GRAVAMES (SNG). SISTEMA DE
REGISTRO DE CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (SIRCOF).
AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO PRÉVIO. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE.
CONVÊNIOS NÃO ENVOLVEM DISPÊNDIO DE RECURSO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA.
DESVIRTUAMENTO DO INSTITUTO JURÍDICO DO CONVÊNIO. NÃO OCORRÊNCIA. INTERESSES
CONVERGENTES DOS PARTÍCIPES. IMPROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. DESCUMPRIMENTO DE
OBRIGAÇÕES CONVENIADAS. EXAME PREJUDICADO.
[...]
2. O
Sistema Nacional de Gravames – SNG e o Sistema de Registro de Contratos de
Financiamento – SIRCOF foram desenvolvidos pela Federação Nacional das Empresas
de Seguros Privados e de Capitalização – Fenaseg, entidade sem fins lucrativos,
para viabilizar o envio aos órgãos executivos de trânsito, de forma eletrônica,
das informações necessárias ao registro dos contratos de financiamento, à
inserção e à liberação dos gravames.
3. Os
interesses do Departamento de Trânsito de Minas Gerais – Detran/MG e da
Fenaseg, na celebração dos Convênios n. 12, de 2009, e n. 127, de 2009, eram
convergentes, pois ambos visavam ao cumprimento dos preceptivos da Resolução
Contran n. 320, de 2009, e ao combate das fraudes nos contratos de
financiamento de veículos.
4. As
disposições da Lei n. 8.666, de 1993, consoante inteligência de seu art. 116,
não se aplicam aos convênios celebrados sem dispêndio de recursos públicos.
5. Nada
impede que particulares realizem doações em benefício dos cofres públicos, de
modo que a previsão dessa liberalidade nos instrumentos de ajuste não desnatura
a natureza dos convênios celebrados.
Na esteira
de tais julgados, e no intuito de preservar a coerência dos pronunciamentos dos
Tribunais de Contas sobre a matéria, entendo que os convênios sob análise podem
ser considerados formalmente regulares, em que pese as ressalvas deste
Ministério Público quanto ao papel da empresa mantenedora do banco de dados
disponibilizado pela FENASEG.
Tais
ressalvas, que serão melhor abordadas no encaminhamento final deste parecer,
perdem relevo no caso em apreço, uma vez que o Convênio nº 2013/TN/004613
expirou em dezembro de 2018, não tendo sido renovado pelo DETRAN/SC em função do advento da Resolução n° CONTRAN-689, de
27-9-2017, por meio qual foram estipuladas novas normas sobre o tema em debate,
implicando na remodelagem do sistema então vigente, a partir da criação do
Registro Nacional de Gravames – RENAGRAV (fls. 1958/1964 – vol. VI).
De toda
sorte, em caráter subsidiário, ainda que o Exmo. Relator entenda pela
irregularidade dos convênios, coaduno com o posicionamento posterior da equipe
técnica do Tribunal quanto à inexistência de motivos para punição dos agentes
inicialmente responsabilizados (fl. 2010-v – vol. VI).
Isso porque
os documentos carreados ao processo deixaram evidente que, ao tempo dos fatos
auditados, o modelo nacional impunha a adoção do convênio com a FENASEG, em virtude do exclusivo banco
nacional de dados privado mantido pela empresa CETIP (posteriormente B3 S/A),
que gerou verdadeiro monopólio no setor, conforme atestado por Miguel Reale
Júnior (fl. 1986-V – vol. VI).
2.2
– Ausência da devida prestação de contas dos recursos advindos dos Convênios
nºs 19.744/2008-0, 25815/2010-6 e 2013/TN/004613, em afronta às obrigações
estipuladas nos respectivos convênios e ao disposto no art. 70 da Constituição
Partindo igualmente
dos fatos trazidos pelos denunciantes, auditores do Tribunal impugnaram os
termos do Convênio nº 19.744/2008-0, sob o argumento de que inexistia prestação
de contas dos recursos repassados ao DETRAN/SC, relativamente ao registro dos
gravames e contratos efetuados pela FENASEG
(fls. 435/436-v – vol. II).
À semelhança
da irregularidade precedente, após as ponderações lançadas no Parecer n°
MPTC/38208/2015, auditores do Tribunal incluíram na restrição em comento os
Convênios nºs 25815/2010-6 e 2013/TN/004613 (fls. 1128/1129 – vol. III).
Nada
obstante, após a reanálise da questão à vista dos esclarecimentos prestados
pelos responsáveis, a equipe de auditoria do Tribunal considerou sanado o
apontamento, ao destacar que nos documentos constantes nos autos, foram
apresentadas diversos Termos de Transferência e Recebimento de Valores, com os
respectivos Demonstrativos das Operações de Registros de Contratos e
Demonstrativos das Operações de Gravames (fls. 1865/1866 – vol. V).
Analisando
os documentos juntados às fls. 1187/1355 – vol. IV, referentes aos exercícios
de 2011 a 2016, efetivamente constata-se a existência de documentos atrelados
aos repasses efetivados ao DETRAN/SC, capazes de evidenciar correlação entre os
valores envolvidos e as respectivas operações de registro.
O período a
que se referem os documentos coincide com o 3° Termo Aditivo ao Convênio nº
19.744/2008-0, em cuja cláusula 3.1, c, foi acrescida obrigação à FENASEG justamente de oferecer
mensalmente relatórios dos registros efetuados, para fins de mensuração dos
repasses acertados no convênio (fl. 642 – vol. II).
Portanto,
coaduno com a proposta de baixa do apontamento.
2.3
– Vigência irregular do Convênio n° 19.744/2008-0 após o prazo estipulado de 5
anos, nos termos da Cláusula 3.1 do referido
instrumento
No relatório
de instrução inicial, auditores do Tribunal impugnaram a suposta manutenção
extemporânea do Convênio n° 19.744/2008-0, ao argumento de que sua vigência
teria se estendido informalmente para além do prazo de validade estipulado até
26-12-2013 (fl. 434 – vol. II).
Na reanálise
do ponto, a equipe técnica reconsiderou o apontamento, sustentando que houve a
formalização tempestiva de novo convênio concomitantemente ao término da
vigência do anterior (fls. 1088/1088-v – vol. III).
De fato,
constata-se que o Convênio nº 2013/TN/004613, firmado em substituição ao de n°
19.744/2008-0, foi formalizado ainda em dezembro de 2013,[10]
de modo que não subsistem razões para a manutenção do apontamento.
2.4
– Modelo de gestão dos registros de gravames e contratos de financiamento de
veículos
A
questão de fundo tratada nos autos girou em torno da forma pela qual o
Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina operacionalizava o registro
de gravames e o registro dos contratos de financiamento de veículos no Estado.
Nos
termos do item 2 do Parecer n°
MPTC/38208/2015, sustentei a necessidade de avaliação quanto à pertinência na
manutenção do modelo então vigente, basicamente em virtude de sua possível
ineficiência quanto às taxas que estariam deixando de ser arrecadadas pelo
DETRAN/SC (fls. 1095/1105 – vol. III).
Na
oportunidade, consignei a inexistência de elementos processuais seguros capazes
de evidenciar o atrelamento do Estado ao banco de dados oferecido por
intermédio da FENASEG, ou, alternativamente,
a possibilidade de que o CIASC desenvolvesse software próprio com aplicativos
capazes de operacionalizar o sistema em âmbito estadual, implicando na
arrecadação de recursos diretamente pelo Estado.
A
preocupação justificava-se pelos fortes indícios de que, em verdade, o banco de
dados disponibilizado pela FENASEG
seria mantido por outra empresa privada (CETIP).
Esta,
por sua vez, auferia vultosas somas pagas pela sociedade com os registros
efetuados pelas instituições financeiras e posteriormente utilizados pelos
departamentos de trânsito.
No
processo de incorporação, pela CETIP,
da empresa originalmente gerenciadora dos dados (GRV), registrado na Comissão de Valores Imobiliários por meio do
Relatório n° SMI-26/2010, é possível evidenciar a forma de repartição dos
recursos financeiros movimentados por detrás dos convênios entabulados com os
diversos departamento de trânsito estaduais, bem como o papel central da
empresa CETIP (atual B3) em tais instrumentos firmados com a FENASEG:[11]
26. Quanto
à atividade, não há dúvidas de que o negócio da GRV nada tem com o mercado de
valores mobiliários. A GRV opera o "Sistema Nacional de Gravames",
sistema informatizado que funciona como base para processamento, registro e
guarda de informações e gravames relativos a financiamentos de veículos em todo
o país, com o objetivo de reduzir os riscos de fraudes na alienação fiduciária
de veículos e garantir a estabilidade sistêmica do processo.
27. A GRV
recebe de R$ 22,00 a R$ 42,00 por veículo que é financiado no Brasil pelo
fornecimento de uma plataforma eletrônica e administração da base de dados de
gravames e seus detalhes contratuais. A empresa alvo possui registro de todos
os financiamentos de veículos e está ligada a 27 DETRANs (Departamentos
Estaduais de Trânsito), com os quais divide as receitas de registro dos
gravames à seguinte proporção: 50% GRV; 25% DETRANs e 25% FENASEG -
Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização.
28. A
participação da FENASEG no processo é decisiva, uma vez que cabe a ela o
relacionamento direto com os DETRANs e o DENATRAN (Departamento Nacional de
Trânsito) para obter acesso ao banco de dados público do SNVA (Sistema Nacional
de Veículos Automotores). Existe um
contrato de exclusividade, com termo final em 2028, entre a FENASEG e a GRV.
(Grifos meus)
E
veja-se que já à época da confecção do Relatório n° de Auditoria n° 201412890, citado alhures, a CGU já identificara fortes suspeitas de
irregularidade na gestão nacional do sistema de gravames, a partir de delações
oriundas da operação Lava-Jato, reforçando as suspeitas iniciais deste
Ministério Público quanto à vantajosidade do modelo vigente para a
administração pública:[12]
Em
depoimento realizado em 04/11/2014, em delação premiada obtida na Operação Lava-Jato
da Polícia Federal, o doleiro Alberto Youssef apontou pagamento de suborno, em
contratos do Denatran para congressistas do Partido Progressista:
“QUE, no ano de 2008 ou 2009, na época em
que era Ministro das Cidades o Sr. MARCIO FORTES, foi indicado determinado
dirigente do DENATRAN pelo deputado JOAO PIZZOLATTI, salvo engano líder da
bancada do PP; QUE, esse dirigente proporcionou a transferência da
responsabilidade pelo registro das transferências de veículos para uma empresa
de nome GRF, ligada a FENASEG; QUE não sabe o nome do referido dirigente e nem
encontrou-se com o mesmo pessoalmente; QUE, não tem conhecimento ao certo como
foi formalizada a contratação dessa empresa, apenas que houve uma facilitação
por parte do DENATRAN para que ela atuasse sozinha nesse segmento; QUE, negocio
teria rendido cerca de R$ 20 milhões em comissões para o PP, montante que seria
pago em vinte parcelas; QUE, as parcelas eram pagas por um empresário de nome
MONTENEGRO, dono do IBOPE e sócio majoritário da FENASEG/GRF (ou GFR); QUE,
competia ao declarante receber as comissões em espécie no escritório do
declarante junto a Av. São Gabriel em São Paulo, sendo os valores entregues
pelo próprio JOAO PIZZOLATTI, e levar o dinheiro a Brasília; QUE esse dinheiro
era entregue a PIZZOLATTI na residência do mesmo em Brasília/DF, competindo ao
mesmo fazer a distribuição desses recurso; QUE, para esse serviço o declarante
recebeu cinco por cento do valor, ou seja, um milhão de reais; [...]; QUE, na
décima segunda ou terceira parcela dos pagamentos a empresa em questão foi
vendida a CETIP ou estava em vias de ser vendida, sendo os pagamentos
suspensos; QUE, foi realizada uma reunião no Rio de Janeiro, salvo engano no
ano de 2010 ou 2011 em que estava presente o declarante, PEDRO CORREA, JOAO
PIZZOLATTI e o presidente da FENASEG/GRF, cujo nome não recorda no momento; QUE,
essa reunião foi realizada em um almoço em um restaurante, sendo acordado que
os pagamentos iriam prosseguir, o que de fato ocorreu; QUE, a sistemática de
pagamentos foi mantida a mesma nesse período; QUE, não recorda se na época
a FENASEG/GRF já havia sido transferida ao controle da CETIP ou se os recursos
para o pagamento das comissões eram determinadas ainda pelos titulares antigos
da empresa; QUE, de fato a FENASEG/GRF foi adquirido pela CETIP nessa época;
QUE, JOSE JANENE não teria participado dessa negociação, apenas a autorizou
politicamente; QUE, diz ter condições de reconhecer o presidente da FENASEG/GRF
que teria participado do referido almoço caso veja a imagem deste.”
[...].
Recomendação
4: Recomenda-se ao Denatran que encaminhe os fatos à Corregedoria Setorial
do Ministério das Cidades (CRG-CGU) para que avalie a conveniência e
oportunidade de avocar apuração de responsabilidade ou determinar que o Ministério
das Cidades instaure o procedimento para apuração dos fatos citados nos itens
de 1 a 7: atividade exclusiva, falta de ampla concorrência, falta de
fiscalização, possível ilegalidade na autuação da Cetip/GRV e Fenaseg, fatos
relatados em delação premiada da Operação Lava Jato, falta de motivação para o
fim do GT Gravames e falta de folhas no processo do GT Gravames. (Grifos sublinhados meus)
De
toda sorte, analisando retrospectivamente a questão à luz das considerações
sobre o tema lançadas pelo professor Miguel Reale Júnior, é possível verificar
que o Estado estava realmente atrelado ao banco de dados disponibilizado pela FENASEG/CETIP, que atuava no mercado em
caráter de monopólio, na qualidade de única instância dotada de informações em
nível nacional capazes de integralizar o sistema de gravames e contratos com o
objetivo de evitar riscos de fraudes na alienação fiduciária de veículos.
Nesse
sentido, ilustrativa a resposta de Miguel Reale Júnior à indagação n° 2 da
consulta que lhe fora submetida pela Associação Nacional dos Detran’s (fls.
1987-v/1988):
2)
É lícita a atuação da empresa responsável pelas consultas de pré-gravame e pela
anotação do gravame, se, por exercer monopólio natural através do SNG, ela
recebe informação antecipada sobre a celebração de contratos de financiamento
de veículos, e, com tal informação privilegiada, já antecipa o registro dos
contratos, tornando inviável a atuação das outras empresas habilitadas a
fazê-lo?
RESPOSTA:
A empresa que assim age atua com claro abuso de posição dominante. Dá-se a
presença de um monopólio de fato, como decorrência de vínculos administrativos
facilitadores da prevalência ilegal da exclusividade de uma empresa, em
prejuízo da sadia competitividade. A exigência de registro junto ao SNG, a ser
feito unicamente pela CETIP, detentora do monopólio natural, antes do registro
do contrato junto ao DETRAN, constitui indevida inversão do processo,
manifestamente provocada para beneficiar uma única empresa. Dessa forma,
permite à CETIP S.A. – atual B3 – que receba informações antecipadas sobre os
contratos de financiamentos, antecipando-se, sempre e sempre, às demais
concorrentes no registro dos contratos perante o DETRAN-SP, impedindo que as
competidoras atuem. É claro o abuso de posição dominante. Serve-se de um
monopólio para criar outro.
A
infração à ordem econômica e o crime contra a ordem econômica estão
caracterizados. (Grifo meu)
Daí
porque o Ministério Público de Contas se posiciona pela decisão de regularidade
excepcional dos convênios analisados neste processo, pois, se de um lado os
instrumentos firmados com a FENASEG
implicavam no recebimento direto de lucros por parte da verdadeira empresa
privada mantenedora do banco de dados; de outro lado, havia verdadeira situação
fática de monopólio dos dados, inviabilizando processos licitatórios estaduais
efetivos para selecionar outras empresas capazes de garantir a estabilidade
sistêmica do setor.
Ou
seja, a situação em que se encontravam os departamentos estaduais de trânsito
era de sujeição perante a política nacional implicitamente estabelecida em
torno dos registros privados organizados pelo Sistema Financeiro Nacional,
tendo por base a normatização genérica da Resolução n° CONTRAN-320/2009.
Frente
a esta circunstância, logicamente que apenas a partir de mudanças em nível
nacional é que seria possível pensar na adoção de modelo alternativo ao então
vigente, conforme consignado pelo próprio analista do CIASC, Sr. Amílcar
Fernandes Abreu, em resposta à diligência propugnada por este Ministério
Público (fls. 1874/1875 – vol. V):
d)
Nos dias atuais é possível a elaboração de software compatível com o Sistema
Nacional de Gravames?
RESPOSTA:
Sim, é possível, desde que o DENATRAN e o SERPRO estejam envolvidos, pois
trata-se de um sistema que atenderá a todos os estados. (Grifo meu)
E
justamente no decorrer da instrução processual, adveio a edição da Resolução n°
CONTRAN-689, de 27-9-2017, por meio qual foram estipuladas novas normas sobre o
tema em debate, implicando na remodelagem do sistema então vigente, a partir da
criação do Registro Nacional de Gravames – RENAGRAV (fls. 1958/1964 – vol. VI).
De
acordo com o art. 3°, I, da referida resolução,[13]
o RENAGRAV será organizado, mantido e gerenciado pelo próprio DENATRAN,
rompendo com o antigo monopólio privado dos dados.
Outrossim,
a teor dos arts. 5°, incisos I a III, 33 e 34 da norma, os custos de
apontamento serão determinados e diretamente pagos ao DENATRAN, sem prejuízo da
fixação de taxas pelos DETRAN´s estaduais para o efetivo registro dos contratos
e gravames, no exercício da competência estipulada no art. 1361, § 1°, do
Código Civil:[14]
Art.
5º Para fins desta Resolução, considera-se:
I
- Apontamento: é a anotação prévia e provisória de Gravame no RENAGRAV, feita
pelas instituições financeiras, as administradoras de consórcios, as sociedades
de Arrendamento Mercantil ou entidades de registro e de liquidação financeira,
autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, por meio das empresas
credenciadas pelo DENATRAN
II
- Registro de Contrato: procedimento realizado pelos órgãos e entidades
executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, mediante solicitação
do Declarante, com base em instrumento público ou particular, com garantia de
alienação fiduciária em operações financeiras, consórcio, Arrendamento
Mercantil, Reserva de Domínio ou Penhor de veículo automotor, produzindo plenos
efeitos probatórios contra terceiros;
III
- Gravame: a anotação efetuada pelos órgãos ou entidades executivos de trânsito
dos Estados e do Distrito Federal, no campo de observações do CRV e CRLV,
decorrente do Registro de Contratos de garantias de Alienação Fiduciária em
operações financeiras, consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva de Domínio ou
Penhor.
[...]
Art.
33. Os custos relativos ao Apontamento e ao protocolo do Registro de Contrato
serão determinados e pagos diretamente ao DENATRAN, pela ECD ou empresa
registradora de contrato, respectivamente, ficando à cargo do órgão ou entidade
executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal o efetivo registro do
contrato e a determinação do respectivo valor, através de taxa, tarifa ou preço
público, para esse procedimento.
Art.
34. O órgão ou entidade executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal
é responsável pela cobrança do respectivo valor de registro do contrato.
Para
o efetivo registro dos contratos e gravames, veja-se que os departamentos
estaduais poderão delegar os atos executórios a terceiros, mediante
credenciamento ou contratação, nos termos do art. 10, § 1°, da resolução em
comento:
Art.
10. O protocolo das informações para o registro do Contrato será realizado por
empresa registradora de contratos, por meio da obtenção dos dados encaminhados
pelas instituições credoras e daqueles constantes do RENAGRAV, a qual
transmitirá as informações aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos
Estados e do Distrito Federal para efetivação do registro do contrato.
§
1º Os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito
Federal deverão implementar os novos procedimentos para registro dos contratos
nos termos desta Resolução, cabendo-lhes a supervisão e o controle de todo o
processo de forma privativa e intransferível, podendo sua execução ser
realizada por terceiros, mediante credenciamento e/ou contratação.
Como se vê, a Resolução nº CONTRAN-689/2017 foi editada para
superar o uso da plataforma particular de dados da empresa B3 (antiga CETIP), eliminando o monopólio privado no setor, bem
como criando a possibilidade de que os DETRAN’s realizem, em sua respectiva
base territorial, a seleção de empresas para proceder ao registro de contratos
e gravames.
Em
vista dessas novas disposições, o Exmo. Relator, em sua última manifestação nos
autos, determinara ao gestor do DETRAN que comprovasse, em 60 dias, o
implemento das mudanças exigidas pela Resolução n° CONTRAN-689/2017,
especialmente no que tange aos aspectos relacionados à implementação do Sistema
RENAGRAV (fl. 2019 – vol. VI).
Em
que pese o gestor não tenha apresentado qualquer manifestação até o momento,
importante destacar que a implementação do RENAGRAV (postergada para 31-3-2019
por meio da Resolução n° CONTRAN-739/2018),[15]
incumbe ao próprio DENATRAN, que deverá credenciar empresas na qualidade de
ECD´s, no intuito de alimentar o novo banco nacional público de dados, conforme
redação dos arts. 6° e 19 do novel regramento:
Art.
6º Antecedendo o envio das informações para registro do contrato, a instituição
credora deverá requerer, de forma preliminar, por meio de Empresa Credenciada
pelo DENATRAN (ECD), o Apontamento da informação destinada à inserção do
Gravame correspondente ao registro de contratos de garantias de alienação
fiduciária em operações financeiras, consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva
de Domínio ou Penhor.
§
1º O Apontamento será realizado pela ECD, exclusivamente por meio eletrônico no
Sistema RENAGRAV, e constará em campo próprio do cadastro do veículo, enquanto
não realizado o registro do contrato, devendo a instituição credora armazenar
arquivo eletrônico relativo à proposta de financiamento ou documento
equivalente, para fins de consulta pelos órgãos ou entidades executivos de
trânsito dos Estados e do Distrito Federal.
[...]
Art. 19. As pessoas jurídicas interessadas em realizar a
prestação de serviços de Apontamento deverão requerer seu credenciamento junto
ao DENATRAN.
Portanto,
acredita-se que a verificação da adequação do DETRAN/SC às novas disposições
sobre a matéria deverá focar na atuação do órgão estadual a respeito do
registro de contratos e gravames, conforme dispositivos citados mais acima, e não
no registro dos apontamentos no RENAGRAV, que será administrado pelo órgão
nacional de trânsito, em cooperação com empresas credenciadas cuja atuação,
inclusive, não poderá se dar concomitantemente a atividades de registro de
contratos e gravames junto aos estados (art. 10, § 4°, inc. I, da resolução).[16]
Em
consulta ao repositório de normas do DETRAN/SC,[17]
foi possível identificar que, já em 28-2-2018, o diretor-presidente do DETRAN
catarinense editou a Portaria n° 59/DETRAN/ASJUR/2018,[18]
dispondo sobre o credenciamento de empresas a fim de efetuarem registros
eletrônicos de contratos de
financiamento de veículos com cláusula de alienação fiduciária, arrendamento
mercantil, reserva de domínio ou penhor.
Pouco tempo
depois, a sobredita norma foi revogada e substituída pela Portaria n°
76/DETRAN/ASJUR/2018,[19]
trazendo novas disposições sobre o mesmo tema.
Paralelamente,
também houve a edição da Portaria n° 69/DETRAN/ASJUR/2018,[20]
dispondo sobre a nova gestão do sistema de Registro de Gravame e o Registro de
Contratos com cláusula de Alienação Fiduciária em operações financeiras,
consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva de Domínio ou Penhor.
Mais
recentemente, observa-se que houve a revogação deste último ato, conforme
Portaria n° 33/DETRAN/ASJUR/2019,[21]
sem que fosse identificada norma substitutiva disciplinando a nova gestão do
registro de contratos e gravames no âmbito do departamento de trânsito
catarinense.
Diante desse
contexto, o Ministério Público de Contas entende que, a par do julgamento a ser
proferido quanto às restrições analisadas neste processo, a complexidade da
matéria justifica inclusão da questão no programa de fiscalização do Tribunal
de Contas, a fim de que seja realizada auditoria específica destinada a
fiscalizar a integral adequação do DETRAN/SC à Resolução n° CONTRAN-689/2017, com enfoque nas medidas
adotadas pelo departamento para estruturar a nova gestão do sistema de
Registro de Gravame e o Registro de Contratos, bem como nos atos de
credenciamento de empresas e na vantajosidade do modelo eleito sob a
perspectiva do recolhimento, para os cofres do Estado, das eventuais taxas ou
preços públicos fixados com amparo no art. 33 da sobredita resolução.
A auditoria
justifica-se também para eventual comunicação de irregularidades ao DENATRAN,
nos termos do art. 29 da Resolução n° CONTRAN-689/2017,[22]
com vistas a garantir correta atuação do DETRAN/SC dentro dos novos parâmetros
nacionais fixados acerca da matéria.
3
- CONCLUSÃO
Ante o
exposto, o Ministério Público de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo
na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar Estadual n°
202/2000, manifesta-se pela adoção das seguintes providências:
3.1 – DECISÃO de REGULARIDADE
dos atos fiscalizados neste processo, a teor do disposto no art. 36, § 2°, da
Lei Orgânica do Tribunal de Contas.
3.2 – INCLUSÃO de AUDITORIA no
Programa de Fiscalização do Tribunal de Contas, a fim de que seja fiscalizada a
adequação do DETRAN/SC à Resolução n° CONTRAN-689/2017,
com enfoque nas medidas adotadas pelo departamento para estruturar a nova gestão
do sistema de Registro de Gravame e o Registro de Contratos, bem como nos atos
de credenciamento de empresas e na vantajosidade do modelo eleito sob a
perspectiva do recolhimento, para os cofres do Estado, das eventuais taxas ou
preços públicos fixados com amparo no art. 33 da sobredita resolução.
3.3 – DAR CIÊNCIA deste
parecer e da decisão vindoura aos denunciantes, aos responsáveis, aos atuais gestores
da SSP e do DETRAN/SC, bem como à Federação
Nacional das Empresas de Seguros Privados, com o consequente ARQUIVAMENTO
do processo, ante a realização do seu objeto.
Florianópolis,
6 de março de 2019.
ADERSON
FLORES
Procurador
de Contas
[1] Fls. 1143/1144 e 1146 – vol. III.
[2] Fl. 1652 – vol. V.
[3] 4.2 – APROFUNDAMENTO da
INSTRUÇÃO PROCESSUAL, mediante retorno dos autos à Diretoria de Controle de
Licitações e Contratos - DLC, a fim de: [...];
4.2.3
- avaliar junto aos órgãos competentes (SSP/SC, DETRAN/SC, CIASC e DENATRAN), a
pertinência na manutenção do atual modelo de gestão dos registros de gravames
(SNG) e contratos (SIRCOF), considerando a possível renúncia de receitas e a
possibilidade de o Estado desenvolver, sem intermediários, software próprio
para a prestação dos serviços, ou contratar empresa, via licitação, para desenvolvê-lo.
[4] Fls. 2013/2014 – vol. VI.
[5] Sessão ordinária de 18-12-2017.
[6] Posteriormente os serviços dos convênios
firmados em 2008 e 2010 foram abarcados pelo Convênio n° 2013/TN/004613.
[7] Disponível em:
<https://auditoria.cgu.gov.br/download/7935.pdf>. Acesso em: 11-2-2019.
[8] Acórdão referenciado no Parecer n°
MPTC/38208/2015 (fl. 1107 – vol. III).
[9] Disponível em: <https://tcnotas.tce.mg.gov.br/TCJuris/Nota/BuscarArquivo/1722121>.
Acesso em: 12-2-2019.
[10] Fl. 551 – vol. II.
[11] Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/decisoes/anexos/0007/7384-0.pdf>.
Acesso em: 12-2-2019.
[12] Disponível em:
<https://auditoria.cgu.gov.br/download/7935.pdf>. Acesso em: 11-2-2019.
[13] Art.
3º Compete ao DENATRAN: I - organizar, manter e gerenciar o RENAGRAV; [...]
[14] Art.
1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel
infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
§ 1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o
registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe
serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor,
ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento,
fazendo-se a anotação no certificado de registro.
[15] Art.
1º - Alterar o art. 38, da Resolução Contran nº 689, de 27 de setembro de 2017,
que passa a vigorar com a seguinte redação:
[16] Art. 10 [...] § 4º Não poderão atuar como registradoras de contrato
junto aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito
Federal as: I - empresas credenciadas pelo DENATRAN para realizarem o
apontamento; [...]
[17] Disponível em:
<http://www.detran.sc.gov.br/legislacao>. Acesso em: 14-2-2019.
[18] Disponível em: <file:///C:/Users/9695206/Downloads/Portaria%200059_18_ASJUR%20-%20Credenciamento%20Financeiras%20Contratos%20SNG.pdf>.
Acesso em: 14-2-2019.
[19] Disponível em:
<file:///C:/Users/9695206/Downloads/Portaria%200076_18_ASJUR%20-%20Credenciamento%20Empresas%20Registro%20Contratos%20-%20SNG%20-%20C%C3%B3pia.pdf>.
Acesso em: 14-2-2019.
[20] Disponível em: <file:///C:/Users/9695206/Downloads/Portaria%200069_18_ASJUR%20-%20Atribui%C3%A7%C3%B5es%20GEIET%20-%20Registro%20Gravame_Contratos%20(3).pdf>.
Acesso em: 14-2-2019.
[21] Disponível em:
<file:///C:/Users/9695206/Downloads/Portaria%200033_19%20Revoga%20Portaria%200069_2018%20-%20Registro%20de%20contratos.pdf>.
Acesso em: 14-2-2019.
[22] Art.
29. Verificada, mediante ação de auditoria ou fiscalização do DENATRAN ou dos
órgãos de controle interno ou externo da União, dos Estados e do Distrito
Federal, a não observância das disposições contidas nesta Resolução, o DENATRAN
providenciará a autuação de Processo Administrativo para apuração, sem prejuízo
de outras medidas legais e ou administrativas cabíveis.