ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 09/00024402
Origem: Prefeitura Municipal de Florianópolis
RECORRENTE: Constâncio Alberto Salles Maciel
Assunto: Referente ao processo -REC-08/00189558 + SLC-07/00127844 + REC-08/00447867
Parecer n° COG-122/09

Embargos de Declaração. Contradição. Ocorrência. Intempestividade. Inexatidão material. Superação. Conhecer e dar provimento.

A função do recurso de embargos de declaração é, justamente, a correção de obscuridades, omissões ou contradições no texto da decisão recorrida. Quando a contradição também configurar inexatidão material, a intempestividade da interposição dos embargos de declaração pode ser superada com base no art. 135, § 1º, da Resolução nº TC-06/01.

Reformatio in pejus. Vedação.

Não pode o recorrente ver sua situação ainda mais agravada, por conta da proposição de seu recurso. A aplicação da reformatio in pejus é atentatória aos princípios da ampla defesa e da segurança jurídica.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Tratam os autos de Embargos de Declaração interpostos pelo Sr. Constâncio Alberto Salles Maciel - Secretário de Administração da Prefeitura de Florianópolis, contra o Acórdão nº 1623/2008, exarado nos autos do Processo nº REC-08/00189558.

O citado processo referiu-se a Recurso de Reexame, proposto também pelo Sr. Constâncio Alberto Salles Maciel, contra o Acórdão nº 2463/2007, exarado nos autos nº SLC-07/00127844 que, por sua vez, trouxe a seguinte dicção:

O Sr. Constâncio Maciel, inconformado com a penalidade a ele imposta no decisum supra, protocolou o mencionado Recurso de Reexame, pleiteando o cancelamento da sanção.

Visando à análise das razões recursais, os autos foram remetidos a esta Consultoria Geral, que elaborou o Parecer COG nº 381/2008 (fls. 06 a 14). As conclusões exaradas no referido parecer foram encampados, na íntegra, pelo Ministério Público (fls. 15 a 18), pela Exma. Relatora Sabrina Nunes Iocken (fls. 19 a 22) e pelo Plenário desta Corte de Contas, nos termos do Acórdão ora guerreado (fls. 23), a saber:

O Sr. Constâncio Alberto Salles Maciel, alegando a ocorrência de contradição na decisão do Recurso de Reexame, ofereceu os presentes Embargos de Declaração.

II. ADMISSIBILIDADE

O Recorrente, na qualidade de Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Florianópolis, possui plena legitimidade para interpor os presentes Embargos de Declaração perante esta Corte de Contas, com o fito de modificar a redação do Acórdão nº 1623/2008.

Tendo em vista a alegada contradição nos termos da objurgada decisão, vislumbra-se que o Sr. Constâncio Maciel elegeu adequadamente os Embargos de Declaração, modalidade apta a corrigir obscuridades, omissões ou contradições insertas nas deliberações deste Tribunal, nos termos do art. 78, caput, da LCE-202/00, a saber:

O § 1º do dispositivo legal supra mencionado determina que o prazo para a interposição dos Embargos de Declaração é de dez dias, contados a partir da data de publicação, no Diário Oficial, da decisão que se pretende corrigir. In casu, o Acórdão nº 1623/2008 foi publicado no Diário Oficial Eletrônico desta Corte no dia 17/11/2008 e a presente irresignação protocolizada somente na data de 09/02/2009, motivo pelo qual constata-se a sua intempestividade.

Entretanto, o art. 135, § 1º, do Regimento Interno deste Tribunal determina que recursos interpostos fora do prazo legal podem ser conhecidos para, dentre outras circunstâncias, a correção de inexatidões materiais. Levando-se em conta o teor do item 6.2 do Acórdão nº 1623/2008, bem como as alegações do Recorrente, vislumbra-se que a contradição existente no decisum pode ser considerada como caso de inexatidão material, merecendo, portanto, a superação da intempestividade.

Diante de todo o acima exposto, sugerimos o conhecimento dos presentes Embargos de Declaração, nos termos do art. 78 da LCE-202/00 c/c o art. 135, § 1º, da Resolução nº TC-06/01.

III. DISCUSSÃO

Alega o Embargante que houve contradição no item 6.2 do Acórdão nº 1623/2008, ao determinar a remessa ao Ministério Público Estadual de fotocópia dos autos do Processo n. SLC-07/00127844, em face da configuração, em tese, do crime previsto no art. 89 da Lei (federal) n. 8.666/93 (inexigência de licitação fora das hipóteses legais). Afirma que, no caso em tela, não foi realizada inexigência de licitação fora das hipóteses legais e sim, apenas não foi formalizado o procedimento de justificativa de preço para a Inexigibilidade de Licitação nº 100/2007.

Analisando os argumentos do Recorrente, bem como os autos principais (SLC-07/00127844) e os autos do recurso de reexame (REC-08/00189558), constata-se que lhe assiste toda razão.

A decisão do processo principal (Acórdão nº 2463/2007) aplicou-lhe a seguinte multa:

Note-se que o Plenário desta Corte, ao prolatar o Acórdão nº 2463/2007, não impugnou a escolha da Prefeitura de Florianópolis por contratar a empresa R3 Eventos e Marketing Ltda. mediante "inexigibilidade de licitação", mas tão-somente a falta de formalidades pertinentes a tal escolha, exigidas pelo art. 26, parágrafo único, inciso III, da Lei n. 8.666/93.

O Relator daqueles autos, Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, em seu voto (fls. 74 a 79), deixou claro e fundamentado o seu posicionamento. Vejamos:

Note-se, ainda, que na decisão do processo principal não houve nenhuma determinação de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Estadual.

Ao ingressar com Recurso de Reexame perante esta Corte, com o fito de ver cancelada a multa que lhe fora imposta nos autos principais, o Sr. Constâncio Maciel viu a sua situação ainda mais agravada ao deparar-se com o disposto no item 6.2 do Acórdão nº 1623/2008.

Tal situação, além de contraditória, visto que a inexigência de licitação havia sido admitida pelo Tribunal como a opção correta para a contratação em tela, trouxe um prejuízo maior ao recorrente, o que é totalmente descabido, tendo em vista a vedação à "reformatio in pejus".

Vejamos algumas lições sobre o tema, aplicadas aos processos administrativos:

Não obstante, o art. 89 da Lei de Licitações traz o seguinte teor:

Ainda que fosse admitida juridicamente a reformatio in pejus, in casu, o único "delito" cometido pelo Sr. Constâncio Maciel teria sido o de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade". Entretanto, a doutrina tem posicionado-se sobre o tema, afirmando que tal conduta, por si só, é penalmente irrelevante.

Nesse sentido, com a palavra o Professor Marçal Justen Filho2:

          A ausência de observância das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade da licitação somente é punível quando acarretar contratação indevida e retratar o intento reprovável do agente (visando a produzir o resultado danoso). Se os pressupostos da contratação direta estavam presentes mas o agente deixou de atender à formalidade legal, a conduta é penalmente irrelevante.
          [...]
          Não se aperfeiçoa o crime do art. 89 sem dano aos cofres públicos. Ou seja, o crime consiste não apenas na indevida contratação direta, mas na produção de um resultado final danoso. Se a contratação direta, ainda que indevidamente adotada, gerou um contrato vantajoso para a Administração, não existirá crime. Não se pune a mera conduta, ainda que reprovável, de deixar de adotar a licitação. O que se pune é a instrumentalização da contratação direta para gerar lesão patrimonial à Administração. (grifos nossos)

Da mesma opinião comunga a jurisprudência do STF e do STJ:

          "O crime tipificado no artigo 89 da Lei n. 8.666 só se configura se ocorrer seu antecedente lógico, isto é, o ilícito administrativo - que no caso concreto inexistiu." (AP nº 348-5/SC, Plenário, rel. Min. Eros Grau, DJ de 03.08.2007)
          "O entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o crime do art. 89 da Lei 8.666, de 1993, somente é punível quando produz resultado danoso ao erário." (APN nº 375, Corte Especial, rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 04.04.2006)

Assim, configurada a ocorrência de contradição (inexatidão material) nos termos do Acórdão nº 1623/2008, sugerimos a supressão do item 6.2 do referido decisum.

De outro norte, o Embargante junta as fls. 07 a 36 do presentes autos o que alega ser a "justificativa de preços" para embasar a contratação da empresa R3 Eventos e Marketing Ltda.. Visa, com isso ao cancelamento da multa que lhe fora imposta no item 6.2.1 do Acórdão nº 2463/2007 e mantida nos autos do recurso de reexame (item 6.1 do Acórdão nº 1623/2008).

No entanto, o procedimento de justificativa de preço exigido pelo art. 26, parágrafo único, III, da Lei 8.666/93 deve ser realizado antes da formalização do contrato administrativo e não a posteriori.

Assim, correta a manutenção da penalidade, não merecendo nenhum reparo via Embargos de Declaração.

    IV. CONCLUSÃO

    Sugere-se ao Exmo. Relator do processo que, em seu Voto, proponha ao Egrégio Plenário o que segue:

    1. Conhecer do Recurso de Embargos de Declaração, nos termos do art. 78 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 135, § 1º, da Resolução nº TC-06/01, interposto contra o Acórdão n. 1623/2008, exarado na Sessão Ordinária de 03/11/2008, nos autos do Processo n. REC-08/00189558, e, no mérito, dar-lhe provimento, para:

    1.1. Suprimir o item 6.2 do texto da decisão recorrida;

    2. Dar ciência ao Embargante e ao seu Procurador constituído nos autos (fls. 05).

        COG, em de de 2009
                    ANNE CHRISTINE BRASIL COSTA
                    Auditora Fiscal de Controle Externo
                    De Acordo. Em ____/____/____
                    HAMILTON HOBUS HOEMKE
                    Coordenador
        DE ACORDO.
        À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Otávio Gilson dos Santos, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
        COG, em de de 2009
        MARCELO BROGNOLI DA COSTA

      Consultor Geral


      1 COZER, Felipe Rodrigues. Reformatio in Pejus nos Processos Administrativos Sancionadores. 122 p. Monografia (Graduação em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2007.

      2 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 829,830