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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
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Gabinete
da Auditora Sabrina Nunes Iocken |
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PROCESSO N. |
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RLI 08/00535057 |
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0 |
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UG/CLIENTE |
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Prefeitura Municipal de
Bom Retiro
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RESPONSÁVEL |
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Sr.
Jair José Farias – ex-Prefeito Municipal (Gestão 2005/2008) |
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ASSUNTO |
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Restrições constantes do Relatório de
Contas Anuais do exercício de 2007, apartadas em autos específicos por
decisão do Tribunal Pleno |
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I - RELATÓRIO
Referem-se os autos de
Relatório de Inspeção referente a registros contábeis e execução orçamentária,
em razão das restrições evidenciadas nos itens B.1.1 e C.1.1, da parte
conclusiva do Relatório DMU nº 1259/2008, o qual integra o Processo nº PCP 08/00101723,
haja vista que em sessão de 20/08/2008 o Tribunal Pleno decidiu por proceder em
processo apartado, para fins de exame das matérias, a saber:
a)
Abertura de Créditos Adicionais Suplementares
por conta de transposição, remanejamento ou a transferência de recursos de uma
categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, no montante de
R$ 163.200,00, sem prévia autorização legislativa específica, em desacordo com
o disposto no art. 167, V e VI da Constituição Federal;
b)
Majoração dos subsídios de agentes políticos
do Executivo Municipal – Prefeito e Vice-Prefeito, sem aparo legal, em
desacordo ao disposto no art. 37, X da Constituição Federal, no montante de R$
2.769,84 (R$ 1.846,53 – Prefeito e R$ 923,31 – Vice-Prefeito).
O Órgão Instrutivo desta Corte de
Contas - Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, procedeu à análise dos
autos, emitindo o Relatório DMU nº 293/2009 de fls. 37 a 45, no qual acolheu as
justificativas apresentadas em relação ao apontamento referente à majoração dos
subsídios de agentes políticos do Poder Executivo Municipal, restando,
portanto, sanada esta restrição.
No
entanto, em relação à abertura de créditos adicionais suplementares,
considerando o disposto no art. 165, § 8º da CF/88, art. 7º, inciso I c/c art.
43 da Lei nº 4.320/64, bem como Prejulgado nº 1.312, a restrição apontada
permaneceu, por esta razão a DMU considerou o ato irregular.
A Douta Procuradoria, conforme
Parecer n. MPTC/944/2009
(fls. 47/51), manifesta-se pelo acolhimento das conclusões do Relatório DMU nº
293/2009, por considerar irregular o ato de abertura de créditos adicionais
suplementares por conta de transposição, remanejamento ou a transferência de
recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão pra outro,
no montante de R$ 163.200,00, sem prévia autorização legislativa específica, em
desacordo com o disposto no artigo 167, VI da CF/88.
II - CONSIDERAÇÕES
As
manifestações do Responsável basearam-se no sentido de que a Lei Municipal
Orçamentária nº 1.864/06 autorizou o Poder Executivo Municipal a remanejar
dotações de um grupo de natureza de despesa para outro, dentro de cada projeto,
atividade ou operação especial, bem como, de um projeto de atividade para
outro, em até 20% do orçamento do município por meio de decreto. E ainda, que o
art. 167, VI da CF/88, juntamente com os artigos 7º e 43 da Lei nº 4.320/64
especifica o assunto, permitindo o remanejamento como efetuado, o que entende, portanto,
não haver irregularidade. E conclui: “muito embora exista o Prejulgado 1.312 do
TCE/SC dispondo em contrário, por outro norte a CF autoriza o procedimento,
constante também na LOA.”
Tais
argumentos merecem algumas observações:
O
art. 164, § 8º da CF/88, estabelece que a lei orçamentária não conterá
dispositivo estranho à previsão da receita e a fixação da despesa, podendo ter,
em caráter de exceção, apenas a autorização para abertura de créditos adicionais
suplementares e contratação de operação de crédito, em face do princípio da
exclusividade.
Embora
a Lei Municipal nº 1.864/06, no art. 4º autorizasse o Executivo a “remanejar
dotações de um grupo de natureza de despesa para outro, dentro de cada projeto,
atividade ou operação especial, bem como, de um projeto, atividade para outro,
em até 20% do orçamento do município, através de decreto, e os 80% restante, se
necessário, através de lei específica”, observa-se que esta autorização foge do
objetivo proposto para a elaboração de uma lei orçamentária. Tal objetivo firma-se
na ação planejada da estimativa da receita e a fixação da despesa, com
iniciativa do Poder Executivo e aprovada pelo Poder Legislativo, garantindo
dessa forma a participação deste último quanto à aplicação dos recursos
públicos.
Isto
porque, o art. 164, § 8 da CF/88 é claro quanto à matéria que deve ser tratada
na lei orçamentária, não autorizando qualquer dispositivo estranho que não a
estimativa da receita e fixação da despesa, salvo exceção da abertura de
créditos adicionais suplementares e operação de crédito. O art. 4º da lei
municipal, já citada, não estima a receita, nem tão pouco fixa a despesa, além
de não se enquadrar na ressalva dos créditos adicionais suplementares e
operação de crédito.
Além
disso, a Lei Municipal é explícita em relação aos créditos adicionais
suplementares, ao trazer no art. 5º a seguinte redação:
“O
Executivo está autorizado, nos termos do art. 7º da Lei Federal nº 4.320/64, a
abrir créditos adicionais suplementares, até o limite de 50% da Receita
estimada para o orçamento de cada uma das unidades gestoras, utilizando como
fontes de recursos:
(...)”
Pelas
manifestações do Responsável, em especial, ao dizer que “o art. 7º c/c art. 43
da Lei nº 4.320/64 especifica o assunto, permitindo o remanejamento como
efetuado”, acredita-se ter havido um equívoco quanto à interpretação dos
instrumentos de créditos adicionais, remanejamento, transposição e
transferência.
Por
oportuno, carece de maior atenção o instituto da abertura de créditos
adicionais:
Os
créditos adicionais servem de instrumento para a retificação orçamentária, quando
é necessário a disponibilidade de mais recursos, os quais podem ser
classificados em três espécies, de acordo com o art. 41 da Lei nº 4.320/64, quais
sejam, suplementares, especiais ou extraordinários.
a)
Os créditos suplementares são aqueles
destinados a uma dotação já existente no orçamento, porém insuficiente, sendo,
portanto, necessária a sua suplementação;
b)
Os créditos especiais são aqueles em que não
há dotação específica no orçamento, ou seja, trata-se de uma nova dotação;
c)
Os créditos extraordinários são destinados a
despesas consideradas urgentes e imprevisíveis, em função de guerra, comoção
interna ou calamidade pública.
Para
os créditos suplementares e especiais há a necessidade de autorização por lei específica
e da abertura por decreto, enquanto que os extraordinários devem ser abertos
por decreto do Poder Executivo com o imediato conhecimento ao Poder Legislativo.
A
abertura dos créditos suplementares e especiais depende necessariamente de
recursos disponíveis, de acordo com o art. 43 da Lei nº 4.320/64.
Nota-se
com isso, que a classificação dos créditos adicionais traz particularidades
pertinentes as características de cada um, de acordo com a finalidade a que se
destinam. O art. 164, § 8º da CF/88 permite apenas a autorização na lei
orçamentária de créditos suplementares, o que também não se confundem com os
institutos de remanejamento, transposição e transferência, objetos da restrição
ora analisada.
Furtado[1] define
esses três institutos da seguinte forma:
a)
Remanejamento: são
realocações na organização de um ente público, com destinação de recursos de um
órgão para outro.
b)
Transposição: são
realocações no âmbito dos programas de trabalho, dentro do mesmo órgão.
c)
Transferência: são
realocações de recursos entre as categorias econômicas de despesas, dentro do
mesmo órgão e do mesmo programa de trabalho.
A
diferença conceitual e de aplicação dos créditos adicionais em relação ao
remanejamento, transposição e transferência, fica evidente. Enquanto que
aqueles tratam da necessidade de recursos para aumentar ou criar uma nova
dotação, estes referem-se à realocação dos recursos, ou seja, à reprogramação
das ações anteriormente aprovadas, em razão da mudança de prioridades das ações
a serem executadas no decurso do exercício orçamentário, podendo ser realizada em
função da anulação parcial ou total de
uma dotação, razão pela qual necessita de aprovação por meio lei especial.
Voltando aos argumentos apresentados pelo Responsável, em
que se baseou na autorização contida no art. 4º da Lei Municipal nº 1.864/06,
necessário se faz uma reflexão sobre a expressão autorização, quando se trata
da aprovação pelo Poder Legislativo no orçamento das despesas públicas.
Giacomoni[2]
traz que:
“(...)
a expressão autorização, no contexto da aprovação legislativa do orçamento de
despesa, significa que ao Poder Executivo cabe realizar determinada programação
de trabalho – e não outra -, devendo aplicar os recursos públicos nos vários
créditos orçamentários (dotações) de acordo com valores-teto devidamente
especificados.”
Neste
sentido a aprovação pelo Legislativo no orçamento da despesa deve observar a
fixação, especificamente, do crédito orçamentário que se esta aprovando,
evitando concessões genéricas, como a que trouxe o art. 4º da Lei Municipal nº
1.864/06.
No
mesmo sentido, Meirelles[3]
aborda:
“A despesa pública deve realizar-se em
estrita consonância com o princípio da
legalidade, em que nos termos da Constituição da República, impõe não só a autorização legislativa para a sua
efetivação, como, também, a fixação legal do quantum do dispêndio autorizado (art. 165, 8º).”
A
obrigatoriedade de especificar o valor de cada dotação, também se faz presente
na Lei nº 4.320/64, em que o art. 5º diz:
“A
Lei de Orçamento não consignará dotações globais destinadas a atender
indiferentemente a despesas de pessoal, material, serviços de terceiros,
transferências ou quaisquer outras, ressalvado o disposto no artigo 20 e seu
parágrafo único.”
O art.
15 da mesma Lei complementa: “na Lei do Orçamento a discriminação da despesa
far-se-á, no mínimo, por elementos.”
Desta
forma, ao analisar o art. 4º da Lei Municipal nº 1.864/06, que autorizou o
“remanejamento” de dotações, encontro uma possível antinomia em relação ao
disposto nos arts. 165, § 8º e art. 167, VI da Constituição Federal, bem como
com os artigos 5º e 15 da Lei nº 4.320/64, haja vista que essa autorização pode
configurar uma dotação global, jê que não demonstra especificamente o recurso
que não terá mais utilização ou, mesmo, sua parte excedente.
Para
Meirelles[4]:
“Havendo
necessidade de transposição, total ou parcial, de dotação de um elemento para
outro, dentro ou fora da mesma unidade orçamentária, será indispensável que,
por lei especial, se anule a verba
inútil ou sua parte excedente e se transfira o crédito resultante dessa
anulação para a dotação insuficiente.”
Isto
posto, entendo que a realização do remanejamento, transposição ou transferência
de recursos, deve ser precedido de lei autorizativa específica, discriminando
os créditos orçamentários que não serão utilizados e para onde serão
realocados.
II –
PROPOSTA DE VOTO
Considerando que foi efetuada a Citação
do Responsável, conforme consta na fl. 20 dos presentes autos;
Considerando que as justificativas e
documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidade constatada
pelo Órgão Instrutivo e apontada no Relatório DMU n. 293/2009;
Considerando
o exposto e do que dos autos constam, submeto a matéria à apreciação do Egrégio
Plenário, propugnando pela adoção da seguinte PROPOSTA de VOTO:
1.
CONHECER do
Relatório de Instrução que trata da análise de irregularidades constatadas
quando do exame das contas anuais de 2007 da Prefeitura Municipal de Bom Retiro,
apartadas dos autos do Processo n. PCP-08/00101723.
2. APLICAR ao Sr. Jair
José Farias – ex-Prefeito Municipal, CPF n. 250.756.839-91, com fundamento no
art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento
Interno, a multa no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), em face da abertura de
créditos adicionais suplementares por conta de transposição, remanejamento ou a
transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um
órgão para outro, no montante de R$ 163.200,00, sem prévia autorização
legislativa específica, em descumprimento com o disposto no artigo 167, VI da
CF/88 (item 1 do Relatório da DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a
contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de
Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do
Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para
cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei
Complementar n. 202/2000.
3. DAR CIÊNCIA deste
Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 293/2009,
ao Sr. Jair
José Farias - ex-Prefeito de Bom
Retiro, e aos Poderes Legislativo e Executivo daquele Município.
Florianópolis,
26 de março de 2009.
Sabrina Nunes Iocken
Auditora Relatora
[1] Furtado, José de Ribamar Caldas. Créditos Adicionais Versus Transposição, Remanejamento
ou Transferência de Recursos. Revista do TCU. Out/dez 2005.
[2] Giacomoni, James. Orçamento Público. 14º Ed. Atlas. São
Paulo: 2007.
[3] Meirelles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15º Ed. Malheiros. São Paulo: 2007
[4] Meirelles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15º Ed. Malheiros. São Paulo: 2007.