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Processo n°: | CON - 06/00521800 |
Origem: | Câmara Municipal de São Martinho |
Interessado: | Claudio Rocha |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-697/06 |
EMENTA. Consulta. Bens imóveis municipais. Alienação mediante venda.
Nos procedimentos a serem adotados quando da alienação de bens imóveis integrantes do patrimônio da municipalidade, deverá ser demonstrada a necessidade do ato e do efetivo interesse público, avaliação prévia dos bens e autorização legislativa específica, bem como a realização de certame licitatório quando exigido, dentro da legislação vigente.
Concessão do direito real de uso.
Quando o Município conceder incentivos para instalações de empreendimentos, envolvendo a disponibilização de bens imóveis públicos a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), atendidos os princípios da igualdade e da impessoalidade, deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio público, mediante lei autorizativa, onde também disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades para as quais houve a concessão e prevendo a reversão do bem para o município após o transcurso do prazo da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público, evitando-se a doação de bens imóveis públicos a particulares.
Senhor Consultor Geral, em exercício
O Presidente do Poder Legislativo de São Martinho , Vereador Cláudio Rocha, consulta este Tribunal de Contas para dirimir dúvidas acerca de procedimentos a serem adotados, quando da venda de bens imóveis constantes do patrimônio público municipal, bem como da utilização do instituto da concessão de direito real de uso de prédio público, como forma de incentivo para pessoa jurídica de direito privado.
Este, o relatório.
A parte é legítima para propor a consulta, a teor do inciso II, do art. 103, do Regimento Interno deste Tribunal.
A matéria pertine, podendo dela conhecer esta Corte de Contas, por força do inciso XII, do art. 59, da Constituição Estadual.
Consoante já explicitado, no primeiro tópico da consulta, o ilustre signatário indaga "quais os procedimentos que devem ser adotados pelo Município quando da venda de bens imóveis constantes do patrimônio público municipal."
Com efeito, estabelece a Lei Orgânica do Município de São Martinho:
"Art. 85 - Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.
(...)
Art. 87 - A alienação de bens municipais, subordinada à existência de interesse público, devidamente justificado, será sempre precedida de avaliação e obedecerá as seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa e concorrência pública, dispensada esta nos casos de doação e permuta;
(...)"
O Texto Orgânico é de clareza meridiana, norteando ao Administrador os limites e a destinação dos bens municipais. Impõe-se que, nos diversos atos administrativos que pretende, justifique a existência do interesse público, preceda de avaliação os bens a serem eventualmente alienados, e, busque no legislativo da municipalidade a necessária autorização que será consubstanciada em Lei.
Por força de preceptivo contido na Constituição Federal, a regra é a realização de licitação, inclusive para alienação de bens imóveis, a que se obrigam todas as pessoas jurídicas da administração direta e indireta, senão vejamos:
"Art. 37 - (...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações." (grifo nosso)
Evidenciando-se a necessidade de licitação, necessário se faz a verificação dos preceitos insculpidos na Lei nº 8.666/93:
"Art. 17 - A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
a) dação em pagamento;
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;
c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inc. X do art. 24 desta Lei;
d) investidura;
e) venda a outro órgão ou entidade da administração Pública, de qualquer esfera de governo;
f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da Administração Pública especificamente criados para esse fim."
Por força da Adin nº 927-3/RS, o Supremo Tribunal Federal decidiu suspender para os Estados, Distrito Federal e Municípios a eficácia da expressão "permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo", contida na letra "b" do inc. I; suspender os efeitos da letra "c" do inc. I; suspender a eficácia da expressão "permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública", contida na letra "b" do inc. II, e, suspender a eficácia do § 1º.
Como cita Cretella Junior, "no campo do Direito Público, domina a idéia de indisponibilidade. O administrador não tem a proprietas do bem público, não tem o direito de jogar com o interesse público de tal maneira que dele disponha a seu talante. O interesse público não fica à mercê do agente público. Tem regras que o restringem. É intangível e indisponível. O administrador não é o dono. É guarda ou fiscal da coisa pública. Sua vontade não conta. As atividades que pratica são orientadas a um fim", afirmando ainda que "sem licitação, a alienação é nula, em qualquer de suas modalidades." (Das Licitações Públicas. 1ª ed. Forense, p. 205).
Desta forma, os imóveis públicos municipais estão subjugados à disciplina da lei 8.666/93, que exige licitação na modalidade de Concorrência, salvo nos estritos casos especificados no citado diploma legal. A propósito, já decidiu o Poder Judiciário:
"ALIENAÇÃO DE IMÓVEL - BEM DO MUNICÍPIO - CONCORRÊNCIA PÚBLICA - É nula a venda de imóvel, feita através de hasta pública pela Prefeitura, ainda que tenha havido lei autorizativa, quando a Constituição do Estado à época exigia e impunha a concorrência pública para alienação de bens do Estado ou do Município." (TJMG - AC 70.937 - 4ª C. - Rel. Des. Francisco Figueiredo - J. 11.02.1988) (JM 101/103).
Oportuno lembrar do conceito de concorrência especificado no § 3º do art. 21 da Lei das Licitações:
"§ 3º - A concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra ou alienação de bens imóveis, ressalvado o disposto no art. 19, como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no País." (grifamos)
Ressalte-se, ainda, que haveria afronta ao princípio da impessoalidade e da isonomia na venda de imóveis públicos sem licitação. A Constituição estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Portanto, todos têm o direito de receber da Administração Pública o mesmo tratamento. Este princípio é melhor viabilizado na existência da licitação.
O princípio da igualdade/isonomia "tem por finalidade garantir a identidade de situação jurídica para o cidadão em sua relação com a administração pública. Não se refere, conforme se depreende do texto constitucional, a um aspecto ou a uma forma de organização social, existe como um postulado de caráter geral, com a missão de ser aplicado em todas as relações que envolvem o homem. É um direito fundamental que exige um comportamento voltado para que a lei seja aplicada de modo igual para todos os cidadãos, desde que se encontram em situações uniformes. Nenhuma das funções estatais, a legislativa, a administrativa e a judiciária, pode estabelecer privilégios e discriminações no trato dos componentes do organismo social, sob pena de se ferir o seu conteúdo político-ideológico." (José Augusto Delgado. Princípios Jurídicos Aplicados à Licitação. Publ. na RJ nº 216 - Out/95, p. 126)..
Já o princípio da impessoalidade, que também decorre do próprio princípio da igualdade ou isonomia, se traduz na idéia de que a Administração deve tratar os administrados sem discriminações nem favoritismos. Busca-se, através deste princípio, a instauração de um governo que vise a consecução do bem de todos, acima de qualquer personalismo e de projetos de cunho eminentemente personalistas. Este princípio pode ser ilustrado através da exigência de que sempre haja licitação pública, nos termos do art. 37, XXI, da CF, tanto para compras, contratação de obras e serviços ou alienação de bens.
Destarte, à luz da interpretação sistemática das normas legais, da inteligência doutrinária e jurisprudencial, é possível afirmar com segurança que, nos procedimentos a serem adotados quando da alienação de bens imóveis integrantes do patrimônio da municipalidade, deverá ser demonstrada a necessidade do ato e do efetivo interesse público, avaliação prévia dos bens e autorização legislativa específica, bem como a realização de certame licitatório quando exigido, dentro da legislação vigente.
Num segundo questionamento, o consulente indaga se "pode o Município proceder com a permissão gratuita de utilização, de um galpão de alvenaria, constante do patrimônio público municipal, como forma de incentivo para a permanência em atividade de empresa particular (pessoa jurídica), com capacidade para a geração de quarenta empregos diretos, valendo-se do instituto da concessão de direito real de uso, mediante à aprovação de Lei Municipal."
Da forma como foi colocado o questionamento que nos foi dirigido, frisamos que a competência desta Corte está delineada no inciso XII do art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado, restringindo a análise das consultas somente àquelas que forem formuladas sobre interpretação de lei ou em tese relativas a matéria sujeita a sua fiscalização. Parece-nos, à primeira vista, que, trata-se de um ato já especificamente dirigido, quando o nobre signatário revela sua pretensão em proceder a concessão de direito real de uso "como forma de incentivo para a permanência em atividade de empresa particular, com capacidade para a geração de quarenta empregos diretos".
Considerando que o e. Plenário desta Casa já pronunciou-se, em tese, sobre o assunto, passemos ao exame do mesmo, de maneira genérica, recordando, de imediato que, também para a concessão de direito real de uso como forma de incentivo a empresa particular, deverão ser observados os princípios da igualdade e da impessoalidade, comentados no tópico pretérito.
É sabido que os municípios detém autonomia para legislar sobre assuntos de interesse da comunidade, conforme autorização do art. 30, I, da Carta Magna. Nos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, "autonomia é prerrogativa política outorgada pela Constituição a entidades estatais internas (Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), para compor o seu governo e prover a sua Administração segundo o ordenamento jurídico vigente (CF, art. 18). É a administração própria daquilo que lhe é próprio. Daí porque a Constituição assegura a autonomia do Município para composição de seu governo e pela administração própria no que concerne ao seu interesse local (art. 30, I)". (Direito Municipal Brasileiro. 8ª ed., p. 83).
Portanto, se a Administração entender viável proceder a concessão do direito real de uso de imóvel constante de seu patrimônio como forma de incentivos a empresas na municipalidade, não há impedimento à sua consecução, desde que assegurada igualdade de condições a possíveis interessados, sem prejuízos a si e à coletividade.
Neste sentido a Lei nº 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, em seu art. 10, determina:
"Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoas física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
(...)"
Portanto, em nosso entendimento, há óbices intransponíveis, de ordem legal, para o direcionamento direto de concessão do direito real de uso de imóvel pertencente ao Município, sem a devida cautela e a não observância dos preceitos legais, podendo até haver invalidação dos atos.
Conforme já ressaltamos, o assunto em apreço, já foi objeto de decisões em processos de consultas pelo egrégio Plenário, tomando-se como exemplo o Processo nº: CON-01/02086400, cujo Parecer nº: COG-650/01, ao ser apreciado pelo Colegiado desta Casa em Sessão de 06/02/02, originou o decisum nº 77, sintetizado nos seguintes termos:
"EMENTA: Consulta. Concessão de incentivos econômicos para instalação e expansão de empreendimentos industriais. Prestação de serviços de pavimentação de acessos, drenagens, terraplanagem e outros. Doação de terrenos a particulares. Concessão de benefícios de natureza tributária.
(...)
3. Quando o incentivo envolver a disponibilização de bens imóveis públicos (terrenos) a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), deve-se privilegiar o emprego do instituto do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio público, mediante lei autorizativa, onde também disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades para as quais houve a concessão e prevendo a reversão do bem para o Município após o transcurso do prazo da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público, evitando-se a doação de bens imóveis públicos a particulares, por não atender aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade."
No mesmo sentido, a Decisão nº 420/01 desta Corte, proferida no Processo nº: CON-00/6614302, em Sessão de 28/03/2001, verbis:
"Quando os incentivos para instalações de empreendimentos nos municípios envolvam a disponibilização de bens imóveis públicos (terrenos) a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio público, mediante lei autorizativa, onde também disponha sobre as condições da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público. Deve-se evitar a doação de bens imóveis públicos a particulares, por não atender os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade."
Por derradeiro e respondendo em tese ao tópico aventado pelo subscritor da consulta, quando o Município conceder incentivos para instalações de empreendimentos, envolvendo a disponibilização de bens imóveis públicos a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), atendidos os princípios da igualdade e da impessoalidade, deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio público, mediante lei autorizativa, onde também disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades para as quais houve a concessão e prevendo a reversão do bem para o município após o transcurso do prazo da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público, evitando-se a doação de bens imóveis públicos a particulares.
Em consonância com o acima exposto e considerando:
- que o consulente está legitimado a suscitar consultas a este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II, do artigo 103, Regimental;
- os r. decisórios proferidos pelo e. Colegiado desta Casa;
- que os assuntos da consulta estão inseridos nas competências do TCE, conforme determina o inciso XII do artigo 59, da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 202/2000 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas);
- sugere-se ao Exmo. Senhor Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall que submeta voto ao excelso Pretório desta Corte, sobre consulta formulada pelo Presidente do Legislativo do Município de São Martinho, nos termos deste opinativo, que, em síntese, propõe:
1. Conhecer a consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente;
2. Respondê-la nos seguintes termos:
2.1. Nos procedimentos a serem adotados quando da alienação de bens imóveis integrantes do patrimônio da municipalidade, deverá ser demonstrada a necessidade do ato e do efetivo interesse público, avaliação prévia dos bens e autorização legislativa específica, bem como a realização de certame licitatório quando exigido, dentro da legislação vigente.
2.2. Quando o Município conceder incentivos para instalações de empreendimentos, envolvendo a disponibilização de bens imóveis públicos a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), atendidos os princípios da igualdade e da impessoalidade, deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio público, mediante lei autorizativa, onde também disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades para as quais houve a concessão e prevendo a reversão do bem para o município após o transcurso do prazo da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público, evitando-se a doação de bens imóveis públicos a particulares.
MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral, em exercício |