ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

PROCESSO:                        CON 09/00004800

UG/CLIENTE:           Prefeitura Municipal de Gaspar

INTERESSADO:       Pedro Celso Zuchi

ASSUNTO:                Desequilíbrio econômico financeiro do contrato administrativo. Possibilidade de aumento no valor do contrato de fornecedor. Retroatividade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

Tratam os autos de Consulta subscrita pelo Sr. Pedro Celso Zuchi, Prefeito Municipal de Gaspar, a respeito da possibilidade de concessão de aumento por desequilíbrio econômico-financeiro de contrato, mediante pedido de fornecedor, com efeitos retroativos à data do requerimento.

Seguindo a tramitação regular, o processo foi encaminhado à Consultoria Geral - COG, que elaborou o Parecer n. COG-70/09 (fls. 06/17), sugerindo o que segue:

“1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.

2. Responder a consulta nos seguintes termos:

2.1. A revisão do contrato administrativo prevista no artigo 65, inciso II, alínea "d", da Lei 8.666/93, depende de requerimento do interessado, pois a Administração Pública não pode agir de ofício;

2.2. A revisão pode abranger período anterior ao pedido, desde que o contratado postule efeitos retroativos ao pleito, comprove que a solicitação refira-se ao período compreendido entre a data da ocorrência dos fatos supervenientes previstos no artigo 65, inciso II, alínea "d", da Lei 8.666/93 e o da época da proposta ou do último reajuste ou reequilibro e que o requerimento seja feito em tempo razoável, tão logo toda documentação pertinente seja reunida pelo interessado na revisão.

3. Determinar ao Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua assessoria jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno do Tribunal de Contas;

4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que  a fundamenta, bem como deste parecer ao Prefeito do Município de Gaspar, Sr. Pedro Celso Zuchi.”

Foram os autos à Procuradoria-Geral junto ao Tribunal de Contas que exarou o Parecer nº 751/2009 (fls. 18/19), no sentido de conhecer a consulta e, no mérito, acompanhar o parecer COG n. 70/2009.

Vieram os autos conclusos.

 

II – DISCUSSÃO

Trata a consulta de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual c/c inciso I do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.

Ab initio, atendidos estão os pressupostos de admissibilidade do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001, porquanto a matéria versa sobre questão formulada em tese, com natureza interpretativa de lei, de competência deste Tribunal, o subscritor possui legitimidade ativa para formular a consulta e com indicação precisa da dúvida e/ou controvérsia a ser esclarecida. A consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da municipalidade, no entanto tal descumprimento, por si só, não elide o processo, em razão do art. 105, § 2°, do Regimento Interno.

Por conseguinte, conheço da consulta e passo à análise do mérito das questões suscitadas, com o intuito de responder as indagações dos consulentes.

A Consulta é formulada com as seguintes perguntas:

“1) É possível conceder aumento de valor de contrato por desequilíbrio econômico financeiro com efeitos retroativos e anteriores à data do requerimento do fornecedor?

Sobre a matéria, dispõe a Lei n. 8.666/93:

“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

[...]

II - por acordo das partes:

[...]

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”

A matéria foi disciplinada em outros prejulgados dessa Corte da seguinte maneira:

1952

1. Segundo o art. 65, inciso II, letra "d", da Lei Federal nº 8.666/93, a revisão contratual decorre da superveniência de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. Cabe ao administrador público, ante o exame do caso concreto, aferir se a hipótese é passível ou não de revisão contratual.

2. A demonstração da necessidade da revisão do contrato, assim como o cálculo da alteração contratual, podem se dar mediante a apresentação de planilhas de custos e outros documentos de suporte - como, por exemplo pareceres, laudos, pesquisas de preços, perícias etc.-, por meio dos quais se possa aferir o motivo concreto que ensejou a revisão e calcular o montante a ser aplicado.

3. Não é possível consignar antecipadamente um percentual máximo de revisão a ser utilizado, tampouco estabelecer um critério revisional com base em índices oficiais, pois é imprescindível, no caso concreto, a demonstração da superveniência de fatos novos que ensejam a revisão, assim como o conseqüente desequilíbrio contratual. (Processo: CON-08/00154096 Parecer: COG-112/08 - com acréscimos do relator - GC/WRW/2008/207/ES Decisão: 1252/2008 Origem: Prefeitura Municipal de Arabutã Relator: Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall Data da Sessão: 14/05/2008 Data do Diário Oficial: 05/06/2008)

0848

[...]

Segundo dispõe o art. 65, inciso II, alínea "d", da Lei nº 8.666/93, somente na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe (norma geral do governo), configurando álea (risco) econômica extraordinária e extracontratual, é que poderá ser efetuada a revisão do contrato para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato. A necessidade de revisão deverá ser demonstrada tão logo ocorrida a situação extraordinária que retarde ou impeça a execução do ajustado, provocando a quebra da equação econômico-financeira inicial do contrato, com adequadas planilhas e comprovada com documentação de suporte. Cabe à autoridade competente analisar cuidadosamente o pedido de revisão, podendo louvar-se em pareceres, laudos, pesquisas de preços, perícias e outros instrumentos, a fim de que o ato revisional esteja revestido das demonstrações e justificativas exigidas para os atos administrativos, face à indisponibilidade do interesse público. (Processo: CON-00/00460192 Parecer: COG-245/00 Decisão: 1856/2000 Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina Relator: Conselheiro Moacir Bertoli Data da Sessão: 03/07/2000)

0869

Somente se admite reajuste de preços quando o contrato administrativo original contiver cláusula permitindo o reajuste, vedada a inserção de cláusula de reajuste no decorrer da execução contratual. Admitida a revisão dos valores contratuais quando atendidos os preceitos do art. 65, inciso II, alínea "d", da Lei Federal nº 8.666/93, ou seja, quando circunstâncias extracontratuais (álea extraordinária), imprevisíveis no momento da avença, ocorridas na vigência do contrato, afetem substancialmente sua economia, e desde que o contratado comprove o desequilíbrio econômico-financeiro, mediante apresentação de planilhas de custos e documentação de suporte. Compete à autoridade competente analisar cuidadosamente o pedido, podendo louvar-se em pareceres, laudos, pesquisas de preços, perícias e outros instrumentos, a fim de que o ato revisional atenda os princípios da Administração Pública e esteja revestido das demonstrações e justificativas exigidas para os atos administrativos, face à indisponibilidade do interesse público. (Processo: CON-00/01012495 Parecer: 266/00 Decisão: 2265/2000 Origem: Imbituba Administradora da Zona de Processamento de Exportação S.A Relator: Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall Data da Sessão: 09/08/2000 Data do Diário Oficial: 25/10/2000)

Desse modo, o aumento de preços pode ocorrer em virtude da revisão do contrato ou do reajuste de preços, que correspondem a institutos diversos. O reajuste de preços é o meio de garantir a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, em razão de fatos ordinários decorrentes do risco típico empresarial. Deve estar previsto no edital de licitação e no contrato e sua periodicidade é anual. O instituto encontra-se previsto no art. 55, III e 65, § 8°, ambos da Lei n. 8.666/93:

“Art. 55.  São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

[...]

III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;”

“Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

[...]

§ 8°.  A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento.”

Já a revisão do contrato está prevista no art. 65, II, “d”, da Lei n. 8.666/93. Ela advém de fatos extraordinários, imprevisíveis, a exemplo do caso fortuito, força maior e fato do príncipe. Como visa a restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, não pode ser concedida de ofício pela administração, devendo o particular demonstrar o rompimento desse equilíbrio.

Quanto à possibilidade de se pleitear efeitos retroativos, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes leciona:

 “2. demonstração de equilíbrio

Ao pleitear o reequilíbrio caberá ao contratado apresentar duas planilhas de custos: uma do tempo atual e outra da época da proposta (ou do último reajuste ou reequilíbrio).

São esses os períodos a serem considerados pela Administração Pública e somente esses justificam o atendimento do pleito.[...]” (In: Vademecum de licitações e contrato. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 675) Sem grifos no original

No entanto, o levantamento da documentação apta a demonstrar o interesse do particular pode demorar a ser juntada, sendo possível, destarte, pleitear-se a recomposição retroativa. Nesse sentido, defende o doutrinador Joel de Menezes Niebuhr:

“Ocorre que, muitas vezes, o contratado precisa reunir documentos para apresentar à Administração pedido de revisão do contrato, o que demanda algum tempo. Demais disso, a Administração também consome algum tempo para avaliar o pedido de revisão. Então, continuando no exemplo, embora o evento que enseja a revisão tenha ocorrido em 1º de junho, o contratado somente formulou o pedido em 8 de junho e a Administração somente se pronunciou em 25 de agosto. Como dito, o contratado faz jus à revisão desde a data do evento que a autoriza, nada obstante o pedido dele tenha sido formulado posteriormente e a Administração tenha reconhecido o direito a ela ainda mais tarde.

Isso significa que a revisão opera efeitos ex tunc, isto é, os efeitos dela retroagem à data do evento que lhe serve de fundamento.”

Observe-se que o doutrinador defende a dispensabilidade de requerimento expresso a fim de receber os efeitos retroativos ao protocolo na via administrativa. O que se exige é que exista requerimento a fim de promover a readequação econômica, o qual, uma vez concedido, possui efeitos ex tunc.

Sem afastar-nos da idéia de que o regime público revogou o privado no caso da lei de licitações, fato é que se trata de celebração de um contrato lato sensu. E como tal, imperioso destacar que o Novo Código Civil subscreveu a possibilidade de resolução contratual por onerosidade excessiva, que ocorre se a prestação de uma das partes torna-se excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (art. 478 do NCC/2003), possibilitando a modificação equitativa das condições do contrato (art. 479 do NCC/2003).

Sem descurar que essas disposições não se aplicam ao contrato administrativo, imperioso destacar que tal disciplina baliza-se pelos mesmos princípios gerais aplicados em caso de desequilíbrio contratual, que corresponde à aplicação da Teoria da Imprevisão, originada da expressão rebus sic stantibus, cláusula implícita a todos os contratos de prestações sucessivas, significando que a convenção não permanece em vigor se as coisas não permanecerem como eram no momento da celebração.

Nesse sentido, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

 “Alega-se, em favor da teoria, que, se de um lado a ocorrência de circunstâncias excepcionais não libera o particular da obrigação de dar cumprimento ao contrato, por outro lado não é justo que ele responda sozinho pelos prejuízos sofridos. Para evitar a interrupção do contrato, a Administração vem em seu auxílio, participando também do acréscimo de encargos.” (In: Direito administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. P. 266)

Sobre o reequibílbrio contratual mencionam os doutrinadores em destaque:

-O contrato administrativo, por parte da Administração destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas por parte do particular contratante objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Este lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a Administração se veja compelida a modificar o modo e forma da prestação contratual, para melhor adequação às exigências do serviço público- (Hely Lopes Meirelles. Licitação e Contrato Administrativo, 7ª ed., Ed. RT, 1987, p. 161).

-O contratante tem direito à remuneração inscrita em seu contrato. É o princípio da fixidez do preço do contrato. Ele não consentiu seu concurso senão na esperança de um certo lucro. Além disso seria contrário à regra da boa-fé, contrário também a segurança dos negócios, e, portanto, perigoso para o estado social e econômico que a administração pudesse modificar, especialmente reduzir esta remuneração- (Georges Pequignot, Théorie Générale du Contract Administratif, Paris, A. Pedone, 1945, pp. 433 e 434 - grifo nosso).

Ora, o requerimento de reajuste do contrato, por si só, engloba o pedido de restituição ao status quo ante, que in casu representa o retorno à situação de equilíbrio do contrato. Tal entendimento é o razoável, pois do contrário o reequilíbrio não seria alcançado e o lucro auferido nos termos iniciais do ajuste não seria garantido, configurando locupletamento ilícito por parte do Ente Público.

Imperioso salientar que a tese não confere à administração a possibilidade de agir ex officio, uma vez que o requerimento administrativo de reajuste deve ser realizado. Uma vez deferido o pedido de reajuste, seu efeito deve “restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento”, o que enseja, então, efeitos ex tunc, desde a ocorrência do fato que gerou o desequilíbrio.

Atente-se, outrossim, que o transcurso de tempo excessivo entre o fato gerador de desequilíbrio do contrato e a postulação do pedido de reajuste conduz à idéia de que inexistiu o referido desequilíbrio, ensejando, pois a denegação do próprio pedido de reajuste.

 

IV – VOTO

Ante o exposto, discordo parcialmente do parecer da Consultoria Geral e proponho ao e. Plenário o seguinte voto:

1 - Conhecer da Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.

2 - Responder à Consulta nos seguintes termos:

2.1 - A revisão do contrato administrativo prevista no artigo 65, inciso II, alínea "d", da Lei 8.666/93, depende de requerimento do interessado, pois a Administração Pública não pode agir de ofício;

2.2 - A revisão pode abranger período anterior à protocolização do pedido na via administrativa, desde que o contratado comprove que a solicitação refere-se ao período compreendido entre a data da ocorrência dos fatos supervenientes previstos no artigo 65, inciso II, alínea "d", da Lei 8.666/93 e o da época da proposta ou do último reajuste ou reequilibro e que o requerimento seja feito em tempo razoável, tão logo toda documentação pertinente seja reunida pelo interessado na revisão.

2.3 - Uma vez deferido o pedido de revisão, seu efeito deve “restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento”, tal como descrito no art. 65, II, “d”, da Lei n. 8666/93, o que autoriza, portanto, conferir-se efeitos ex tunc, desde a ocorrência do fato que gerou o desequilíbrio.

3. Recomendar ao Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua assessoria jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno do Tribunal de Contas.

4 – Dar ciência desta decisão, do Relatório e Voto do Relator ao Prefeito do Município de Gaspar, Sr. Pedro Celso Zuchi

5 – Determinar o arquivamento dos autos.

 

                        Gabinete, em 06 de abril de 2009.

 

 

 

 

 

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator