Processo:

REC-10/00824087

Unidade Gestora:

Câmara Municipal de Biguaçu

Interessado:

Salete Orlandina Cardoso

Assunto:

Recurso de Reconsideração Art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000 da decisão exarada no processo  -PCA-08/00228200 - Prestação de Contas de Unidade Gestora referente ao exercicio de 2007.

Parecer Nº:

COG - 208/2011

 

 

Recurso de reconsideração. Constitucional. Fixação dos subsídios dos vereadores. Reajuste. Vedação Constitucional.

1. A única forma autorizada pelo ordenamento jurídico para se promover a majoração do subsídio dos Vereadores durante a legislatura é a revisão geral prevista na parte final do inciso X do art. 37 da Constituição Federal, que deve ocorrer sempre na mesma data da revisão anual da remuneração dos servidores públicos municipais, e sem distinção de índices, desde que a lei específica que instituir a revisão geral anual também contenha previsão de extensão aos agentes políticos. (Prejulgado 1686, item 2).

2. A iniciativa de lei para a revisão geral anual da remuneração dos servidores municipais e dos subsídios dos agentes políticos é de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, configurando-se o ato do Poder Legislativo que iniciar o processo legislativo com este objetivo como inconstitucional por vício de iniciativa." (Prejulgado 1686, item 4).

Tribunal de Contas. Tribunal de Justiça. Divergência. Possibilidade. Autonomia das Instâncias.

Em face da autonomia das instâncias, o Tribunal de Contas pode divergir de entendimento do Tribunal de Justiça manifestado em processo jurisdicional no qual fora tratada questão análoga à enfrentada nesta Corte.

 

 

Sr. Consultor,

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sra. Salete Orlandina Cardoso, vereadora do município de Biguaçu, contra o acórdão exarado no Processo PCA – 08/00228200, que apurou irregularidades praticadas no exercício de 2007 na Câmara Municipal.

 

No Relatório nº 304/2010, a Diretoria de Controle dos Municípios (DMU) apresentou relatório às fls. 174-325, que sugeriu julgar irregular com débito, as contas referente à presente PCA e condenar os responsáveis ao pagamento de seus referidos débitos.  

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas exarou parecer às fls. 327-330.      

 

Conclusos os autos ao Relator, Conselheiro Luis Roberto Herbst, foi exarado voto às fls. 331-335.  

 

Em sessão ordinária realizada em 18/10/2010, o Tribunal Pleno, por unanimidade, acompanhou o voto do Relator, lavrando o Acórdão nº 702/2010, cuja parte referente ao recorrente, transcreve-se nos seguintes termos: 

 

6.3. Condenar os Responsáveis a seguir discriminados, Vereadores da Câmara Municipal de Biguaçu em 2007, ao pagamento de débitos de sua responsabilidade, em razão do recebimento indevido de subsídios sem o atendimento ao disposto no art. 39, § 4º, c/c o art. 37, X, da Constituição Federal

(item 6.3 do Relatório DMU), fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres do Município, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000): 

 

[...]

 

6.3.7. de responsabilidade do Sra. Salete Orlandina Cardoso, CPF n. 543.441.909-04, o montante de R$ 8.859,56 (oito mil oitocentos e cinqüenta e nove reais e cinqüenta e seis centavos);

 

[...]

   

6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 304/2010, à Câmara Municipal de Biguaçu, ao responsável pelo controle interno daquele Município e aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação. 

 

 

O Acórdão nº 702/2010 foi publicado em 08/11/2010, no Diário Oficial Eletrônico nº 616.  

  

Em 07/12/2010, foi protocolado o presente Recurso de Reconsideração.  

 

É o relatório.  

 

ADMISSIBILIDADE  

 

O Recurso de Reconsideração é o meio adequado para provocar a reapreciação de prestação e tomada de contas. Diz o art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00:  

  

Art. 77. Cabe Recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado. 

 

A recorrente, Sra. Salete Orlandina Cardoso, Vereadora na legislatura 2005 a 2008 da Câmara Municipal de Biguaçu, é parte legítima para o manejo do presente recurso, porquanto se enquadra no conceito de responsável enunciado pelo art. 133, § 1º, da Resolução nº TC 16/2001:  

  

Art. 133. § 1º Para efeito do disposto no caput, considera- se:  

 

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;  

 

O presente recurso de reconsideração foi interposto tempestivamente, em 06/12/2010, tendo em vista que o Acórdão nº 702/2010 foi publicado em 08/11/2010, no Diário Oficial Eletrônico nº 616.  

  

Outrossim, cumpre - o recurso - o requisito da singularidade, porquanto interposto pela primeira vez.  

  

Estão presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade. 

 

2. ANÁLISE

 

Insurge-se o recorrente contra o débito de R$ 8.859,56 (oito mil oitocentos e cinqüenta e nove reais e cinqüenta e seis centavos), relativo a subsídios pagos a maior, provenientes de reajustes concedidos irregularmente em 2005 (pela Lei Municipal nº 2.108/2005), 2006 (pela Lei Municipal nº 2.278/2006) e 2007 (sem lei), pelo descumprimento dos arts. 39, § 4º e 37, X, da Constituição da República Federativa do Brasil.      

 

A recorrente alega, tendo baseado-se em decisões judiciais, que:

 

“Desse modo, e com a máxima vênia, verifica-se que a interpretação dos arts. 37, X, e 39, 4º, da Constituição Federal não é limitada aos índices inflacionários do

período como quer crer esta Corte de Contas, ao passo que ‘(...) não fosse ela permitida, a remuneração  dos agentes políticos municipais poderia ser barbaramente reduzida pelo efeito da inflação. Ao cabo de 4 (quatro) anos, a remuneração pouco significaria. E essa situação poderia ser ainda mais grave se, ao encerramento da legislatura, o Legislativo decidisse manter congelado a remuneração para a legislatura seguinte, posto inexistir óbice neste sentido. Obviamente não foi esse o propósito do legislador constituinte(...)’.  

Sabe-se que as decisões do Tribunal de Contas possuem força imperativa no âmbito administrativo, sujeitando-se a apreciação pelo Poder Judiciário quando presentes a lesão ou ameaça de direito.   

 

[...]  

 

Desse modo, revestido o ato de legalidade, e com escopo na primazia da segurança jurídica, destaca-se que o índice de reajuste concedido, ainda que acima dos índices inflacionários e no mesmo percentual de reajuste do funcionalismo público municipal, não fere a Constituição Federal nem tampouco a moralidade pública.” 

   

Razão não lhe assiste.    

    

Conforme se depreende dos autos, trata-se de reajuste em benefício exclusivo dos vereadores e não de revisão geral anual.  

   

In casu, os vereadores do Município de Biguaçu tiveram seus subsídios fixados para a legislatura de 2005-2008 por meio da Lei Municipal nº 1.987/2004, e em seu art. 4º, atendendo ao que dispõe o art. 37, X, da CF, determina que somente será permitida a alteração dos subsídios dos agentes políticos na mesma época e nos mesmos índices da revisão dos vencimentos dos servidores municipais. 

 

Aos agentes políticos somente pode ser aplicada a revisão geral anual, o que significa dizer que somente é permitida a composição das perdas inflacionárias, nos exatos percentuais desta. A imposição do débito impugnado foi por justamente não haver especificação de índice inflacionário e também por não haver indicação do período a que se referia, caracterizando reajuste, o que é vedado aos agentes políticos. 

 

Com efeito, a irregularidade foi muito bem descrita pelo Relatório nº 304/2010, da Diretoria de Controle dos Municípios (fls 174-325). In verbis:    

 

“No exercício de 2006 foram pagos aos Vereadores os Subsídios de R$ 3.092,30 (janeiro a abril) e R4 3.401,53 (maio a dezembro) e ao Vereador Presidente R$ 3.959,30 (janeiro a Abril) e R$ 4.268,53 (maio a dezembro). O aumento dos subsídios em maio foi concedido pela Lei nº 2.278, de 08 de maio de 2006, no percentual de 10%. Referida Lei caracterizou majoração de subsídios por reajuste e não Revisão Geral Anual, pois não apresentou índice inflacionário utilizado como base, nem o período a que se referia. Também não foi estendido a todos os servidores públicos municipais. Portanto, o que permanece em vigor é o valor fixado na Lei Municipal nº 1.987/2004 (ato fixador dos subsídios para legislatura 2005/2008).” (fl. 204)

 

Não resta dúvida que está caracterizado o reajuste, o que é vedado pela Constituição Federal aos Agentes Políticos.   

   

A única forma para se promover a alteração dos subsídios dos vereadores durante a legislatura é por meio da revisão geral anual. Veja-se o Prejulgado nº 1686, deste Tribunal:   

 

 

Prejulgado nº 1.686.   

   

1. A revisão geral anual é a recomposição da perda de poder aquisitivo ocorrida dentro de um período de 12 (doze) meses com a aplicação do mesmo índice a todos os que recebem remuneração ou subsídio, implementada sempre no mesmo mês, conforme as seguintes características:    

a) A revisão corresponde à recuperação das perdas inflacionárias a que estão sujeitos os valores, em decorrência da diminuição, verificada em determinado período, do poder aquisitivo da moeda, incidente sobre determinada economia;     

 b) O caráter geral da revisão determina a sua concessão a todos os servidores e agentes políticos de cada ente estatal, abrangendo todos os Poderes, órgãos e instituições públicas;      

c) O caráter anual da revisão delimita um período mínimo de concessão, que é de 12 (doze) meses, podendo, em caso de tardamento, ser superior a este para incidir sobre o período aquisitivo;     

d) O índice a ser aplicado à revisão geral anual deve ser único para todos os beneficiários, podendo a porcentagem ser diferente, de acordo com o período de abrangência de cada caso;      

e) A revisão geral anual sempre na mesma data é imposição dirigida à Administração Pública, a fim de assegurar a sua concessão em período não superior a um ano, salvo disposição constitucional adversa.  

 

2. A única forma autorizada pelo ordenamento jurídico para se promover a majoração do subsídio dos Vereadores durante a legislatura é a revisão geral prevista na parte final do inciso X do art. 37 da Constituição Federal, que deve ocorrer sempre na mesma data da revisão anual da remuneração dos servidores públicos municipais, e sem distinção de índices, desde que a lei específica que instituir a revisão geral anual também contenha previsão de extensão aos agentes políticos.    

  

3. REVOGADO.    

  

4. A iniciativa de lei para a revisão geral anual da remuneração dos servidores municipais e dos subsídios dos agentes políticos é de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, configurando-se o ato do Poder Legislativo que iniciar o processo legislativo com este objetivo como inconstitucional por vício de iniciativa. 

 

 

No caso em tela, as alterações ocorreram da seguinte forma:   

   

a) Só alcançou os vereadores de Biguaçu;   

   

b) Ocorreu na mesma legislatura;   

     

c) não houve especificação de índice inflacionário; 

 

d) não houve a indicação do período a que se referia o aumento.    

   

Desta feita, as razões recursais não têm o condão de infirmar a irregularidade havida. 

 

Quanto à alegação de que as decisões do Tribunal de Contas possuem força imperativa no âmbito administrativo, sujeitando-se a apreciação pelo Poder Judiciário quando presentes a lesão ou ameaça de direito, cabe ressaltar: 

 

1º) A  Apelação Cível mencionada nos autos nas fls. 04/09, constitui-se de decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC na qual fora decidido sobre a atualização na mesma época (remuneração de vereadores) do reajuste ao funcionalismo público. Exegese do art. 37, X c/c o art. 39, § 4º, da Constituição Federal; 

 

2º) Em que pese o entendimento da Corte Catarinense de Justiça, as decisões não têm o condão de vincular a manifestação desta Corte de Contas sobre a matéria, pois, muito embora o ordenamento jurídico brasileiro adote o princípio da unicidade de jurisdição, consagrado pelo inciso XXXV do art. 5ª da Constituição Federal, não se deve confundi-la com a independência entre as instâncias cível, administrativa e penal, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se:  

 

 

DEMISSÃO DE PROMOTOR PÚBLICO COM BASE EM FALTA GRAVE, APURADA EM INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. EMBORA A FALTA CONFIGURE CRIME, NÃO É A ADMINISTRAÇÃO OBRIGADA A AGUARDAR O PRONUNCIAMENTO DA JUSTIÇA CRIMINAL, ANTE O PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS JURISDIÇÕES. 

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ILÍCITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL: INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. I. - O mandado de segurança pressupõe fatos incontroversos, pelo que não admite dilação probatória. II. - Procedimento administrativo regular, assegurados o contraditório e a ampla defesa. III. - Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão ou de cassação da aposentadoria, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal, tendo em vista a autonomia das instâncias. Precedentes do STF: os MS 23.401/DF e 23.242/SP, Min. Carlos Velloso, Plenário, 18.03.02 e 10.04.02; MS 21.294/DF, Min. Sepúlveda Pertence, "DJ" de 21.9.01; MS 21.293/DF, Min. Octavio Gallotti, "DJ" de 28.11.97; os MS 21.545/SP, 21.113/SP e 21.321/DF, Min. Moreira Alves, "DJ" de02.4.93, 13.3.92 e 18.9.92; MS 22.477/AL, Min. Carlos Velloso, "DJ" de 14.11.97. IV. - R.M.S. improvido.

  

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO DEMITIDO POR ILÍCITO ADMINISTRATIVO. SIMULTANEIDADE DE PROCESSOS ADMINISTRATIVO E PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. PRECEDENTES. Esta Corte tem reconhecido a autonomia das instâncias penal e administrativa, ressalvando as hipóteses de inexistência material do fato, de negativa de sua autoria e de fundamento lançado na instância administrativa referente a crime contra a administração pública. Precedentes: MS nº 21.029, CELSO DE MELLO, DJ de 23.09.94; MS nº 21.332, NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 07.05.93; e 21.294, SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 23.10.91; e MS nº 22.076, Relator para o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA. Segurança denegada. (grifos meus) 

 

Isso posto, é o parecer pela manutenção da irregularidade.

 

3. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de:

 

3.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, interposto nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra Deliberação nº 702/2010, exarada na Sessão Ordinária de 18/10/2010, nos autos do Processo nº PCA nº 08/00228200, e no mérito negar provimento, ratificando na íntegra a Deliberação Recorrida. 

 

   

3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral à Câmara Municipal de Biguaçu e à Sra. Salete Orlandina Cardoso.

  

Consultoria Geral, em 19 de maio de 2011.

 

IVO SILVEIRA NETO

ASSESSOR - 4508750

 

De Acordo

 

JULIANA FRITZEN

COORDENADORA

 

 

De acordo. Contudo, à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Auditor Cleber Muniz Gavi, ouvindo preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 

HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL