ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

Gabinete do Auditor Gerson dos Santos Sicca

PROCESSO Nº

CON 08/00245806

UNIDADE

PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA(Ministério Público)

CONSULENTE

GERCINO GERSON GOMES NETO

ASSUNTO

Servidor ocupante de cargo de provimento efetivo, no exercício de cargo de provimento em comissão. Verificação do desempenho no estágio probatório. Aquisição de estabilidade no serviço público

 

 

 

Ementa.Consulta. Servidor. Estágio Probatório. Cargo Comissionado.

Para efeito de avaliação do servidor durante o estágio probatório deve-se considerar apenas o período em que aquele está no exercício das funções do cargo para o qual foi aprovado em concurso público. Admite-se, como exceção, a avaliação do servidor que esteja ocupando função gratificada ou cargo comissionado no órgão ou entidade a qual pertença, desde que haja comprovada e manifesta similaridade com as funções do cargo efetivo, devidamente atestada pela autoridade responsável pela avaliação.

Não se admite como função similar a nomeação do servidor em estágio probatório para cargo comissionado ou função gratificada de maior complexidade, em razão da inexistência de homogeneidade entre as funções

 

I – RELATÓRIO

 

Versa o processo sobre consulta formulada pelo Sr. Procurador-Geral de Justiça, Dr. Gercino Gerson Gomes Neto, com o seguinte questionamento:

 

“Poderá o servidor ocupante de cargo de provimento efetivo, no exercício de cargo de provimento em comissão, quando há manifesta correlação e similitude entre as funções de ambos os cargos ou quando as atribuições do cargo em comissão forem mais complexas que aquelas do cargo efetivo, ser avaliado para fins de verificação do desempenho no estágio probatório e de aquisição de estabilidade no serviço público?”

 

Seguindo a tramitação regular, o processo foi encaminhado à Consultoria Geral - COG, que elaborou o Parecer n. COG-293/08 (fls. 05-15), sugerindo a remessa ao consulente de cópia do parecer COG-512/05 e do Prejulgado nº 1682.

 

Foram os autos à Douta Procuradoria, que se manifestou nos termos do Parecer de nº MPTC 2588/2008 (fls. 16-23), pelo conhecimento e, no mérito, divergiu do parecer da Consultoria Geral, por entender o seguinte:

“Ante o exposto, este MPTC, com amparo na competência que lhe é atribuída pelo art. 108-II da LCE 202/2000, embora entendendo que o Parecer COG 293/08 vem pautando modelarmente a atuação administrativa estadual sobre o assunto, coibindo possíveis fraudes com a prática de prover-se um concursado e na seqüência guindá-lo a cargo comissionado, manifesta-se por discordar em parte do supracitado mandamento, entendendo que o desempenho em cargo comissionado deve ser computado no prazo do estágio probatório objetivando a estabilidade, desde que as atividades efetivamente exercidas no próprio órgão sejam correlatas. O defeso ocorre quando o servidor efetivo, em estágio probatório, é nomeado para cargo comissionado em órgão diverso(com finalidade e funções distintas daquelas da origem); ou desempenhar atividade alheia à concursada e pretender seja tal interstício computado para a estabilidade. Nessa consonância, é indevida a suspensão das avaliações de desempenho no estágio probatório e para a aquisição de estabilidade dos servidores efetivos ocupantes de cargo comissionado que ainda se encontram submetidos a período de prova, devendo ser cumputado(sic) o tempo de serviço concomitantemente exercido em cargo comissionado.”

 

É o relatório.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

Trata a consulta de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual c/c inciso I do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.

A matéria versa sobre interpretação de lei; o subscritor é autoridade competente para formular a consulta; esta indica de forma precisa a dúvida e/ou controvérsia. Conquanto não venha acompanhada de parecer jurídico, a matéria merece atenção por parte desta Corte, motivo pelo qual o requisito pode ser dispensado.

Pelo exposto, a Consulta deve ser conhecida.

Quanto ao mérito, verifica-se que a questão envolve dúvida sobre a contagem do tempo de exercício em cargo comissionado por servidor efetivo para a finalidade de avaliação no estágio probatório. A matéria envolve a interpretação do art.41, caput, segundo o qual “São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”. Por sua vez, o §4º do mesmo dispositivo constitucional estabelece que “Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade”.

Com a Emenda Constitucional nº 19/98 a estabilidade conectou-se intimamente com a chamada avaliação especial de desempenho, de modo que o servidor somente adquire a condição de estável depois de comprovada a sua efetiva capacidade para o correto desempenho das funções pertinentes ao cargo para o qual foi nomeado e empossado após aprovação em concurso público.

Por outro lado, além da avaliação de desempenho a Constituição exige o “efetivo exercício” para a aquisição da estabilidade, ponto essencial para a discussão que ora se apresenta sob a forma de Consulta.

O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina buscou a interpretação da expressão “efetivo exercício” e concluiu no sentido da impossibilidade, para fins de aquisição de estabilidade, da contagem do tempo em que o servidor encontra-se fora do cargo para o qual foi aprovado mediante concurso público. Nesse sentido, vários Prejulgados foram citados pela Consultoria Geral em seu parecer(fl.11):

 

“A Consultoria Geral (COG) em diversos momentos já se manifestou sobre o tema em consonância com o que preceitua Superior Tribunal de Justiça (STJ), tendo seu entendimento sido acolhido pelo Egrégio Plenário deste Tribunal de Contas. Vejamos a seguir os Prejulgados de nossa Corte de Contas sobre o tema.

 

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Prejulgado 1682

1. A permissão do afastamento de servidor em estágio probatório, do exercício das funções inerentes ao cargo efetivo, para a assunção de cargo comissionado só é devida quando presente o interesse da Administração, ou seja, interesse público que supere a necessidade pública original que motivou a realização de concurso público para preenchimento de cargo vago.


2. O afastamento do servidor em estágio probatório do exercício das funções inerentes ao cargo de provimento efetivo por ele ocupado, para investidura em cargo de provimento em comissão, não é causa de vacância do cargo efetivo, assim, é indevido o chamamento de candidato aprovado em concurso público para investidura, posto que não há cargo vago a ser ocupado.

3. Se há necessidade de chamamento de outro candidato para suprir a falta do servidor afastado, não há razão e justificativa para que a Administração permita o afastamento do servidor em estágio probatório para exercer cargo comissionado.

4. O estágio probatório é devido no exercício do cargo provido por meio de concurso público realizado por determinação do art. 37, II, da Constituição Federal de 198.

5. Fere a lógica constitucional submeter a estágio probatório servidor fora do exercício do cargo no qual fora aprovado por concurso.

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Prejulgado 1572

1. Nos termos do art. 121 do Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Iporã do Oeste e do art. 86, § 2º, da Lei Federal nº 8.112/90, o servidor público municipal tem direito à licença remunerada para concorrer a cargo eletivo, a partir do registro de sua candidatura, até o décimo dia seguinte ao da eleição, limitada a três meses, ainda que esteja em estágio probatório.

2. O estágio probatório deve ser exercido em função ou atividade específica e precípua do cargo de provimento efetivo no qual se realiza o mesmo. Caracterizado o afastamento do servidor para concorrer em pleito eleitoral, tem-se a suspensão do referido estágio, até que retorne às suas funções de servidor do Município, quando, então, o prazo voltará a fluir.

3. O domicílio eleitoral está regrado no art. 42 do Código Eleitoral, não influenciando na concessão de licença para servidor público que deseja candidatar-se a cargo político em município diverso daquele onde exerce suas funções.

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Prejulgado 1477

1. A natureza jurídica da licença-prêmio e da carga horária é estatutária, e será definida em lei municipal, cuja iniciativa pertence ao chefe do Executivo municipal, em simetria com a disposição contida no art. 61, § 1º, II, "c", da Constituição Federal.

Caso a legislação referente ao magistério, ao conceder a licença-prêmio, tenha como base o tempo de serviço público, o professor que cumprir os requisitos da lei fará jus à licença remunerada em relação ao cargo que ocupa, independentemente da modificação da carga horária.

No entanto, se o professor exerce dois cargos distintos, ou seja, cargos com diferentes atribuições e que exijam habilitações específicas, passíveis de cumulação, fará jus aos direitos estatutários correspondentes ao exercício de cada cargo. Assim sendo, se houver descompasso entre a investidura nos cargos, o servidor poderá usufruir a licença-prêmio com a remuneração correspondente, durante o horário do cargo respectivo, e trabalhar no outro, ou aguardar a aquisição em ambos para usufruir os períodos concomitantemente.


2. O estágio probatório, como requisito para a estabilidade, depende do efetivo exercício no cargo para o qual o servidor foi aprovado, não havendo possibilidade de utilização do estágio probatório de um cargo para a aquisição da estabilidade em outro.

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Prejulgado 1429

Por força do art. 41, caput, da Constituição Federal, o período que o servidor estiver à disposição de outro ente ou órgão, não contará para efeitos de estágio probatório.

Somente poderá ser considerado para efeitos de estágio probatório o período em que o servidor estiver em efetivo exercício no cargo público em que prestou concurso público e foi devidamente nomeado.

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Prejulgado 662

O período que o servidor em estágio probatório permanecer no exercício de cargo de provimento em comissão não é considerado para o cômputo do lapso temporal estipulado no art. 41, caput, da Constituição Federal, interrompendo a contagem do prazo de estágio probatório. A avaliação prática procedida no estágio probatório só pode ser efetivada quando o servidor se encontra no efetivo exercício do cargo para o qual deu mostra de capacidade intelectual, por aprovação em concurso público.

A promoção de servidor, transportando seu cargo para outra classe e elevando sua remuneração, com fulcro na antigüidade, é meritória apenas quando completado o interstício de cinco anos no efetivo exercício de cargo. Assim, o tempo de serviço público pregresso exercido em cargo distinto não se presta para os fins da Lei Complementar nº 011/92, vigente no Município de Pinheiro Preto.

 

A Consultoria Geral assevera que a orientação do Tribunal de Contas segue a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

O Ministério Público, no entanto, propõe outra leitura sobre a matéria, com base nos seguintes argumentos: 1) não é razoável que o servidor nomeado em cargo comissionado, cuja relevância seja patente para a Administração, venha a ser penalizado por esse simples fato; 2) a própria Constituição requer a fixação de percentuais mínimos de ocupação de cargos comissionados por servidores efetivos; 3) os cargos em comissão são restritos a funções de direção, chefia e assessoramento, que quando não superam são equivalentes àquelas relativas ao cargo efetivo; 4) ao ser nomeado para cargo de confiança o servidor apenas passa a desempenhar outras funções que são correlatas e de igual ou superior complexidade às do cargo de origem; 5) de acordo com o art. 92 da Lei Estadual nº 6.745/85, pode o servidor efetivo optar pela manutenção do vencimento de seu cargo originário, acrescido de gratificação de 40% sobre a remuneração do cargo em comissão; 6) continua havendo contribuição para o IPESC, o que demonstra a inexistência de afastamento do cargo efetivo; 7)Os arts. 8º e 10º do Ato 111/2005/PGJ estabelecem um rol taxativo de hipóteses que caracterizam afastamento do servidor efetivo, dentre as quais não está prevista a assunção de cargo comissionado; 8) no processo judicial nº 2006.042548-2 há o reconhecimento de que o tempo de efetivo exercício em cargo comissionado com funções equivalentes ou superiores pode ser contado para efeito de estabilidade.

Apresentados os argumentos do Ministério Público e a posição do Tribunal de Contas externada em vários Prejulgados, entendo pertinente fazer-se uma reflexão sobre a matéria, diante da divergência de opiniões.

O art. 41, caput, da Constituição Federal, ao exigir o efetivo exercício procura garantir que o servidor submetido ao período probatório realmente seja avaliado no desempenho das funções pertinentes ao cargo por ele ocupado, a fim de verificar sua aptidão, pontualidade, eficiência, postura e zelo profissional.

A celeuma que se coloca, todavia, encontra razão de ser devido ao silêncio do legislador no tocante à qualificação do efetivo exercício a que se refere o art. 41, tendo em vista que a Constituição não determina expressamente tratar-se de efetivo exercício no cargo em que o servidor em estágio probatório foi empossado.

Por certo, pertinente é a posição assentada neste Tribunal sobre a necessidade de que o estágio probatório seja cumprido no cargo em que se dará a estabilidade, isso porque o afastamento do servidor para desempenhar atribuições diversas impede que se faça a avaliação quanto ao desempenho obtido no exercício das funções que lhe são próprias. Essa regra, todavia, torna-se problemática em situações excepcionais, e.g., a que é aventada na Consulta.

A organização administrativa, por ser fruto da elaboração legislativa e das contingências políticas, nem sempre é dotada de racionalidade absoluta, com uma segregação ordenada de funções. Prova disso é que em diversos órgãos há cargos em comissão cujas atribuições são praticamente as mesmas daquelas previstas para cargos efetivos, o que pode decorrer em alguns casos de uma opção do legislador de usar o cargo comissionado como instrumento de burla ao concurso público. Afinal, se as funções são as mesmas, significa que não se apresentam entre aquelas cujo exercício depende de um vínculo de confiança com o administrador. Em outras palavras, o fato de estarem previstas como funções igualmente exercidas por cargos efetivos e comissionados denota que inexiste qualquer especialidade que justifique a existência do cargo em comissão.

Assim, é perfeitamente possível que servidores efetivos e comissionados desempenhem no mesmo órgão a funções similares. Nessa hipótese, servidores efetivos em estágio probatório que viessem a ser nomeados para cargos comissionados desempenhariam praticamente as mesmas funções e seriam prejudicados na avaliação referente ao estágio probatório. A questão demanda, em vista disso, uma avaliação crítica da interpretação adotada até agora pelo Tribunal.

Alguns aspectos devem ser considerados.

O primeiro é que no intento de preservar o concurso público como regra privilegiada de acesso aos cargos públicos e evitar o abuso na utilização de cargos em comissão a Constituição Federal admitiu-os unicamente para funções de direção, chefia e assessoramento. Não bastasse isso, no intuito de evitar abusos legislativos, estabeleceu que a lei deve fixar percentuais mínimos de ocupação dos aludidos cargos por servidores efetivos. Com isso, pretendeu barrar tentativas de ampliar a interpretação sobre o que sejam “funções de direção, chefia e assessoramento”, construídas no afã de facilitar o ingresso de pessoas no serviço público sem a aprovação em concurso. Logo, o texto constitucional direciona-se claramente no sentido de privilegiar a condição dos servidores efetivos, de modo a evitar a ingerência política em atividades da Administração Pública que guardem cunho eminentemente técnico.

Esse valor constitucional não pode ser menosprezado pelo intérprete. Os preceitos legais e constitucionais sempre devem ser interpretados de forma que o propósito do legislador constituinte seja atendido da melhor maneira possível. Sob este prisma, a não aceitação em qualquer hipótese, para efeito de avaliação, do período em que o servidor efetivo encontra-se em cargo comissionado no mesmo órgão, conquanto exerça funções similares, pode incentivar a nomeação de pessoas estranhas ao quadro, em detrimento dos servidores já aprovados em concurso público. Haveria, portanto, um incentivo ao desvirtuamento do objetivo inserto na regra constitucional.

O segundo aspecto a ser considerado é que a Constituição Federal não exige expressamente que a avaliação do servidor ocorra apenas no cargo. Essa é uma interpretação extraída da justa convicção de que na avaliação pretende-se verificar se o servidor tem condições de exercer as funções do cargo para o qual prestou concurso. Contudo, impõe-se analisar sob outra ótica a regra constitucional.

O cargo é uma unidade criada por lei que encerra um feixe de atribuições. Designa uma condição profissional na esfera do serviço público, sendo ocupado por determinada pessoa que preencha os requisitos previstos em Lei e na Constituição. Já a função vai além da mera dimensão organizacional típica do cargo: a função é atividade concreta a ser desempenhada pelo servidor, estando intimamente conectada com o produto decorrente da força de trabalho da pessoa que ocupa determinado cargo. Feita essa elucidação, deve-se travar um diálogo entre essa perspectiva e o instituto da avaliação do servidor para a aquisição da estabilidade.

Embora a estabilidade esteja ligada ao cargo ocupado pelo servidor, a sua avaliação leva em conta o desempenho funcional. Acompanha-se o servidor para formar um juízo sobre a sua atuação no exercício das funções, razão que demonstra estar a avaliação diretamente atrelada à ideia de função.

Por certo, para cada cargo há um plexo de funções. Logo, a lógica seria que fora do cargo o servidor não cumpriria com as mesmas funções e, por essa razão, não haveria como avaliá-lo para aquelas referentes ao cargo ocupado em virtude de aprovação em concurso público. Todavia, não se deve menosprezar a situação na qual o servidor em estágio probatório ocupa cargo comissionado com função similar aquela do seu cargo efetivo: se as funções são similares e o servidor encontra-se no mesmo órgão, há plenas condições de avaliá-lo, pois dele continuará sendo exigido o mesmo grau de aptidão para o exercício de determinada função.

O correto seria que a Lei nº 6.745/85 disciplinasse com mais cuidado a matéria, prevendo os casos de suspensão do estágio probatório, como fez a Lei nº 8.112/90 para os servidores públicos federais, que no seu art. 20, §§3º, 4º e 5º, trata da matéria, inclusive prevendo no §3º que o “O servidor em estágio probatório poderá exercer quaisquer cargos de provimento em comissão ou funções de direção, chefia ou assessoramento no órgão ou entidade de lotação(...)”. Entretanto, o descuido do legislador estadual não impede que se interprete a Constituição de forma razoável, no intento de buscar diretrizes para uma justa ponderação.

Embora a assertiva de que o servidor deve ser avaliado no cargo para o qual realizou concurso público e foi aprovado seja juridicamente certeira, uma solução conforme o desígnio constitucional não exclui a legitimidade da avaliação do servidor em exercício de cargo comissionado cujas funções sejam similares aquelas do cargo efetivo. A exceção encontra razão de ser na identidade de funções e na conclusão de que se o objetivo é o de verificar a aptidão do servidor para o exercício de funções específicas, e se estas continuam sendo realizadas por aquele, a despeito de encontrar-se em cargo comissionado, inexiste óbice à aceitação de uma interpretação ampliada, que acolha a exceção.

Importante referir que outros Tribunais de Contas enfrentaram o tema e admitiram compreensão semelhante a que ora se defende.

O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, no processo nº 005134-02.00/00-0(Consulta, Rel.Cons. Glênio Ricardo Scherer) ao tratar da nomeação de servidores em estágio probatório para funções gratificadas considerou que essa situação não interrompe a avaliação, seguindo parecer do Auditor Substituto de Conselheiro Vergílio Perius, no qual este considera que:

“Neste sentido não se pode concluir universalmente como o fez a Consultoria Técnica, pela possibilidade em considerar como período de avaliação enquanto no exercício de função gratificada por parte de servidor em cargo de provimento efetivo, mas ainda em estágio probatório.

Há que se indagar quanto às circunstâncias do estágio probatório e verificar se o servidor em estágio probatório não fica afastado enquanto no exercício de função gratificada, da qualidade de ocupante do seu cargo efetivo.

Corrobora essa posição a orientação da Procuradoria-Geral do Estado, que, em Parecer, assim se manifestou:

“Por outro lado, o exercício de uma função ou das atribuições de um cargo estabelece um vínculo de qualificação funcional entre o servidor e o cargo ou a função. Assim, é possível a designação de um servidor público em período de estágio probatório para o exercício de uma função gratificada, desde que esta sirva às exigências do estágio probatório quanto à qualificação do servidor para o cargo. Desta forma, a função gratificada há de oferecer, no seu conteúdo ocupacional, correlação com o conteúdo ocupacional do cargo, no qual o servidor encontra-se em estágio probatório.

‘Portanto a orientação exarada do Parecer 8606 é pela possibilidade do servidor público, em estágio probatório, assumir função gratificada, desde que este estágio tenha as suas exigências supridas pelo exercício daquela função gratificada, porque esta tem o seu conteúdo ocupacional relacionado com o do cargo de provimento efetivo.’

O que se exige, no caso e em cada caso, é a existência de correlação entre o exercício da função gratificada com as atribuições do cargo.”

 

O Tribunal de Contas de Pernambuco, por sua vez, também admitiu a manutenção da avaliação de servidor em estágio probatório quando no exercício de função de confiança, desde que houvesse manifesta correlação entre as funções. Eis a Ementa do julgado, citada por Paulo Modesto[1]:

NOMEAÇÃO DE SERVIDOR, EM ESTÁGIO PROBATÓRIO, PARA CARGO DE CONFIANÇA. I- A Constituição Federal não estabelece óbice à nomeação de servidor - integrante de quadro de carreira técnica ou profissional e que esteja no período do estágio probatório - para o exercício de funções de confiança (cargo comissionado ou função gratificada). No entanto, nos termos do preconizado pela Lei Maior, artigo 37, I, norma infraconstitucional poderá estabelecer requisitos para o provimento destas funções de confiança, dentre os quais poderá figurar a exigência do cumprimento do estágio probatório. Na hipótese de não haver vedação de natureza legal, a nomeação deste servidor - no curso do estágio probatório, para exercer funções de confiança - implicará a SUSPENSÃO do período probatório, que só voltará a ser computado a partir do retorno do servidor ao exercício do cargo efetivo. Neste caso, se o servidor não for estável no serviço público, a suspensão do estágio probatório implicará, necessariamente, a suspensão da contagem do tempo de serviço para efeito da estabilidade funcional. Só após o cumprimento integral do estágio probatório, onde a autoridade administrativa terá a oportunidade de aferir a sua aptidão (assiduidade, idoneidade moral, eficiência, etc.) para o exercício do cargo efetivo, é que o servidor poderá ser considerado estabilizado no serviço público.Sendo, contudo, o servidor já detentor de estabilidade funcional - em decorrência do exercício de cargo efetivo anterior, no âmbito do mesmo Ente Estatal e sem que tenha havido solução de continuidade entre os dois provimentos efetivos - não haverá alteração na sua estabilidade funcional, de sorte que apenas o período probatório ficará suspenso. Ressalte-se, por fim, que na hipótese de haver MANIFESTA CORRELAÇÃO entre as atribuições das funções de confiança e as atribuições do cargo efetivo do servidor, não há que se falar em suspensão do estágio probatório nem da contagem do prazo para efeito de estabilidade funcional. II- Nos termos do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (C.F.), é considerado estável no serviço público, só podendo ser demitido em razão de processo administrativo ou sentença judicial irrecorrível, o servidor que em 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da Lei Maior) contasse com pelo menos 05 (cinco) anos de tempo de serviço público (TCE-PE, Decisão T.C. N: 0408/96, ÓRGÃO JULGADO: FAC.DE FORM.DE PROFES.DE BELO JARDIM-PRESIDENTE, Data Publicação: 11/04/96)." 

 

Não obstante os julgados acima citados refiram-se a ocupação de funções de confiança, e não de cargos comissionados, ambos problematizam a situação em que o servidor hipoteticamente está deslocado de sua função originária, de modo que podem ser adotados como parâmetro.

Por sua vez, o Tribunal de Contas do Distrito Federal tem admitido a avaliação de servidor em estágio probatório quando evidente e incontestável a compatibilidade temática, como se observa no julgado referente ao Processo nº 13.456/2006, Relator Conselheiro Antônio Renato Alves Rainha, julgado em 15/03/2007, em que se tratou do instituto da cessão de servidor:

a)a cessão de servidor em estágio probatório para exercício de cargo comissionado em órgão/entidade distintos daquele em que foi empossado, embora da mesma unidade federativa, é possível para cargos de natureza especial ou equivalente e se as atribuições de ambos os cargos forem correlatas (não havendo necessidade de suspensão do estágio probatório) ou, se não forem correlatas,  com a conseqüente suspensão do prazo do estágio  probatório; 

 

b)a cessão de servidores em estágio probatório para exercício de cargo comissionado em outra unidade federativa deverá observar o disposto na parte final da alínea anterior; 

  

c)na aplicação do disposto no § 1º do art. 10 da Lei nº 3.648/2005 a avaliação do servidor em estágio probatório e cedido a outro órgão/entidade deverá ser efetivada onde tiver exercício, caso as atribuições de ambos os cargos sejam semelhantes ou guardarem evidente e incontestável compatibilidade temática. Em caso contrário o prazo do estágio probatório deve ser suspenso durante o período em que perdurar a cessão.” (grifo nosso)

 

No tocante ao julgado do Tribunal de Contas do Distrito Federal a conclusão a que se chegou tomou em consideração legislação específica sobre a matéria. De qualquer forma, significativo que tenha considerado a evidente e incontestável compatibilidade temática.

Contudo, advirto que duas limitações são essenciais para a adoção da interpretação que ora se propõe. Em primeiro lugar, na ausência de tratamento legislativo sobre a matéria, o cargo comissionado deve compor o quadro do órgão ou entidade ao qual está vinculado o servidor em estágio probatório. Essa assertiva decorre da própria lógica de avaliação, isso porque a cedência do servidor para ocupar cargo comissionado de outro órgão ou entidade inviabilizaria o trabalho da comissão de avaliação, que deve acompanhar diuturnamente o desempenho do avaliando. Por fim, a exceção admitida nesta Consulta não pode servir para cargos comissionados cujas funções sejam mais complexas do que aquelas previstas para o cargo efetivo. Explico por quê.

As duas conclusões acima são definidas dentro de uma margem interpretativa admissível do texto constitucional, sem a análise de eventual intermediação legislativa, ante a omissão do legislador estadual.. Caso a legislação disciplinadora da vida funcional dos servidores estaduais apresentasse regras com maior detalhamento seria possível, inclusive, outro entendimento sobre a quaestio colocada.A interpretação, em vista disso, firma-se em um determinado sentido extraído do texto constitucional. A partir daí estipulam-se as consequências lógicas dessa interpretação constitucional.

Dentro desse contexto, e admitido que a teleologia constitucional direciona para uma avaliação que indague sobre o ótimo cumprimento das funções pertinentes ao cargo, nos termos já expostos, não se deve aceitar como período de avaliação aquele em que o servidor ocupe cargo comissionado cujas funções sejam mais complexas do que aquelas previstas para o cargo comissionado.

O raciocínio de que aquele que desempenha funções consideradas mais complexas certamente está preparado para funções que em tese são de maior simplicidade sustenta-se apenas diante da defesa de uma suposta  hierarquia ínsita na divisão do trabalho social, de maneira que as pessoas com preparo para funções de alta complexidade conseguiriam realizar com pleno êxito tarefas de maior singeleza. Essa visão, embora embase em certa medida muitos treinamentos de gestores, que apenas seriam considerados aptos para comandar quando tivessem pleno domínio das funções de seus subordinados, não pode servir para afastar uma constatação evidente extraída da realidade do mercado de trabalho: inexiste uma hierarquia qualitativa claramente definida entre as funções, a ponto de ser possível afirmar categoricamente que aquele que desempenha uma atividade de grau considerável quaisquer tarefas supostamente mais simples.

Cada atividade possui uma gama de conhecimentos que dão suporte para a sua correta execução. Saber pilotar um avião não significa que, necessariamente, o piloto conseguia dirigir um caminhão pelas estradas. Qualificados profissionais do Direito, da Medicina ou da Engenharia podem não ter aptidão para dirigir um veículo automotor, consertar um equipamento de informática ou dar suporte a uma rede elétrica. Por via de consequência, um servidor aprovado para determinado cargo de nível médio não comprovará que sabe desempenhar funções de apoio apenas porque realizou com sucesso atividade de nível superior.

Diante disso, não se sustenta eventual entendimento de que o desempenho de funções com superior complexidade pode ser considerada no período de avaliação de cargo para o qual são estabelecidas funções que, em tese, exijam menor qualificação. Apenas haverá a possibilidade de consideração do tempo em que o servidor ocupou cargo para o qual as funções eram comprovadamente similares, e nada mais que isso.

Tratada a questão colocada na Consulta e admitida a possibilidade de avaliação do servidor em estágio probatório quando ele esteja ocupando cargo comissionado do órgão ou entidade com funções similares aquelas previstas para o cargo para o qual foi aprovado por concurso público, impõe-se a verificação do conteúdo dos Prejulgados deste Tribunal sobre a matéria.

O Prejulgado nº 1682 estabelece no seu item 5 que “Fere a lógica constitucional submeter a estágio probatório servidor fora do exercício do cargo no qual fora aprovado por concurso”. Como a presente proposta de voto apresenta entendimento parcialmente divergente é pertinente que o aludido item seja revogado, bem como o seu item 4, a segunda parte do Prejulgado 1429 e a primeira parte do Prejulgado nº 662. Quanto ao Prejulgado nº1572, o ideal é que se modifique a redação, a fim de evitar incompatibilidade. Deve ser mantido, no entanto, porque trata de afastamento de servidor para concorrer em pleito eleitoral, hipótese em que é impositiva a suspensão da avaliação. Por fim, o item 2 do Prejulgado 1477ser reformado, para que siga a mesma linha acolhida nesta proposta de voto.

Destaco, ademais, que a Consulta não trata de caso concreto, e sim de questão em tese, na qual se indaga sobre a melhor interpretação de dispositivos legais e constitucionais. Além disso, poderá o Tribunal de Contas, em futuras auditorias, verificar se, em situações específicas, era correta a manutenção de eventuais avaliações de servidores designados para cargos comissionados ou funções de confiança.

III – PROPOSTA DE VOTO

 

Pelo exposto e estando os autos instruídos na forma regimental, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário, propugnando, com fundamento na Instrução Normativa n. TC-01/2002, a seguinte proposta de voto:

6.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal e respondê-la nos seguintes termos:

 

“1. Para efeito de avaliação do servidor durante o estágio probatório deve-se considerar apenas o período em que aquele está no exercício das funções do cargo para o qual foi aprovado em concurso público. Admite-se, como exceção, a avaliação do servidor que esteja ocupando função gratificada ou cargo comissionado no órgão ou entidade a qual pertença, desde que haja comprovada e manifesta similaridade com as funções do cargo efetivo, devidamente atestada pela autoridade responsável pela avaliação.

2. Não se admite como função similar a nomeação do servidor em estágio probatório para cargo comissionado ou função gratificada de maior complexidade, em razão da inexistência de homogeneidade entre as funções.”

6.2. Revogar os itens 4 e 5 do Prejulgado nº 1682, a segunda parte do Prejulgado nº 1429 e a primeira parte do Prejulgado nº 662.

6.3. Reformar o item 2 do Prejulgado nº 1477,  que passa a ter a seguinte redação:

“Não há a possibilidade de utilização do estágio probatório de um cargo para a aquisição de estabilidade em outro, salvo na excepcional hipótese de ocupação de cargo comissionado quadro do órgão ou entidade a que pertence o servidor e cujas funções possuam comprovada e manifesta similaridade com previstas para o cargo efetivo, conforme expressa declaração da autoridade responsável pela avaliação.”

6.4. Reformar o item 2 do Prejulgado nº 1572,  que passa a ter a seguinte redação:

“Caracterizado o afastamento de servidor em estágio probatório para concorrer em pleito eleitoral, tem-se a suspensão do referido estágio, até que retorne às suas funções de servidor do Município, quando, então, o prazo voltará a fluir.”

6.5.Dar ciência da decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Parecer COG n. 352/08, ao Consulente.

6.6. Determinar o arquivamento dos autos.

 

Gabinete, em 16 de março de 2009.

 

Gerson dos Santos Sicca

Auditor Relator

 



[1] MODESTO, Paulo. Estágio probatório: questões controversas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ-Centro de Atualização Jurídica, nº 12, março, 2002. Disponível na internet:‹HTTP://WWW.direitopublico.com.br› Acesso em 13/03/2009.