PARECER
nº: |
MPTC/4705/2011 |
PROCESSO
nº: |
PPA 09/00226102 |
ORIGEM: |
Departamento de Transportes e Terminais -
DETER |
INTERESSADO: |
Instituto de Previdência do Estado de Santa
Catarina - IPREV |
ASSUNTO: |
Ato de Concessão de Pensão de Marina
Venturini |
1.
RELATÓRIO
Cuida-se de ato de concessão de
pensão por morte, submetido à apreciação dessa Corte de Contas.
A Diretoria de Controle de Atos de
Pessoal observou, através do Relatório de Instrução n.º 3415/2011, que o
registro da aposentadoria do servidor instituidor da pensão, Sr. Aidil Soares,
foi denegado por esse Tribunal de Contas nos termos da Decisão n.º2182/2008, do
Processo n.º SPE-07/00240497, sugerindo da Audiência do Presidente do IPREV
para que apresente justificativa a respeito das seguintes irregularidades:
a) Enquadramento do servidor no
cargo único de Analista Técnico em Gestão de Controle de Transportes e
Terminais, com base na LC 354/06, considerado irregular por agrupar funções de
indicam graus extremamente desiguais de responsabilidade e complexidade de
atuação, já que essa situação agride o disposto no §1º, incisos I, II e III do
art. 39 da Constituição Federal;
b) Ausência de esclarecimentos
quanto à fórmula de cálculo da Gratificação de Serviços de Transporte - código
1454, concedida nos termos da Lei Complementar n. 299/2005, ou seja, há
necessidade de se apresentar dados referentes à receita do Órgão do ano
anterior, o somatório total do vencimento, complemento do piso do Estado e
Gratificação de Desempenho de Atividade Especial dos servidores ativos e
inativos da Fatma, bem como deverão ser fornecidos os demais dados exigidos
pela Lei acima mencionada, demonstrando-se, inclusive, a fórmula de cálculo de
maneira completa e específica para o servidor interessado na presente
aposentadoria.
O
IPREV, por sua vez, alberga sua tese de defesa, no tocante ao enquadramento do
servidor, expondo que a alteração promovida pela LC 354/06 é verificada tão
somente do ponto de vista formal, uma vez que foi criada uma nomenclatura única
para o cargo em sentido amplo, entretanto sendo possível diferenciar as
diversas competências existentes, que, por sua vez respeitam as linhas de
correlação e mantêm a identidade dos antigos cargos.
Analisada a justificativa, em grau
de reinstrução a Unidade Técnica alertou a respeito da ausência de manifestação
do IPREV quanto à restrição da fórmula de cálculo da Gratificação de Serviços
de Transporte, além de entender que a incorreção referente ao enquadramento do
servidor em cargo único não foi sanada, já que afeta sobremaneira os arts. 37,
II e 39, §1º, I, II, III da Constituição Federal.
Expôs a DAP que a Lei Complementar
n. 354/2006 possibilitou a irregular transposição de cargos, especificamente
através dos arts. 14 e 15, que tratam da progressão por nível de formação. Reforça
a premissa citando a ADI 3966/2007, em andamento no Supremo Tribunal Federal,
proposta pelo Procurador-Geral da República, cujo objeto é o questionamento
desses preceitos.
Ressaltou que se referida ADI for
julgada procedente poderá a Corte Suprema entender que os dispositivos ali
declarados inconstitucionais têm relação de dependência com a unicidade de
cargo, prevista no art. 4º da mesma lei. E sob a égide da teoria do
arrastamento, também declará-lo inconstitucional.
Assim, ao final, opinou pela denegação
do registro do ato de concessão de aposentadoria, nos termos do art. 36, §2º,
“b”, da Lei Complementar (Estadual) n.º202/2000, em razão das duas
irregularidades detectadas, ressalvando a prejudicialidade do art. 41, caput,
do Regimento Interno, a fim de dar continuidade ao pagamento da pensão à
beneficiária.
2.
DO MÉRITO
Após análise minuciosa dos autos,
este Órgão Ministerial, no propósito de auxiliar a Corte de Contas no
julgamento da matéria em debate, destaca-se o que segue abaixo:
2.1
DOS EFEITOS DECORRENTES DO POSSÍVEL PRONUNCIAMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA
LEI N.º354/2006
Denota-se que o cerne da questão versa sobre a
inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º354/2006, defendida pelo Corpo
Técnico, que estaria por impedir o registro do ato de concessão da
aposentadoria. Os preceitos atacados dizem respeito ao enquadramento do
servidor no cargo de Analista
Técnico em Gestão de Controle de Transportes e Terminais.
É sabido que se diferenciam os dois
sistemas de controle de constitucionalidade - concentrado e difuso – pelo
efeito de suas decisões, sendo que o controle difuso comporta o efeito ex tunc, isto é, quando a declaração da
inconstitucionalidade da norma retroage desde o seu nascimento. O controle
concentrado, da mesma forma, aceita o efeito ex tunc, porém, além disso, pode o STF dar à decisão efeitos
prospectivos, ou seja, para o futuro – denominado ex nunc.
No que concerne ao efeito EX TUNC tem-se,
como visto, a retroatividade da norma à sua época de origem. Ademais,
partindo-se do princípio da nulidade da norma declarada inconstitucional,
verifica-se o fenômeno denominado efeito repristinatório, através do
qual a eficácia da legislação anterior ao caso existente é restaurada,
restabelecendo o status quo ante.
Noutro dizer, a norma declarada
inconstitucional não é capaz de tornar sem efeito eficazmente a lei que a
antecedeu, uma vez que nasceu nula.
Nas palavras do Ministro Celso de Mello:
"A declaração de
inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa
competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em
remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme
ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as consequências daí
decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das
normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional" (STF -
Pleno, Ac. un. ADIn 652-5-MA - Questão
de Ordem - Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.04.93, p. 5.615).
Aplicando-se
essa teoria ao caso em exame, ou seja, retroagindo-se o efeito à lei precedente
e restabelecendo-se a eficácia da norma afetada pelo ato declarado
inconstitucional, torna-se incontroverso o direito do requerente, devendo
contabilizar-se, para fins de registro, o tempo laborado sob a égide da norma
que venha a ser declarada inconstitucional.
De outro vértice, partindo-se da
proposição da declaração da inconstitucionalidade, com efeito EX
NUNC, ressalte-se que por razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social poderá o Supremo Tribunal Federal em suas decisões
definitivas atribuí-las efeitos futuros.
Trata-se de interpretação
excepcional, cuja finalidade é evitar a ocorrência de maiores danos sociais com
a retroatividade da declaração de inconstitucionalidade.
Ensina o Ministro Gilmar Mendes que:
“Razões
de segurança jurídica podem obstar à revisão do ato praticado com base na lei
declarada inconstitucional. Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo
em vista razões de segurança jurídica, a supressão da norma poderá ser mais danosa
para o sistema do que a sua preservação temporária.” (STF, AC 189/SP – Rel.
Min. Gilmar Mendes, Diário da Justiça, Seção I, 15 abril 2004, p.14).
Portanto, pode-se dizer que a Corte
Suprema mostra cautela ao examinar o tema da inconstitucionalidade em tese, eis
que a decisão afetará a todos os jurisdicionados que se encontrem em
determinadas situações regidas pela norma cuja inconstitucionalidade esteja
sendo arguida, sem olvidar das relações jurídicas já consolidadas, que não
podem, sob pena de ofensa à regra da segurança jurídica, ser desconstituídas.
Sob
esse prisma, subjugando o caso concreto aos efeitos supervenientes de uma
possível declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, e lembrando,
ainda não declarada, o direito do servidor permanece inalterado.
Logo,
independentemente do efeito que se adote nessa suposta declaração de
inconstitucionalidade - ex nunc ou ex tunc - o direito do servidor resta
inequívoco quanto à sua aposentadoria.
2.2 DA POSSIBILIDADE
DE APLICAÇÃO DO ART. 40 DO REGIMENTO INTERNO
Na análise procedida, o Órgão Instrutivo concluiu pela
prejudicialidade da aplicação do art. 41 do Regimento
Interno ao caso concreto. Considerou que o servidor cumpriu os
requisitos constitucionais necessários à concessão do benefício, por isso, o
dispositivo não se amoldaria à denegação do registro do ato.
Assim, como o próprio Corpo Técnico
afirmou, o requerente atendeu aos preceitos constitucionais que garantem à
aposentadoria, fazendo jus ao direito.
Contudo, o seu enquadramento irregular
levou à conclusão pela denegação do registro do ato, com supedâneo no art. 36,
§2º, b, da Lei Complementar n. 202/2000.
Dos argumentos apresentados,
verifica-se que essa Corte de Contas criou para si um imbróglio jurídico, em
que anuncia estarem cumpridos os requisitos constitucionais, atestando o
direito do requerente, mas negando o registro em razão do vício na forma de
provimento do servidor no cargo em que se deu a aposentadoria.
No
entanto, o ato será passível de registro se não houver irregularidade quanto ao
mérito. Premissa normativa capitulada no art. 40 do Regimento Interno, in
verbis:
Art.
40. O Tribunal decidirá pela ilegalidade e recusará o registro do ato de
concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva ou pensão que
apresentar irregularidade quanto ao mérito.
Hely Lopes Meirelles conceitua
mérito administrativo:
O conceito de mérito
administrativo é de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença
toda a vez que a Administração decidir ou atuar valorando internamente as
consequências ou vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se,
portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela
Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a
conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. (MEIRELLES, H. L. Direito
Administrativo Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1990).
Ora, percebe-se no caso concreto,
que não há vício quanto ao mérito, mas sim, em questão puramente formal. Nesse
norte, não há que se discutir questão prejudicial. Resta patente, para tanto, a possibilidade do registro do ato
aposentatório.
2.3
DO JULGAMENTO DA ADI PELO STF X INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO TCE/SC E
AS CONSEQUÊNCIAS DA DENEGAÇÃO DO REGISTRO
Muito embora a discussão acerca da
inconstitucionalidade invocar apenas dois artigos da Lei Complementar nº
354/2006 (arts. 15 e 16), a Instrução utiliza-se dessa inferência para levantar
a teoria da inconstitucionalidade por arrastamento, objetivando tornar inconstitucional,
também, o artigo 4º da mesma norma.
O Corpo Técnico entende que tal
dispositivo legal torna possível a transposição de cargo, se preenchidos os
requisitos estabelecidos nos artigos 15 e 16 da Lei Complementar nº 354/2006,
claramente vedada pela Carta Constitucional.
Este Órgão Ministerial entende que
tal ilação pode ser precipitada.
Supondo que o Supremo Tribunal
Federal julgue pela constitucionalidade da Lei n.º 354/2006 e o Tribunal de
Contas, por seu turno, precedente ao julgamento da ADIN, pugne pela
inconstitucionalidade e denegue o registro do ato de aposentação.
Ou mais, supondo que o STF não acate
a teoria levantada do arrastamento, que, registre-se, não se encontra
positivada no nosso ordenamento jurídico. Quais efeitos advirão da denegação do
registro?
E não se trata tão somente de
denegar ou não o registro. Afetará diretamente a credibilidade das decisões
impostas por essa Corte de Contas.
Como bem enumerado pelo Corpo
Instrutivo, o Estado editou várias leis com idêntico preceito normativo.
Impende frisar que serão objeto de análise dessa Corte de Contas inúmeros
processos como o mesmo fundamento fático e jurídico.
Ter-se-á como consequência direta, a
necessidade de nova análise de todos os processos, em caso de julgamento pela
constitucionalidade das indigitadas normas.
A denegação desses registros com
base em uma possibilidade jurídica remota, entre várias que o STF poderá vir a
adotar, enseja julgamento temerário.
Não se pode olvidar que com a
denegação do registro, a Administração Pública Estadual estará impedida de
efetuar a compensação financeira dessa aposentadoria, entre os demais regimes
da previdência social, importando em prejuízo ao erário.
3.
CONCLUSÃO
Assim, considerando que o Tribunal
de Contas entende clarividente o direito do requerente;
Considerando os efeitos decorrentes
de uma possível declaração de inconstitucionalidade;
Considerando que o art. 4º, criador
da unicidade de cargo, não está em discussão na ADI 3966/2007, e que a teoria
do arrastamento pode não vir a ser aplicada quando do julgamento da ação;
Considerando o disposto no art. 40
do Regimento Interno dessa Casa;
Considerando a impossibilidade de
compensação financeira do Estado com outros Regimes de Previdência Social;
Considerando imprescindível a
prevalência da segurança jurídica nos casos concretos;
Este Órgão Ministerial pugna pelo
registro do ato de aposentação do requerente.
Florianópolis, 17 de outubro de
2011.
MAURO ANDRÉ FLORES PEDROZO
Procurador-Geral do Ministério
Público
Junto ao Tribunal de Contas
ar