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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL |
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PCA-05/00570493 |
UNIDADE GESTORA: | Câmara Municipal de Rio Rufino |
Interessado: | Sr. Rafael Manoel Mendes - Presidente da Câmara |
responsável: | Sr. Saulo Belisário Ferreira Vieira - Presidente da Câmara no exercício de 2004 |
Assunto: | Prestação de Contas de Administrador referente ao exercício de 2004 |
Parecer n°: | GC/WRW/2007/564/EB |
PROPOSTA DE VOTO DIVERGENTE
Os autos foram inicialmente discutidos na Sessão Plenária do dia 06/06/2007, com proposta de Voto do Auditor Cleber Muniz Gavi (fls. 82/87), sugerindo julgar irregulares as contas anuais de 2004, com aplicação de multa em face da realização de despesas com a contratação de profissional para a realização dos serviços contábeis.
Este Conselheiro apresentou justificativas, alegando que, em razão do princípio da economicidade, as presentes contas poderiam ser julgadas regulares com ressalvas, com recomendações ao Presidente da Câmara para a regularização da restrição, realizando o devido concurso público para a contratação de contador.
Por esta razão o Auditor substituto de Conselheiro, Dr. Cleber Muniz Gavi, solicitou o adiamento do julgamento, que somente ocorreu na Sessão Plenária do dia 15/08/2007.
Este o breve relatório.
Nesta ocasião, apresento os argumentos abaixo, visando fundamentar o meu voto divergente.
A análise dos autos demonstra que o Responsável justifica o procedimento apontado como irregular, com base nos fatos de que o mesmo foi realizado por prazo determinado e duração previamente fixada, não demonstrando, entretanto, a regularização da presente situação, através da criação e do provimento através do devido concurso público.
A Constituição Federal abriga o princípio do concurso público (art. 37, II, CF) para a investidura em cargo ou emprego públicos, cujas exceções estão previstas no próprio texto constitucional, quais sejam, a nomeação para o exercício de cargo comissionado e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, constando, respectivamente, no incisos II e IX do art. 37.
Nesse passo, a argumentação do Responsável de que a contratação, encontra-se regulamentada pelo inciso IX do art. 37 da Constituição Federal não merece prosperar, haja vista que a necessidade temporária somente pode perdurar apenas o tempo necessário à criação e ao provimento do cargo efetivo.
Entretanto, este Relator entende que, especificamente em relação à contratação de contador, para a aplicação das normas vigentes, deve-se ter em conta os requisitos legais exigidos, mas também, uma análise detalhada da situação que está em exame.
Nesta esteira, tem-se verificado que em centenas de municípios catarinenses, que podem ser considerados de pequeno porte, tanto no aspecto econômico como no populacional, como é o caso do Município de Rio Rufino, as demandas de serviços de assessoria contábil das Câmaras Municipais não exigem a dedicação de profissional com tempo integral.
Por isso, com a aplicação do princípio da economicidade, este Relator tem considerado como regular a contratação dos serviços de assessoria contábil via processo licitatório, em situação que se mostrou mais econômica para a administração pública do que eventual contratação através de concurso público, divergindo, neste ponto, do voto do eminente auditor Cleber Muniz Gavi.
Cabe salientar, ainda, que esta Egrégia Corte de Contas já exarou decisões entendendo como regulares contratações de assessoria jurídica e contábil através de processo licitatório em ocasião que se mostrou mais econômica para a administração pública (Processos: PCA-04/01331768 - Acórdão nº 1070/2006; PCA-05/04024558 - Acórdão nº 1071/2006; PCA-0500860491 - Acórdão nº 157/2007 e PCA-03/03311967 - Acórdão nº 1284/2006).
No que tange à aplicação do princípio da economicidade, faz-se necessário tecer algumas considerações.
A doutrina mais atualizada vem atribuindo status constitucional ao princípio da economicidade, em virtude da dicção do art. 70, caput, da CF, que trata da fiscalização contábil, financeira e orçamentária, verbis:
Art. 70 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Segue essa orientação, a lição trazida por Paulo Soares Bugarin:
É notório que a Constituição Federal de 1988 ampliou significativamente o universo de competências e atribuições do Sistema Federal de Controle Externo (arts. 70 a 75). Nesse novo cenário, a atuação do Tribunal de Contas da União -TCU, como órgão de controle externo, em íntima cooperação com Congresso Nacional, engendra uma avaliação cada vez mais criteriosa dos gastos públicos. A propósito, o texto constitucional inseriu no ordenamento jurídico parâmetro de natureza essencialmente gerencial, intrínseco à noção de eficiência, eficácia e eficiência, eficácia e efetividade, impondo como um dos vetores da regular gestão de recursos e bens públicos o respeito ao princípio da economicidade, ao lado do basilar princípio da legalidade e do, também recém-integrado, princípio da legitimidade (CF, art. 70, "caput").1 grifo nosso
Ao tratar do mesmo tema, Marçal Justen Filho leciona que:
A Administração Pública está obrigada a gerir os recursos financeiros do modo mais razoável. O princípio da economicidade pode reputar-se também como extensão do princípio da moralidade.
Significa que os recursos públicos deverão ser administrados segundo regras éticas, com integral respeito à probidade. O administrador público não pode superpor eventuais e egoísticos interesses privados ao interesse público. Não se respeita o princípio da economicidade quando as decisões administrativas conduzem a vantagem pessoal do administrador antes do que ao benefício de toda coletividade.
Mas economicidade significa, ainda mais, o dever de eficiência. Não bastam honestidade e boas intenções para validação dos atos administrativos. A economicidade impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos. [...]
O princípio da economicidade adquire grande relevo na disciplina do exercício das competências discricionárias atribuídas ao Estado. O legislador não se encontra em condições de definir, de antemão, a solução mais adequada em face da economicidade. Há escolhas que somente poderão ser adotadas no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias específicas, variáveis em face das peculiaridades. [...]
O princípio da economicidade está modelado por três fatores, que produzem uma espécie de delimitação de sua incidência:
O primeiro relaciona-se com a previsibilidade. [...] Avalia-se a economicidade no momento da prática do ato, tendo em vista as circunstâncias e segundo os padrões normais de conduta. [...]
O segundo ponto delimitador do princípio da economicidade reside na relevância de outros valores, de conteúdo não econômico, que possam estar em jogo. O critério de seleção da melhor alternativa não é sempre a maior vantagem econômica. Deve-se examinar se a busca pela maior vantagem não colocará em risco outros valores, de hierarquia superior. [...]
O terceiro tópico característico se relaciona com as formalidades jurídicas. O Estado não está autorizado a escolher certa solução fundando-se exclusivamente no argumento da economicidade. Como regra, a máxima vantagem econômica é insuficiente para validar um ato administrativo infringente das regras acerca da formalidades. O exemplo mais evidente é o da contratação direta, sem prévia licitação: ainda que vantajosa, não pode ser adotada senão nas hipóteses autorizadas pela Lei. 2
Com efeito, quando se trata do procedimento a ser adotado no caso das admissões no serviço público, a Constituição Federal não oferece ao administrador público margem considerável de discricionariedade, porquanto a regra do concurso público é taxativa, salvo as exceções contidas na própria Constituição.
Neste contexto, a utilização do princípio constitucional da economicidade para justificar possível contratação sem concurso público, há de ser feita com extrema cautela, até porque, como bem assinalou Marçal, "o Estado não está autorizado a escolher certa solução fundando-se exclusivamente no argumento da economicidade", em detrimento de outras regras ou preceitos legais.
A solução para o caso em tela consiste em buscar uma adequação entre a real necessidade da Câmara sem a ofensa do preceito constitucional.
Nessa via, a sugestão da Procuradoria Geral junto ao Tribunal de Contas, nos autos do Processo nº REC-04/05474938, da Câmara Municipal de Aurora, parece oportuna:
Se a Câmara Municipal não necessita de um servidor trabalhando oito horas diárias para a execução de seus serviços de contabilidade, pode estabelecer uma jornada de trabalho, por exemplo, de 10 horas semanais (duas horas diárias), que supriria as necessidades da Unidade, respeitando os preceitos constitucionais, sem comprometer a economia dos escassos recursos públicos.
Portanto, se a Câmara Municipal de Rio Rufino não necessita dos serviços de contabilidade oito horas diárias, pode adequar a legislação, para que a jornada de trabalho do cargo de contador, seja de, por exemplo, 10 horas semanais, com remuneração compatível ao serviço prestado.
Esse caminho almejaria ao cumprimento da regra do concurso público, sem prescindir da observância do princípio da economicidade.
Desta feita, considerando que a demanda de serviço de contabilidade pela Câmara de Rio Rufino não exige a dedicação de profissional com tempo integral, bem como a existência de precedentes neste Tribunal, acerca desta matéria, podendo ser citadas, as decisões exaradas nos processos mencionados anteriormente, este Relator entende que esta Corte de Contas pode, excepcionalmente para os presentes autos, aceitar como regular a contratação dos serviços de assessoria contábil, uma vez que a realização das despesas, que totalizaram R$ 7.700,00 (sete mil e setecentos reais) no exercício, se mostram mais econômicas para a administração pública do que eventual contratação através de concurso público.
Assinala-se que tal posicionamento não dispensa a formulação de recomendação ao Poder Legislativo municipal para a adoção de providências, com vistas ao cumprimento da regra contida no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, cujo atendimento será oportunamente verificado pelo Corpo Instrutivo desta Corte.
Recomenda-se, outrossim, que Câmara Municipal de Rio Rufino atente para os Prejulgados n. 1277 e 996 deste Tribunal de Contas, com a seguinte dicção:
Prejulgado n. 1277:
Em face do caráter contínuo de sua função, o cargo de contador deve estar previsto nos quadros de servidores efetivos da Prefeitura Municipal e da Câmara de Vereadores, quando esta administrar seus próprios recursos, pois a atividade não se coaduna com cargos de livre nomeação e exoneração.
O provimento do cargo de contador requer obrigatoriamente prévia aprovação em concurso público, conforme determina o art. 37, II, da Constituição Federal.
A prática de registros contábeis e demais atos afetos à contabilidade são atribuições que devem ser acometidas a contabilista habilitado e registrado no Conselho Regional de Contabilidade, sob pena de infração à norma regulamentar do exercício profissional.
Excepcionalmente, caso não exista o cargo de contador nos quadros de servidores efetivos da Prefeitura Municipal ou da Câmara de Vereadores, ou houver vacância ou afastamento temporário do contador ocupante de cargo efetivo, as seguintes medidas podem ser tomadas, desde que devidamente justificadas e em caráter temporário, até que se concluam, em ato contínuo, os procedimentos de criação e provimento do cargo de contador da unidade:
1 - edição de lei específica que autorize a contratação temporária de contador habilitado e inscrito no CRC e estipule prazo de validade do contrato, justificando a necessidade termporária de excepcional interesse público, conforme preceitua o art. 37, IX, da Constituição Federal.
2 - Realização de licitação para a contratação de pessoa física para prestar serviço de contabilidade, conforme as diretrizes estabelecidas na Lei Federal nº 8.666/93.
3 - Atribuir a responsabilidade pelos serviços contábeis a servidor efetivo do quadro de pessoal do Poder Executivo, Legislativo ou na administração indireta, com formação superior em Contabilidade, devidamente inscrito no Conselho Regional de Contabilidade e regular em suas obrigações - que não o Contador desses órgãos - sendo vedada a acumulação remunerada, permitido, no entanto, o pagamento de gratificação atribuída por lei municipal e de responsabilidade do órgão que utilizar os serviços do servidor.
Em qualquer das hipóteses citadas no itens 1, 2 e 3, acima, a contratação deverá ser por tempo determinado, com prazo de duração previamente fixado, para atender a uma necessidade premente; sendo que em ato contínuo deve ser criado e provido por via do concurso público o cargo efetivo de Contador da Prefeitura e da Câmara Municipal, ou ainda até que se regularize eventual vacância ou afastamento temporário de contador já efetivado.
O Contador da Prefeitura não pode responsabilizar-se pela contabilidade da Câmara, em face da vedação de acumulação de cargos (art. 37, XVI e XVII, da Constituição Federal) e independência de Poderes.
É vedada a contratação de escritórios de contabilidade, pessoa jurídica, para a realização dos serviços contábeis da Prefeitura ou da Câmara Municipal, ante o caráter personalíssimo dos atos de contabilidade pública. (Processo: CON-02/07504121
Prejulgado n. 996:
Face o caráter de atividade administrativa permanente e contínua, o serviço de contabilidade deve ser cometido à responsabilidade de profissional habilitado e em situação de regularidade perante o Conselho Regional de Contabilidade, integrante do quadro de cargos efetivos do ente público, com provimento mediante concurso público (art. 37 da Constituição Federal).
Na inexistência de cargo efetivo de contador, excepcionalmente, até a criação e o provimento do cargo, é admissível a contratação de profissional em caráter temporário, autorizada por lei municipal específica, que deverá estipular as condições da contratação, inclusive forma de seleção e prazo máximo de contratação, em atendimento ao disposto no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal. (Processo: CON-01/01141149 Parecer: COG - 186/01 Decisão: 974/2001 Origem: Câmara Municipal de Imaruí Relator: Auditor Clóvis Mattos Balsini Data da Sessão: 06/06/2001 Data do Diário Oficial: 09/08/2001).
2. VOTO
CONSIDERANDO o mais que dos autos consta, VOTO no sentido de que o Tribunal adote a decisão que ora submeto a sua apreciação:
2.1. Julgar regulares com ressalva, na forma do art. 18, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2002 referentes a atos de gestão da Câmara Municipal de Rio Rufino, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.
2.2. Recomendar à Câmara Municipal de Rio Rufino que doravante:
2.2.1. adote as medidas necessárias à correção da falta identificada, envidando esforços para o cumprimento do preceituado no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, no que tange à observância da regra constitucional de concurso público para admissão de pessoal;
2.2.2. atente para as orientações contidas nos Prejulgados n. 1277 e 996 deste Tribunal.
Gabinete do Conselheiro, em 15 de agosto de 2007.
WILSON ROGÉRIO WAN-DALL
Conselheiro Relator
2 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7 ed. São Paulo: Dialética, 2000, p.72-74.