ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

Gabinete da Conselheira Substituta Sabrina Nunes Iocken

 

 

PROCESSO N.

REC 08/00448081

 

 ENTIDADE

Prefeitura Municipal de São Bento do Sul

 

 

 

 

INTERESSADO

Fernando Mallon

 

 

 

 

ASSUNTO

Aposentadoria Especial referente ao processo 03/00331525

 

 

 

 

        

Tratam os autos de recurso de reexame, protocolado em 08 de julho de 2008, pelo Prefeito do Município de São Bento do Sul, Sr. Fernando Mallon, interposto em face da Decisão nº 1347/2008, proferida nos autos do processo SPE 03/00331525, que, denegou o registro do ato aposentatório da Sra. Maria Helena Kock, ex-servidora da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, nos seguintes termos:

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Denegar o registro, nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, §2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato aposentatório de Maria Helena Kock, da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, matrícula n. 206, no cargo de Professor, classe E, referência 6, CPF n. 399.800.909-44, PASEP n. 107.798.626-08, consubstanciado na Portaria n. 3212/2000, considerado ilegal conforme pareceres emitidos nos autos, em face da concessão de aposentadoria voluntária com tempo de serviço insuficiente, em desacordo com a Constituição Federal, art. 40, III, "c", em função da conversão de tempo especial para comum de 03 anos, 08 meses e 25 dias, procedimento considerado irregular nos termos do art. 40, § 1º, da Constituição Federal (redação original).


 

6.2. Determinar à Prefeitura Municipal de São Bento do Sul a adoção de providências necessárias com vistas à anulação do ato de aposentadoria (Portaria n. 3.212/2000, de 20/01/2000) e ao imediato retorno da servidora ao serviço, comunicando-as a este Tribunal no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação desta Decisão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, nos termos do art. 41, caput, do Regimento Interno desta Corte de Contas, sob pena de responsabilidade solidária da autoridade administrativa omissa, ou interponha recurso, conforme previsto no art. 79 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, deste Tribunal, que, após transitada em julgado a decisão, inclua na sua programação de auditorias a averiguação dos procedimentos adotados, pela Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, decorrentes da denegação de registro de que trata o item 6.1 desta deliberação.

6.4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 901/2008, à Prefeitura Municipal de São Bento do Sul e ao Instituto de Previdência dos Servidores Públicos daquele Município.

[...]

Os autos foram encaminhados à COG que manifesta-se pelo conhecimento do recurso de reexame, para no mérito dar-lhe provimento, ordenando o registro do ato de aposentadoria da servidora Maria Helena Kock, da Prefeitura de São Bento do Sul.

Em sede de recurso, a Consultoria Geral apresentou um novo entendimento sobre o tema da aposentadoria especial, ponderando que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de todo o servidor estatutário ter direito a aposentadoria especial. Na visão da COG, o artigo 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, aplicar-se-ia ao servidor público estatutário, uma vez que o STF, em sede de mandado de injunção, declarou que se inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção daquela própria aos trabalhadores em geral.

Verifico, ainda, que sobre a mesma matéria, em outros processos, a Consultoria Geral, seguindo outra vertente, ao questionar os prejulgados 1357 1924[1], traz o seguinte entendimento:

Conforme demonstrado pelo recorrente, outros Tribunais como o TRF 4ª e 5ª Regiões, também têm aplicado a Lei Federal nº 8.213/91, por analogia, para reconhecer a legalidade da aposentadoria especial dos servidores públicos.

A seguir, destaca-se a Decisão proferida pelo TRF 5ª Região nos autos do Embargos Infringentes em Apelação Cível (processo nº 2001.05.00.011864-9):

PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. ADMISSIBILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. L. 8112/90. ATIVIDADE INSALUBRE. TÉCNICO EM RADIOLOGIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. L. 8.213/91. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXCEÇÃO CONSTITUCIONALMENTE PREVISTA QUE NÃO PODE DEIXAR DE SER APLICADA AO FUNDAMENTO DE INEXISTÊNCIA DE NORMA ESPECÍFICA. CF, ART. 40, § 4º, II. APLICABILIDADE.1. Não obstante a redação conferida ao art. 530 do CPC pela Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001, interpostos os presentes Embargos Infringentes no período de vacatio legis do aludido diploma legal (três meses), encontram-se preenchidos os pressupostos recursais específicos até então vigentes.2.Não se admite que servidor público federal, técnico em radiologia, seja penalizado pela inexistência de norma específica que tutele exceção constitucionalmente prevista (aposentadoria cujos requisitos e critérios sejam diferenciados em função da atividade exercida em condição especial que prejudica a saúde ou integridade física), mormente quando a lei a ser editada, ainda que em grau hierárquico diverso da Lei 8.213/91 e de seus diplomas regulamentares, não poderá deixar de reconhecer a insalubridade ou penosidade das atividades por estes apontadas como insalubres e ou penosas. 3. A Constituição Federal garante ao servidor que critérios diferenciados para aposentadoria serão considerados nas exceções que estabelece em seu artigo 40, parágrafo 4º. É de se destacar que, não obstante a previsão de lei específica a ser observada nestes casos, ainda que se estabeleça lei cujos requisitos de edição se distinguem da lei ordinária, o tema de fundo de uma não poderá ser negado pela outra, sob pena de incongruência do sistema. 4. Não vejo, pois, ofensa ao princípio da legalidade. Ao contrário tem-se na tese vencedora justamente a observância do que estabelece a lei, em consonância ao princípio basilar de regência da Administração Pública, qual seja, a supremacia do interesse público sobre o privado. 5. Antes de representar um direito atinente a quaisquer vantagens pecuniárias, o estabelecimento de tempo reduzido como critério de contagem de aposentadoria deve ser observado enquanto dever do Estado no atingimento de suas funções públicas, no que concerne especificamente às medidas de saúde pública e saúde do trabalho. 6. Na hipótese, limitar a eficácia da exceção constitucionalmente prevista é ir de encontro à supremacia do interesse público sobre o privado, mormente, reitere-se, quando lei posterior não tornará distintas as situações concretas laborativas vividas pelo servidor público e as idênticas a estas, reconhecidas pelo RGPS como penosas ou insalubres. [...] Recife, 01 de fevereiro de 2007. FRANCISCO CAVALCANTI Presidente.

Este Tribunal de Contas também poderá aplicar por analogia a Lei Federal nº 8.213/91, com fundamento no artigo 40, parágrafo 12, da Constituição Federal e no artigo 4º, da Lei de Introdução do Código Civil, que possuem as seguintes redações, respectivamente:

Art. 40

 [...]

§ 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional n 20, de 15/12/98)

Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Aliás, esta Corte possui prejulgados segundo os quais, para fins de aposentadoria por invalidez, na falta de legislação local definindo os casos de doenças graves, é possível a aplicação subsidiária de Portaria Interministerial que dispõe sobre as hipóteses de doenças graves, contagiosas ou incuráveis, com base no artigo 40, parágrafo 12, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

1530

[...]
3. Compete ao ente instituidor do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), definir por meio de lei, quais as hipóteses das doenças graves, contagiosas ou incuráveis.

4. No Estado de Santa Catarina, apenas a AIDS (Lei Estadual nº 7.590/89) é considerada moléstia grave.

5. Com base no § 12 do art. 40 da Constituição Federal, enquanto não for instituída Lei Estadual, consideram-se doenças graves incapacitantes aquelas previstas no art. 1º da Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998, de 23 de agosto de 2001. (g.n.)

1707[...]
4. Com fundamento no § 12 do art. 40 da Carta Magna, enquanto não for editada lei específica para regular o dispositivo constitucional, o benefício previsto o § 21 do art. 40 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005, deve ser garantido mediante a aplicação da regra do art. 1º da Portaria Interministerial MPAS/MS n. 2.998, de 23 de agosto de 2001.

1945

1. Quando o município possuir Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e norma local regulamentando as doenças graves, contagiosas e incuráveis, que dão direito à aposentadoria por invalidez (art. 40, § 1º, I, da Constituição Federal), não deverá ser aplicada a Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998/01.

2. Com base no § 12 do art. 40 da Constituição Federal, na falta de legislação local, é assegurado ao servidor público a aplicação subsidiária da Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998/01.

Processo: CON-08/00049462 Parecer: COG-64/2008 Decisão: 751/2008 Origem: Câmara Municipal de Florianópolis Relator: Conselheiro Luiz Roberto Herbst Data da Sessão: 14/04/2008 Data do Diário Oficial: 29/04/2008

Neste passo, esta Corte também tem reconhecido a legalidade de aposentadoria especial aos servidores públicos, conforme julgamentos proferidos nos processos REC 07/00256490 (Decisão nº 1/2009) e REC 08/00446976 (Decisão 364/2009).

 

            Consoante o entendimento da Consultoria Geral, a ausência da lei complementar prevista no artigo 40, § 4º da CF/88, não é óbice para a concessão de aposentadoria especial aos servidores que laboram em atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.

 O cerne da questão refere-se, portanto, à possibilidade do Tribunal de Contas reconhecer ao servidor público o direito subjetivo a aposentadoria especial, sem amparo em lei, aplicando por analogia a lei geral da previdência. A seguir, passo a tecer breves considerações sobre o tema, a fim de justificar a minha proposta de voto.

 

I – Natureza da Decisão proferida pelo STF

            O mandado de injunção, consagrado na Carta Magna em seu art. 5º, LXXI, destina-se a amparar, objetiva e concretamente, o exercício de direitos subjetivos lesionados em face da omissão legislativa. Trata-se de um remédio constitucional que busca suprimir a omissão do Poder Público e viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal.

Os efeitos do mandado de injunção restringem-se às partes, não alcançando terceiros. E, nesse sentido, esclarece o Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi:

Pelo fato do Poder Judiciário não possuir, na essência, a função legislativa, a decisão em mandado de injunção não substitui a vontade do legislador inerte, omisso. Ela apenas viabilizará, em determinadas situações, o exercício do direito dependente de norma regulamentadora inexistente. Não obstante tenha natureza mandamental e não apenas declaratória, a decisão não transborda do processo em julgamento.

 

A jurisprudência que predomina no Supremo Tribunal Federal sempre refletiu uma posição não concretista, conferindo ao mandado de injunção apenas a função específica de ensejar o reconhecimento formal da inércia do Poder Público na regulamentação da norma constitucional positivadora do direito postulado.

Contudo, esse posicionamento vem sendo revisto gradativamente pela Corte Suprema, que adotou, quando do julgamento do MI 721/DF, em 30/08/2007, um posicionamento concretista, salientando o caráter mandamental e não simplesmente declaratório do mandado de injunção e, assim, implementando a eficácia da norma constitucional ao autor.

Ressalte-se que a evolução jurisprudencial vem ocorrendo de forma cautelosa. A decisão proferida pelo STF, de forma explícita, enfatizou que o direito à aposentadoria especial nos moldes da lei geral da previdência depende de expresso pronunciamento judicial, senão vejamos :

MI 721/DF

“APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91 (MI 721 / DF - DISTRITO FEDERAL; MANDADO DE INJUNÇÃO; Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO; Julgamento:  30/08/2007; Órgão Julgador:  Tribunal Pleno). (g.n.)

Deve-se ressaltar ainda que o novo entendimento manifestado pelo Supremo não muda a extensão dos efeitos da decisão proferida no mandado de injunção, que permanece inter partes.

 A extensão erga omnes dos efeitos da decisão proferida pelo STF é cabível, apenas em sede de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, nas quais o STF tem apenas declarado a omissão do legislador, sob pena de usurpar a função do Poder legislativo, o que é claramente incompatível com o sistema de separação de poderes.

Não resta dúvida, portanto, que a decisão proferida pelo STF, em mandando de injunção, é dotada de eficácia inter partes, e não se constitui em substituto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cuja decisão estaria apta a produzir efeitos erga omnes.

 

II-  Do direito à aposentadoria especial

             A ausência de lei complementar normatizando os requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria especial implica a não existência de um direito subjetivo do servidor público para a obtenção de tal beneficio. No entanto, a implementação de um direito subjetivo insere-se na esfera de competência do Poder Judiciário, não cabendo ao Tribunal de Contas implementá-lo através do ato de registro da aposentadoria.

            Não se pode olvidar, que a atuação do Tribunal de Contas, quando da apreciação dos atos de aposentadoria, cinge-se ao exame de sua legalidade. Isto posto, ao aplicar por analogia a lei geral de previdência, estar-se-ia, de forma obliqua, conferindo ao aposentado um direito subjetivo não amparado em lei, o que não encontra amparo no rol de competências das Cortes de Contas, elencado no art. 71 da CFRB.

            Acrescento, ainda, que a exegese do art. 40 §12, que dispõe sobre a possibilidade de aplicação da lei geral de previdência, no que couber, não nos permite ampliar sua esfera de aplicação, ao ponto de regulamentar um norma constitucional de eficácia limitada.

Diversamente, o plenário endossou a aplicação do § 12 do art. 40 da CF, quando se trata da utilização por analogia, das normas do Regime Geral de Previdência para fins de concessão de aposentadoria por invalidez dos servidores públicos, haja vista que a ausência de normatização própria com o elenco de doenças graves vinha sustentando a outorga de proventos integrais a todos os aposentados por invalidez, em evidente afronta ao art. 40, §1º, I da CRFB.

Tal interpretação, ao contrário do que se pretende nas hipóteses de aposentadoria ditas especiais, teve alcance restritivo, em prol da Administração Pública, estabelecendo critérios, até então inexistentes na Administração Estadual, para a concessão de aposentadoria por invalidez.    

            Sendo assim, entendo inaplicável o teor do §12 do art. 40 da CRFB no caso das aposentadorias especiais.

 

III- Da repercussão orçamentária e financeira

            Por outro lado, a aplicação por analogia da Lei Geral da Previdência para o Regime Próprio desconsidera o impacto orçamentário-financeiro que produz, o qual é potencializado pelas peculiaridades dos regimes Próprios de Previdência.

            A análise da repercussão orçamentária financeira não se constitui em um argumento de natureza política e externo à apreciação deste Plenário. Mas, ao contrário. A fiscalização orçamentária e financeira se traduz num dos principais pilares de legitimidade de atuação das Cortes de Contas. É a especificidade da matéria, que nos introduz, legitimamente, no estrutura de poder do Estado, sem nos tornar um substitutivo do Poder Judiciário.

            Nossa competência vai além de uma análise eminentemente jurídica, para contemplar, de igual modo, aspectos contábeis, econômicos, orçamentários e financeiros, que longe de se constituírem em argumentos externos e estranhos às nossas competências, inserem-se no âmbito interno de nossa apreciação.    

            Partindo de tal premissa, não podemos olvidar que o Regime de Previdência dos Servidores Públicos vem sofrendo diversas reformas que visam estancar, principalmente, o seu déficit histórico, e promover o equilíbrio das contas públicas.

Nesse sentido foram editadas, em âmbito federal, as Emendas Constitucionais nºs 20/98 e 41/03. No Estado, a reforma da previdência dos servidores iniciou com a edição da Lei Complementar nº 266/04, por meio da qual foi instituída nova contribuição previdenciária, e teve como ato mais recente a Lei Complementar nº 412/08, que reorganizou todo o Regime Próprio de Previdência dos Servidores e que reflete o esforço do Estado em alcançar o citado equilíbrio, que é objeto inclusive da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Quanto às peculiaridades do Regime Próprio, destaco que é garantido ao servidor a integralidade de seus proventos, cujo teto é superior ao permitido pelo Regime Geral, o qual é limitado ao salário de contribuição.

Dessa forma, a diminuição do tempo de contribuição necessário para a concessão do benefício de aposentadoria acarretará repercussões financeiras, que passarão a ser suportadas pelo sistema de previdência (estadual ou municipal, conforme o caso), principalmente em razão da integralidade dos proventos.

Ao proferir decisões que criam obrigações aos entes municipais (quando   possuidores regime próprio) ou ao Estado, este Tribunal interfere na programação orçamentária e financeira desses entes. Assim sendo, tais decisões, se proferidas, devem ser precedidas, face à especificidade de nossas competências, do cálculo atuarial, cujo objetivo geral é justamente, demonstrar a situação econômica, financeira e atuarial do RPPS, com o devido cálculo das alíquotas de equilíbrio necessárias ao custeio do Plano de Benefícios.

                       

 III. Das questões processuais

a)   Da reserva de competência federal

A primeira questão que deve ser observada diz respeito à competência desta Corte para atuar como legislador positivo em matéria de competência federal.

            É importante salientar que quando da apreciação do processo n. SPE-04/01439968 na Sessão Ordinária de 30/04/2008, o Tribunal Pleno exarou a Decisão n. 0854/2008, que passou a balizar o exame da matéria, na qual destaco os seguintes argumentos que fundamentaram a decisão:

a)    Somente a União tem competência para editar lei complementar que discipline a aposentadoria especial prevista pelo § 4º, do art. 40 da CF/88, dado seu caráter nacional, por regular a concessão de aposentadoria dos servidores públicos de todas as esferas de Governo (União, Estados e Municípios), como vem decidindo o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça;

b)    a Lei Complementar nº 171/98, além de dispor sobre matéria de competência da União, teve origem parlamentar e foi promulgada pela Assembléia Legislativa (após veto integral do Chefe do Poder Executivo Estadual), em desatenção às disposições do art. 61, § 1º, inciso II, alínea “c” da Constituição Federal, c/c o art. 50, § 2º, inciso IV, da Constituição Estadual; que definem que as regras pertinentes à aposentadoria de funcionários públicos são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo;

c)    Reconhecimento da própria Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina que ao propor Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 4043 pelo Senhor Governador do Estado, perante o Supremo Tribunal Federal (em tramitação), em face à Lei Complementar n. 171, de 16 de novembro de 1998, aduz que: (i) a matéria é de competência legislativa exclusiva da União; e (ii) a matéria é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo;

Assim sendo, esta Corte, acompanhando o posicionamento do STF e da própria Procuradoria do Estado, firmou o entendimento de que não é da competência estadual disciplinar a aposentadoria especial. Trata-se, portanto, de uma inércia legislativa de âmbito federal, uma vez que a competência para tal regulamentação é da União. 

Tal reserva de competência se justifica, na medida em que o constituinte estipulou critérios únicos para a aposentadoria em todos os Estados e Municípios   da Federação, de modo a evitar um tratamento diferenciado nas diversas unidades federadas.

Partindo de tal premissa, também divirjo do entendimento da Consultoria Geral, pois entendo que não cabe o Tribunal de Contas do Estado suprimir uma omissão legislativa, e, portanto, atuar como legislador positivo, em matéria de competência da União, adotando um critério diferenciado para os Municípios e o Estado de Santa Catarina.

 

 

b)   Do contraditório e da ampla defesa

De igual modo, também deve ser enfrentada a questão relativa ao exercício do contraditório daquele que irá suportar os efeitos da decisão. E nesse sentido esclarecedora é a lição  de Zeno Veloso[i]:

 

Aceitando que o mandado de injunção tem caráter substancial, tutelando, efetivamente, o direito pleiteado, com a criação da norma para o caso concreto, suprindo a omissão e exercendo o magistrado um juízo de equidade, é preciso que apareça no pólo passivo da ação “a pessoa, física ou jurídica, publica ou privada, que deva suportar os efeitos da sentença(...)”

Tal necessidade é ratificada pela própria decisão proferida, em sede de embargos infringentes em apelação civil n. 2001.05.00.011864-9, pelo TRF da 5ª Região, citada pela Consultoria Geral, na qual a União é parte.

Nesta decisão, ainda não transitada em julgado, a União interpôs recurso especial e extraordinário, os quais encontram-se pendentes de julgamento. Nesse processo, citado como paradigma pela COG, a relação processual instaurou-se com o ente federado, que irá suportar os efeitos da decisão, no pólo passivo da demanda, garantindo-lhe o pleno exercício do contraditório e ampla defesa.

c)   Da necessidade de análise da situação fática.

Verifico, por oportuno, que a sugestão da consultoria geral em dar provimento ao recurso, modificando a decisão recorrida, de denegação do ato de aposentadoria para ordenar o registro, pressupõe  a análise prévia das questões fáticas pela diretoria competente.

Ocorre que, a Diretoria ao emitir seu Relatório pela denegação do registro não constatou se efetivamente o servidor cumpriu ou não os requisitos da lei 8.213/91, de modo que, ao prosperar a tese da possibilidade de aplicação por analogia da lei geral da previdência, torna-se imperioso que os atos retornem à Diretoria de Atos de Pessoal para que proceda tal análise.

Ademais, o parecer emitido pela COG restringe-se às questões de direito, não adentrando nas questões fáticas do caso concreto, o que impossibilita qualquer pronunciamento sobre o efetivo deferimento do pedido de registro, sem o prévio exame dos documentos e laudos periciais. Nesse sentido, o posicionamento do STF, in verbis:

Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança interposto, contra acórdão do TST, por dependentes de juiz classista, no qual se pretendia o reconhecimento do direito deste à aposentadoria integral por invalidez nos moldes da Lei n. 6.903/81 – que equiparava o juiz temporário ao servidor público civil da União, para efeitos previdenciários, e estabelecia proventos integrais para o caso de invalidez por ‘moléstia grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei’. Na origem, a pretensão fora indeferida, sob o fundamento de que a concessão da aposentadoria por invalidez sob o regime da aludida lei dependeria de comprovação inequívoca de moléstia que o inabilitaria para o desempenho das atribuições do cargo por junta médica oficial, a qual se dera apenas em setembro de 1997, quando já revogada aquela lei pela Medida Provisória n. 1.523/96, convertida na Lei n. 9.528/97. Os recorrentes sustentavam, no entanto, que, antes da revogação da referida lei, o magistrado já era portador da doença incapacitante, comprovada por atestado médico particular anexado a requerimento administrativo (...). Entendeu-se não ser possível a prevalência do atestado particular sobre o laudo oficial que servira de base à conclusão administrativa do TRT, que indeferira o benefício requerido.” (RMS 24.640, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23-9-08, Informativo 521)

            Inclusive, o Tribunal é omisso quanto ao rol de documentos que devem ser encaminhados pela unidade gestora para comprovar o exercício de atividade de risco ou cuja atividade seja exercida sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, consoante art. 40, §4º, II e III da CRFB.

                       

 IV. DA PROPOSTA DE VOTO

 

Pelo exposto, divergindo da COG e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas apresento ao Egrégio Plenário o seguinte voto:

1.    Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art.80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, interposto em face da decisão n.1347/2008 exarado na sessão do dia 14/05/2008, nos autos do processo SPE 03/00331525 e no mérito negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a decisão recorrida.

2.     Dar ciência da Decisão, relatório e voto da Relatora que a fundamenta, ao Prefeito Municipal de São Bento do Sul e ao Instituto de Previdência de São Bento do Sul.

 

Florianópolis, 17 de março de 2009.

 

Sabrina Nunes Iocken

Conselheira Substituta

Relatora  (art. 86,§ 4º da L.C. 2002/00)



[1] 1357 -Reformado

Enquanto a lei complementar de que trata o § 4º do art. 40 da Constituição Federal de 1988 não for elaborada pela União, fica vedada a concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos federais, estaduais e municipais, nos termos do parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9717/98, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2187-13, de 24 de agosto de 2001.

_____________________________________________________________
Reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 03.12.2007, mediante a supressão do item 2, nos termos da Decisão n. 3945/2007, exarada no processo CON-07/00427058. Redação do item 2: "2. O tempo especial, prestado à iniciativa privada, que tenha sido convertido em tempo comum, quando assim o permitiam as normas do regime geral, poderá ser computado para a concessão de aposentadoria no serviço público, conforme disposição do § 9º do art. 201 da Constituição Federal de 1988, mediante certidão fornecida pelo INSS, constituindo direito adquirido do servidor."

Processo: CON-02/07448620 Parecer: COG-75/03 Decisão: 1163/2003 Origem: Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Joinville Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini Data da Sessão: 28/04/2003 Data do Diário Oficial: 23/06/2003

 

1924

1. De acordo com o § 1º do art. 125 do Decreto (federal) n. 3.048/99, acrescentado pelo Decreto (federal) n. 4.729/03, como regra geral, para efeitos de contagem recíproca de tempo de contribuição e compensação financeira entre regimes geral e próprio, é vedada a conversão de tempo de serviço desempenhado em condições especiais, previstas nos arts. 66 e 70 do Decreto (federal) n. 3.048/99, em tempo de contribuição comum. Excepcionalmente, em duas situações do art. 333 da Instrução Normativa INSS/PRES n. 20/07 serão permitidas a conversão, quais sejam, quando o servidor público teve o seu regime previdenciário alterado de Regime Geral de Previdência Social - RGPS para o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS e no caso de certidões emitidas no período de 14 de maio de 1992 a 26 de março de 1997. Nessas hipóteses, o tempo especial convertido em comum, corretamente certificado pelo INSS, deverá ser considerado pelo Instituto Próprio de Previdência.


2. O tempo especial convertido em comum não enseja contribuição previdenciária, pois no tempo especial não há contribuição e serviço.
3. O Instituto de Previdência Próprio poderá negar a inclusão do tempo especial convertido em comum que não se enquadre nas exceções do art. 333 da Instrução Normativa INSS/PRES n. 20, de 11 de outubro de 2007.

Processo: CON-07/00427058 Parecer: COG-802/07 Decisão: 3945/2007 Origem: Instituto Municipal de Previdência e Assistência Social dos Serv. Públicos de Porto União - IMPRESS Relator: Conselheiro Luiz Roberto Herbst Data da Sessão: 03/12/2007 Data do Diário Oficial: 12/02/2008

 

 

 

 

 



[i] VELOSO, Zeno, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, 2003 p. 275/276