ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL

 

Processo nº:

REC-08/00339894

Unidade Gestora:

Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional - Curitibanos

Responsável:

Sra. Maria Aparecida Fávaro Costa

Assunto:

Recurso de Reexame (art. 80 da LC 202/2000) – RPA-05/04280040

Parecer nº:

GC/WRW/2009/291/ES

 

 

Licitação. Inexigibilidade. Grupo musical. Professor de música.

É possível a contratação de grupo musical e de professor de música (maestro), mediante inexigibilidade de licitação, quando atendidos a  finalidade pública, a razoabilidade econômica da contratação e principalmente o reconhecimento por parte da crítica especializada ou da opinião pública, tornando inviável a competição.

 

 

 

1.   RELATÓRIO

 

 

Versam os autos acerca de recurso interposto pela Sra. Maria Aparecida Fávaro Costa, ex-Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional de Curitibanos, em face do Acórdão n. 0523/2008, proferido nos autos n. RPA-05/04280040.

 

A peça recursal foi examinada pela Consultoria-Geral, que, mediante o Parecer n. COG-754/08, propôs o seu conhecimento e, no mérito, que lhe fosse dado provimento.[1]

 

O Ministério Público, em manifestação da lavra da Procuradora Cibelly Farias, divergiu do órgão consultivo, propondo que não fosse dado provimento ao apelo.[2]

 

Autos conclusos ao Relator.

 

Este o breve relato.

 

2.   DISCUSSÃO

 

Registro inicialmente que a decisão recorrida possui o seguinte teor:

 

6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria Especial realizada na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Curitibanos, com abrangência ao exercício de 2005, para considerar irregulares, com fundamento no art. 36, 2º, "a", da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, as Inexigibilidades de Licitação ns. 001 e 002/05 e o Contrato n. 021/05.

 

6.2. Aplicar à Sra. Maria Aparecida Fávaro Costa - ex-Secretária de Estado de Desenvolvimento Regional de Curitibanos, CPF n. 024.447.289-04, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

6.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da Inexigibilidade de Licitação n. 002/05, que originou a contratação do Grupo Marca de Galpão, sem a comprovação da inviabilidade de competição e da consagração do contratado por parte da crítica especializada ou pela opinião pública, em desacordo com o art. 25, III, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC);

 

6.2.2. R$ 1.000,00 (mil reais), devido à Inexigibilidade de Licitação n. 001/05 e respectivo Contrato n. 021/05, que diz respeito à contratação do Sr. Isac Silva Pinto Diniz, sem a comprovação da inviabilidade de competição e da consagração do contratado por parte da crítica especializada ou pela opinião pública, em desacordo com o art. 25, III, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.2 do Relatório DLC).

 

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DLC/Insp.2/Div.5 n. 533/07, ao Representante, à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional de Curitibanos, à Sra. Maria Aparecida Fávaro Costa - ex-Secretária de Estado, e à procuradora constituída nos autos.

 

Acerca da contratação do Grupo Marca de Galpão, por meio de inexigibilidade de licitação, aduziu a Recorrente o seguinte:

 

[...] Tendo-se em vista que o objetivo social visado pela administração ao promover anualmente o “festival da canção” é a difusão da cultura regionalista gaúcha, portanto, a consagração do grupo musical Marca de Galpão se comprova pela maior procura deste na região de Curitibanos, em razão da conservação da tradição gaúcha que aqui predomina, e por ter o Grupo Marca de Galpão, características especiais que o diferenciam de outros grupos musicais, qual seja, o de composição de músicas regionalistas.

Assim, tendo o grupo musical Marca de Galpão, o compromisso de difusão da cultura gaúcha eis que oferece ao público elementos do universo tradicionalista sendo por este motivo o mais procurado e de maior público em seus Shows pela peculiaridade cultural da região.

Considerando que, o grupo acima citado reúne qualidades tais que o tornam único, e exclusivo, sui generis, inibindo os demais pretensos. [...][3]

Sobre a contratação do Sr. Isac Silva Pinto Diniz alegou o que segue:

No caso em acepção e tendo em vista o objeto pretendido pela administração (festival da canção), sendo Isac Silva Pinto Diniz, professor especializado em dar aulas, bem como formar corais de alunos em escolas Estaduais, torna-se inviável a competição, vez que não existem artistas com as características que atendam as pretensões do povo de Curitibanos, pois trata de um artista da moda de grande valor e, pelas qualidades que possui, insubstituível.

A licitação neste caso é inexigível, em razão do caráter intuito personae, por possuir várias qualidades em uma única pessoa, sendo consagrado pela opinião pública e, portanto, apto a agradar o público ao qual prestou os serviços.[4]

A Consultoria acolheu a argumentação da Recorrente, valendo-se, para tanto, dos seguintes fundamentos:

[...]

As multas em questão envolve a contratação de um maestro para implantação de projeto Coral e Canto, e um grupo musical para apresentação no "Festival da Canção", por inexigibilidade de licitação fundada no artigo 25, inciso III, da Lei 8.666/93, considerada pela instrução como não viável em razão da falta de comprovação da inviabilidade de competição e da consagração do contratado por parte da crítica especializada ou pela opinião pública.

 

[...]

 

 

Para a aplicação da multa o relator se valeu dos argumentos constantes do relatório de instrução e em seu voto sintetizou a razão de decidir do seguinte modo:

 

Conforme apontou a Instrução, a irregularidade fundamenta-se na falta de comprovação da inviabilidade de competição e da consagração do contratado por parte da crítica especializada ou pela opinião pública.

 

De outro lado, não emerge dos autos qualquer evidência de que o procedimento licitatório seria prejudicial ao interesse público ou que as vantagens oferecidas pelo particular contratado traduziram-se objetivamente como a melhor alternativa para a Administração.

 

Por ser uma exceção à regra constitucional de licitar, as condições necessárias à implementação da contratação direta devem estar não só presentes no caso concreto como também devidamente comprovadas, sob pena do Administrador Público incorrer em ilegalidade. (grifamos).

 

Sustenta-se ainda a decisão proferida no precedente configurado pelo Prejulgado 977, verbis:

 

Para se efetivar contratação de artista por Inexigibilidade de Licitação faz-se necessário que o trabalho artístico a ser desenvolvido - pelas características e finalidade - só possa ser realizado por determinado artista, e que esse detenha consagração em face da opinião pública e/ou da crítica especializada. (grifamos).

 

A disposição legal dita ofendida assim determina:

 

Art. 25 [...]

 

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

 

Sobre o assunto trata o administrativista Marçal Justem Filho[5] asseverando:

 

A atividade artística consiste em uma emanação direta da personalidade e da criatividade humanas. Nessa medida, é impossível verificar-se a identidade de atuações. [...]

 

Mas há casos em que a necessidade estatal relaciona-se com o desempenho artístico propriamente dito. Não se tratará de selecionar o melhor para atribuir-lhe um destaque, mas de obter os préstimos de um artista para atender certa necessidade pública. Nesses casos, torna-se inviável a seleção através de licitação, eis que não haverá critério objetivo de julgamento. Será impossível identificar um ângulo único e determinado para diferenciar as diferentes performances artísticas. Daí a caracterização da inviabilidade de competição.

 

Se a contratação pode fazer-se sem licitação, é evidente que isso não significa autorizar escolhas desarrazoadas ou incompatíveis com o interesse a ser satisfeito. O limite de liberdade da Administração é determinado pelas peculiaridades do interesse que se busca satisfazer. Assim não se admite que uma festa popular envolva a contratação direta de um cantor lírico, pois a preferências artísticas dos freqüentadores não serão satisfeitas através de uma opera. A recíproca é verdadeira.

 

Ademais disso, deverá haver um requisito outro, consistente na consagração em face da opinião pública ou da crítica especializada. Tal se destina a evitar contratações arbitrárias, em que uma autoridade pública pretenda impor preferências totalmente pessoais na contratação de pessoas destituídas de qualquer virtude. Exige-se que ou a crítica especializada ou a opinião pública reconheçam que o sujeito apresenta virtudes no desempenho de sua arte.    

 

Assim, confrontando os elementos ensejadores a aplicação da multa com a lição emanada do ilustre doutrinador temos:

 

a) No tocante a falta de comprovação da inviabilidade de competição, que por se tratar de contratação de um desempenho artístico propriamente dito, não há como a administração traçar critérios objetivos de julgamento para a contratação o que inviabiliza a licitação, devendo em sua busca atender a necessidade pública que pretende realizar;

 

b) No tocante a melhor alternativa para a administração, se vislumbra no cuidado do administrador de efetuar um prévio levantamento de preço entre bandas similares, (doc. folhas 9.v 10 e 10v), escolhendo aquela que além de atender ao interesse buscado apresentou um menor custo para o erário.

 

Resta a questão da consagração de crítica e público, o que é cercada de subjetividade, envolvendo questão como do alcance deste reconhecimento e ainda a da magnitude do evento realizado.

 

No caso em exame, considerando a grandeza do evento e o alcance regional pretendido, a banda contratada parece preencher os requisitos de reconhecimento de público e crítica considerando-se o público alvo a ser atendido, pelo menos é o que demonstra as cópias dos documentos de folhas 12 v. e 13 onde se vislumbra em relação a banda contratada, não só uma organização administrativa e de marketing, como de lançamento artístico em CD e DVD.

 

Diga-se ainda, que é crível a manifestação feita pela recorrente de que o grupo musical em questão é consagrado pela crítica regional e de ótima aceitação pública, não tendo sido desconstituída pela instrução tal alegação.

 

Não se afirmou do mesmo modo que a finalidade do evento ou a despesa com a contratação tenha sido desarrazoada ou incompatível com o interessa a ser  satisfeito.

 

À luz destas circunstâncias entende-se que a contratação por inexigibilidade de licitação do grupo musical, para participar do Festival da Canção, que dentre os objetivos busca a difusão da cultura gaúcha de larga aceitação na região, não descumpre o disposto no artigo 25, inciso III, da Lei 8.666/93.

 

O mesmo se pode afirmar no tocante a contração do maestro, Sr. Isac Silva Pinto Diniz, que mostrou ser qualificado para o desempenho das funções, conforme ressurge das certificações acadêmicas que repousam nos autos.

 

Considerando-se que não é comum na região de Curitibanos profissional com tal qualificação na área de atuação, o modo de contratação apresenta-se como adequado em razão da singularidade de atividade desempenhada pelo contratado no contexto regional.  

 

Por conseqüência, sugere-se ao relator que em seu voto propugne por cancelar a multa aplicada. [6] grifo nosso

 

A meu ver, o órgão consultivo examinou com propriedade a questão, de modo que adoto o seu pronunciamento como fundamento de minha manifestação.

 

3.   PROPOSTA DE DECISÃO

CONSIDERANDO o que mais dos autos consta, em conformidade com os pareceres da Consultoria-Geral, submeto à apreciação deste Tribunal a seguinte proposta de decisão:

 

6.1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 0523/2008 exarado na Sessão Ordinária de 09/04/2008 nos autos do Processo n. RPA- 05/042800040 e, no mérito, dar-lhe provimento para:

 

6.1.1. cancelar as multas constantes dos itens 6.2.1 e 6.2.2 da decisão recorrida;

6.1.2. conferir nova redação ao item 6.1 da decisão, nos seguintes moldes:

 

“6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria Especial realizada na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Curitibanos, com abrangência ao exercício de 2005, para considerar regulares, com fundamento no art. 36, 2º, "a", da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, as Inexigibilidades de Licitação ns. 001 e 002/05 e o Contrato n. 021/05.”

 

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer COG n. 754/08 à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Curitibanos e à Sra. Maria Aparecida Fávaro Costa, ex-Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional.

 

              Gabinete do Conselheiro, em 17 de junho de 2009.

 

 

 

WILSON ROGÉRIO  WAN-DALL

Conselheiro Relator

 

 



[1] Fls. 09/16.

[2] Fls. 17/25.

[3] Fls. 03/04.

[4] Fl. 04.

[5]FILHO. Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Dialética. São Paulo. 2005. p. 287.

[6] Fls. 12/15.