PROCESSO Nº:

REP-12/00196985

UNIDADE GESTORA:

Secretaria de Estado da Fazenda

RESPONSÁVEL:

Nelson Antônio Serpa

INTERESSADOS:

Aldo de Mattos Sabino Junior e Marco Aurélio Milantoninio Junior

ASSUNTO:

Irregularidades no edital de Tomada de Preços nº 005/2012, para contratação de escritório de advocacia visando à alienação de ações ordinárias e preferenciais da CASAN

RELATÓRIO DE INSTRUÇÃO DESPACHO:

DLC - 348/2012

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de supostas irregularidades no Edital de Tomada de Preços nº 005/2012, do tipo “Técnica e Preço”, para contratação de escritório de advocacia para prestação de serviços técnicos profissionais especializados em consultoria jurídica (grupo-classe 0206) na modelagem, estruturação e implementação de operações societárias que possibilite a alienação de ações ordinárias e preferenciais da emissão da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) a um sócio estrangeiro, bem como em posterior operação de aumento de capital desta, em conformidade com a Lei Estadual nº 15.596/2011, promovido pela Secretaria de Estado da Fazenda (fl. 18). A entrega dos envelopes e a abertura da sessão estava prevista para o dia 04/04/2012, às 14h.

 

O processo foi motivado tendo em vista Representação (fls. 02-63) impetrada nesta Corte de Contas, pelo escritório Mattos Advogados Associados, pessoa jurídica de direito privado, inscrito no CNPJ/MF sob o nº 07.876.751/0001-15, inscrito na OAB/PR sob o nº 1.922, sediado na Rua Marcelino Champagnat, 202, Curitiba/PR, firmada pelos advogados Aldo de Mattos Sabino Junior, OAB/PR 17.134 e Marco Aurélio Milantoninio Júnior, OAB/PR 45.037.

 

Em suma, alega o Representante que:

 

(a) O subitem 4.3.4 do Edital, relacionado com os requisitos de qualificação técnica, “constituem restrição ao caráter competitivo do certame licitatório” (fl. 04), com inobservância do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal. Que é “perceptível a intenção em restringir o caráter competitivo da licitação, ao estabelecer inúmeras exigências de capacidade técnica que não são comuns aos escritórios de advocacia que atuam na área empresarial” (fl. 05). Repudiam as exigências das letras ‘d’, ‘g’, ‘h’ e ‘i’ do referido subitem. Que em relação às letras ‘e’ e ‘f’, “não se pode exigir que as certidões a serem apresentadas tenham por objeto a prestação de serviços idênticos aos licitados, nem tampouco que os atestados de capacidade técnica sejam emitidos por pessoa jurídicas de direito público” (fl. 08), por violarem o §1º do artigo 30 da Lei Federal nº 8.666/1993.

(b) O subitem 5.1 do item 5, relacionado aos requisitos da proposta técnica, “constituem restrição ao caráter competitivo do certame licitatório” (fl. 04), com inobservância no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal. Neste caso, o referido Edital “exige que o licitante já tenha atuado em assessoria jurídica prestada a vendedor e/ou comprador na obtenção de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica” (Cade) (fl. 05), sendo desarrazoado. Que “as exigências da Proposta Técnica previstas no item 5.1 do Edital, alíneas b.1, b.2, b.3, b.4 e b.6, restringem a competitividade ao estabelecer que a licitante já tenha atuado com assessoria jurídica a ente da Administração Pública Direta ou Indireta” (fl. 09).

(c) Ao final, requereu que a Representação fosse processada em caráter de urgência e julgada procedente para suspender o procedimento licitatório.

2. ANÁLISE

 

2.1. Admissibilidade

 

O §1º do artigo 113 da Lei Federal nº 8.666/1993, prescreve que qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas, como segue in verbis:

 

Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

§ 1º Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo.

 

A Resolução nº TC-07/2002, do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC), disciplinou o processamento da representação, com fundamento na Lei Federal nº 8.666/1993. O artigo 2º da referida Resolução prevê quais os requisitos indispensáveis que devem estar presentes na representação para que ela possa ser conhecida, quais sejam:

 

Art. 2º São requisitos de admissibilidade da Representação:

I – ser endereçada ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, em petição contendo:

a) a indicação do ato ou do procedimento administrativo considerado ilegal, bem como do órgão ou entidade responsável pela irregularidade apontada;

b) a descrição clara, objetiva e idônea dos fatos e das irregularidades objeto da Representação, juntando conforme o caso, documentos de sustentação apropriados;

c) o nome e o número da Carteira de Identidade, se pessoa física, ou do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, se pessoa jurídica, o endereço e assinatura do signatário da Representação;

d) a comprovação da habilitação legal em caso do signatário ser procurador regularmente constituído ou dirigente de pessoa jurídica.

II – referir-se à licitação, contrato, convênio, acordo ou outro instrumento congênere de que seja parte entidade ou órgão sujeitos à jurisdição do Tribunal.

 

No caso em tela, verifica-se que a Representação está endereçada ao Tribunal de Contas (fl. 02); há indicação do ato ou do procedimento administrativo considerado ilegal (fls. 02), informando o órgão ou entidade responsável pela irregularidade (fl. 02); está redigida em linguagem clara e objetiva e está acompanhada de indício de prova (fls. 02-63); versa sobre matéria sujeita à apreciação do Tribunal de Contas, decorrente de ato praticado no âmbito da Administração Pública (Edital de Tomada de Preços nº 005/2012, da Secretaria de Estado da Fazenda), com possível infração a norma legal (Lei Federal nº 8.666/1993 e outras); e contém o CNPJ e o endereço do Representante (fl. 02).

 

Portanto, considera-se que foram atendidos todos os requisitos necessários à apreciação desta Corte de Contas da presente Representação, conforme prevê o artigo 2º da Resolução nº TC-07/2002.

 

2.2. Sobre os supostos requisitos de qualificação técnica que restringem o caráter competitivo do certame

 

Conforme alegado pelo Representante, o subitem 4.3.4 do Edital, relacionado com os requisitos de qualificação técnica, “constituem restrição ao caráter competitivo do certame licitatório” (fl. 04), com inobservância do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal. O Representante repudia as exigências das letras ‘d’, ‘g’, ‘h’ e ‘i’ do referido subitem. Que em relação às letras ‘e’ e ‘f’, “não se pode exigir que as certidões a serem apresentadas tenham por objeto a prestação de serviços idênticos aos licitados, nem tampouco que os atestados de capacidade técnica sejam emitidos por pessoa jurídicas de direito público” (fl. 08), por violarem o §1º do artigo 30 da Lei Federal nº 8.666/1993.

 

Toda contratação pública passa, obrigatoriamente, pela fase de habilitação, conforme a Seção II do Capítulo II da Lei Federal nº 8.666/1993. Nas palavras de Justen Filho, a habilitação “consiste no conjunto de atos orientados a apurar a idoneidade e a capacitação de sujeito para contratar com a Administração Pública”[1], relacionada diretamente com as condições do direito de licitar. Conforme o mencionado jurista, tais condições classificam-se em gerais, que são as exigidas no texto da lei para toda e qualquer licitação, e específicas, “fixadas pelo ato convocatório, em função das características da contratação colimada [...]”[2].

 

Assim, a discricionariedade conferia à Administração Pública para estabelecer as condições específicas estará diretamente ligado à natureza e extensão do objeto a ser contratado, lembrando sempre a parte final do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal que expressa “o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

 

No caso do Edital de Tomada de Preços nº 005/2012, trata-se de chamamento público com o objetivo “de selecionar proposta objetivando a contratação de escritório de advocacia para prestação de serviços técnicos profissionais especializados de consultoria jurídica” (fl. 17). Conforme propõe o Anexo I, que trata da Descrição dos Serviços, as atividades da contratada serão (fls. 40/41):

 

1.1. Este descritivo de serviços, sob a supervisão da Secretaria de Estado da Fazenda, tem por escopo a contratação de escritório de advocacia para prestação de serviços técnicos profissionais especializados de consultoria jurídica na modelagem, estruturação e implementação de operações societárias que possibilite a alienação de ações ordinárias e preferenciais de emissão da Companhia Catarinense de Aguas e Saneamento - CASAN a um sócio estratégico, bem como em posterior operação de aumento do capital desta, em conformidade com os termos da Lei Estadual nº 15.596,14 de outubro de 2011, incluindo as seguintes atividades:

1.1.1. Estruturação e cumprimento das formalidades legais necessárias a proceder à  transferência das ações ordinárias e preferenciais de emissão da CASAN, de titularidade do SC Participações e Parcerias S.A. - SC PAR e Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC, ao Estado, por meio da realização de operação de resgate, redução de capital, reembolso ou operação de compra e venda,  incluindo a elaboração dos documentos societários pertinentes;

1.1.2. Modelagem, estruturação e realização de leilão para venda de ações ordinárias e preferenciais de emissão da CASAN aum sócio estratégico, incluindo a elaboração do edital respectivo e de seus documentos anexos, naquilo que for pertinente, e quaisquer outros documentos que se fizerem necessários para proceder à venda, em bloco, das ações com outros eventuais acionistas da Companhia;

1.1.3. Estruturação e elaboração dos documentos para formalizar a compra e venda de ações com o sócio estratégico que vier a se sagrar vencedor do leilão indicado no item "1.1.2.", incluindo a elaboração do contrato de compra e venda respectivo e outros documentos societários necessários à conclusão da operação de compra e venda;

1.1.4. Estruturação e a elaboração de acordo de acionistas a ser celebrado com o sócio estratégico que vier a se sagra vencedor do leilão indicado no item "1.1.2.", bem como a elaboração da alteração do estatuto social e outros documentos societários da CASAN, a fim de adequar a estrutura de governança da Companhia ao estabelecido no acordo de acionistas;

1.1.5. Realização de aumento de capital da CASAN a ser subscrito e integralizado pelo sócio estratégico e pelo Estado e, no caso deste último, com a aplicaçao do produto da alienação das ações objeto do leilão indicado no item "1.1.2." acima que lhe será pago, incluindo a elaboração dos documentos societários pertinentes;

1.1.6. Elaboração de documentos e informes (fatos relevantes e/ou comunicados ao mercado) que se fizerem necessários, de acordo com a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários - CVM e demais disposições legais aplicáveis;

1.1.7. Tomada das medidas necessárias junto à CVM para o fim de realizar o leilão indicado no item "1.1.2.", bem como para conclusão da venda do bloco que ações ao sócio estratégico e realização e conclusão do aumento de capital indicado no item "1.1.4.";

1.1.8. Obtenção das aprovações dos órgãos concorrenciais que eventualmente se fizerem necessárias nos termos da Lei Federal n.º 12.259/2011.

1.2. Não estará incluída no escopo da contratação a representação da CASAN, do Estado e/ou de qualquer dos acionistas da Companhia em qualquer processo administrativo e/ou judicial que venha a ser proposto em relação a qualquer medida contemplada para o fim de concluir a alienação das ações ordinárias e preferenciais de emissão da CASAN a um sócio estratégico.

 

Trata-se, conforme se depreende, de um conjunto de atividades e procedimentos para lançar no mercado ações ordinárias e preferenciais da Casan visando à obtenção de sócio privado para compartilhamento de sua estrutura societária. Atualmente a Casan é uma empresa de economia mista em que 100% das ações pertencem à Administração Pública Estadual. Destaca-se que não estão no mérito desta análise os motivos e razões para a operação que visa a entrada de capital privado na sociedade da Companhia.

 

O Representante insurge-se contra os seguintes requisitos de habilitação, para fins de qualificação técnica (fl. 25):

 

d) declaração de, pelo menos, um (01) cliente, atestando que o escritório de advocacia executou serviços compatíveis com o objeto da licitação em cada uma das seguintes áreas: Direito Societário, Civil, Administrativo, Mercado de Capitais;

e) declaração de, pelo menos, um (01) ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta atestando que o licitante prestou assessoria jurídica na modelagem de processo para alienação de participação acionária detida em empresa prestadora de serviços de saneamento básico, e na reestruturação societária desta;

f) declaração de, pelo menos, um (01) ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta na estruturação atestando que o licitante prestou assessoria jurídica na execução de processo para alienação de participação acionária detida em empresa prestadora de serviços públicos por meio da modalidade de leilão;

g) declaração de, pelo menos, um (01) cliente atestando que o licitante prestou assessoria jurídica em processo de registro de oferta de valores mobiliários perante a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, em conformidade com o exigido na legislação de mercado de capitais;

h) declaração de, pelo menos, um (01) cliente atestando que o licitante prestou assessoria jurídica na realização da adaptação de estatuto social e na elaboração de acordo de acionistas de companhia aberta, como parte de processo de alienação/aquisição de participação acionária;

i) declaração de, pelo menos, um (01) ente público ou privado atestando que o licitante prestou assessoria jurídica na realização de adaptação de estatuto social e na elaboração de acordo de acionista de prestadora de serviço público, como parte de processo de alienação/aquisição de participação acionária.

 

Denota-se, dos requisitos exigidos, que são pertinentes com a descrição dos serviços a serem desempenhados pelo escritório de advocacia a ser contratado. No entanto, percebe-se exigência que se mostra excessiva relacionada à limitação de certidão emitida excluisivamente por pessoa jurídica de direito público, em relação as letras “e” e “f”.

 

O Representante aduziu que “não se pode exigir que as certidões a serem apresentadas tenham por objeto a prestação de serviços idênticos aos licitados, nem tampouco que os atestados de capacidade técnica sejam emitidos por pessoa jurídicas de direito público”.

 

Parece assistir razão o Representante em relação ao segundo questionamento. No que tange a questão de certidões comprobatórias de serviços prestados emitidos por pessoa jurídica de direito público, denota-se que as atividades de “modelagem de processo para alienação de participação acionária” (letra “e”) e “assessoria jurídica para estruturação na execução de processo para alienação de participação acionária” (letra “f”), não são serviços prestados exclusivamente à Administração Pública. Mas, pelo contrário, são atividades afetas tanto a atividade privada como a atividade pública.

 

A respeito do tema, merece transcrição o entendimento de Justen Filho, assim exposto[3]:

 

É evidente ser impossível eliminar o risco de a pessoa contratada revelar-se incapaz tecnicamente de executar a prestação devida. Ao estabelecer certas exigências, a Administração busca reduzir esse risco. Configura-se uma presunção: a comprovação da qualificação técnica, na fase de habilitação, induz que o sujeito, se contratado, disporá de grande probabilidade de executar satisfatoriamente as prestações devidas. Ou, mais precisamente, a ausência dos requisitos de capacitação técnica, evidenciada na fase de habilitação, faz presumir que o interessado provavelmente não lograria cumprir satisfatoriamente as prestações necessárias à satisfação do interesse público. A fixação das exigências de qualificação técnica é muito relevante. Não se pode fazer em termos puramente teóricos ou burocráticos. A relação de encargos tem de cumprir a função que justifica sua instituição.3

 

Consoante o ensinamento de Sundfeld[4]:

 

(...) a formulação, nos editais de licitação, de exigências a serem atendidas pelo licitante, a fim de comprovar sua qualificação técnica e econômica, tem base constitucional. É evidente que tais exigências limitam a competição no certame licitatório, pois resultam no alijamento de todos aqueles que, não podendo atendê-las, vêem-se privados da oportunidade de contratar com o Estado. Está-se aqui, no entanto, perante uma limitação perfeitamente legítima à ampla possibilidade de disputa nos mercados públicos, que a licitação visa a propiciar; trata-se simplesmente de fazer prevalecer o interesse público (qual seja: o de não correr o risco de contratar com empresas desqualificadas) sobre o interesse privado (a saber: o de obter o máximo possível de negócios).

 

Além disso, conforme o posicionamento da Consultoria Zênite, “tendo em vista que a lei assegura ao licitante a faculdade de apresentar atestado fornecido por pessoa de direito público ou privado, a Administração não poderá restringir essa faculdade, estipulando no edital que somente serão aceitos atestados emitidos por pessoas jurídicas de direito público”[5]

 

É certo que não pode a Administração, em nenhuma hipótese, fazer exigências que frustrem o caráter competitivo do certame, mas sim garantir ampla participação na disputa licitatória, possibilitando o maior número possível de concorrentes interessados, desde que tenham qualificação técnica e econômica para garantir o cumprimento das obrigações.

 

Destarte, privar a comprovação de aptidão técnica para fins de execução contratual futura apenas por ente público, no que tange aos serviços de  modelagem de processo para alienação de participação acionária” (letra “e”) e “assessoria jurídica para estruturação na execução de processo para alienação de participação acionária” (letra “f”), acarreta a violação do princípio da igualdade entre as partes.

 

Conforme o Edital de Tomada de Preços nº 005/2012, constata-se que nem todos os serviços, conforme realçado, são de execução exclusiva ao ente público, sendo possível a comprovação de sua execução pretérita por ente privado, no caso específico, conforme mencionado, das letras “e” e “f” do subitem 4.3.5. (Qualificação Técnica).

 

Conclui-se, portanto, que a exigência de comprovação dos serviços constante das letras “e” e “f” do subitem 4.3.5. (Qualificação Técnica) do Edital, de apresentação de atestado emitido apenas por pessoas jurídicas de direito público não pode ser aceita. Verifica-se que representa afronta ao princípio da concorrência e risco à ampla participação de interessados no certame, configurando ofensa ao § do artigo 30 da Lei Federal 8.666/1993.

 

2.3. Sobre os supostos requisitos da proposta técnica que restringem o caráter competitivo do certame

 

Aponta a Representante que o item 5.1, relacionado aos requisitos da proposta técnica, “constituem restrição ao caráter competitivo do certame licitatório” (fl. 04), com inobservância no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal. Que o referido Edital “exige que o licitante já tenha atuado em assessoria jurídica prestada a vendedor e/ou comprador na obtenção de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica” (Cade) (fl. 05), sendo desarrazoado. Que “as exigências da Proposta Técnica previstas no item 5.1 do Edital, alíneas b.1, b.2, b.3, b.4, b.6 e b.7 restringem a competitividade ao estabelecer que a licitante já tenha atuado com assessoria jurídica a ente da Administração Pública Direta ou Indireta” (fl. 09).

 

O Representante subleva-se contra os seguintes itens a serem considerados no julgamento da proposta técnica:

 

b) atestado ou declaração de ente público ou privado, em nome da licitante e/ou de seus membros, descrevendo e comprovando que possuem prévia experiência na realização dos serviços objeto deste Edital, observados os critérios de pontuação definidos no edital e ainda as seguintes atividades:

b.1.) assessoria jurídica prestada a ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta na modelagem de processo para alienação de participação acionaria     detida em empresa prestadora de serviços de saneamento básico, e na reestruturação societária desta (70 pontos);

b.2.) assessoria jurídica prestada a ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta na estruturação e execução de processo para alienaçao de participação acionária detida em empresa prestadora de serviços públicos por meio da modalidade de leilão (60 pontos);

b.3.) assessoria jurídica prestada a ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta na avaliação e modelagem jurídica de estruturas para proceder à implantação de programa e/ou projeto de desestatização (50 pontos);

b.4.) assessoria jurídica prestada a companhia em processo de registro de oferta de valores mobiliários perante a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, em conformidade com o exigido na legislação de mercado de capitais (50 pontos);

[...]

b.6.) assessoria jurídica na realização da adaptação de estatuto social e na elaboração de acordo de acionista de empresa prestadora de serviço público, como parte de processo de alienação/aquisição de participação acionária (40 pontos);

b.7.) assessoria jurídica prestada a vendedor e/ou comprador na obtenção de aprovação do Conselho de Administrativo de Defesa Econômica - CADE (30 pontos).

 

A preocupação e o alerta do Representante parece ser pertinente. O Quadro 01 pode aclarar melhor a situação, ao traçar comparativo entre as exigências para fins de Qualificação Técnica e os requisitos mínimos de consideração e pontuação da Proposta Técnica, tendo em vista o tipo de licitação “técnica e preço”.

 

Quadro 01 – Comparativo entre os requisitos de qualificação técnica e elementos de pontuação da proposta técnica:

Requisitos de Qualificação Técnica

Elementos de pontuação da Proposta Técnica

a)           declaração firmada pelo representante legal da licitante que ateste a habilitação da equipe que integra o escritório apresentando a relação e indicação do pessoal disponível e habilitado para a prestação dos serviços objeto deste Edital, constante do seu ANEXO VI;

a) atestado ou declaração comprovando que cada um dos proponentes habilitados e os profissionais que serão responsáveis pela execução dos serviços possuem capacitação técnica, em nível nacional e em grau de complexidade compatível com o objeto da contratação e que reúnem notória especialização nas áreas de Direito Societário, Civil, Administrativo "e Mercado de Capitais;

b)           apresentação do currículo dos advogados, contendo as seguintes informações: nome do profissional; idade; títulos, instituição, ano de conclusão e registro profissional, conforme modelo disposto no ANEXO VII deste Edital;

c)           apresentação do currículo do Escritório, com a indicação das suas áreas de atuação, conforme modelo disposto no ANEXO VIII deste Edital;

d)           declaração de, pelo menos, um (01) cliente, atestando que o escritório de advocacia executou serviços compatíveis com o objeto da licitação em cada uma das seguintes áreas: Direito Societário, Civil, Administrativo, Mercado de Capitais;

 

b) atestado ou declaração de ente público ou privado, em nome da licitante e/ou de seus membros, descrevendo e comprovando que possuem prévia experiência na realização dos serviços objeto deste Edital, observados os critérios de pontuação definidos no edital e ainda as seguintes atividades:

e)           declaração de, pelo menos, um (01) ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta atestando que o licitante prestou assessoria jurídica na modelagem de processo para alienação de participação acionária detida em empresa prestadora de serviços de saneamento básico, e na reestruturação societária desta;

b.1.) assessoria jurídica prestada a ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta na modelagem de processo para alienação de participação acionária       detida em empresa prestadora de serviços de saneamento básico, e na reestruturação societária desta (70 pontos);

b.3.) assessoria jurídica prestada a ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta na avaliação e modelagem jurídica de estruturas para proceder à implantação de programa e/ou projeto de desestatização (50 pontos);

f) declaração de, pelo menos, um (01) ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta na estruturação atestando que o licitante prestou assessoria jurídica na execução de processo para alienação de participação acionária detida em empresa prestadora de serviços públicos por meio da modalidade de leilão;

b.2.) assessoria jurídica prestada a ente integrante da Administração Pública Direta e/ou Indireta na estruturação e execução de processo para alienação de participação acionária detida em empresa prestadora de serviços públicos por meio da modalidade de leilão (60 pontos);

g) declaração de, pelo menos, um (01) cliente atestando que o licitante prestou assessoria jurídica em processo de registro de oferta de valores mobiliários perante a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, em conformidade com o exigido na legislação de mercado de capitais;

b.4.) assessoria jurídica prestada a companhia em processo de registro de oferta de valores mobiliários perante a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, em conformidade com o exigido na legislação de mercado de capitais (50 pontos);

h) declaração de, pelo menos, um (01) cliente atestando que o licitante prestou assessoria jurídica na realização da adaptação de estatuto social e na elaboração de acordo de acionistas de companhia aberta, como parte de processo de alienação/aquisição de participação acionária;

b.5.) assessoria jurídica na realização da adaptação de estatuto social e na elaboração de acordo de acionistas de companhia aberta, como parte de processo de alienação/aquisição de participação acionária (40 pontos);

i) declaração de, pelo menos, um (01) ente público ou privado atestando que o licitante prestou assessoria jurídica na realização de adaptação de estatuto social e na elaboração de acordo de acionista de prestadora de serviço público, como parte de processo de alienação/aquisição de participação acionária.

b.6.) assessoria jurídica na realização da adaptação de estatuto social e na elaboração de acordo de acionista de empresa prestadora de serviço público, como parte de processo de alienação/aquisição de participação acionária (40 pontos);

 

b.7.) assessoria jurídica prestada a vendedor e/ou comprador na obtenção de aprovação do 5Çonselho de Administrativo de Defesa Econômica - CADE (30 pontos).

 

c) cópia autenticada de diploma de bacharel em direito, certificado de especialização (5 pontos), diploma de mestrado (10 pontos) e diploma de doutorado (15 pontos). O escritório deve comprovar pelo menos um advogado com título de especialista ou superior em Direito Civil, Societário, Administrativo e de Mercado de Capitais (pontuação máxima deste item é de 60 pontos equivalente ao somatório do máximo de 15 pontos em cada uma das quatro áreas do direito acima mencionadas), sendo considerado para efeito de pontuação, apenas o maior título.

Fonte: Edital de Tomada de Preços nº 005/2012, fls. 25 -27. (Grifou-se)

 

Conforme exigido e estabelecido nas condições editalícias, há risco da proposta técnica não contribuir para a seleção da proposta mais vantajosa e qualificada tecnicamente para contratação com a Secretaria de Estado da Fazenda. É que, ao considerar as exigências mínimas de qualificação técnica as mesmas para fins de avaliação e pontuação da proposta técnica, a Unidade Gestora torna esta etapa do procedimento inócua, ou seja, sem condições de demonstrar a real diferença técnica entre as licitantes concorrentes.

 

Ainda mais considerando a ressalva do subitem “d.1.” da letra “d” do subitem 5.1. do item 5. do Edital, expressando que “a comprovação de experiência na realização de cada uma das atividades listadas nos itens acima, será feita uma única vez” e que

 

a apresentação de mais de um atestado, por um proponente, comprovando o desempenho de uma das atividades listadas nos itens "a" e "b" e subitens "b.1. à b.7,"em mais de uma ocasião não conferirá ao licitante o direito a qualquer pontuação adicional, nem poderá ser utilizada como critério de desempate, caso as notas finais de dois ou mais licitantes sejam iguais (fl. 27).

 

Entende-se, nesta via, que conforme apresentado no Quadro 01, as empresas habilitadas, a princípio, pontuariam com o mesmo atestado apresentado para fins de habilitação técnica, especificamente em relação às letras da qualificação técnica e os itens da proposta técnica semelhantes, conforme segue, respectivamente: letra “e” com subitens “b.1. e b.3.”, letra “f” com subitem “b.2.”, letra “g” com subitem “b.4.”, letra “h” com subitem “b.5.” e letra “i” com subitem “b.6.”

 

Ainda mais considerando que não há ressalva no Edital estabelecendo que não serão pontuados aqueles atestados já considerados na habilitação. Ou seja, pouca diferença haveria entre as empresas habilitadas tecnicamente e a pontuação obtida por cada uma no resultado da proposta técnica, tornando esta fase sem relevância. Da forma como está o Edital, deve haver mudança no tipo da licitação, tendo em vista que a “técnica” em nada vai influenciar no resultado final, restando relevante apenas à proposta de preços.

 

Está na discricionariedade da Administração Pública definir quais requisitos serão considerados na avaliação da proposta técnica, desde que objetivos, conforme exige o artigo 46 da Lei de Licitações e Contratações. No entanto, não podem ser conflituosos com os requisitos de habilitação. Justen Filho aduz que “tem-se de evitar a confusão entre a capacitação técnica da fase de habilitação e as exigências técnicas da fase de julgamento. Aquelas deverão referir-se à figura do licitante, enquanto essas aludirão ao conteúdo [...] das propostas. [...] A confusão acarretará nulidade insanável”[6].

 

Desta feita, constatada a confusão entre a fase de habilitação e a fase de julgamento, reporta-se ofensa ao princípio geral das licitações públicas, conforme inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.

 

2.4. Sobre o pedido de sustação cautelar no certame

 

Consoante o §3º do artigo 3º da Instrução Normativa nº TC - 05/2008, o Relator poderá, em caso de urgência, havendo fundada ameaça de grave lesão ao erário ou a direito dos licitantes, bem como para assegurar a eficácia da decisão de mérito, determinar à autoridade competente a sustação do procedimento licitatório até manifestação ulterior que revogue a medida ex officio ou até a deliberação pelo Tribunal Pleno.

 

Tal providência deverá ser adotada quando presentes os pressupostos do fumus boni iuris, que é a verossimilhança do direito alegado, e do periculum in mora, traduzido como a situação de perigo na demora em resolver a questão.

 

No caso dos autos, a verossimilhança do direito alegado corresponde as restrições contidas no Edital de Tomada de Preços nº 005/2012, da Secretaria de Estado da Fazenda, que apresentam risco ao erário, pois afastam interessadas e comprometem o princípio da ampla concorrência e do atingimento da melhor proposta para a Administração, quais sejam: (a) exigência de comprovação dos serviços constante das letras “e” e “f” do subitem 4.3.5. (Qualificação Técnica) do Edital por meio de atestado emitido apenas por pessoas jurídicas de direito público, configurando ofensa ao § do artigo 30 e inciso I do § do artigo 3º da Lei Federal 8.666/1993; e (b) confusão entre a fase de habilitação e a fase de julgamento das propostas técnicas, reportando-se ofensa ao princípio geral das licitações públicas, conforme inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.

 

Além disso, a abertura da licitação ocorreu dia 25/04/2012, conforme “ata de abertura de habilitação” (fl. 64), estando configurado o periculum in mora, já que a não concessão de medida cautelar determinando a sustação do certame pode comprometer a decisão de mérito a ser proferida por este Tribunal.

 

3. CONCLUSÃO

 

Considerando que estão presentes todos os elementos para conhecimento da Representação;

 

Considerando que, conforme regra geral, a análise da Representação deve ficar restrita as alegações trazidas na peça inaugural;

 

Considerando que as alegações trazidas pelo Representante demonstraram ofensa à Constituição e à Lei Federal nº 8.666/1993;

 

Considerando que há risco concreto de prejuízo ao princípio da ampla concorrência;

 

 

 

 

Considerando que restaram demonstrados os pressupostos autorizadores da concessão de tutela de urgência.

 

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

 

3.1. Conhecer da Representação, por preencher os requisitos do §1º do artigo 65 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, bem como do artigo 2º da Resolução nº TC-07/2002, conforme o item 2.1 deste Relatório.

 

3.2. Determinar, cautelarmente, com fundamento no § 3º do artigo 3º da Instrução Normativa nº TC-05/2008, ao Sr. Nelson Antonio Serpa, Secretário de Estado da Fazenda,  CPF/MF sob o nº  165.130.029-15, a sustação do Edital de Tomada de Preços nº 005/2012, até manifestação ulterior que revogue a medida ex officio ou até a deliberação do Tribunal Pleno desta Corte de Contas, devendo a medida ser imediatamente comprovada, em razão das seguintes irregularidades:

 

3.2.1. Exigência de comprovação dos serviços constante das letras “e” e “f” do subitem 4.3.5. (Qualificação Técnica) do Edital por meio de atestado emitido apenas por pessoas jurídicas de direito público, tendo em vista afronta ao princípio da concorrência e risco à ampla participação de interessados no certame, configurando ofensa ao § do artigo 30 e inciso I do § do artigo 3º da Lei Federal 8.666/1993 (item 2.2. do presente Relatório);

 

3.2.2. Confusão entre a fase de habilitação e a fase de julgamento das propostas técnicas, reportando-se ofensa ao princípio geral das licitações públicas, conforme inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal (item 2.3. do presente Relatório).

 

 

 

 

3.3. Dar ciência do Relatório Técnico e da Decisão ao Representante, à Assessoria Jurídica e ao Controle Interno da Secretaria de Estado da Fazenda.

 

É o Relatório.

Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, em 16 de maio de 2012.

 

 AZOR EL ACHKAR

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 DENISE REGINA STRUECKER

CHEFE DA DIVISÃO

 

 

FLAVIA LETICIA FERNANDES BAESSO MARTINS

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Luiz Roberto Herbst.

 

 MARCELO BROGNOLI DA COSTA

DIRETOR



[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 396.

[2] Id. ibid. p. 396.

[3] Id. ibid. p. 130.

[4] SUNDFELD Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 325.

[5] Perguntas e Respostas. Qualificação técnica - Atestados emitidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado - Impossibilidade de restrição dessa faculdade. Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, n. 128, out./2004.

[6] Ob. cit. p. 632.