ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
PROCESSO: DEN 00/00000515
UG/CLIENTE: Prefeitura Municipal de Pouso Redondo
RESPONSÁVEL: Jocelino Amâncio
ASSUNTO: Denúncia de supostas irregularidades relacionadas a procedimentos licitatórios, contratos e execução da divida ativa
I - RELATÓRIO
a.1. pagamento de parcela dos empenhos ns. 5568 e 5569, com dotação orçamentária estranha ao objeto adquirido, conduta que fere aos artigos 4º da Lei n.º 4.320/64 e 156 da Lei Orgânica, conforme item II.1 deste Relatório;
a.2) ausência de constituição do devido processo formal, devido a) ao arquivamento aleatório dos atos e documentos constitutivos do certame, fora de seqüência lógica e cronológica; b) ausência de numeração das páginas; c) ausência termo de abertura e de encerramento; d) ausência de peças integrantes aos respectivos processos licitatórios, tais como: minuta do contrato; termo de adjudicação e homologação; comprovantes de publicidade dos atos dos convites números 48/98 e 49/98 em afronta aos artigos 4º, 29, 38, e 195, § 3º da Lei n. 8.666/93 e art. 100 da Lei Orgânica Municipal, conforme item II.1 deste Relatório;
a.3) fracionamento do processo licitatório, dividido em dois: convites 48/98 e 49/98, em desrespeito aos artigos 22 e 23 da Lei n. 8.666/93, conforme item II.1 deste Relatório;
a.4) Inobservância ao impedimento de contratação das empresas de pessoas ligadas à Municipalidade, afrontando aos artigos 99 da Lei Orgânica e 9º da Lei n.º 8.666/93, conforme os itens II.2 a II.6 deste Relatório;
2. FIXAR PRAZO, com fundamento no prescrito no art. 10, inc. I, da L.C. n.º 202/00, para que o senhor Prefeito Municipal instaure Tomada de Contas Especial, na forma do previsto na Instrução Normativa/TCE-SC n.º 01/2001, visando à apuração dos fatos relativos à cobrança da dívida ativa inscritas até fevereiro de 1998, pagas a partir de outubro de 1997 até o final da administração do Sr. Jocelino Amâncio, já qualificado, para apurar os fatos referentes ao lançamentos em dívida ativa e às cobranças administrativa e judicial;
3. REPRESENTAR ao Ministério Público Estadual, de conformidade com os artigos 1º, XIV e 18, §3º, da L.C. n.º 202/00, fazendo remessa de cópia da documentação pertinente a indícios de fraude na aquisição de veículos, situações passíveis de enquadramento nos tipos penais descritos no estatuo das licitações e expostas no item II.1 deste Relatório;
4. DAR CIÊNCIA da Decisão, com remessa de cópia deste parecer aos denunciantes e aos denunciados."
O Ministério Público Especial se manifestou através do Parecer de n.º 0564/2003 (fls. 905/906), opinando pelo acolhimento do Parecer n.º 19/2003. Posteriormente, contudo, foi determinado pelo Relator do processo reformulação da manifestação da área técnica, haja vista segundo seu entendimento a impropriedade da instauração de Tomada de Contas Especial (fl. 907). Em sua nova conclusão (fls. 908/910), manifestou-se o órgão de instrução por modificar o item "2" da conclusão do Parecer n.º 19/03, que passaria a ter a seguinte redação:
"2. FIXAR PRAZO, com fundamento no prescrito no art. 15, III, da Lei Complementar n.º 202/00, para que o atual Prefeito Municipal de Pouso Redondo proceda levantamento detalhado, devidamente acompanhado da respectiva documentação de suporte: a) de todos os créditos do município inscritos em dívida ativa até Fevereiro de 1998; b) de todas as baixas decorrentes de pagamentos ou outros motivos quaisquer, correspondentes a tributos municipais inscritos em dívida ativa ocorridos nos exercício de 1997 a 2000; c) de todos os processos de execução judicial promovidos contra contribuintes inadimplentes nos exercício de 1997 a 2000, demonstrando os dados cadastrais dos mesmos, os valores históricos e corrigidos das dívidas, a movimentação processual e, se for o caso, os comprovante de pagamento efetuados, no caso de quitação integral ou parceladas dos débitos."
Quanto a esta manifestação, também houve acompanhamento do Ministério Público (fls. 912/913).
Ocorre que na proposta de voto, acolhida pelo Plenário, tratou-se apenas da providência preliminar para fixação de prazo, não havendo qualquer decisão alusiva aos fatos passíveis de aplicação de multa. Assim, através da decisão n.º 4202/2003, foi fixado o prazo para cumprimento da providência citada (fls. 918/919), não havendo nos autos comprovação acerca de seu atendimento.
Às fls. 923/924, a DMU propôs o arquivamento dos autos em virtude do lapso de tempo transcorrido.
É o relatório.
II - DISCUSSÃO
A proposta para arquivamento do feito não merece acolhida. Os fatos que são objetos de apuração já estão devidamente delineados nos autos, havendo sob os mesmos, inclusive, manifestação do Ministério Público (fls. 905/906). Não há, portanto, justificativas plausíveis para prematura extinção deste procedimento, eis que, além de já suficientemente instruído, foi instaurado no ano de 2000 e reporta-se a fatos ocorridos no ano de 1997, não se vislumbrando qualquer eventual obstáculo relacionado à antiguidade dos fatos ou à atuação intempestiva deste órgão de fiscalização. Pendente, portanto, apenas a manifestação conclusiva desta Corte de Contas sobre as irregularidades constatadas e sobre as conseqüências sancionatórias decorrentes de sua prática.
A denúncia inicialmente formulada noticiava a ocorrência dos seguintes fatos que, segundo os denunciantes, demandavam a atuação fiscalizatória desta Corte de Contas:
Pelo que se verifica dos autos, os dois primeiros pontos já foram adequadamente investigados, tendo sido franqueado ao responsável o exercício do contraditório, inclusive.
Na verdade, apenas se vislumbra estar prejudicada a análise do último ponto suscitado. Isto, ao contrário do que afirma a área técnica, não se deu em virtude da ausência de documentos para investigação dos fatos. Data vênia, a própria forma de condução das investigações contribuiu definitivamente para a frustração dos resultados que poderiam e deveriam ser obtidos enquanto o responsável Jocelino Amâncio ainda ocupava a Prefeitura do Município de Pouso Redondo.
A partir de uma singela análise da denúncia formulada quanto a este aspecto (tratamento personalista na cobrança da dívida judicial), entende este Relator que, tendo sido realizada uma auditoria in loco, bastaria uma análise sobre o sistema de controle da execução da dívida ativa, aferindo-se a efetividade dos procedimentos de cobrança e, diante de eventuais limitações operacionais da Prefeitura para execução de todos os débitos, a existência ou não de critérios objetivos e regulamentados para escolha dos créditos a serem executados, sem o que já estaria o gestor público incorrendo em ilegalidade passível de punição, diante das seguintes prescrições legais vigentes à época:
"Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional."
(Lei Federal n.º 5.172/1966 Código Tributário Nacional)
"Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(...)
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
(...)"
(Lei Federal 8.429/1992 Lei de Improbidade Administrativa)
Não obstante, verifica-se que através de um longo e estéril trâmite processual buscou-se, insistentemente, obter-se praticamente todos os documentos necessários à comprovação da regularidade do sistema de execução da dívida ativa, muito embora devesse parecer previsível que diante da já constatada deficiência do sistema de controle municipal [aferida durante auditoria in loco realizada ainda na gestão do Sr. Jocelino Amâncio] tal objetivo dificilmente seria alcançado, principalmente se considerado que tais providências deveriam ser cumpridas, não pelo próprio responsável, mas pelo Prefeito que posteriormente assumiu o cargo.
Cabe ainda cogitar do elevado volume de documentos que seriam encaminhados caso efetivamente cumprida a sugestão do Corpo Técnico, que propôs que fosse determinado à Prefeitura Municipal de Pouso Redondo o seguinte:
"(...) levantamento detalhado, devidamente acompanhado da respectiva documentação de suporte: a) de todos os créditos do município inscritos em dívida ativa até fevereiro de 1998; b) de todas as baixas decorrentes de pagamento ou outros motivos quaisquer, correspondentes a tributos municipais inscritos em dívida ativa ocorridos nos exercício de 1997 a 2000; c) de todos os processos de execução judicial promovidos contra contribuintes inadimplentes nos exercícios de 1997 a 2000, demonstrando os dados cadastrais dos mesmos, os valores históricos e corrigidos das dívidas, a movimentação processual e, se for o caso, os comprovantes de pagamentos efetuados, no caso de quitação integral ou parcelado dos débitos".
Indubitavelmente, o gigantesco volume de documentos que decorreria do cumprimento desta determinação teria como etapa conseqüente um longo e exaustivo trabalho de depuração dos dados, cujos resultados dificilmente possuiriam algum resultado conclusivo, a menos que se cogite da possibilidade de identificação de "tratamento personalista na cobrança das dívidas", o que demandaria a identificação dos graus de parentesco e amizade daqueles que foram ou não alvo de cobrança judicial.
Então, tem-se que a partir da página 296 do presente processo momento a partir do qual se buscou através de diligência a obtenção de provas concludentes de um eventual tratamento personalista na cobrança da dívida ativa foram juntados uma série de documentos que em nada contribuíram para o deslinde da questão, apenas redundando na infrutífera e desnecessária protelação do feito até o presente momento. É o que é pior: desvela-se neste momento a impossibilidade de aferição adequada dos fatos denunciados, haja vista o lapso de tempo já transcorrido e a inviabilidade de contemporaneamente investigar-se eventuais omissões ou inadequações referentes ao tratamento dado aos débitos tributários passíveis de execução durante os anos de 1997 e 1998.
Reitere-se: se a denúncia aludia a eventual falta de critério na execução da dívida ativa, deveria a equipe, que efetuou auditoria in loco, verificar a efetividade do sistema de cobrança usando adequadas técnicas de auditoria, as quais, certamente, não se compatibilizam com a análise exauriente de todos os documentos e rotinas da entidade auditada. No presente momento, passados longos anos e já tendo ocorrido diversas mudanças na gestão, qualquer tentativa de retomar estes dados buscando-se a reconstituição da situação vigente naquela pretérita ocasião seria tarefa infecunda, apenas contribuindo para nova protelação do feito. Resta-nos, então, empreender a análise das irregularidades remanescentes, estas, sim, já passíveis de julgamento diante dos elementos contidos nos autos.
II.1. Pagamento de parcela dos empenhos n.º 5568 e 5569, com dotação orçamentária estranha ao objeto adquirido, conduta que fere aos artigos 4º da Lei n.º 4.320/64 e 156 da Lei Orgânica do Município de Pouso Redondo, conforme item II.1 deste Relatório;
Constatou a equipe de auditoria que a unidade, ao adquirir dois caminhões, numa mesma data (29.12.1998) e de um mesmo fornecedor, no montante total de R$ 103.000,00 (cento e três mil reais), procedeu ao empenhamento irregular da despesa correspondente.
Segundo consta, muito embora o total do empenhamento devesse ocorrer na dotação orçamentária da "Secretaria de Transportes, Obras e Serviços" conforme, inclusive, constava dos editais de Convites n.ºs 48 e 49/08 parte considerável da despesa foi empenhada em dotação da "Secretaria de Administração", mais precisamente na unidade orçamentária "Gabinete do Secretário" e no projeto/atividade "Aquisição de Veículos" (R$ 30.000,00). Outra parte afetou a dotação da Secretaria de Educação, Cultura, Esporte, Saúde e Promoção Social, no projeto/atividade "Aquisição de veículos para transporte de estudantes" (R$ 27.000,00).
Em sua defesa, que segue às fls. 276/287, alegou o responsável que os atos praticados corresponderam à necessidade de ser dada imediata destinação a recursos que eram oriundos de convênios firmados com o Estado, os quais deveriam ser devolvidos se não aplicados em tempo oportuno. Ademais também sustentou "... outra alternativa que se nos apresentava, era convocar a Augusta Câmara de Vereadores, entretanto esta já se encontrava em recesso, e uma convocação naquele momento, representava mais gasto para o Município, o que poderia ferir o princípio da economicidade, tão apregoado e com razão, por esta Egrégia Corte de Contas".
Os argumentos apresentados como justificativa não são suficientes para debilitar as conclusões obtidas em auditoria, persistindo a constatação relativa à impropriedade formal decorrente da utilização de dotações orçamentárias estranhas ao objeto adquirido. Tratando-se de compra de dois caminhões, o caráter irregular do procedimento adotado dimana da simples evidência de que para a compra destes bens efetuou-se parcial empenho à conta da Secretaria de Educação, Cultura, Esporte, Saúde e Promoção Social, com uma indevida inclusão no projeto/atividade "aquisição de veículos para transporte de estudantes".
Aliás, sequer há comprovação de que os recursos envolvidos na aquisição de caminhões eram decorrentes de recursos repassados pelo Estado através de convênio. E mesmo que houvesse, também seria necessária a demonstração da compatibilidade dos objetivos dos supostos convênios com a despesa efetuada com a compra de dois caminhões. Certamente, tratando-se de recursos advindos de dotações orçamentárias tão distintas (Secretaria de Administração e Secretaria de Educação, Cultura, Esporte, Saúde e Promoção Social), torna-se difícil cogitar que os objetivos dos alegados convênios convergissem.
Incontestável, portanto, o uso de dotação orçamentária estranha ao objeto adquirido nas parcelas dos empenhos n.º 5568 e 5569, conduta que fere os artigos 4º da Lei Federal n.º 4.320/64 e 156 da Lei Orgânica do Município de Pouso Redondo.
Assim, considerando a manifestação do Corpo Técnico e o opinamento do Ministério Público quanto a esta questão (fls. 905/906), mantém-se a restrição apontada no Relatório de Auditoria.
II.2. Ausência de constituição do devido processo formal, devido a) ao arquivamento aleatório dos atos e documentos constitutivos do certame, fora de seqüência lógica e cronológica; b) ausência de numeração das páginas; c) ausência termo de abertura e de encerramento; d) ausência de peças integrantes aos respectivos processos licitatórios, tais como: minuta do contrato; termo de adjudicação e homologação; comprovantes de publicidade dos atos dos convites números 48/98 e 49/98 em afronta aos artigos 4º, 29, 38, e 195, § 3º da Constituição Federal e art. 100 da Lei Orgânica Municipal, conforme item II.1 do Parecer Conclusivo n.º 19/03
Relativamente a este item, constatou a área técnica a existência de inúmeras irregularidades formais que comprometiam a consistências dos processos relativos às Cartas Convite n.ºs 048/98 e 049/98. Conforme quadro constante às fls. 247/248 (vol. I), as irregularidades em ambos os procedimentos licitatórios foram as seguintes:
Em sua defesa, argumentou o responsável que:
"É unânime o entendimento de que o Convite é modalidade de licitação operacionalizada de forma simplificada, que não deve conter as exigências formais assim como as exigidas pelo legislador, referente à Tomada de Preços e Concorrência.
HELY LOPES MEIRELLES deixou assentado "o Convite ou melhor, a carta-convite, é uma forma simplificada de edital sem a publicidade deste, e só é admitida nas licitações de pequeno valor. A ela se aplicam no que for cabível, as regras do edital, dentro da singeleza de que se deve revestir a convocação de interessados nessa modalidade de licitação. O essencial é que a carta-convite identifique a obra, o serviço ou a compra a realizar e expressa com clareza as condições estabelecidas pela Administração"
Conforme se comprova com os documentos juntados aos autos anexo a estas justificativas, o Convite n.º 48/98 e o Convite N.º 49/98, foram cometidos de todas as formalidades legais exigidas para esta modalidade de licitação, não afrontando aos artigos 4º, 29, 38 e 195, §3º, da Lei n.º 8.666/93 e artigo 100 da Lei Orgânica Municipal, conforme apontado no respeitável Relatório de Auditoria, sendo que no que respeita ao art. 195, §3º, da Lei n.º 8.666/93 citado pela Instrução, deve ter havido algum equívoco, uma vez que a Lei de Licitações alberga no seu bojo 126 artigos.
Assim, o artigo 4º foi respeitado uma vez que cumpriu-se o artigo 22, §3º, dando-se a devida obediência aos procedimentos exigidos pela Lei para esta modalidade de licitação.
O art. 29, por igual, foi respeitado, considerando que a própria Lei estabelece no caput do referido artigo, que 'a documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em...". E o artigo 38 do mesmo modo, foi devidamente seguido no que tange aos procedimentos estabelecidos pela Lei de Licitações, para o caso em tela.
Desta forma, considerando a natureza jurídica conferida pela Lei de Licitações para a modalidade Convite, a juntada dos documentos que atestam o cumprimento das formalidades legais e mais todo o exposto, entendemos que como o Prefeito do Município de Pouso Redondo, não afrontamos com todo respeito, ao preconizado pelos artigos 4º, 29 e 38 da Lei Federal n.º 8.666/93 e pelo artigo 100 da Lei Orgânica Municipal."
Fica evidente que o Responsável não logrou êxito em comprovar, ponto a ponto, serem inverídicas as constatações apontadas pela área técnica, apenas apresentando uma defesa demasiadamente genérica e insuficiente para afastar as irregularidades detectadas. Muito embora o procedimento licitatório na modalidade de "convite" possa ser mais simplificado, devem ser obedecidas as normas que impõem a obediência a formalidades mínimas dirigidas à comprovação da regularidade e lisura do procedimento, da idoneidade e capacidade jurídica dos participantes e da publicidade dos atos administrativos. A par disto, impõe-se, como pressuposto de validade de qualquer ato administrativo, que a formalização seja adequadamente observada, "... de maneira que o ato seja expressado tal como a lei impunha que o fosse" (Mello, Celso Antônio. "Curso de Direito Administrativo". 17ªed. São Paulo: Malheiros, 2004. P. 376).
Permanece, portanto, a restrição.
II.3. Fracionamento do processo licitatório, dividido em dois: convites 48/98 e 49/98, em desrespeito aos artigos 22 e 23 da Lei n. 8.666/93, conforme item II.1 do Parecer Conclusivo n.º 19/03
Conforme exarado no Relatório de Auditoria n.º 84/2000, foi identificado que a Prefeitura Municipal de Pouso Redondo, durante o exercício de 1998, realizou dois procedimentos licitatórios sob a forma de carta convite para a compra em separado de dois veículos, os quais poderiam ser aglutinados em um único procedimento licitatório, sendo caracterizado o intento de fracionamento da licitação.
Relativamente a este item, alegou o responsável:
"... cumpre esclarecer quanto à aquisição de veículos, que trata-se em verdade e a nosso juízo ao interpretar a legislação vigente, de objetos totalmente distintos, cujos valores individuais autorizavam a abertura de licitação na modalidade de Convite, na forma preconizada pela letra "a", do inciso II, do artigo 23, da Lei n.º 8.666/93, inexistindo desta maneira qualquer forma de irregularidade no procedimento adotado pela Administração Municipal.
O próprio inciso IV, do art. 15 da Lei de Licitações estabelece que, sempre que possível, as compras deverão ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercando, visando economicidade.
O fato de ter sido adquirido os veículos de um mesmo fornecedor, dado como vencedor em ambas as licitações que foram processadas dentro da legislação vigente, com lisura, não quer significar a caracterização de qualquer forma de ilegalidade ou de desvio de finalidade, haja vista ter sido referido fornecedor nas mencionadas licitações, o que ofertou a proposta mais vantajosa para a Administração, atendendo as prescrições contidas no caput, do artigo 5º da Lei Federal n.º 8.666/93 (fls. 280/281).
(...) o procedimento adotado pela Administração Municipal à época foi totalmente lícito, inexistindo o fracionamento do processo licitatório, uma vez que a efetivação dos Convites 48/98 e 49/98, respeitaram os ditames contidos nos artigos 22 e 23 da Lei Federal n.º 8.666/93 (fls. 281)
Também neste ponto os argumentos da defesa não elidem a irregularidade.
Os elementos contidos nos autos demonstram que os procedimentos licitatórios foram conduzidos concomitantemente, havendo fortes indícios que comprometem qualquer tentativa de se adjetivá-los como regulares e legítimos.
Destaca-se, em princípio, que as cartas-convite referentes ao procedimento n.º 48/98 e 49/98 possuem a mesma data de emissão, 17.12.1998, além de objetos semelhantes: caminhões usados, ano de fabricação 1992 a 1998, motor movido a diesel com 180 a 300 HP, devendo um possuir capacidade de carga de 8 a 11 toneladas e outro de 10 a 13 toneladas (fls. 173 a 215, vol. I). Além disso, comprova-se que ambos os convites foram julgados na mesma data de 29.12.1998 (atas de fls. 182 e 202), sendo evidente que, de forma proposital, os dois procedimentos foram conduzidos separadamente.
Não há dúvidas de que as aquisições são de bens similares em seus aspectos básicos, tratando-se de dois caminhões, do tipo semipesados, conforme a classificação do fabricante, com pequenas especificidades face as suas destinações. Desta forma, se o montante total para aquisição de ambos os bens ultrapassava o limite para utilização da modalidade de convite, restar concluir que houve o fracionamento do processo licitatório.
É certo que nos termos do art. 23, §1º, da Lei n.º 8.666/93, "as obras, serviços e compras efetuadas pela administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade, sem perda da economia da escala". Mas, por outro lado, é inolvidável que deverá ser mantido o procedimento licitatório correspondente a todo o conjunto de obras, serviços e compras a serem adquiridos. Neste sentido, é a lição de Marcas Justen Filho, para quem:
"Os §§2º, in fine, e 5º do art. 23 devem ser interpretados conjugadamente. Determinam que a pluralidade de licitações, embora acarretando a redução da dimensão do objeto licitado, não podem conduzir à modificação da modalidade de licitação. Seguindo o mesmo princípio, a Lei veda que o fracionamento produza dispensa de licitação fundada no preço inferior ao limite mínimno (art. 24, incs, I e II).
Não há vedação ao fracionamento (excluídas as hipóteses em que isso acarretar prejuízos econômicos à Administração ou em que haja impedimento de ordem técnica). O que se proíbe é o fracionamento ser invocado como pretexto para modificação do regime jurídico aplicável à licitação. A determinação da obrigatoriedade de licitação e a escolha da modalidade cabível devem fazer-se em face do montante conjunto de todas as contratações, independentemente do fracionamento".
(Comentário à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 8ª edição, fl. 215).
Sendo fato um tanto quanto incomum, também chama atenção a circunstância de que, não obstante convidadas três empresas distintas, elas coincidentemente apresentaram nos procedimentos de convite veículos com a mesma especificação. Assim, no procedimento n.º 48/98 as empresas E. P. V. Comércio de Locação de Veículos Ltda. (fls. 185), Divesa Distribuidora Curitibana de Veículos Ltda. (fls. 188) e Sava Veículos Ltda. (fls. 191) ofereceram, todas, um "... veículo usado, Mercedes Bens, tipo: L-1618, toco, ano 1992, modelo 1992, equipado com basculantes", sendo curioso até mesmo a semelhança na redação de todas as propostas. O mesmo ocorreu no procedimento n.º 49/98, onde as mesmas empresas também apresentaram em suas propostas veículos com idêntica especificação, qual seja ...caminhão Marca Mercedes Bens, tipo L. 1621, equipada com 3º eixo, ano 1993" (fls. 203, 206 e 209), mais uma vez chamando atenção a semelhança entre o texto das propostas. Tais indícios, certamente, poderiam ser mais bem explorados através de apuração mais especifica, a qual, por exigir meios de investigação além daqueles acessíveis a esta Corte, demandará a comunicação ao Ministério Público Estadual para as providências que considerar cabíveis, o que será proposto ao final.
Ante o exposto, acompanho a sugestão apresentada pelo Corpo Instrutivo relativamente à presente restrição, inclusive no que diz respeito à necessidade de se representar ao Ministério Público Estadual, fazendo remessa da documentação pertinente a indícios de fraude na aquisição de veículos.
II.3. Inobservância ao impedimento de contratação das empresas de pessoas ligadas à Municipalidade, afrontando aos artigos 99 da Lei Orgânica e 9º da Lei n.º 8.666/93, conforme os itens II.2 a II.6 do Relatório Técnico.
Relativamente a este item constatou-se afronta ao art. 99 da Lei Orgânica do Município de Pouso Redondo e ao artigo 9º da Lei n.º 8.666/93.
Os procedimentos afetos à contratação de empresas cuja propriedade era de pessoa ligada à Administração Municipal, conforme detalhado no Relatório de Auditoria 84/2000 (fls. 245/257, vol. I) e no Parecer Conclusivo n.º 19/2003 (fls. 875/903) tornam os atos de responsabilidade do ordenador primário, Sr. Jocelino Amâncio, passíveis de multa por ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial (art. 77, III, da Lei Complementar n.º 31/90).
Conforme citação já efetuada pelo Corpo Instrutivo, relativamente á doutrina de Hely Lopes Meirelles (fls. 894, vol. III), tem-se que "... atendidas as prescrições constitucionais [...], o Município, na sua lei orgânica, tem inteira liberdade para estabelecer os impedimentos que entenda convenientes à moralização e eficiência do exercício de mandato eletivo municipal, inclusive quanto á situação do servidor eleito, vice-prefeito, de que não cogitou a Constituição da República". E nos termos do art. 99 da Lei Orgânica do Município de Pouso Redondo, "O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores e os Servidores municipais, que exerçam cargos de Chefia, bem como as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consangüíneo até o segundo grau, ou por adoção, não poderão contratar com o Município, subsistindo a proibição até seis meses após findas as respectivas funções", restando inequívoco, portanto, o descumprimento do dispositivo entelado em virtude dos atos descritos pelo Corpo Instrutivo e de responsabilidade do Sr. Jocelino Amâncio.
Assim, a defesa apresentada pelo responsável relativamente a este item não deve prosperar.
Deve se atentar, ademais, para a disposição contida no art. 9º, inc. III, da Lei n.º 8.666/93, que também veda a participação direta ou indireta, na licitação ou na execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários de "servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação", sendo que a interpretação desta prescrição também conduz a proibição da participação de "... empresas cujos sócios, administradores, empregados, controladores etc. sejam servidores ou dirigente de órgãos contratantes" tendo em vista que "(...) essa vedação reporta-se ao princípio da moralidade, sendo necessário pressuposto da lisura da licitação e contratação administrativas" porquanto "a caracterização de participação indireta contida no §3º aplica-se igualmente aos servidores e dirigentes do órgão" (Filho, Marçal Justen. Comentário à Lei de Licitações e Contratos, fl. 122)
Mantém-se, portanto, a restrição, consoante opinamento da área técnica e do Ministério Público.
III - VOTO
Ante o exposto e considerando que os autos estão devidamente instruídos na forma regimental, proponho ao egrégio Plenário a adoção da seguinte proposta de voto.
1. CONHECER do Parecer Conclusivo n.º 19/03, fundamentado em inspeção realizada na Prefeitura Municipal de Pouso Redondo para fins de apuração dos fatos denunciados através do expediente de fls. 01/08;
2. APLICAR AS SEGUINTES MULTAS, com fundamento no art. 70 da Lei Complementar n. 202/2000, c/c o art. 109, VII, do Regimento Interno, e com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência das irregularidades, ao Sr. Jocelino Amâncio, Prefeito Municipal à época, CPF n.º 292.840.829-00, residente na Rodovia BR 470, Km 176, n.º 40, Centro, Pouso Redondo, CEP 89.172.000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento das referidas multas ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
2.2.1. Multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil e quinhentos reais), em face do pagamento de parcelas dos empenhos n.º 5568 e 5569, com dotação orçamentária estranha ao objeto adquirido, conduta que fere os artigos 4º da Lei n.º 4.320/64 e 156 da Lei Orgânica do Município de Pouso Redondo (item II.1 do Parecer Conclusivo n.º 19/03);
2.2.2. Multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), em face da ausência de constituição do devido processo formal devido: a) ao arquivamento aleatório dos atos e documentos constitutivos do certame, fora de seqüência lógica e cronológica; b) ausência de numeração das páginas; c) ausência termo de abertura e de encerramento; d) ausência de peças integrantes aos respectivos processos licitatórios, tais como: minuta do contrato; termo de adjudicação e homologação; comprovantes de publicidade dos atos dos convites números 48/98 e 49/98 em afronta aos artigos 4º, 29, 38, e 195, § 3º da Lei n. 8.666/93 e art. 100 da Lei Orgânica Municipal (item II.1 do Parecer Conclusivo n.º 19/03);
2.2.3. multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), em face do fracionamento do processo licitatório (Convites n.ºs 48/98 e 49/98), em desrespeito aos artigos 22 e 23 da Lei n.º 8.666/93, conforme item II.1 deste Relatório;
2.2.4. multa no valor de R$ 2.000,00 (quatro mil reais), em face da inobservância ao impedimento de contratação de empresas de pessoas ligadas à Municipalidade, afrontado aos artigos 99 da Lei Orgânica e 9º da Lei n.º 8.666/93 (itens II.2 a II.6 do Parecer Conclusivo n.º 19/03).
3. REPRESENTAR AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, de acordo com os arts. 1º, XIV e 65, §5º, da Lei Complementar n.º 202/2000, com cópia da documentação pertinente aos procedimento licitatórios n.ºs 48/98 e 49/98 (convites), nos quais se constatou indevido fracionamento e manifesta coincidência entre a especificação dos bens descritos em todas as propostas oferecidas pelos diversos licitantes.
4. DAR CIÊNCIA desta decisão, com remessa de cópia do voto e do Parecer Conclusivo n.º 19/2003, à Prefeitura Municipal de Pouso Redondo, ao responsável, Sr. Jocelino Amâncio, ex-Prefeito Municipal, e aos denunciantes.
Gabinete, em 07 de agosto de 2007.
Cleber Muniz Gavi
Auditor Substituto de Conselheiro
Relator