ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 07/00021930
Origem: Prefeitura Municipal de Campos Novos
RESPONSÁVEL: Nelson Cruz
Assunto: (Reexame - art. 80 da LC 202/2000) -SPE-01/05711594
Parecer n° COG-728/09

Recurso de Reexame. Solicitação de Atos de Pessoal. Aposentadoria concedida há mais de 14 anos. Princípio da segurança jurídica. Decadência do poder de autotutela da Administração. Registro do ato.

1. O direito de que dispõe a Administração Pública para anular atos administrativos ilegais de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 anos da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé (art. 54 da Lei n° 9.784/99).

2. O ato de aposentadoria não é ato complexo, porque não se configura a conjugação de vontades da Administração e do Tribunal de Contas para a sua formação. Na verdade, há dois atos: o ato de concessão da aposentadoria, que produz efeitos jurídicos imediatamente, ainda que de forma provisória; e o ato de controle de legalidade, emitido, posteriormente, pelo Tribunal de Contas. Tratam-se, portanto, de atos distintos, praticados em decorrência de competências diversas.

3. Em razão disso, e também como corolário dos princípios da segurança jurídica, da eficiência e da garantia de duração razoável do processo, o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei n° 9.784/99 não deve ser contado a partir do registro perante a Corte de Contas, mas já a partir da data da concessão do benefício.

4. O Tribunal de Contas deve ordenar o registro do ato aposentatório praticado há mais de cinco anos, em razão do princípio da segurança jurídica e da decadência do poder de autotutela da Administração.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Tratam os autos de Recurso de Reexame interposto por Nelson Cruz, Prefeito Municipal de Campos Novos, em face da Decisão nº 3566/2006, proferida nos autos da Solicitação de Atos de Pessoal (SPE) nº 01/05711594, que, com fundamento no art. 34, II, c/c o art. 36, § 2°, "b", da Lei Complementar nº 202/2000, denegou o registro do ato aposentatório de Neiva Maria Krüger.

Eis o teor da decisão recorrida, exarada pelo Tribunal Pleno na sessão extraordinária realizada em 07/12/2006 (fls. 106-107):

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Denegar o registro, nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, §2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato aposentatório de Neiva Maria Krüger, da Prefeitura Municipal de Campos Novos, matrícula n. 644, no cargo de Professor II, grupo III - MAG, nível 03, CPF n. 195.801.939-91, PASEP n. 1.007.253.871-3, consubstanciado na Portaria n. 366/95, considerado ilegal conforme pareceres emitidos nos autos, em face de concessão de aposentadoria voluntária com proventos proporcionais, sem tempo de serviço suficiente (22 anos, 07 meses e 28 dias) , em desacordo com o art. 40, III, "b", da Constituição Federal, em razão da servidora não contar com 25 anos de tempo de serviço em efetivo exercício em funções do magistério.

6.2. Determinar à Prefeitura Municipal de Campos Novos, a adoção de providências necessárias com vistas à regularização da situação da servidora, com o seu imediato retorno às atividades profissionais até completar o tempo faltante para aposentadoria integral, ou proceder novo cálculo dos proventos proporcionais a 22/30 avos, e conseqüente confecção de novo ato aposentatório e nova memória de cálculo, em função da denegação do registro da aposentadoria, comunicando-as a este Tribunal no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação desta Decisão no Diário Oficial do Estado, nos termos do art. 41, caput, do Regimento Interno desta Corte de Contas, sob pena de responsabilidade solidária da autoridade administrativa omissa, ou interponha recurso, conforme previsto no art. 79 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, deste Tribunal, que, após transitada em julgado a decisão, inclua na sua programação de auditorias a averiguação dos procedimentos adotados, pela Prefeitura Municipal de Campos Novos, decorrentes da denegação de registro de que trata o item 6.1 desta deliberação.

6.4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 2307/2006, ao Sr. Nelson Cruz - Prefeito Municipal de Campos Novos.

A publicação se deu no Diário Oficial do Estado - DOE nº 18.076, de 05/03/2007.

É o sucinto relatório.

PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

O Recurso de Reexame é, efetivamente, o cabível contra decisão em processos de atos sujeitos a registro, nos termos do art. 79 da Lei Complementar n° 202/2000.

Os pressupostos para a sua admissibilidade são: a legitimidade, a singularidade e a tempestividade, conforme o art. 80 da Lei Complementar n° 202/2000:

Art. 80. O Recurso de Reexame, com efeito suspensivo, poderá ser interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.

No que se refere à legitimidade, verifica-se que o recorrente a possui, já que se enquadra na definição de responsável contida no art. 133, § 1°, "a", do Regimento Interno:

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1° Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;

b) interessado o administrador que, sem se revestir da qualidade de responsável pelos atos objeto de julgamento ou de apreciação pelo Tribunal de Contas, deva se manifestar nos autos na condição de atual gestor. (grifei)

A singularidade também foi observada, visto que, contra a decisão recorrida, foi interposto um único recurso.

A tempestividade restou atendida, porquanto o recurso foi protocolizado em 16/02/2007, antes mesmo de publicada a Decisão no Diário Oficial do Estado nº 18.130, de 25/05/2007. Respeitou-se, assim, o prazo de trinta dias para a interposição.

Logo, o recurso pode ser conhecido, uma vez que preenche os pressupostos de admissibilidade.

MÉRITO

O recorrente se insurge contra a denegação do ato aposentatório de Neiva Maria Krüger, servidora da Prefeitura Municipal de Campos Novos.

Requer a reforma da Decisão nº 3566/2006 valendo-se dos seguintes argumentos: a) possibilidade de concessão de aposentadoria com proventos proporcionais, tendo em vista que havia lei municipal assegurando tal direito à servidora; b) proteção da boa-fé e da segurança jurídica, considerando que a aposentadoria aconteceu há mais de dez anos; c) ausência do devido processo legal, já que deveria ter sido instaurado o contraditório; e d) "prescrição do direito de anular a portaria que ensejou a aposentadoria da servidora" (fl. 10 do REC).

Com efeito, merecem prosperar as alegações de proteção da boa-fé e da segurança jurídica, bem como a de ocorrência da "prescrição" (que consiste, na verdade, em decadência).

No Parecer COG-614/09, pronunciei-me sobre o tema, afirmando que o prazo decadencial de que a Administração dispõe para anular seus atos incide sobre os atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos, mesmo que ainda pendentes de registro pelo Tribunal de Contas:

          De início, o julgado afirma que a inativação de servidor público é ato que, sujeitando-se ao registro nos Tribunais de Contas, não se enquadra no conceito de ato complexo.
            No voto, foi transcrita a doutrina de Hely Lopes Meirelles, segundo a qual, para que um ato administrativo possa ser enquadrado no conceito de ato complexo, é preciso que exista a conjugação de vontades para a formação de um ato único.
                Logo, não se trataria de ato complexo, porque na verdade, o que há são dois atos: um que concede a aposentadoria, e outro de que controla a sua legalidade.
                  Esse posicionamento, vale registrar, foi defendido recentemente no XXIII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, que ocorreu de 21 a 23 de outubro de 2009, em Florianópolis/SC. À ocasião, o Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCM/GO, Fabrício Motta, afirmou que, apesar do entendimento do STF, o ato de aposentadoria não pode mais ser concebido como ato complexo.
                    Neste sentido, oportuno transcrever trecho de artigo de sua autoria:
                        3 O ato de aposentadoria, ato de controle e ato complexo
                          [...]
                            O entendimento do ato de aposentadoria como complexo não parece o mais adequado. Nas concessões de aposentadoria, inicialmente, é forçoso reconhecer a existência de dois atos: o ato concessório, emitido pela autoridade competente e que propriamente aposenta o servidor; e o ato de controle da legalidade, posteriormente emitido pelo Tribunal de Contas. Não há que se falar em integração de vontades: um ato concede a aposentadoria e o outro, externo e emitido por órgão diverso, controla a legalidade do primeiro. [...]
                              [...]
                                Nesse sentido, é importante frisar que o ato de aposentadoria possui eficácia inicial, entendida esta como aptidão para produzir imediatamente seu efeito típico - a inatividade remunerada do servidor, independente do pronunciamento do Tribunal de Contas. Verifica-se, no caso, a produção de efeito atípico preliminar ou prodrômico, nos termos propugnados por Celso Antônio Bandeira de Mello, no caso o dever-poder de emitir o ato controlador. Assim, parece-nos que a eficácia definitiva do ato encontra-se sujeita a condição resolutiva - o registro da Corte de Contas. A negativa de registro tem o condão de afetar a eficácia do ato, impedindo sua consumação definitiva. Como ressalta Luciano Ferraz, "o ato final (registro) dos processos relativos a admissão de pessoal, aposentadoria, reforma e pensão perante o Tribunal de Contas é condição sine qua non a que o ato inaugural procedido pelo órgão de origem (que emitido já é eficaz e tem presunção de legalidade) adquira perfeição e afirme sua validade".
                                  A conclusão que se impõe é uma só: por se tratarem de atos diversos, um concessivo e outro controlador da legalidade do primeiro, não se configura integração de vontades e por isso não há que se falar em ato complexo. O ato inicial, concessivo da aposentadoria ou pensão, produz seus efeitos jurídicos típicos imediatamente, ainda que de forma provisória e sujeito à verificação posterior de legalidade - registro - pelo Tribunal de Contas. [...]
                                    [...]
                                      Apesar de ser claro o entendimento do STF favorável à complexidade do ato de aposentadoria, entendimento amparado inclusive na Súmula Vinculante n° 3, adiante comentada, a questão ainda provoca controvérsia. No julgamento do Mandado de Segurança n° 26.535/DF, em 06.09.2007, anotou o Ministro Cezar Peluso:

                                        (...) embora eu tenha votado a favor da súmula, estou repensando seriamente a própria exceção que a súmula contempla, porque, não obstante o que esta Corte tem professado há muito tempo, me parece duvidosa a afirmação de que os registros de aposentadoria correspondam à categoria dos atos administrativos ditos complexos. Os atos administrativos ditos complexos são aqueles que só se aperfeiçoam com o último ato de todos aqueles que deva integrar. Não é o caso do regime de aposentadoria.

                                      Considerando, então, todos esses argumentos, bem como os que foram expostos na manifestação do STJ, conclui-se que o prazo de que dispõe a Administração para exercer o seu poder de autotutela (art. 54 da Lei n. 9.784/99) deve ser contado a partir do ato que concede a aposentadoria, e não do controle da sua legalidade pelo Tribunal de Contas.
                                        A razoabilidade desse posicionamento encontra amparo em princípios derivados do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana (art. 1°, caput e III, da Constituição Federal), tais como os invocados na decisão do STJ: segurança jurídica, eficiência, proteção da confiança legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo (art. 5°, LXXVIII).
                                          Cabe destacar, ainda, que apesar do STF ser o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, caput, da Constituição Federal), o pronunciamento do STJ sobre a questão envolvendo o art. 54 da Lei n. 9.784/99 é de grande relevância, já que é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil (art. 105, III, da Constituição Federal), seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito.
                                          Os precedentes transcritos, que vieram a servir de fundamento para este parecer, podem até não refletir a jurisprudência dominante do STF e do STJ, mas são um forte indicativo de que a solução que vem sendo adotada pelos Tribunais Superiores merece uma releitura, principalmente porque "não traduz o Direito Administrativo moderno", conforme ponderou o Ministro Jorge Mussi.
                                          III.3 A jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no sentido de reconhecer a decadência do direito de anular os atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos
                                          Partindo para a análise no âmbito estadual, importante ressaltar que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) firmou jurisprudência justamente no sentido de que a Administração decai do direito de rever e desconstituir atos de aposentadoria concedidos há mais de cinco anos, em nome do princípio da segurança jurídica:

                                            MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - APOSENTADORIA - CÔMPUTO DE SERVIÇO RURÍCOLA AVERBADO - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - AUSÊNCIA DE PROVA DO RECOLHIMENTO - TRIBUNAL DE CONTAS - IRREGULARIDADE CONSTATADA DEZ ANOS DEPOIS - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DECADÊNCIA QUINQUENAL DO DIREITO DE REVER E ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS - APLICAÇÃO ANALÓGICO-INTEGRATIVA DO ART. 54 DA LEI FEDERAL N. 9.784/99 - SITUAÇÃO CONSOLIDADA - INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ DO SERVIDOR - PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA - ORDEM CONCEDIDA.
                                                  MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA - DECADÊNCIA DO DIREITO DE ANULAR OS ATOS - DETERMINAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS - MERO CUMPRIMENTO - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - SENTENÇA REFORMADA
                                                  "Havendo conflito entre princípios constitucionais, cumpre ao juiz optar por aquele de 'peso diante das circunstâncias concretas' (Humberto Bergmann Ávila); na ponderação, 'sempre levar em conta o princípio da dignidade humana, valor máximo da tábua axiológica da Constituição da República' (Alexandre Freitas Câmara).
                                                  [...]
                                                      MANDADO DE SEGURANÇA. NEGATIVA DE REGISTRO DE APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO. ORDEM PARA ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO DE INATIVAÇÃO. [...] LAPSO TEMPORAL PARA O DESFAZIMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO ILEGAL. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 54 DA LEI N. 9.784/1999. SEGURANÇA CONCEDIDA.
                                                      [...]
                                                      Em consequência, inúmeros servidores que tem o registro de sua aposentadoria denegado pelo Tribunal de Contas recorrem ao Poder Judiciário estadual para garantir que lhes seja aplicado o entendimento acima.
                                                          III.4 O debate suscitado no âmbito interno deste Tribunal visando uniformizar os procedimentos adotados para análise dos atos de aposentadoria
                                                              A divergência de posicionamento entre o Tribunal de Contas e o TJSC vem gerando um grande número de ações judiciais interpostas contra decisões desta Corte.
                                                                Isso acabou por suscitar, no âmbito interno, o debate acerca do entendimento que hoje é aplicado pelo Tribunal, bem como o reflexo dessa divergência nos seus pronunciamentos definitivos.
                                                                  Assim, o Corregedor-Geral, Conselheiro Luiz Roberto Herbst, solicitou a esta Consultoria, por meio do Memorando CG n. 44/2009, a realização de estudo a fim de estabelecer uma uniformização dos procedimentos a serem adotados pelo Tribunal diante das decisões judiciais sobre os processos de aposentadoria em análise nesta Corte de Contas.
                                                                    Na Informação n° 44/2009, a Consultora Geral Elóia Rosa da Silva e a Auditora Fiscal de Controle Externo Caroline de Souza realizaram o trabalho solicitado, sugerindo, dentre outras questões, o "acolhimento pelo TCE da tese de decadência da autotutela da Administração Pública pelo transcurso do prazo quinquenal, mediante alegação do administrador público na instrução dos autos".
                                                                      Confira-se:
                                                                          3.2 Acolhimento pelo TCE da tese de decadência da autotutela da Administração Pública pelo transcurso do prazo quinquenal, mediante alegação do administrador público na instrução dos autos. Determinações do art. 41:
                                                                          Sugere-se, ainda, o reconhecimento da tese da decadência da autotutela da Administração Pública nos processos em que se constatar o decurso do prazo de mais de 5 anos da data da concessão da aposentadoria, independente da existência de decisão judicial, mas desde que arguida pela Administração Pública na instrução dos autos e afastada a má-fé, em cada caso, deixando de se aplicar as determinações do art. 41 do Regimento Interno.
                                                                          Em momento posterior, o trabalho inicialmente desenvolvido pela Consultoria Geral foi discutido também com a Auditora Substituta de Conselheiro Sabrina Nunes Iocken e com servidores da Diretoria de Atos de Pessoal - DAP, que elaboraram, ao final, quatro propostas de procedimentos a serem adotados pelo Tribunal (Informação n° 54/2009), encaminhadas à Corregedoria-Geral para apreciação desta Corte de Contas em reunião administrativa.
                                                                            São elas:
                                                                                I - Ponderação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica para fins de registro, considerando seus efeitos concretos.
                                                                                1 - Declarar a ilegalidade da concessão da aposentadoria, mas ordenar o registro com fundamento na segurança jurídica, visando assim a manutenção dos efeitos da aposentadoria para o servidor e a compensação previdenciária, evitando-se eventual dano ao erário.
                                                                                [...]
                                                                                  II - Ponderação do princípio da segurança jurídica para fins da não-aplicação das determinações do art. 41 do Regimento Interno. A manutenção da negativa do registro seria fundamentada no princípio da legalidade.
                                                                                  2 - Declarar a ilegalidade da concessão da aposentadoria e denegar o registro do ato, deixando de aplicar os efeitos do art. 41 do Regimento Interno (determinações de retorno, de cessação de pagamento, de supressão de vantagens, etc.) com fundamento na segurança jurídica, considerando a estabilização das relações jurídicas concretizadas há mais de 5 anos e a decadência da autotutela da Administração Pública.
                                                                                  [...]
                                                                                    III - Ponderação acerca das reiteradas decisões judiciais reconhecendo que o transcurso do prazo de 5 anos consolida a situação jurídica do aposentado, impedindo a alteração do respectivo ato.
                                                                                    3 - Registrar os atos de aposentadoria exarados até 2004, sem exame do mérito quanto à legalidade, considerando a estabilização das relações jurídicas concretizadas há mais de 5 anos e a decadência da autotutela da Administração Pública, com fundamento na segurança jurídica.
                                                                                    [...]
                                                                                      IV - Ponderação acerca da conveniência, considerando a tempestividade e efetividade da atuação do Tribunal de Contas, da análise de atos de aposentadoria sem efeitos concretos ao servidor ou à Administração Pública.
                                                                                      4 - Dispensar a remessa dos atos de aposentadoria e pensão expedidos pelos Municípios até 04 de outubro de 1988, e dos atos de aposentadoria por invalidez decorrente de acidente de serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei e de pensão decorrente dessa espécie de aposentadoria, concedidos pelos Municípios entre 05 de outubro de 1988 e 31 de dezembro de 1995. Os atos que já estiverem no TCE não seriam analisados.
                                                                                      No dia 27/10/2009, em reunião administrativa para deliberação interna sobre o assunto, foi decidido que o Tribunal irá adotar a proposta III.
                                                                                        Assim, a partir dessa data, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos de aposentadoria exarados até 2004, sem exame do mérito, com fundamento na segurança jurídica.
                                                                                          [...]
                                                                                            III.6 O posicionamento da Consultoria Geral sobre o tema
                                                                                                Diante da probablidade de sentença procedente, da deliberação interna do dia 27/10/2009, e de todos os argumentos expendidos neste parecer, opina-se pelo registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica.
                                                                                                  Com efeito, tendo sido praticado há cerca de 15 anos (Portaria n° 2606, de 23 de novembro de 1994), e não havendo indícios de má-fé, entende-se que pode ser reconhecida a decadência do direito de que dispõe a Administração para exercer o seu poder de autotutela (art. 54 da Lei n. 9.784/99), visto que transcorreram mais de cinco anos da concessão do ato de aposentadoria.
                                                                                                    Como se viu, esse é o termo inicial do prazo decadencial - e não o registro pelo Tribunal de Contas -, porque o ato de aposentadoria não é ato complexo como afirma a jurisprudência hoje dominante no STF.
                                                                                                      A nosso ver, esta é a solução jurídica que melhor atende ao senso de justiça e que melhor se amolda ao ordenamento jurídico vigente, porquanto prestigia a segurança jurídica, nos termos de recentes pronunciamentos do STJ e do STF sobre o tema.
                                                                                                        Também a doutrina comunga desse entendimento, conforme se depreende das palavras de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

                                                                                                          De fato, o princípio da segurança jurídica, há bastante tempo, vem sendo invocado pela doutrina nas vozes e palavras mais representativas, de modo que a possibilidade ilimitada de a Administração anular seus atos vem perdendo considerável força.

                                                                                                        Vale reproduzir também a conclusão a que chegou a Auditora Fiscal de Controle Externo Ana Carolina Costa no artigo "Uma visão social dos atos administrativos sujeitos a registro pelos tribunais de contas":

                                                                                                          O poder-dever de a administração pública rever e anular por si própria seus atos administrativos eivados de vícios se traduz no conhecido princípio da autotutela administrativa. Referido princípio revela-se como uma ferramenta para concretizar o princípio da legalidade, pois seu objetivo reside em restaurar a legalidade quando esta for atingida por um ato administrativo viciado. A autotutela administrativa, entretanto, encontra limites baseados na necessidade de estabilização das relações sociais, na segurança jurídica, assim como na proteção da boa fé.
                                                                                                            Desse modo, transcorrido o prazo quinquenal da expedição de um ato administrativo, via de regra, a administração pública fica impedida de rever e anular este ato. Contudo, transpondo tal regra para os casos dos atos de aposentadoria, verifica-se que a norma deve ser interpretada com cautela, face à natureza jurídica destes atos.
                                                                                                              Os atos de aposentadoria, conforme orientação jurisprudencial sedimentada pelo STF são atos complexos, ou seja, somente se aperfeiçoam com a homologação final dos respectivos tribunais de contas.
                                                                                                                Entretanto, recentes juristas e, inclusive recentemente, o próprio STJ têm apresentado críticas a essa concepção tradicional, trazendo a lume importante discussão acerca da natureza do ato de aposentadoria e da prevalência do princípio da segurança jurídica.
                                                                                                                  O art. 54 da Lei n. 9.784/99 é aplicável aos tribunais de contas, tendo em vista que tal norma vem consolidar o princípio da segurança jurídica. Ademais, uma visão mais ampla do tema não pode ficar adstrita à classificação do ato em complexo ou composto. Entende-se que a discussão acerca da classificação do ato de aposentadoria e até mesmo o próprio princípio da legalidade administrativa devem obrigatoriamente ceder diante dos princípios da segurança jurídica, boa-fé do administrado, proteção da confiança, da dignidade da pessoa humana e da lealdade.
                                                                                                                    Igualmente, o nítido caráter alimentar da verba intitulada "proventos" autorizam o entendimento de que esses aqueles princípios têm mais peso, prevalência e importância do que o princípio da legalidade.
                                                                                                                      Dessa forma, é salutar, imperioso e imprescindível que os tribunais de contas adotem, a exemplo de outros tribunais, um posicionamento pró-ativo e corajoso, solucionando de vez este "problema social" e atuando de forma tempestiva e eficaz.
                                                                                                                        Dessa forma, é importante consignar que a aplicação do art. 54 da Lei n. 9.784/99 às atividades de controle externo implica dizer que no exercício desta atribuição os tribunais de contas estão autorizados a reconhecer a convalidação dos atos de aposentadorias, em atendimento aos princípios da segurança jurídica, da boa-fé do administrado, proteção da confiança e dignidade da pessoa humana, que a cada dia vêm sendo reconhecidos nos tribunais pátrios como vigas mestras do estado democrático de direito.

                                                                                                                            Nesse passo, a fim de evitar que pelo decurso do tempo o Tribunal se veja impedido de exercer o controle de legalidade sobre os atos de aposentadoria, o TCE/SC editou a Resolução n. TC-35/2008 e a Instrução Normativa n. TC-07/2008, por meio das quais ficou estabelecido que as autoridades administrativas devem remeter tais atos em até 60 dias da sua publicação:

                                                                                                                              Resolução n. TC-35/2008
                                                                                                                              Art. 5º Além do envio de informações pelo e-Sfinge, devem ser remetidos ao Tribunal, na forma e prazos fixados em Instrução Normativa, os respectivos processos administrativos formalizados pelas unidades jurisdicionadas, referentes aos atos de pessoal mencionados no art. 3º desta Resolução, exceto os relativos aos atos de admissão de pessoal. (grifei)
                                                                                                                                  Instrução Normativa n. TC-07/2008
                                                                                                                                  Art. 1º O envio de documentos e informações necessários à apreciação da legalidade de atos de admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva e pensão, nos termos dos arts. 59, inciso III, da Constituição do Estado e 34 da Lei Complementar n. 202/2000, deve ser feito na forma e prazos previstos nesta Instrução Normativa.
                                                                                                                                    Parágrafo único. A autoridade administrativa competente deve enviar ao Tribunal de Contas, por meio documental, no prazo de 60 dias contados da data da publicação do respectivo ato, os processos administrativos formalizados em decorrência de concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva e pensão, para fins de exame da legalidade e respectivo registro. (grifei)

                                                                                                                                  A medida se destina a assegurar que os atos sejam remetidos para controle antes mesmo que transcorram os 5 anos do prazo decadencial, dando condições para o Tribunal de Contas cumprir com os princípios constitucionais anteriormente citados, e, principalmente, exercer de forma efetiva a competência que lhe foi atribuída no art. 71, III, da Constituição Federal.
                                                                                                                                    Por fim, oportuno mencionar que a adoção da proposta III do estudo submetido à Corregedoria-Geral (Informação n° 54/2009), no sentido de ordenar o registro, é também a adotada por Tribunais de Contas de outros Estados, a exemplo do TCE de Minas Gerais, que chegou a sumular o entendimento:

                                                                                                                                      SÚMULA 105 TCE/MG

                                                                                                                                    Assim, por tudo o que foi exposto, o parecer é pelo provimento do Reexame, a fim de ordenar o registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica, eis que praticado há cerca de 15 anos.

                                                                                                                              No caso, a Portaria nº 366/95 (fl. 64), que aposentou a servidora Neiva Maria Krüger, foi expedida em 15/05/1995, vale dizer, há mais de 14 anos.

                                                                                                                              Diante disso, opina-se pelo provimento do Reexame, a fim de ordenar o registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica.

                                                                                                                                CONCLUSÃO

                                                                                                                                Ante o exposto, o parecer é no sentido de:

                                                                                                                                IV.1 Conhecer do Recurso de Reexame n° 07/00021930, interposto em face da Decisão nº 3566/2006 proferida na SPE nº 01/05711594, e, no mérito, dar-lhe provimento para:

                                                                                                                                IV.1.1. Modificar o item 6.1, conferindo-lhe a seguinte redação:

                                                                                                                                6.1. Ordenar o registro, com base no princípio da segurança jurídica e nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, § 2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato aposentatório de Neiva Maria Krüger, da Prefeitura Municipal de Campos Novos, matrícula n. 644, no cargo de Professor II, grupo III - MAG, nível 03, CPF n. 195.801.939-91, PASEP n. 1.007.253.871-3, consubstanciado na Portaria n. 366/95, por ter operado a decadência do direito da Administração Pública anular referido ato (art. 54 da Lei n° 9.794/99).

                                                                                                                                IV.1.2. Desconsiderar as determinações feitas nos itens 6.2 e 6.3;

                                                                                                                                IV.2 Dar ciência do Acórdão, voto do Relator e deste parecer a Nelson Cruz, Prefeito Municipal de Campos Novos.

                                                                                                                                        À consideração superior.
                                                                                                                                        COG, em 18 de novembro de 2009
                                                                                                                                        FLÁVIA BOGONI
                                                                                                                                                    Auditora Fiscal de Controle Externo
                                                                                                                                                            De Acordo. Em ____/____/____
                                                                                                                                                                HAMILTON HOBUS HOEMKE
                                                                                                                                                                Coordenador de Recursos
                                                                                                                                                        DE ACORDO.
                                                                                                                                                        À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro César Filomeno Fontes, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
                                                                                                                                                          COG, em de de 2009
                                                                                                                                                            ELÓIA ROSA DA SILVA

                                                                                                                                                          Consultora Geral


                                                                                                                                                            1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 172-173.

                                                                                                                                                            2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 25.552/DF, Relatora Ministra Cármen Lúcia, j. em 07/04/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-097, em 30/05/2008.

                                                                                                                                                            3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 26.085/DF, Relatora: Ministra Cármen Lúcia, j. em 07/04/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-107, em 13/06/2008.

                                                                                                                                                            4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 25.072/DF, Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Eros Grau, j. em 07/02/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-004, em 27/04/2007.

                                                                                                                                                            5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.047.524-SC. Relator: Ministro Jorge Mussi. DJe 03/08/2009. Disponível em: www.stj.jus.br.

                                                                                                                                                            6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 939.555-PR. Relator: Ministro Jorge Mussi. Data da publicação: 04/08/2009. Disponível em: www.stj.jus.br.

                                                                                                                                                            7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 939.555-PR. Relator: Ministro Jorge Mussi. Data da publicação: 04/08/2009. Disponível em: www.stj.jus.br.

                                                                                                                                                            8 MOTTA, Fabrício. Notas sobre o registro dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas. In: FORTINI, Cristiana (Org.). Servidor público: estudos em homenagem ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 93-117. ISBN 978-85-7700-205-4.

                                                                                                                                                            9 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 2009.014611-4. Relator: Des. Jaime Ramos. Data: 21/08/2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>.

                                                                                                                                                            10 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2007.000766-5, de Blumenau. Relator: Des. Vanderlei Romer. Data: 19/12/2008. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>.

                                                                                                                                                            11 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 2007.011105-0. Relator: Des. Newton Trisotto. DJ-e. Nº 653, 31/03/09. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>.

                                                                                                                                                            12 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 2008.053637-2. Relator: Des. Newton Janke. DJ-e. Nº 650, 26/03/09. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>.

                                                                                                                                                            13 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby; COSTA JÚNIOR, Álvaro Luiz Miranda. Da segurança jurídica e a decadência do direito de a Administração anular seus atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, face à Emenda Constitucional nº 45.

                                                                                                                                                            14 Parecer COG-536/09, da Auditora Fiscal de Controle Externo Luciana Cardoso Pilati, que instruiu o REC n° 07/00265139.

                                                                                                                                                            15 Neste sentido, vale conferir também o Parecer COG-536/09.

                                                                                                                                                            16 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby; COSTA JÚNIOR, Álvaro Luiz Miranda. Da segurança jurídica e a decadência do direito de a Administração anular seus atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, face à Emenda Constitucional nº 45.

                                                                                                                                                            17 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Súmula 105. Publicada no "MG" de 26/09/07 - pág. 55 – mantida no "MG" de 26/11/08 – pág. 72. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/IMG/Legislacao/Smulas_3.pdf>. Acesso em: out. 2009.