ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-07/00538712

Unidade Gestora:

Empresa Catarinense de Pesquisa Agropecuária S.A. – EMPASC

Responsável:

Conselheiro Salomão Ribas Júnior

Assunto:

Recurso de Reexame – art. 81 da LC 202/2000 – RA-001465112 + REC-TC0022162/30 + REC-TC0188202/71

Parecer nº:

GC/WRW/2008/501/ES

 

 

Sociedade de economia mista. Teto remuneratório

Conforme a Orientação Jurisprudencial n. 339 do Tribunal Superior do Trabalho, As empresas públicas e as sociedades de economia mista estão submetidas à observância do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da CF/1988, sendo aplicável, inclusive, ao período anterior à alteração introduzida pela Emenda Constitucional n. 19/98.

 

Servidor público. Boa-fé. Reposição de valores.

A teor da Súmula n. 249 do Tribunal de Contas da União, “é dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais”.

 

 

 

1.   RELATÓRIO

 

Cuidam os autos de recurso proposto pelo Exmo. Conselheiro Salomão Ribas Júnior, em face da Decisão proferida nos autos n. RA 14651/12, imputando débitos aos Sr. Afonso Buss, ex-Presidente da Empresa Catarinense de Pesquisa Agropecuária S.A. – EMPASC.

 

O recurso foi examinado pela Consultoria-Geral, que, através do Parecer n. COG-384/08, entendeu presentes os pressupostos que autorizam o seu conhecimento e, no mérito, propôs que lhe fosse dado provimento parcial.[1]

 

O Ministério Público, em parecer subscrito pela Procuradora Cibelly Farias, manifestou-se, preliminarmente, pelo não-conhecimento do recurso e, na hipótese de o Relator o entender cabível, pelo seu desprovimento, mantendo-se incólume a decisão recorrida.[2]

 

Autos conclusos ao Relator.

 

Este o breve relatório

 

Registro, inicialmente, que se pretende reformar os itens 1.3 e 1.4 da decisão recorrida portadores da seguinte dicção:

 

“[...] O TRIBUNAL DE CONTAS EM SESSAO DE 12.07.93,DECIDIU:

CONHECER E ANOTAR O RELATORIO DE AUDITORIA REALIZADA NA EMPRESA CATARINENSE DE PESQUISA AGROPECUARIA S/A EMPASC, COM AS SEGUINTES RESTRICOES:

1) GLOSAR AS IMPORTANCIAS ABAIXO DISCRIMINADAS DE RESPONSABILIDADE DO ORDENADOR PRIMARIO A EPOCA, SR. AFONSO BUSS, DIRETOR PRESIDENTE, QUE DEVERAO SER RECOLHIDOS COM JUROS E ATUALIZACAO MONETARIA,NOS TERMOS DO ART.80 DA RES.TC-06/89:  [...]

 

1.3- CR$ 19.757,28 REFERENTE DESPESA PAGA COM "BOLSA DE ESTUDO" A SERVIDOR, POR AUSENCIA DE APROVACAO DO CONSELHO DE POLITICA FINANCEIRA;

 

1.4- CR$ 786.617,94 - REFERENTE A DESPESAS COM REMUNERACAO DE SERVIDORES SUSPERIORES AO LIMITE LEGAL, ESTABELECIDO PELA LEI N.7881/89; [...]”[3]

 

No tocante ao item 1.3 supra transcrito, sustentou o proponente do presente recurso que:

“1) o servidor Mário Miranda efetivamente freqüentou e concluiu o curso para o qual foi subsidiada a referida “bolsa de estudos”, (Curso de Pós-Graduação financiado pela CAPES), e, 2) houve o retorno deste investimento à Unidade.

A simples ausência de aprovação do Conselho de Política Financeira não deve ensejar a imputação de débito ao caso. Digo isso pois feitas tais considerações, e caso positivas as respostas, tal irregularidade seria hoje, sob a luz da legislação vigente no Tribunal, no entender deste Relator, apenas passível de cominação de multa prevista no art. 70, II, da Lei Orgânica, e não de imputação de débito ao Responsável.

Nos termos dos arts. 15, § 3º, I e II da Lei Complementar n. 202/2000, e 17 § 1º, I e II, do Regimento Interno do Tribunal, (que dizem respeito ao julgamento de prestações de contas e tomadas de contas especiais, e norteiam, de maneira geral, todos os débitos imputados pelo Tribunal), somente se considera em débito os valores decorrentes de “I – dano ao erário proveniente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado; e II – desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos; e III – (...). Tais hipóteses n ao se configuram, a meu ver, na construção da irregularidade 1.3 da Decisão n. 14.809/1993.”[4]

A Consultoria-Geral acolheu a argumentação do Conselheiro Salomão Ribas Júnior, aduzindo que o pagamento de bolsa de estudo para realização de pós-graduação em área de interesse da Unidade não caracteriza dano ao erário, desfalque ou desvio de dinheiro público, sugerindo, por isso, a desconstituição do débito imputado no item 1.3 da decisão recorrida.

Acompanho as razões sustentadas pelo órgão consultivo para cancelar o débito em questão.

Em relação ao item 1.4, o proponente argüiu que:

“O que ensejaria, teoricamente, a admissão do presente recurso fora do prazo, diz respeito ao item 1.4 da Decisão guerreada, o Responsável afirma que a sentença do Tribunal Regional do Trabalho – JCJ de Florianópolis – em anexo a este recurso, que teria o condão de demonstrar “que os atos praticados pelo recorrente não causaram, efetivamente, quaisquer prejuízos ao erário”. Nos termos do art. 135, §1º, do Regimento Interno, e art. 76 § 1º, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas, é permitida a admissibilidade de recursos, inclusive, o de Revisão, fora do prazo, quando fatos novos comprovem a não ocorrência de dano ao erário. Ou seja, se a própria justiça do Trabalho entendeu como devida a remuneração paga acima do limite da citada Lei aos servidores, não pode o Tribunal de Contas, muito menos apto ao julgamento de questões trabalhistas, imputar débito ao Responsável por ter efetuado tal pagamento.

Além do mais, nos termos do inciso II, do art. 135, do Regimento Interno, sem dúvidas tais valores seriam devidos por aqueles que receberam os valores, autorizando o conhecimento do presente recurso. Há de se registrar, que o art. 142 da Resolução TC n. 06/2001 diz que o Reexame de Conselheiro poderá ser proposto dentro do prazo de dois anos “a contados da publicação da última deliberação no Diário Oficial do Estado”, a qual teria sido na análise do Processo REC 22162/30, na sessão de 04.07.97, da relatoria do Conselheiro Antero Nercolini, mas, ao que parece, não houve a publicação da mesma no Diário Oficial do Estado. Ao menos, não consta em nenhum registro do Tribunal a sua publicação.”[5]

De outra parte, a Consultoria-Geral afastou a argumentação apresentada para a desconstituição do débito, esboçando o seguinte raciocínio:

“Quanto às despesas com a remuneração de servidores superior ao limite legal o Recorrente traz à colação acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região – TRT-12 que manteve íntegra boa parte da sentença de primeiro grau, condenando a EMPASC a pagar os valores retidos em função da diferença entre o salário dos reclamantes e o de Secretário de Estado.

Colhe-se do corpo da sentença a seguinte passagem:

É perfeitamente lícito que o estado fixe um teto máximo para seus servidores, pois a própria Constituição Federal em seu art. 37, inciso XI assim preconiza: ‘a lei fixará o limite máximo para seus servidores e a relação de valores entre a maior e menor remuneração dos servidores públicos, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados...”. (grifos nossos), porém, o que não pode ocorrer é a redução salarial, sob pena de ferir o princípio constitucional da irredutibilidade.

Diante do exposto, têm-se como ilegal a redução salarial e a retenção dos salários imposta pela EMPASC aos reclamantes.

Na hipótese dos autos dois aspectos ganham destaque.

O primeiro diz respeito à decisão judicial juntada aos autos. Trata-se de sentença, que decidiu acerca do conflito entre o teto remuneratório e a irredutibilidade salarial, previstos, respectivamente, nos arts. 37, XI e 7º, VI, da Constituição Federal.

[...]

Muito embora o magistrado tenha decidido em favor da irredutibilidade, a sentença não estende seus efeitos ao caso sob análise, já que o apontamento da equipe técnica diz respeito ao salário de dezembro de 1990, e décimo terceiro, e a questão de fato subjacente à lide foi a retenção parcial dos salários pagos a partir de abril de 1991.

Confrontando as fls. 22 dos autos do processo principal coma fls. 20 deste Recurso, também se verifica que os Srs. José Luiz Petri, Maurélio Corrêa da Silva e Roque Paulo Krentz, beneficiários dos salários superiores ao teto constitucional, não integraram a reclamatória trabalhista.

Outro ponto de destaque no exame das razões recursais se relaciona à questão de direito debatida na causa trabalhista.

Sob esse enfoque, em que pese o acórdão do TRT-12 manter quase integralmente os termos da sentença, verifica-se no Tribunal Superior do Trabalho – TST posicionamento pacificado em Orientação Jurisprudencial, no sentido de submeter as empresas públicas ao temo remuneratório previsto no art. 37, XI do texto constitucional.

Orientação Jurisprudencial n. 339.

TETO REMUNERATÓRIO. EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, ART. 37, XI, DA CF/1988 (ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 19/98). (nova redação, DJ 20/04/2005). As empresas públicas e as sociedades de economia mista estão submetidas à observância do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da CF/1988, sendo aplicável, inclusive, ao período anterior à alteração introduzida pela Emenda Constitucional n. 19/98.

Dessa forma, trata-se de acórdão que resolveu lide com fundamento jurídico-constitucional. A opção pela irredutibilidade de salário teve seu contraponto no teto remuneratório, cuja ofensa desafiaria Recurso de Revista ao TST, consoante dispunha a alínea “c” do art. 896 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 896 – Cabe Recurso de Revista das decisões de última instância para o Tribunal Superior do Trabalho, quando: ... c) proferidas com violação literal de disposição de lei federal ou da Constituição da República.

Não obstante a posição do TST e a indisponibilidade dos interesses discutidos na causa, considerado o fato da EMPASC ser uma empresa pública, não se constata a interposição do Recurso de Revista.

A decisão da Justiça Trabalhista produz seus efeitos apenas entre as partes, e nos limites da lide e das questões decididas. Ademais, não reflete o entendimento predominante do Tribunal Superior do Trabalho. [...] [6]

Diante da manifestação da Consultoria, entendo que deva tecer algumas considerações.

Muito embora a sentença tenha decidido acerca da retenção parcial dos salários pagos a partir de abril de 1991 e o apontamento do Corpo Técnica tenha se referiu ao salário de dezembro de 1990 é preciso assinalar que a mesma questão tangencia ambas as situações, qual seja, a impossibilidade da redução de salário dos empregados da EMPASC, consoante asseverou a magistrada trabalhista.

Anoto que, de fato, o Tribunal Superior do Trabalho, através da Orientação Jurisprudencial n. 339, procurou consolidar um entendimento sobre a questão do teto remuneratório e as sociedades de economia mista e empresas públicas.

Todavia, é preciso assinalar que o dito pronunciamento do TST foi originalmente publicado no Diário de Justiça em 04/05/2004, enquanto que a sentença, cuja cópia foi juntada aos autos pelo Recorrente, foi lavrada em período anterior, já que da mesma foi interposto Recurso Ordinário, apreciado em 07/04/1994.[7]

Logo, infere-se que inexistia a mencionada orientação jurisprudencial, ao tempo dos fatos.

Mencionou o Conselheiro proponente do presente reexame que as vantagens percebidas indevidamente deveriam ser devolvidas pelos que foram beneficiados com o seu recebimento, invocando, para tanto, o inciso II, do art. 135 do Regimento Interno desta Corte.

Ocorre que o Tribunal de Contas da União-TCU editou a Súmula n. 249 que dispensa a reposição de importâncias indevidamente percebidas de boa-fé por servidores ativos e inativos e pensionistas.

Acerca de tal assunto, trago à colação voto, proferido em processo distinto (REC-06/00274365), da lavra do Conselheiro Salomão Ribas Júnior, no qual restou consignado, em síntese, que:

2.1 Súmulas ns. 106, 235 e 249, do TCU3:

Através da Súmula n. 106, aprovada na Sessão Ordinária de 25/11/1976, o Tribunal de Contas da União - TCU privilegiou a boa-fé dos aposentados que, posteriormente às suas inativações, tivessem seus atos concessórios considerados ilegais. Afinal, o aposentado não poderia ser prejudicado devido à demora no julgamento do ato concessório pelo TCU, e ver-se obrigado a restituir ao erário quantias que recebeu de boa-fé4.

Eis o teor da referida Súmula:

Súmula n. 106

O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão competente.

No entanto, com o passar do tempo o entendimento exposto na Súmula 106 do TCU deixou de ser aplicado somente aos casos nela especificados, ou seja, de julgamento pela ilegalidade das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, agregando também as situações de pagamento indevido de vantagens a servidores em decorrência de erro da administração, com respeito aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica.

Com a edição da Lei n. 8.112/90, a qual previa em seu art. 46 (redação original), que "as reposições e indenizações ao erário serão descontadas em parcelas mensais não excedentes à décima parte da remuneração ou provento, em valores atualizados", a matéria se tornou controversa no âmbito daquela Corte de Contas e também da Administração Pública Federal.

Assim, no ano de 1992, o TCU constitui comissão destinada a realizar estudos acerca do impacto do art. 46 da Lei n. 8.112/90 na referida Súmula n. 106, a qual chegou a seguinte conclusão:

À vista das abalizadas ponderações esposadas, que refletem o pensamento da Legislação e Jurisprudência, entende esta Comissão ser descabida a devolução de importâncias recebidas de boa-fé presumida, considerando que, de sua argüição, não cuidou a Lei n. 8.112/90, sugerindo na oportunidade que, por questão de equidade, sejam dispensadas das restituições, inclusive os casos ocorridos após a vigência do prefalado Regime Jurídico Único. (Decisão n. 597/1992, Ata 56, Plenário. TC 020.056/1992-3)5

No ano seguinte, através da Decisão n. 403/1993-Plenário, o TCU ao responder consulta ao TRE de Santa Catarina acerca do citado art. 46 da Lei n. 8.112/90, ratificou o entendimento consubstanciado na Súmula n. 106, condenando, no entanto, a sua extensão, por analogia, a outros casos de recebimento indevido de importâncias por servidores, por conta do dispositivo de lei questionado. Tal posicionamento foi confirmado pela Decisão Plenária TCU n. 444/1994, que deu origem à Súmula n. 235, in verbis:

Súmula n. 235

Os servidores ativos e inativos, e os pensionistas, estão obrigados, por força de lei, a restituir ao Erário, em valores atualizados, as importâncias que lhes forem pagas indevidamente, mesmo que reconhecida a boa-fé, ressalvados apenas os casos previstos na Súmula n. 106 da Jurisprudência deste Tribunal. (revogada na Sessão Ordinária de 09/05/2007 - Acórdão n. 820/2007 - Plenário).

Entretanto, o firme posicionamento exposto na Súmula 235 praticamente impediu qualquer possibilidade de liberação do ressarcimento em diversos casos de pagamentos indevidos a servidores públicos.

Assim, foi se desenvolvendo uma nova modalidade de situação, qual seja, a de estabelecer escusas à nova orientação cristalizada na Súmula n. 235, e dispensar de ressarcimento as importâncias consideradas como pagas indevidamente, todavia amparadas por "obediência a interpretação de ato normativo realizada por autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão", e em outros caso, ante a "presunção de legalidade dos atos administrativos que ensejaram tais pagamentos, aliada à boa-fé dos servidores e ao caráter alimentar das parcelas salariais".

Ao longo dos anos o entendimento restritivo dado pela Súmula n. 235 foi sofrendo desgastes por conta de sucessivas decisões em que se discutia a sua gênese e validade, para negá-la, sob a alegação de que a mesma não permitia a possibilidade de opção pela dispensa do ressarcimento da reposição ao erário por servidores públicos, causa primária da analogia à Súmula n. 106.

A matéria foi objeto inclusive de algumas teses, citando-se a defendida pelo Auditor de Controle Externo, Sr. Renato Monteiro de Rezende, sob o título "Súmula n. 235 do TCU: necessidade de Revisão", publicada na Revista do TCU, Brasília, v.32, n. 90, out/nov 2001; e a defendida pelo Procurador Geral do Ministério Público junto ao TCU, Dr. Lucas Rocha Furtado, sob o título "Devolução de quantias pagas indevidamente a servidores públicos: análise e fixação de critérios para aplicação das Súmulas 106 e 235 do TCU", publicada na Revista do TCU, Brasília, v.33, n. 91, jan/mar 2002.

Os dois entendimentos foram respectivamente assimilados pela Secretaria de Recursos do TCU e pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, passando a constar em várias deliberações plenárias daquela Corte de Contas (Decisão n.º 45/2002-Ata 06 - Segunda Câmara, Rel. Min. Ubiratan Aguiar; Acórdão n.º 302/2001-Ata 18 - Segunda Câmara, Rel. Min. Adylson Motta, Decisão 446/2002-Ata 33 - Segunda Câmara, Rel. Min. Lincoln Magalhães da Rocha; e Decisão n. 1.254/2002-Ata35 - Plenário, Rel Min. Benjamin Zymler).

Convém ainda dizer que em relação ao disposto no art. 46 da Lei n. 8.112/90, que serviu de fundamento à Súmula n. 235, assim conclui o Tribunal de Contas da União (Acórdão n. 820/2007), baseado no estudo do Auditor de Controle Externo, Sr. Renato Monteiro de Rezende:

[..] Como se infere do supracitado estudo, o enunciado da Súmula 235 foi erguido sobre premissa equivocada, a de que a Lei 8.112/90, por seu artigo 46, havia inaugurado novo regime quanto às reposições ao erário, o que afrontava a prática de estender a aplicação da Súmula 106 a casos de percepção indevida de valores, mas de boa-fé, que não se tratassem de aposentadorias consideradas ilegais.

Todavia, o artigo 46 da Lei 8.112/90 não trouxe nada de novo, a não ser a atualização monetária, quanto à reposição de valores, tendo em vista que o estatuto anterior (Lei 1.711/52), em seu artigo 125 já previa comando semelhante: 'As reposições e indenizações à Fazenda Pública serão descontadas em parcelas mensais não excedentes da décima parte do vencimento ou remuneração.'

Assim sendo, se o entendimento de que as reposições ao erário são, em princípio, obrigatórias a todos os servidores, mesmo as percebidas de boa-fé, não seria correto afirmar que fundamentada no artigo 46 da Lei 8.112/90, visto que o comando do referido dispositivo já constava do artigo 125 do antigo Estatuto (Lei 1.711/52).

O comando do artigo 46 da Lei 8.112/90 não teve por objetivo a determinação irrestrita de restituição de importâncias indevidamente percebidas, mas tão-somente o de estabelecer a forma como esses valores deveriam ser ressarcidos6.

Diante de todos esses apontamentos, o egrégio Plenário do Tribunal de Contas da União exarou o Acórdão n. 820/2007, através do qual foi revogada a Súmula n. 235, e aprovado novo entendimento para a matéria, consubstanciado na Súmula n. 249, in verbis:

Súmula n. 249

É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

Em relação a essa Súmula, oportuno colacionar as razões da emenda aditiva proposta pelo Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa, nos termos do já citado Acórdão TCU n. 820/2007 - Plenário:

Sugestão aditiva: acrescentar à expressão "erro de interpretação de lei" o adjetivo "escusável" [...]

A redação proposta explicita que o erro da Administração na aplicação da lei, por si só, não é suficiente para eximir a reposição do valor indevidamente recebido. Para gerar esse efeito, é necessário que o erro seja razoável, justificável, diante das circunstâncias a serem ponderadas e sopesadas em cada caso concreto.

Com essa providência, pretende-se coibir a prática de atos temerários por parte do administrador, que poderia ver, na redação original do projeto, um incentivo à instituição de parcelas e benefícios manifestamente ilegais, até mesmo contrários à letra da lei, e proporcionar um proveito financeiro transitório para grupos ou categorias inteiras de servidores, muitas vezes incluindo a si próprio nesse universo, com prejuízos inestimáveis para a União até que houvesse a repressão do ato por esta Corte de Contas.

Não se trata de uma hipótese esdrúxula, fruto de um exagerado pessimismo quanto à natureza humana. A realidade retratada nos processos submetidos a este Tribunal permite constatar que a má-fé e o dolo estão presentes no cotidiano da vida pública, não merecendo precaução menor do que a consideração devida à boa-fé do destinatário dos pagamentos equivocados.

Sob o ponto de vista do instituidor da vantagem, não se deve tornar ainda mais atraente o benefício financeiro imediato de uma concessão indevida, por meio de um enunciado de jurisprudência que declare a intangibilidade futura desses valores, uma vez que, no momento da decisão, o ônus da irregularidade das contas, distante e incerto, poderá não ter força suficiente para refrear o ato temerário.

Vale salientar que, em situações que abranjam um grande número de beneficiados, a possibilidade de imputação ao gestor de débito e multa de até 100% do dano causado, nos termos dos arts. 19 e 58, caput¸ da Lei n. 8.443/1992, são insuficientes para proteger o erário, uma vez que a recuperação dos valores devidos pode não se concretizar em razão da insuficiência do seu patrimônio pessoal.

Ao cancelar a Súmula n. 235, este Tribunal remove um impedimento absoluto à dispensa de reposição dos valores indevidamente recebidos, permitindo que o cabimento dessa providência seja avaliado caso a caso. Não deveria incidir no extremo oposto, o da impossibilidade de obtenção de restituição, quando as circunstâncias revelarem a irrazoabilidade da interpretação levada a efeito pelo administrador. Creio que a qualificação do erro de interpretação como escusável vem equilibrar as duas situações.

Quanto à definição do que seja um erro escusável de interpretação de lei, entendo que essa tarefa deve ser enfrentada in concreto. Dada a diversidade de fatores relevantes para esse mister, tal como a novidade do diploma interpretado, a existência de dissenso ou mudança de orientação jurisprudencial, a doutrina jurídica, a prática reiterada do ato por outros órgãos da administração e outros tantos fatores significativos, é inconveniente, senão infrutífero, buscar um enunciado que contemple todas essas hipóteses.

Nem por isso trata-se de matéria estranha ou impenetrável para o controle externo. De ordinário, sempre que as contas da entidade apontam um ato ilegal, esse juízo de gravidade e de reprovabilidade do erro é realizado para fins de enquadramento do mérito. [...]

Na mesma esteira, julgado emanado do Superior Tribunal de Justiça, portador da seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. DESCABIMENTO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ.

O requisito estabelecido pela jurisprudência, para a não devolução de valores recebidos indevidamente pelo servidor, não corresponde ao erro da Administração, mas sim, ao recebimento de boa-fé. Nos termos da consolidada jurisprudência da Terceira Seção, tendo o servidor recebido de boa-fé o valor indevido, não se exige a restituição.

Recurso especial a que se nega provimento. (RECURSO ESPECIAL Nº 908.474 - MT (2006/0268715-9) RELATOR: MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) - RECORRENTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UFMT - RECORRIDO: ANTÔNIO DIONÍSIO DE SOUZA E OUTROS – DJU 29/10/2007)

Entendo que, de modo analógico, tal entendimento possa ser aplicado ao caso dos autos, porquanto restou evidenciada a boa-fé na percepção dos valores tidos por indevidos, já que havia um pronunciamento judicial incidente sobre matéria semelhante defendendo a irredutibilidade salarial.

Ademais, a orientação jurisprudencial do TST encerrando a discussão acerca do teto remuneratório e as empresas estatais não existia ao tempo do exame dos atos constantes do processo principal.

Atualmente, não se justifica que as sociedades de economia mista não observem o teto remuneratório, sob o argumento da impossibilidade de se reduzir o salário.

Contudo, no caso em tela, os fatos devem ser analisados de acordo com as circunstâncias existentes no momento de sua ocorrência.

Logo, entendo que não é adequado que apenas o ex-Presidente da EMPASC assuma a responsabilidade pela devolução de valores que possuem diversos beneficiários.

De outro vértice, a recente Súmula n. 249 do TCU e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sustentam o entendimento de que tais importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, estão dispensadas de devolução.

Desta feita, almejando ser o mais coerente possível, posiciono-me pelo cancelamento do referido débito.

 

2.   PROPOSTA DE DECISÃO

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, submeto à apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 81 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra a Decisão, exarada na Sessão Ordinária de 12/07/1993, nos autos do Processo n. RA 14651/12, para, no mérito, dar-lhe provimento, para cancelar os débitos constantes dos itens 1.3 e 1.4 da decisão recorrida.

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator ao Sr. Afonso Buss – ex-Diretor-Presidente da Empresa Catarinense de Pesquisa Agropecuária S.A. – EMPASC.

 

 

 

             Gabinete do Conselheiro, em 14 de agosto de 2008.

 

 
                      WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

                                                                  Conselheiro Relator

 

 

 



[1] Fls. 38/44 dos autos n. REC-07/00538712.

[2] Fls. 45/52 dos autos n. REC-07/00538712.

[3] Fl. 275 dos autos n. RA-14651/12.

[4] Fl. 06 dos autos n. REC-07/00538712.

[5] Fl. 07 dos autos n. REC-07/00538712.

[6] Fls. 41/43 dos autos n. REC-07/00538712.

[7] Fl. 24 dos autos n. REC-07/00538712.