ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

    Processo n°:
TCE - 01/02073414
UNIDADE GESTORA Prefeitura Municipal de Ipuaçú/SC
RESPONSÁVEIS: Sr. Arno de Andrade - ex-Prefeito Municipal (Gestão 1993/1996)

Sr. Luiz Antônio Serraglio - ex-Prefeito Municipal (Gestões 1997/2000 e 2001/2003)

Assunto: Denúncia de supostas irregularidades praticadas na Prefeitura Municipal de Ipuaçú - SC
Parecer n°: GC-WRW-2008/332/JW

1 - INTRODUÇÃO

Tratam os autos de Tomada de Contas Especial originária da conversão do Processo REP-0102073414, que tratava de expediente encaminhado a esta Corte de Contas, protocolado sob o nº 020495 que relata a ocorrência de supostas irregularidades cometidas no âmbito da Prefeitura Municipal de Ipuaçú, acerca da concessão de vantagem horizontal a um número restrito de servidores.

A Diretoria de Controle dos Municípios - DMU em seu Parecer de Admissibilidade n.º 103/02 (fls.134/136), sugeriu

"Conhecer da presente denúncia, por atender as prescrições contidas no art. 65, § 1º da Lei Complementar nº 202/00 e no art. 96 do Regimento Interno;

Determinar à Diretoria de Auditorias Especiais - DEA, que sejam adotadas providências, inclusive auditoria, inspeção ou diligência, que se fizerem necessárias, junto à Prefeitura Municipal de Ipuaçú, objetivando a apuração dos fatos apontados como irregulares"

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas se manifestou através do Parecer MPTC 385/2002 (fls. 138) acompanhando os termos da Instrução.

Considerando os pareceres contidos nos autos, este Relator emitiu Voto (fls. 139/140) no sentido de que o Tribunal Pleno adotasse a seguinte decisão:

"1. Recepcionar os autos como Representação, por atender às prescrições contidas no art. 66, da Lei Complementar n. 202/2000.

2. Determinar à Diretoria de Auditorias Especiais - DEA que sejam adotadas providências, inclusive auditoria, inspeção ou diligência, que se fizerem necessárias, junto à Prefeitura Municipal de Ipuaçú, objetivando a apuração dos fatos apontados como irregulares.

3. Dar ciência desta decisão aos interessados."

Citado Voto foi acolhido pelo Pleno em Sessão do dia 20/04/2002, através da Decisão n.º 0677/2002 (fls. 141).

Em atenção a Decisão retro citada, a Diretoria de Auditorias Especiais - DEA, realizou auditoria "in loco" e elaborou o Relatório de Inspeção nº 56/02 (fls. 146/152), sugerindo a conversão do processo em Tomada de Contas Especial e a Citação dos Responsáveis, Srs. Arno de Andrade - ex-Prefeito Municipal de Ipuaçú (Gestão 1993/1996) e Sr. Luiz Antônio Serraglio - ex-Prefeito Municipal de Ipuaçú (Gestão 1997/2000 e 2001/2003) , para apresentar alegações de defesa acerca das restrições apontadas.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas manifestou-se novamente nos autos exarando o Parecer MPTC 1708/2002 (fls. 173/174) acompanhando os termos da Instrução.

Deste modo, considerando os pareceres contidos nos autos, emiti Voto (fls. 175/177) nos termos da conclusão do Relatório da Instrução.

Citado Voto foi acolhido pelo Pleno em Sessão do dia 23/10/2002, através da Decisão n.º 2800/2002 (fls. 178/179), que foi proferida nos seguintes termos:

"6.1. Converter o presente processo em "Tomada de Contas Especial", nos termos do art. 65, §4°, da Lei Complementar n. 202/2000, tendo em vista as irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório de Inspeção DEA n. 56/2002.

6.2. Determinar a citação do Sr. Arno de Andrade, ex-Prefeito Municipal de Ipuaçu (gestão 1993/1996), nos termos do art. 15, inc. II, da Lei Complementar n. 202/00, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta, apresentar alegações de defesa ou recolher aos cofres do Município os montantes de CR$ 5.837.237,78 (cinco milhões, oitocentos e trinta e sete mil, duzentos e trinta e sete cruzeiros reais e setenta e oito centavos) e de R$ 97.838,56 (noventa e sete mil, oitocentos e trinta e oito reais, e cinqüenta e seis centavos), atualizados monetariamente a partir da data da ocorrência do fato gerador dos débitos (art. 44 do mesmo diploma legal), em face: do cometimento de irregularidade na concessão de vantagem pecuniária a servidores públicos municipais de Ipuaçu, contrariando os Princípios da Legalidade e da Impessoalidade, insculpidos no caput do art. 37, e da Isonomia, estatuído no art. 5o, ambos da Constituição Federal; da quebra da paridade de vencimentos determinada pelo art. 39, §1o, da Carta Magna; do descumprimento do Princípio da Motivação, estabelecido no art. 16, §5o, da Constituição Estadual; e da infringência dos arts. 40, §4o, e 256 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Município de Ipuaçu - Lei Municipal n. 055/93 (item 1 do Relatório DEA).

6.3. Determina a citação do Sr. Luiz Antônio Serraglio, Prefeito Municipal de Ipuaçu (a partir de 1997), nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta, apresentar alegações de defesa ou recolher aos cofres do Município o montante de R$ 79.411,10 (setenta e nove mil, quatrocentos e onze reais e dez centavos) atualizado monetariamente a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito (art. 44 do mesmo diploma legal), em face do cometimento de irregularidade na concessão de vantagem pecuniária a determinados servidores públicos municipais de Ipuaçu, contrariando os Princípios da Legalidade e da Impessoalidade, insculpidos no caput do art. 37, e da Isonomia, estatuído no art. 5o, ambos da Constituição Federal; da quebra da paridade de vencimentos determinada pelo art. 39, §1o, da Carta Magna; do descumprimento do Princípio da Motivação, estabelecido no art. 16, §5o, da Constituição Estadual; e da infringência dos arts. 40, §4o, e 256 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Município de Ipuaçu - Lei Municipal n. 055/93 (item 1 do Relatório DEA).

6.4. Assinar o prazo de 60 (sessenta) dias, com fundamento no art. 59, inc. IX, da Constituição Estadual, a contar da data da publicação desta Decisão no Diário Oficial do Estado, para que a Prefeitura Municipal de Ipuaçu, com vistas o cumprimento da lei, comprove a este Tribunal a adoção das providências necessárias visando à cessação dos pagamentos

das denominadas "vantagens horizontais pecuniárias", ou a necessária regulamentação da concessão de tal benefício.

6.5. Dar ciência desta Decisão, bem como do Relatório e Voto que a fundamentam, aos Srs. Arno de Andrade, Prefeito Municipal de Ipuaçu no período de 1993 a 1996, e Luiz Antônio Serraglio, Chefe do Poder Executivo daquele Município."

O Processo foi convertido em Tomada de Contas Especial - Processo nº 01/02073414, sendo que os Responsáveis nominados no item 6.2 e 6.3 da Decisão nº 2800/2002 foram citados para apresentarem alegações de defesa.

O Sr. Arno de Andrade apresentou suas alegações de defesa à fls. 188/194, sendo que em função dos mesmos foi elaborado, pela Diretoria de Denúncias e Representações - DDR, o Parecer nº 71/04 (fls. 198/205), concluindo pelo Julgamento Irregular com imputação de débito e multa.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas elaborou o Parecer nº 3045/2004 (fls. 207/209) acatando a conclusão da Instrução.

Proferi o Despacho de fls. 211/212 determinando a nova Citação do Sr. Luiz Antônio Serraglio em função de que o AR-MP (fls. 187) não foi assinado pelo responsável mencionado, a quem foi determinada a Citação e que não houve manifestação do mesmo, a respeito das irregularidades apontadas no relatório de Inspeção nº 56/02 (fls. 146/152), caracterizando, assim, ausência do exercício do direito ao contraditório e ampla defesa;

Em 30/06/06 o Sr. Luiz Antônio Serraglio apresentou à fls. 215/237 os seus argumentos de defesa.

Diante das alegações de defesa apresentadas a Diretoria de Denúncias e Representações - DDR elaborou o Parecer nº 40/2006 (fls. 241/249) concluindo nos seguintes termos:

"(...)

1. JULGAR IRREGULARES com imputação de débito e aplicação de multa, nos termos do prescrito nos artigos 18, inciso III c/c 21, da Lei Complementar Estadual n. 202/00, ou, quando o caso, nos artigos 41, III, c/c 44, aos Responsáveis, senhores Arno de Andrade, ex-Prefeito Municipal de lpuaçu, entre 1993 e 1996, RG 12 R 824.240, CPF 131.970.109-49 residente à Rua Lorenzoni n. 723, lpuaçu-SC, e Luiz Antônio Serraglio, ex-Prefeito Municipal de Ipuaçu, entre 1997 e 2003, RG 11 R 292.049, CPF 250.617.639 — 04, residente à Rua Lammer S/N, Ipuaçu — SC, pelo cometimento de irregularidade que segue:

1.1. pela concessão de vantagem pecuniária a determinados servidores públicos municipais de Ipuaçu, contrariando os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da isonomia tal como estatuído nos artigos 5° e caput, do artigo 37, da Carta Magna, bem como a quebra da paridade de vencimentos determinada esta pelo artigo 39, § 1° , da mesma Constituição, e o descumprimento do princípio da motivação, tal como estabelecido no artigo 16, § 5° , da Constituição Estadual, além de verificada a infringência do artigo 40, § 4° , do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Município de Ipuaçu — Lei Municipal n. 055/93, de 18 de outubro de 1993 — e o artigo 256 deste mesmo diploma legal, cabendo o ressarcimento das despesas irregulares praticadas, no valor global de CR$ 5.837.237,78 (cinco milhões, oitocentos e trinta e sete mil, duzentos e trinta e sete cruzeiros reais e setenta e oito centavos) acrescidos do montante de R$ 177.249,66 (cento e setenta e sete mil, duzentos e quarenta e nove reais e sessenta e seis centavos), nos termos do art. 21 e 68 da LCE n. 202/00, por dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo, fundamentado no art. 18, III, alínea c, da mesma Lei, ilícito que acarreta, ainda, aplicação de multa prevista no art. 68 da LC n. 202/00, valor este a ser pago devidamente atualizado monetariamente e acrescido dos juros de mora devidos, nos termos do artigo 21, caput da Lei Complementar Estadual n. 202/00, fixando-lhes prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de publicação desta decisão no Diário Oficial do Estado, comprovando, perante este Tribunal o seu recolhimento aos cofres municipais ou interpor recurso na forma regimental, sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, nos termos do art. 39, da LC 202/00, sendo o montante financeiro supra, discriminado entre os responsáveis como segue:

1.1.1. Amo de Andrade, responsável por CR$ 5.837.237,78 (cinco milhões, oitocentos e trinta e sete mil, duzentos e trinta e sete cruzeiros reais e setenta e oito centavos), acrescido de R$ 97.838,56 (noventa e sete mil, oitocentos e trinta e oito reais e cinqüenta e seis centavos);

1.1.2. Luiz Antônio Serraglio, responsável pela importância de R$ 79.411,10 (setenta e nove mil, quatrocentos e onze reais e dez centavos).

2. Dar ciência desta decisão, com remessa de cópia do Parecer Conclusivo ao denunciante e ao denunciado, de conformidade com as prescrições do artigo 57 dc. artigo 133, § 2° do Regimento Interno deste Tribunal."

2 - MINISTÉRIO PÚBLICO

A Procuradoria Geral do Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas, em seu Parecer MPTC nº 1980/2007 (fls. 251/254), manifestou-se , em conclusão, nos seguintes termos:

"(...)

Contudo, esta Procuradoria tem a registrar que o enfoque dado à matéria pela Diretoria de Denúncias e Representações no seu parecer nº 40/06 é a interpretação que este órgão já havia adotado em sua manifestação anterior, da qual entende-se por mantê-la, tendo em vista que não vislumbrou nas alegações de defesa do Sr. Luiz Antonio Serraglio argumentos que modificassem seu entendimento anterior.

Em conclusão, ressalta-se no presente parecer que há informação de que matéria similar a deste processo foi objeto de ação judicial, e se configurada decisão naquela esfera, seria prudente averiguar o teor da deliberação judicial para adotar-se adequada decisão nessa Corte de Contas"

3 - DISCUSSÃO

Com fundamento no art. 224 da Resolução n.º TC-06/2001 (Regimento Interno), com base nos Relatórios e Pareceres constantes dos autos, no Parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, nas alegações de defesa apresentadas e após compulsar atentamente os autos, passo a tecer algumas considerações a respeito da questão suscitada pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas relativa ao fato de que há informação nos autos de que matéria similar a deste processo foi objeto de ação judicial e que tramitam nesta Corte de Contas outros Processo (REP 01/01940378, REP 01/01936346, REP 0101939957, REP 01/02073503 e REP 01/01888600) relativos a matéria.

Com relação ao Processos citados, desta Corte de Contas, este Relator em pesquisa no Banco de Dados (documentos em anexo) verificou que os assuntos constantes dos processos não são os mesmos tratados nos presentes autos.

No que tange aos processos relativos as demais esferas - Eleitoral, Cível e Penal - entende este Relator que ao argüir o fatos como matéria de defesa, deveria o Responsável trazer aos autos documentos comprobatórios de suas alegações. Não o Fez.

Além do que, cabe trazer a lume a questão da independência das instâncias administrativas, cível e penal.

Para elucidar a matéria cabe trazer aos autos trechos do trabalho do que deixou assentado a Ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon Alves. Vejamos:

"(...)

O problema surge quando o Tribunal de Contas desempenha as funções contidas no inciso II do mesmo artigo:

"II -julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta."

Essa atividade é inteiramente diferente da outra. Aqui o Tribunal de Contas não mais se sujeita ao Congresso Nacional, age como órgão autônomo, no exercício de uma atividade sua e própria, prevista na Constituição. É exatamente nesse momento que se estabelece a idéia de que o Tribunal de Contas tem função judicante: Desde a época do Ministro Nelson Hungria, os constitucionalistas brasileiros sedimentaram, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que a atividade do Tribunal de Contas, no momento em que julga as contas dos administradores, é jurisdicional.

Pergunta-se, então: pode haver função jurisdicional fora do Poder Judiciário? A resposta é positiva, porque a jurisdição não é monopólio do Judiciário. O questionamento é quanto à inafastabilidade do crivo do Poder Judiciário de toda e qualquer atividade que venha a atingir direito individual e direito de terceiros. Porém, é certo que há jurisdição fora do Judiciário, tal como ocorre com o CADE e com o TC, os quais desempenham atividade jurisdicional própria.

O Poder Judiciário, em razão do que está previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição, não pode ter sonegado de sua apreciação lesão ou ameaça de lesão a direito, o que não obsta o exame por outros órgãos, com uma jurisdição específica e especial.

É preciso não perder de vista que, a partir da CF/88, houve uma espécie de publicização do direito brasileiro, diante da intervenção do Estado nas relações jurídicas de direito privado, em favor das minorias via ações afirmativas.

A nova tendência colocou o direito administrativo dentro de um contexto inteiramente novo. Daí a necessidade de reescrever as instituições de direito público, sem olvidar que, perante o Poder Judiciário, não mais se pode aceitar a preponderância absoluta do Estado.

Por outro ângulo, tende-se a retirar do Judiciário a solução das controvérsias que possam ser dirimidas pelas próprias partes, porque de fácil solução o conflito (conciliação ou mediação), ou de solução técnica de tal preponderância que melhor será deixar a lide por conta de um árbitro. Afinal, o Estado-juiz não pode continuar a deter um absoluto monopólio na solução das demandas. Daí a tendência de dar-se hoje jurisdição fora do Judiciário, na tentativa de obtermos uma prestação jurisdicional mais rápida e eficiente. Advirta-se, entretanto, que toda e qualquer lesão ou ameaça de lesão pode ser levada ao Judiciário.

(...)

Qual é a diferença, entretanto, desses tipos de tribunais, cujas soluções são administrativas, para um Tribunal de Contas? As atribuições do Tribunal de Contas estão previstas na Constituição, nelas incluindo, não por delegação ou por autocomposição, o poder de julgar e decidir como uma atividade própria, precípua e especial - para isso foi criado. Essa é a grande diferença.

Outra diferença é que o Poder Judiciário, em relação a todas as atividades dos tribunais administrativos e dos procedimentos administrativos, esquadrinha os atos e as decisões tomadas pelos administradores em todos os seus ângulos: em relação à finalidade, ao motivo e à causa. Hoje, o Judiciário vai, inclusive, perquirir da conveniência e da oportunidade. Está errado quando se diz que cabe ao Judiciário examinar o princípio da legalidade; compete-lhe, sim, averiguar se a decisão tem uma finalidade pública, se a causa foi pública e, mais ainda, se o principio da moralidade, que deixou de ser aquele substantivo abstrato para ser requisito do ato administrativo, constitucionalmente exigido.

O mesmo não ocorre com o Tribunal de Contas. Quando ele exerce a jurisdição que lhe é própria e específica, cabe-lhe dizer se foi a decisão pautada nos postulados constitucionais maiores: o princípio da legalidade, o da ampla defesa, o do contraditório e o do devido processo legal, pois devem todos ser por ele observados, na sua atividade própria como órgão criado para essa finalidade.

Parece-me que esse é o grande questionamento quanto à visão que se tem da atividade do Tribunal de Contas. Porém, chama-se a atenção para o fato de que ele, ao lado da função eminentemente opinativa, de auxiliar do Legislativo, e de possuidor de atividade jurisdicional, tem outras

funções, nas quais age como um administrador, praticando atos administrativos complexos, como, por exemplo, a admissão, a aposentadoria ou a exoneração. São atos administrativos, nos quais se examinam as questões e se decide pela exoneração, pela demissão ou aposentadoria, cabendo ao Tribunal de Contas a chancela para o ato.

Digamos, por exemplo, que a administração verifique que houve um erro da sua parte quanto à aposentadoria, não podendo voltar atrás, porque, com a chancela do Tribunal de Contas, passa também esse órgão a ser responsável pelo agente. Embora a administração possa anular os seus atos ou revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, nos atos administrativos complexos só pode fazê-lo com o aval do Tribunal de Contas - daí a Súmula n° 6 do Supremo Tribunal Federal.

Observe-se, portanto, que o Tribunal de Contas, além de agir como administrador coadjuvante, funciona também como fiscalizador, das licitações, das contas públicas, das concorrências, enfim, de todas as atividades listadas na Constituição.

Não poderia, neste momento, deixar de dizer que, muitas vezes, há uma grande confusão, inclusive no Judiciário. É necessário registrar que, em relação às contas públicas, fica o Tribunal de Contas com a incumbência de verificar e emitir o parecer - podendo o Legislativo, a quem incumbe julgá-las, decidir contra o parecer técnico, o que é desimportante, porque o poder político pode dele discordar.

Entendo ser de importância fundamental tal colocação, razão pela qual ressalto mais uma vez: as contas orçamentárias do chefe do Executivo são aprovadas ou desaprovadas pelo Legislativo, a quem incumbe

julgá-las. Na hipótese, o Tribunal de Contas funciona como órgão opinativo, pois as contas sofrem julgamento político, no qual pode ser desconsiderado o parecer técnico.

Diferentemente, as contas dos administradores públicos, dos ordenadores de despesas, são apreciadas e julgadas pelo Tribunal de Contas. Por exemplo, o chefe do Executivo pode funcionar como ordenador de despesas, o que ocorre em relação aos municípios com estrutura administrativa menos complexa. Cabe ao prefeito emitir cheques e fazer os pagamentos. Essas contas, diferentemente daquelas que estão rubricadas rio orçamento, são examinadas e julgadas pelo Tribunal de Contas.

Pergunta-se então: o chefe do Executivo pode ser punido pelo Tribunal de Contas? A resposta é positiva, porque a punição dirige-se contra o ordenador de despesas que, coincidentemente, é também o agente político, prefeito municipal.

A atividade jurisdicional do Tribunal de Contas é diferente da atividade pseudojurisdicional, por exemplo, do CADE e dos PROCGN's, porque nas outras decisões, proferidas em processos ou procedimentos administrativos, o Judiciário pode esquadrinhar não somente a forma mas todo o conteúdo, finalidade, motivação e moralidade. Porém, nas decisões do Tribunal de Contas existe apenas um bloco fechado que o Judiciário examina para observar se os postulados democráticos contidos na Constituição foram obedecidos. A atividade judicial, quanto a esses atos do Tribunal de Contas, é bastante restrita.

Na atividade que desempenha o Tribunal de Contas, como fiscal da lei, apenas se desincumbe de uma função institucional e, cada vez mais, surgem outras atividades institucionais por meio de leis extravagantes como, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que ensejou ao Tribunal de Contas incluir uma série de atividades em relação ao administrador.

Por último, assinalo que é também jurisdicional a atividade que permite ao Tribunal de Contas a aplicação de sanções, pecuniárias ou interventivas. " (ALVES, Eliana Calmon. A Decisão Judicial e a Decisão do Tribunal de Contas: independência das instâncias administrativas, cível e penal. Revista Ibero-Americana de Direito Público, v.4, n.11, p. 87-95, 2003)

Sobre o tema também se manifestou o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Hélio Saul Mileski, dizendo:

"(...)

Assim, absolutamente diversas são as competências constitucionais para o julgamento de contas e as referentes ao julgamento dos delitos no âmbito penal. Como as competências constitucionais dos Tribunais de Contas são próprias exclusivas e indelegáveis, possuem as mesmas caráter prioritário no exame das contas dos responsáveis por bens e valores públicos, com fator de independência do juízo criminal, pouco importando, no caso, que o juízo penal determine o arquivamento do processo, absolva ou condene o responsável. Portanto, como decorrência lógica da especificação constitucional das competências aos poderes e órgãos constitucionais há o princípio da independência de instâncias e jurisdições, que Hely Lopes Meirelles explicita na seguinte forma: "aprovadas as contas, o prefeito está quitado das despesas efetivadas e liberado de responsabilidade administrativa ou político-administrativa a elas relativa, mas não fica exonerado de responsabilização civil ou criminal por atos funcionais praticados naquele exercício financeiro, porque tais julgamentos são da exclusiva competência do Poder Judiciário" (Mileski, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 2003. Págs. 260/261)(g.n)

Assim, este Relator entende que, aplicando-se ao caso dos autos o Princípio da independência de instâncias e jurisdições, não há óbice ao julgamento deste processo por esta Corte de Contas.

No seguimento do Processo proferi o Parecer nº GC-WRW-2008/132/JW (fls. 255/262) através do qual elaborei a seguinte sugestão de Voto:

"4 - VOTO

Considerando o Relatório da Instrução, o Parecer do Ministério Público junto ao Tribunal e mais o que dos autos consta, VOTO, no sentido de que o Tribunal Pleno adote a decisão que ora submeto à apreciação:

Atendendo a solicitação deste Relator, a Coordenação de Acompanhamento de Débitos e Execuções - COAD elaborou a Planilha Apuração Débitos Por Mês Competência (doc. em anexo - fls. 292/300), sendo que foram apontadas divergências entre os valores imputados como débito aos Srs. ARNO DE ANDRADE - Prefeito Municipal de Ipuaçú/SC (Gestão 1993/1996), e do Sr. LUIZ ANTÔNIO SERRAGLIO - Prefeito Municipal de Ipuaçú/SC (Gestão 1997/2000 e 2001/2003), na conclusão do Parecer 040/06 (fls. 241/249) e na citada Planilha.

Foi juntado aos autos também, à fls. 302, Certidão de Óbito, datada de 27/10/2006, do Sr. ARNO DE ANDRADE, sendo que na referida Certidão consta que o Responsável citado NÃO DEIXOU BENS A INVENTARIAR.

Assim, diante dos fatos relatados, e diante da necessidade de saneamento dos autos, determinei, através de Despacho (fls. 304/306), a remessa dos autos à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU para:

# que fosse procedida a reanálise dos autos, pelos Auditores Fiscais de Controle Externo responsáveis pela elaboração do Parecer nº 040/006 (fls. 241/249), ou por quem o Diretor desta Unidade designar, com a confecção de nova conclusão técnica com a apuração dos valores efetivos passíveis de imputação de débito aos Responsáveis retro citados, levando-se em consideração a Planilha Apuração Débitos Por Mês Competência (doc. em anexo) elaborada pela Coordenação de Acompanhamento de Débitos e Execuções - COAD;

# que fosse levada em consideração na reanálise realizada a existência nos autos da Certidão de Óbito do Sr. Arno de Andrade (fls. 302), bem como o fato de constar na mesma que "Não deixou Bens a Inventariar", uma vez que estes fatos tem reflexos sobre a imputação de débito lançada ao Responsável citado.

A Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, reanalisou os autos e elaborou a Informação nº 167/08 (fls. 312/320) que em atenção aos questionamentos formulados por este relator no Despacho de fls. 304/306, deixa assentado em resumo o que segue:

"(...)

a. Primeiramente, a respeito dos valores financeiros sobre os quais deveriam ser lançadas as responsabilizações pelo cometimento dos atos tidos como irregulares, cabe inicialmente destacar que se verificou erros de forma no levantamento financeiro apresentado na Conclusão do Parecer n. 040/06, ainda que em valores ínfimos se considerados os respectivos montantes como irregularmente pagos pela municipalidade.

Sobre essa questão especificamente, cabe destacar ao eminente Conselheiro Relator que os valores a serem considerados como dano ao erário municipal em função da aplicação de concessões indevidas e irregulares de gratificações a servidores públicos municipais, tema central da inspeção realizada, devem ser aqueles consolidados pela Secretaria Geral deste Tribunal e constantes, em resumo, à fl. 292 dos autos (...).

(...)

b. Isso visto, cabe analisar seqüencialmente o tópico pertinente ao falecimento do Sr. Amo de Andrade e ao fato de o mesmo supostamente não haver deixado bens a inventariar o que, segundo se depreende do Despacho do Conselheiro Relator poderia ter "...reflexos sobre a imputação de débito lançado ao responsáveL..".

A esse respeito cabe ressaltar, preliminarmente, que a informação inicial repassada a este Tribunal de Contas não corresponde em sua totalidade com a realidade verificada, haja vista que existe processo judicial de inventário tramitando na Comarca de Abelardo Luz, desde janeiro de 2007 - Processo n. 001.07.000072-8 - cujo autor da herança é exatamente o administrador responsável, Sr. Amo de Andrade e cuja inventariante é a Sra. Isabel Jesus de Andrade, filha daquele, cujo CPF é de n. 845.568.119-53, com demonstrativo de tramitação processual do Tribunal de Justiça de Santa Catarina apensado às fis. 307 e 308 dos autos, o que comprova a existência da propriedade de bens, direitos ou obrigações que compõem o espólio em tela.

(...)

Considerado o exposto entende-se presentemente como adequada a manutenção integral da restrição apontada, apenas alterando-se a identificação do agente responsável originalmente indicado, ante o comprovado falecimento do mesmo.

Em decorrência, como determinado no artigo 6°, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 202/00, o(s) herdeiro(s) do tratado administrador, na figura da inventariante anteriormente - nominada, passa(m) a responder pelos débitos do falecido perante a Fazenda Pública, até a parte que na herança lhe(s) couber.

c. Por fim, uma última questão merece destaque por ora, referindo-se a mesma a que a Lei Municipal n. 050/93, de 23 de setembro de 1993, afinal motivadora da concessão irregular de vantagens pecuniárias a determinados servidores, ainda se mantém em vigência, segundo informações obtidas junto à Prefeitura de Ipuaçu, em junho do corrente ano.

A referida norma, reforce-se presentemente, permite a concessão da gratificação aludida sem a adoção de critérios formais e objetivos, contrariando os princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade, tal como estatuído no artigo 5° e no caput do artigo 37 da Carta Magna, assim como decorreu dos atos arrolados a quebra do princípio da paridade de vencimentos, estabelecida esta no artigo 39, § 1°, da mesma Constituição Federal.

(...)" (g.n)

4 - VOTO

Considerando o Relatório da Instrução, o Parecer do Ministério Público junto ao Tribunal e mais o que dos autos consta, VOTO, no sentido de que o Tribunal Pleno adote a decisão que ora submeto à apreciação:

Gabinete do Conselheiro, 20 de junho de 2008.

WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

Conselheiro Relator