Processo n. |
REP 02/07683115 |
Unidade Gestora |
Centrais
Elétricas de Santa Catarina – CELESC S.A. |
Responsáveis |
Eduardo
Pinho Moreira - ex-Presidente da CELESC Miguel Ximenes de Melo Filho – ex-Presidente da
CELESC |
Interessados |
Eduardo Carvalho Sitonio
– Presidente da CELESC Henri Machado Claudino – Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria de Energia Elétrica do Sul do Estado de Santa Catarina – SINTRESC |
Assunto |
Representação em razão do acúmulo do adicional de
férias de 50% com o 1/3 constitucional, com fundamento em acordo coletivo sem
a chancela do CPF e do Governador do Estado. |
Relatório n. |
506/2008 |
1. Relatório
Tratam os presentes autos de
representação oriunda da Procuradoria Regional do Trabalho no Estado de Santa
Catarina, relativamente à acumulação do adicional de férias de 50% com o 1/3
constitucional, com fundamento no Acordo Coletivo 1997/1998, cuja despesa não
foi autorizada pelo Conselho de Política Financeira – CPF, nem homologada pelo
Governador do Estado.
Autuada
a presente representação, os autos foram encaminhados à Consultoria Geral - COG
para análise preliminar de admissibilidade, que se deu por meio da Informação
n. 34/02[1], cujos
termos são pelo conhecimento e adoção de providências.
O
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas acompanhou o entendimento do
Órgão Consultivo, nos termos do Parecer MPTC n. 1416/2002[2].
Através
da Decisão preliminar n. 2019/2002, à fl. 33, acolheu-se a representação,
determinando à extinta Diretoria de Auditorias Especiais – DEA a apuração dos
fatos denunciados.
Por
meio do Relatório n. 066/04[3], foi
sugerido que se determinasse à CELESC a sustação do pagamento daquele
adicional, bem com a instauração de tomada de contas especial para apuração do
prejuízo causado ao erário.
O
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas acompanhou o entendimento da
DEA, nos termos do Parecer MPTC n. 2417/2002[4].
A
Relatora dos autos à época, Auditoria Thereza Aparecida Costa Marques, através
do despacho à fl. 71, determinou à Diretoria de Controle da Administração
Estadual – DCE, que informasse “os encaminhamentos dados por aquela Diretoria,
e pelo Tribunal Pleno, em processos da CELESC que continham a referida
restrição.
A DCE,
em cumprimento ao despacho da Relatora, exarou a Informação n. 285/04[5], juntando
aos autos os documentos às fls. 72 a 126.
De
posse dos autos, a Relatora determinou o seu envio à Consultoria Geral, nos
termos do despacho à fl. 147.
A
Consultora Geral à época, Elóia Rosa da Silva, diligenciou[6] os autos
à CELESC para solicitar cópias “dos Acordos Coletivos firmados a partir do ano
de 1977 até 2005, bem como informar se a gratificação de férias correspondente
a 50% da remuneração fixa, por ocasião do gozo de férias, vem sendo paga aos
empregados com contrato de trabalho firmado após 30/09/97.[7]”
Em
atenção à diligência efetivada pela COG, o Presidente à época, Sr. Miguel
Ximenes de Melo Filho, juntou aos autos os documentos às fls. 157 a 360.
A
Consultoria Geral, após análise dos documentos, novamente baixou os autos em
diligência[8] à
CELESC, solicitando que fosse informado “se nos anos de 1989 até 1997 foi paga
aos empregados desta empresa, gratificação de férias correspondente a 50%
(cinqüenta por cento) da remuneração fixa e com base em qual ato normativo,
enviando, neste caso, sua cópia.[9]”
Em
atenção à nova diligência efetuada pela COG, o ex-Presidente da CELESC prestou
os esclarecimentos constantes às fls. 367 e 368, juntando os documentos às fls.
369 a 445.
Por
fim, a COG exarou o Parecer n. 680/06[10], se
manifestando pela regularidade da concessão da gratificação de férias de 50%
(cinqüenta por cento) da remuneração fixa dos empregados da CELESC com
contratos vigentes em 30/09/97, considerando que a ausência de acompanhamento
do Conselho de Política Financeira é irrelevante frente à hegemonia da Norma
Coletiva; não obstante caracterizar irregularidade passível de aplicação de
multa.
O Órgão
Ministerial, nos termos do Parecer MPTC n. 213/2008[11], da
lavra do Procurador Diogo Roberto Ringenberg, discorda do entendimento da COG,
sugerindo a conversão dos autos em tomada de contas especial, com determinação
de sustação cautelar do pagamento daquele adicional à totalidade dos servidores
da estatal. Opina ainda pela imediata comunicação dos fatos ao Ministério
Público Estadual.
2. Voto
Tratam os autos da análise da
regularidade da concessão da gratificação de férias de 50% da remuneração fixa,
integrada aos contratos de trabalho da CELESC vigentes em 30/09/1997 por força
do Acordo Coletivo de Trabalho do ano de 1997/1998[12], assinado
pelo Presidente à época, Sr. Eduardo Pinho Moreira[13]. Eis o
teor da Cláusula Sétima do referido Acordo:
Cláusula Sétima -
Gratificação de Férias.
A CELESC manterá o
pagamento da gratificação de férias, correspondente a 50% da remuneração fixa,
por ocasião do gozo das férias, a todos os empregados com vínculo empregatício
em 30.09.97, convencionando as partes que esta gratificação está vinculada ao
art. 144 da CLT.
Parágrafo Único - A gratificação
desta cláusula somente será devida aos empregados com contrato de trabalho
vigente em 30.09.97, incorporando-se, para todos os fins jurídicos e legais,
aos seus contratos individuais de trabalho[14].
Duas questões envolvem a discussão dessa
matéria:
a) a
ausência da autorização do Conselho de Política Financeira - CPF, homologação
pelo Governador do Estado, e publicação no Diário Oficial do Estado, nos termos
do art. 38, IV, e Parágrafo Único[15], da Lei
estadual n. 9.831/95, vigente à época da celebração do Acordo Coletivo
1997/1998;
b) a legalidade
da acumulação da referida gratificação com o adicional de férias de 1/3,
previsto no art. 7º, XVI, da Constituição Federal.
Quanto
ao item “a”, a Consultoria Geral, em seu Parecer COG n. 680/06, muito
embora arrole diversos entendimentos desta Corte de Contas no sentido de
considerar necessária a autorização do CPF para a concessão de benefícios
salariais aos empregados das sociedades de economia mista, assim se manifesta
quando se trata de Acordo Coletivo de Trabalho:
Salienta-se que se
a vantagem foi inserida via Acordo Coletivo de Trabalho e, mesmo não tendo
passado pelo crivo do Conselho de Política Financeira (nos termos do tópico
1.1), isso não importa em invalidade do instrumento.
[...]
[...] defende-se a
tese de supremacia dos instrumentos coletivos, por três expressivas razões: em
primeiro plano, norma de caráter nacional já definiu seus requisitos de
validade e, depois, a exclusividade da União para legislar sobre matéria
trabalhista, bem como sua previsão expressa na CF/88.
Com efeito, norma
de caráter nacional já definiu os requisitos formais de validade dos
Acordos Coletivos de Trabalho, qual seja, a Consolidação das Leis do Trabalho -
CLT - Decreto-Lei nº 5.452, em seus arts. 623 e 624.
[...]
Há, também, a questão
da exclusividade da União para legislar sobre matéria trabalhista, em
consonância com o inciso I do art. 22 da CF/88:
[...]
Por último, a CF/88
traz de forma expressa sua previsão:
[...]
[...]
Assim, a ausência
de acompanhamento do Conselho de Política Financeira e da homologação pelo
Governador do Acordo Coletivo de Trabalho apenas pode acarretar aplicação de
multa ao Administrador, este sim, responsável pela observância da legislação
estadual vigente[16].
(grifos
no original)
Para fundamentar tal conclusão, a
Consultoria Geral se utilizou de precedente desta Corte de Contas,
consubstanciado na Decisão n. 661/04, exarado nos autos do Processo n. REC
01/01197799, cujo Parecer n. COG - 595/03 traz entendimento da 3ª Turma do TRT
da 12ª Região, exarado em 2001. In verbis, a ementa do parecer jurídico
da COG:
[...]
Atuação do Conselho
de Política Financeira-CPF. Art. 38 da Lei Estadual nº
9.831/95, vigente à época dos fatos. Art. 2º do Decreto nº
6.310/90 .
Em
se tratando de criação e provimento de cargos, empregos e funções, concessão de
reajustes e aumentos salariais gerais, etc., realizados por empresas públicas e
sociedades de economia mista, a ausência de autorização e aprovação do CPF
importa invalidade dos atos constituídos. No caso específico de vantagens
auferidas por Acordo Coletivo, a ausência de interveniência do dito Conselho
não acarreta a nulidade do instrumento trabalhista, para exigir o ressarcimento
de valores pelo Administrador.
Há
que se assinalar que, em se tratando de Acordo Coletivo, incidem as normas da
CLT, legislação de âmbito federal, que disciplinou quais os requisitos que
devem ser observados para se evitar a pecha da nulidade.
Tendo-se
em conta que é competência privativa da União legislar sobre direito do
trabalho (art. 22, inciso I, da CF), não pode a norma estadual impor outros
requisitos que invalidem o Acordo, além dos contemplados pela norma federal.
Nesse sentido:
"ACORDO COLETIVO DE TRABALHO.
CUMPRIMENTO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. Por se tratar de pessoa jurídica de
direito privado, a sociedade de economia mista pode firmar acordo coletivo de
trabalho e deve cumpri-lo como qualquer outro empregador.
Como contrata seus empregados pela CLT, sujeita-se em
primeiro plano à Constituição da República e posteriormente à Consolidação das
Leis do Trabalho, que é norma federal, afastando-se quaisquer outras de
hierarquia inferior que com elas sejam conflitantes.
Nesse nível, excetuando-se a nulidade prevista no art.
623 e a vacância prevista no art. 624, ambos da CLT, de cláusulas previstas em
convenção ou acordo que contrariem norma de política econômica e impliquem
elevação de preços e tarifas sujeitos à fixação por autoridade pública, que não
foram comprovadas pela empresa, não há nenhuma regra jurídica impositiva que
condicione o cumprimento de cláusulas ajustadas em acordo coletivo de trabalho
à sua aprovação pelo Governador do Estado ou por qualquer outro órgão do
Estado, ao qual a sociedade de economia mista esteja vinculada." (TRT/SC/RO-V
9873/2000, Acórdão-3ªT-Nº 03171/2001, Relª. Juíza Ione Ramos, DJ/SC 10/04/2001) Grifo nosso[17]. (grifos no original)
Noutra vertente, a COG aponta a
existência de entendimento contrário da mesma 3ª Turma do TRT da 12ª Região,
exarado em 2004. Eis o teor da ementa do referido julgado:
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. EFEITOS.
INTERVENÇÃO DO CONSELHO DE POLÍTICA FINANCEIRA. ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
ESTADUAL. Em
se tratando de empresa integrante da administração indireta do Estado e não
havendo demonstração de que o Conselho de Política Financeira (CPF) tenha se
pronunciado, nem anteriormente e nem posteriormente à celebração, sobre a
convenção coletiva carreada com a exordial, essa não produz seus efeitos no que
concerne à recorrida. (TRT/SC/RO-V 07450/2003, Acórdão-3ªT-Nº 14175/2004, Relª.
Juíza Teresa Regina Cotosky, DJ/SC 30/09/2004).[18]
Em suas conclusões, a Consultoria Geral,
não obstante os termos do julgado acima transcrito, se manifesta pela regularidade
da referida gratificação de férias.
O Órgão Ministerial discorda
veementemente do entendimento da COG, pelas razões expostas no seu Parecer MPTC
n. 0213/2008, do qual são extraídos os seguintes trechos:
A concessão de vantagem salarial sem o aval do Conselho de Política
Financeira – CPF é nula de pleno direito para fins de aferição da
responsabilidade do Gestor que, por conta própria, aquiesceu com o pagamento,
não obstante a regra expressa do art. 38 da Lei 9.831/95.
É equívoco grave interpretar que esteja o Tribunal de Contas
imiscuindo-se em matéria trabalhista quando este aprecia a regularidade de atos
que implicam a disposição de recursos públicos. Age a Corte, neste contexto, no
exercício constitucional das prerrogativas definidas no art. 70, II, da
Constituição Federal.
A Lei estadual, ao exigir que determinadas matérias relacionadas à
aplicação de recursos públicos fossem previamente submetidas ao Conselho de
Política Financeira, entre elas as autorizações para a assunção de determinadas
obrigações de cunho remuneratório, não adentrou, em hipótese alguma, na seara
das normas trabalhistas, cuja competência legiferante pertence à União.
Este acompanhamento centralizado que tem no Conselho de Política
Financeira o Órgão de sua execução é, ademais, imprescindível para manter o
controle pelo Poder Executivo das despesas com pessoal, providência esta de
reclamo constitucional (CF, art. 169). Não se pode tomar por atentatória aos
preceitos da CLT a norma (que não faz as vezes do ato previsto no art.
9º da Consolidação) que tenham por objetivo permitir o exercício do controle de
gastos com pessoal da Administração.
A comparação entre a normatividade dos acordos coletivos de trabalho e
da lei perde o sentido diante do caso em exame. Ambos possuem normatividade de
amplitudes distintas, mas igualmente válidas e aplicáveis.
É insustentável o raciocínio que pretenda afastar a aplicação da lei
que trate de matéria financeiro-orçamentária, preterindo-a em favor de acordo
coletivo de trabalho. São fontes distintas de normatividade que convivem
simultaneamente no mundo jurídico.
A prévia chancela por parte do Conselho de Política Financeira, a
respeito de eventual benefício remuneratório materializa o controle exclusivo
por parte do chefe do Poder Executivo nas matérias previstas no art. 50, §2º,
II, da Carta Estadual, e não impedirá que os acordos coletivos sejam firmados, desde
que, na parte em que comprometam a aplicação de recursos públicos, tenham o
aval do Executivo. [...][19].
Diante do exposto, e com a devida vênia
ao posicionamento da Consultoria Geral, acolho o entendimento do Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas, em razão dos motivos a seguir expostos.
Por força do §1º,
II, do art. 173 da Constituição Federal, as sociedades de economia mista
exploradoras de atividade econômica se sujeitam ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis,
comerciais, trabalhistas e tributários. No entanto, tal regra constitucional
não pode ser aplicada de forma isolada, pois, tais sociedades são, na verdade,
instrumentos de ação do próprio ente público que autorizou sua criação, e, por
isso, são permeadas pelo direito público, sujeitando-se ao controle interno da
administração pública, assim como ao controle externo.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, desde as
primeiras edições do seu livro “Direito Administrativo”, mais especificamente a
5ª edição[20],
de 1994, já previa o caráter híbrido do regime jurídico das sociedades de
economia mista, e, mantido seu entendimento, assim dispõe em sua edição mais
recente (2007):
Quanto à natureza jurídica das empresas
públicas e sociedades de economia mista, as controvérsias doutrinárias
pacificaram consideravelmente a partir de 1967; de um lado, porque a
Constituição, no art. 163, § 2º, determinava a sua submissão ao direito
privado; de outro lado, tendo em vista o conceito contido no artigo 5º, II e
III, do Decreto-lei n. 200.
[...]
Embora elas tenham personalidade dessa
natureza, o regime jurídico é híbrido, porque o direito privado é parcialmente
derrogado pelo direito público. Mas, falando-se de personalidade de direito
privado, tem-se a vantagem de destacar o fato de que ficam espancadas quaisquer
dúvidas quanto ao direito a elas aplicável: será sempre o direito privado, a
não ser que se esteja na presença de norma expressa de direito público.
[...]
A derrogação é feita, em grande parte, pela
própria Constituição, mas também por leis ordinárias e complementares, quer de
caráter genérico, aplicável a todas as entidades, quer de caráter específico,
como é a lei que cria a entidade.
Na esfera federal, isso pode ser feito,
observadas as limitações constitucionais; nas esferas estadual e municipal, as
derrogações têm que se limitar àquelas que tenham fundamento na própria
Constituição ou em lei federal de âmbito nacional, [...][21].
Celso Antônio Bandeira de Mello, em
artigo específico sobre o tema, denominado “Sociedades Mistas, Empresas
Públicas e Regime de Direito Público”, assim leciona:
[..]
De toda sorte, o fato é que a personalidade
jurídica de direito privado conferida a sociedades de economia mista ou
empresas públicas, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de
atividade econômica, não significa, nem poderia significar, que, por tal
circunstância, desgarrem da órbita pública ou que, comparativamente com as
pessoas jurídicas de direito público, seja menor o nível de seus
comprometimentos com objetivos que transcendem interesses privados. Muito
menos, então, caberia imaginar que estejam libertas dos procedimentos
defensivos dos recursos e interesses públicos nelas entranhados. Por isso,
sujeitam-se a um conjunto de regras de direito público – algumas delas
explícitas já no próprio Texto Constitucional – que vincam sua originalidade em
contraste com as demais pessoas de direito privado.
[...]
Hoje é induvidoso, no seio da melhor doutrina, que
seria ingênuo considerá-las como simples pessoas de direito privado à moda de
quaisquer outras. Hely Lopes Meirelles, por exemplo, subsidiado por inúmeras
achegas doutrinárias e jurisprudenciais que colacionou, teceu importantes
considerações sobre a originalidade do regime dessas entidades. Daí que, ao
examinar um caso concreto, depois de observar que a Consulente era sociedade de
economia mista e, portanto, pessoa jurídica de direito privado, adverte que,
embora se revista da forma de sociedade anônima, "nem por isso se insere
na exclusiva disciplina jurídica elaborada para as sociedades mercantis de fins
puramente lucrativos (cf. Rubens Nogueira, Função da Lei na vida dos entes
estatais, RDA 99/37). Essa é a posição dominante na doutrina de hoje, que
repele o ‘privatismo’ exagerado, relativo às sociedades de economia mista. A
esta doutrina aderimos há muito..."
[...]
Posto que a personalidade de direito privado que
lhes foi infundida é apenas um meio para melhor cumprimento de interesses que
transcendem os interesses privados e não um fim em si, cumpre ter cautela a fim
de evitar interpretações errôneas e descompassadas com o direito positivo,
[...].
Bem por isso, as normas de direito privado
comparecem no que concerne ao seu regime operacional (e ainda assim com
restrições), pois o que se pretendeu foi tão-somente outorgar-lhes meios de
ação dotados de maior agilidade e desenvoltura do que os dispostos para as
pessoas públicas.
Já as normas de direito público irrompem – às vezes
em concomitância com disposições de direito privado – sobretudo no que atina
aos seus mecanismos de controle (em nome dos quais não raro refluem também
sobre seus procedimentos operacionais), pois não haveria razão, nem interesse,
nem possibilidade jurídica, de exonerá-las de contenções e contrastes
aplicáveis sobre quem está, por definição, preposto ao cumprimento de
interesses do Estado, do qual é um mero auxiliar, e maneja, só por isso,
recursos originariamente captados, no todo ou em parte, de fonte pública[22].
O mesmo autor, na mesma obra, tratando
de afastar a alegação de contradição entre as averbações acima transcritas e a literalidade
do art. 173, § 1º, II, da CF/88, considera-o mitigado em face das limitações
postas pela própria Constituição Federal. Eis os seus argumentos:
[...] o
próprio Texto Constitucional brasileiro, inúmeras e reiteradas vezes, desmente
a literalidade da dicção deste § 1º, com o que, inequivocamente, limita e
restringe de modo acentuado seu âmbito significativo. [...]
[...]
Veja-se: No art. 5º, inc. LXXIII, já citado, estatui que
"qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe..."
No art. 14, § 9º, dispõe que lei complementar
estabelecerá casos de inelegibilidade e prazos de sua cessação para prevenir a
possibilidade de abuso no exercício de cargo, função ou emprego, "na
administração direta ou indireta".
No art. 37, também já referido, impõe, tanto à
administração direta, quanto à "indireta", da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, submissão aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e também às disposições
arroladas nos vários incisos subseqüentes. Entre eles, salientem-se os
seguintes:
- inc. II, que estabelece que a admissão em emprego
nestas pessoas dependerá, tal como ocorre na administração direta e autárquica,
de "concurso público de provas ou de provas e títulos";
- inc. XVII, por força do qual a proibição de
acumular cargo, função ou emprego, prevista em relação aos servidores públicos
civis, "abrange autarquias, empresas públicas, sociedades de economia
mista e fundações mantidas pelo Poder Público";
- inc. XIX, em decorrência do qual "somente
por lei específica poderão ser criadas empresa pública, sociedade de economia
mista, autarquia ou fundação pública";
- inc. XX, segundo cujos termos "depende de
autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades
mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em
empresa privada";
- inc. XXI, no qual se consagra a regra geral de
"licitação pública", imposta também a tais pessoas, "para as
obras, serviços, compras e alienações".
No art. 49, firma como de competência exclusiva do
Congresso Nacional "fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer
de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração
indireta".
No art. 52 estabelece competir privativamente ao
Senado Federal "dispor sobre limites globais e condições de operação de
crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder
Público..."
No art. 54, impede deputados e senadores, desde a
diplomação, que firmem ou mantenham contrato com "empresa pública ou sociedade
de economia mista" (tanto quanto com pessoa jurídica de direito público),
salvo se de cláusulas uniformes e que nelas aceitem cargo, função ou emprego.
Além disso, interdita-lhes, desde a posse, que
ocupem, em tais pessoas, cargo, função ou emprego de que sejam exoneráveis ad
nutum e que patrocinem causas em que elas sejam interessadas. A cominação para
quem viole esses impedimentos é a perda do cargo, conforme prevê o art. 55.
No art. 70 está fixado que o Congresso Nacional e o
controle interno de cada Poder exercerão a "fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade", bem como sobre "aplicação das subvenções e renúncia
de receitas".
No art. 71 estatui-se que compete ao Tribunal de
Contas, em sua missão de auxílio ao Poder Legislativo no exercício do controle
externo, "julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por
bens ou valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as
fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público...";
apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal,
a qualquer título, na administração direta e indireta..."; realizar, por
iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão
técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades
administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e demais
entidades referidas no inc. II" (que são, entre outras, as entidades da
administração indireta). Tais dispositivos têm força cogente também no âmbito
dos Estados, Distrito Federal e Municípios, por força do art. 75.
No art. 163, inc. II, prevê-se que lei complementar
disporá sobre "dívida pública externa e interna, incluídas a das
autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público".
No art. 165, § 5º, determina-se que a lei
orçamentária anual compreenderá "o orçamento fiscal referente aos Poderes
da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta,
inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público" (inc. I);
" o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto (inc.
II); "o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e
órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os
fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público" (inc. III).
No § 9º do mesmo art. 165, explicita-se que a lei complementar deverá
"estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração
direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de
fundos".
No art. 169, parágrafo único, dispõe-se que "a concessão de
qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos ou a alteração
da estrutura de carreiras, bem como a admissão de pessoal, a qualquer título,
pelos órgãos ou entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público, só poderão ser feitas: I - se houver
prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de
pessoal e aos acréscimos dela decorrentes".
Note-se que todos os dispositivos arrolados são
obrigatórios também para Estados e Municípios, seja por força de suas próprias
dicções, seja por disposição constitucional explícita determinando seu
acolhimento nessas esferas, seja por envolverem princípios constitucionais,
caso em que, nos termos do art. 25, são impositivos para os Estados, que terão
de acolhê-los ou respeitá-los nas "Constituições e leis que
adotarem".
Essa volumosa cópia de versículos constitucionais, [...] demonstra [...],
que, por imperativo da própria Lei Maior, o regime jurídico a que se submetem
apresenta diferenças profundas em relação à disciplina própria das empresas
privadas em geral, já que a estas últimas não se aplica nenhum dos preceitos
referidos.[23] [...] (grifos do Relator)
Por fim, assim conclui aquele doutrinador:
A Constituição deixou, pois, translucidamente estampado o caráter
ancilar que lhes quis atribuir (e atribuiu), o que é particularmente visível na
preocupação manifesta de mantê-los sob estrito controle através de mecanismos
de direito público (sujeição ao Tribunal de Contas, por exemplo) e de
conservar-lhes os meios humanos e materiais sob rigoroso enquadramento, também
por via de instrumentos de direito público (concurso público para admissão
de pessoal; suficiência de prévia
dotação orçamentária para atender à expansão da despesa como condição de
deferimento de vantagens, de aumentos retributivos ou de alteração da estrutura
de carreiras – que, evidentemente, não são normas trabalhistas –; fixação
pelo Senado de limites para o endividamento; inclusão de seus orçamentos na lei
orçamentária anual da pessoa de direito público a que estejam jungidos). O
mesmo fenômeno se repete no que concerne à disciplina preliminar à obtenção de
bens, obras ou serviços e alienações, pois também aí foram assujeitados a um
procedimento de direito público (licitação pública, que, também evidentemente,
não é norma obrigacional de direito privado). [24]
[...] (grifos do Relator)
Ademais, esta Corte de Contas possui o
Prejulgado n. 1481[25],
de 11/02/2004, oriundo de consulta formulada pela própria CELESC, que assim
dispõe:
Na formalização dos Acordos Coletivos de Trabalho celebrados entre
as empresas públicas e sociedades de economia mista e seus empregados, além das
formalidades previstas na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, deve-se obedecer às normas estaduais para
que os empregados possam fazer jus aos direitos neles estabelecidos,
principalmente o acompanhamento, coordenação e autorização do Conselho de
Política Financeira - CPF e posterior homologação do Governador do Estado.
Os Acordos Coletivos de Trabalho revestidos de todas as formalidades legais
devem ser inteiramente respeitados e cumpridos pelas empresas públicas e
sociedade de economia mista, assim como pelo empregado, todavia, aqueles que
prescindiram de alguma formalidade deverão ser objeto de indagação na Justiça
Trabalhista, com a suspensão das avenças neles inseridas.
O Administrador de empresa pública ou de sociedade de economia mista, no
momento de assinar Acordo Coletivo de Trabalho, deve atentar para as
formalidades exigidas pela CLT, assim como para as formalidades exigidas pela
legislação estadual, sob pena de ser responsabilizado pela má gestão. [...] (grifo do Relator)
Diante do exposto, deixo de acolher o
Parecer COG n. 680/06, considerando que a
prévia autorização do Conselho de Política Financeira – CPF, assim como a
homologação pelo Governador do Estado de Santa Catarina e publicação no DOE, são
instrumentos públicos de controle interno da Administração Pública, previstos
em norma expressa de caráter público (art. 38, IV, e Parágrafo Único, da Lei estadual n.
9.831/95), respaldada pelo art. 70, caput, da CF/88, não podendo ser preterida em favor de acordo
coletivo de trabalho. No dizer do Ministério Público junto ao Tribunal de
Contas: “são fontes distintas de normatividade que convivem simultaneamente no
mundo jurídico.”
A título de conhecimento, oportuno
transcrever resposta em consulta do Tribunal de Contas de Minas Gerais em
relação à matéria, referindo-se à prévia análise dos atos de despesa da
CEASA-MG (Centrais de Abastecimento de Minas Gerais) pelo Conselho de
Administração daquele Estado:
Ao Conselho de Administração compete
orientar e controlar as atividades da CEASA - MG, promovendo os meios
necessários à realização de seus objetivos, examinando, previamente, os atos e
despesas provenientes do exercício de sua competência e autorizando as
despesas, sempre à luz dos princípios constitucionais da moralidade,
impessoalidade, legalidade e publicidade[26].
No
que se refere à legalidade da referida gratificação de férias (item “b”), nos
termos da Cláusula Sétima do Acordo Coletivo de Trabalho do ano de 1997/1998, não
obstante a COG entender que a análise de tal matéria é de competência da
Justiça Trabalhista, manifesto-me, com fundamento no art. 58 da Constituição de
Estado de Santa Catarina, pela ilegalidade da referida despesa, nos termos da
Orientação Jurisprudencial do TST n. 50 (SBDI1 - Transitória), que assim
dispõe:
Nº 50 - FÉRIAS.
ABONO INSTITUÍDO POR INSTRUMENTO NORMATIVO E TERÇO CONSTITUCIONAL. SIMULTANEIDADE
INVIÁVEL (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 231 da SBDI-1) - DJ
20.04.2005
O abono de férias
decorrente de instrumento normativo e o abono de 1/3 (um terço) previsto no
art. 7º, XVII, da CF/1988 têm idêntica natureza jurídica, destinação e
finalidade, constituindo-se “bis in idem” seu pagamento simultâneo, sendo
legítimo o direito do empregador de obter compensação de valores porventura
pagos. (ex-OJ nº 231 da SBDI-1 - inserida em 20.06.01)
Sendo assim, a cessação do pagamento de
tal gratificação é medida que se impõe, havendo, no entanto, a necessidade de
se analisar a questão da possível devolução à entidade (CELESC) dos valores
indevidamente recebidos pelos seus empregados.
Neste ponto, considerando os contornos jurídicos que
envolvem o regime de pessoal das sociedades de economia mista; considerando que
a integração da cláusula se deu indistintamente a todos os contratos de
trabalhos vigentes em 30/09/07, por força do Acordo Coletivo de 1997/1998;
considerando os diversos posicionamentos existentes no âmbito desta Corte de
Contas, entendo possível a aplicação, por analogia, da Súmula 106 do TCU, para eximir
os empregados públicos beneficiados do ressarcimento dos valores recebidos de
boa-fé.
Por fim, diante do teor da determinação
a ser exarada, a qual atingirá os salários dos empregados da CELESC
beneficiados com a referida gratificação, há que se atender ao disposto na
Súmula Vinculante n. 03, do STF, que assim dispõe:
Nos processos
perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla
defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato
administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da
legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
Diante do exposto, proponho ao egrégio
Plenário a seguinte decisão:
2.1.
Determinar à Diretoria de Controle da Administração Estadual – DCE que, com
fundamento no art. 29, § 1º, da Lei Complementar n. 202/2000, e na Súmula
Vinculante n. 3, do STF, proceda à
audiência do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica do
Sul do Estado de Santa Catarina - SINTRESC, para, no prazo de 30 dias, a contar do recebimento da audiência, apresentar alegações de defesa quanto à ilegalidade
abaixo transcrita, passível de anulação de ato administrativo que beneficiou os
empregados públicos da CELESC com contratos vigentes em 30.09.97:
2.1.1.
concessão ilegal da gratificação de férias, correspondente a 50% da remuneração
fixa, por ocasião do gozo das férias, a todos os empregados com vínculo
empregatício em 30.09.97, integrada aos contratos de trabalhos por força do
Parágrafo Único da Cláusula Sétima do Acordo Coletivo de Trabalho 1997/1998, em
razão de:
2.1.1.1. ausência de prévia autorização
do Conselho de Política Financeira - CPF, e homologação do Governador do
Estado, com publicação no Diário Oficial do Estado, nos termos do
art. 38, IV, e Parágrafo Único, da Lei estadual n. 9.831/95, vigente à época do fato.
2.1.1.2. acumulação indevida da referida gratificação
(rubrica 242) com o abono de 1/3 (um terço) previsto no
art. 7º, XVI, da CF/1988 (rubrica 376), em afronta aos princípios da legalidade
e moralidade, previstos no caput do
art. 37 da Constituição Federal, considerada irregular nos termos da Orientação
Jurisprudencial do TST n. 50, (SBDI1
– Transitória).
2.2.
Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem
como do Relatório de Inspeção DDR n. 066/04, às fls. 52 a 67 dos presentes
autos, do Parecer COG n. 680/06, e do Parecer MPTC n. 0213/2008, ao Presidente
do Sindicato dos
Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica do Sul do Estado de Santa
Catarina – SINTRESC, Sr. Henri Machado Claudino, e ao Presidente da
CELESC S.A., Sr. Eduardo
Carvalho Sitonio.
Florianópolis,
15 de setembro de 2008.
Conselheiro Salomão Ribas Junior
Relator
[1]Às fls. 19 a 27.
[2]À fl. 20.
[3] Às fls. 52 a 67.
[4] Às fls. 69 a 71.
[5] Às fls. 142 a 146.
[6] Ofício n. 13.812/05, à fl. 148.
[7] À fl. 148.
[8] Ofício n. 8.829/06, à fl. 362.
[9] À fl. 362.
[10] Às fls. 447 a 476.
[11] Às fls. 477 a 484.
[12] Às fls. 353 a 360.
[13] Conforme assinatura no Acordo Coletivo 1997/1998, à fl. 360.
[14] À fl. 354.
[15] Art. 38. Ao
Conselho de Política Financeira, integrado pelos Secretários de Estado da
Fazenda, seu presidente, da Administração, da Casa Civil e pelo Procurador
Geral do Estado, compete assessorar o Governador do Estado:
[...]
IV - na definição
da política salarial a ser observada pelas empresas públicas, sociedade de
economia mista e suas subsidiárias ou controladas.
Parágrafo Único.
As decisões do Conselho de Política Financeira, que tenham caráter normativo ou
autorizativo, revestirão a forma de resolução e produzirão efeitos após sua
homologação pelo Governador do Estado e publicação no Diário Oficial do Estado.
[16] Às fls. 460 a 466.
[17] Às fls. 462 e 463.
[18] Às fls. 463 e 464.
[19] Às fls. 481 e 482.
[20] Às fls. 311 e 312.
[21] DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo:Atlas, 2007, p.
416-417.
[22] Disponível em:
Acesso
em 10/09/2008.
[23] Ibdem – ibd.
[24] Ibdem – ibd.
[25] CON-03/06370824,
Parecer n. COG 481/03, Decisão n. 4038/2003, Sessão 26/11/2003.
[26]
Consulta n.
115.340, analisada na Sessão de 21/08/1996. Disponível em: http://www.tce.mg.gov.br:8080/TCJuris/consulta/lista.jsp?indice=29.
Acesso em 12/09/2008.