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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO GABINETE DO CONSELHEIRO WILSON ROGÉRIO WAN-DALL |
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TCE 00/02552388 |
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Prefeitura Municipal de Monte Carlo - SC |
INTERESSADO: |
Srs. João Carlos Flesch, Valdecir Correa Becker, João Batista Becker Serpa, Wilton Albuquerque e Vanderlei Cunen, Vereadores do Município de Monte Carlo no exercício de 2000. Sr. Antoninho Tibúrcio Gonçalves - Prefeito Municipal (gestão 2005/2008) |
RESPONSÁVEIS: |
Sr. Valmor José Gauer - Prefeito Municipal nos exercícios de 1997 a 2000 |
Assunto: |
Tomada de Contas Especial - Denúncia de supostas irregularidades na execução de despesas na Prefeitura Municipal de Monte Carlo - SC - exercícios de 1997 a 2000. |
Parecer n°: |
GC-WRW-2009/290/JW |
1- RELATÓRIO
Tratam os autos de Denúncia encaminhada a esta Corte de Contas pelos Srs. João Carlos Flesch, Valdecir Correa Becker, João Batista Becker Serpa, Wilton Albuquerque e Vanderlei Cunen, Vereadores do Município de Monte Carlo/SC no exercício de 2000, acerca de supostas irregularidades praticadas no âmbito da Prefeitura Municipal daquele Município, relativamente a execução das suas despesas.
A Diretoria de Auditorias Especiais - DEA, em seu Parecer de Admissibilidade n.º 073/00 (fls. 60/62), sugeriu o acolhimento da Denúncia e a determinação para a adoção de providências com vistas a apuração dos fatos denunciados.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas elaborou o Parecer nº 1481/2000 (fls. 67), concluindo nos termos da Instrução.
Assim, considerando os pareceres contidos nos autos, o Relator à época proferiu o Voto de fls. 68/69 nos termos da proposição conclusiva da Instrução.
O Egrégio Plenário desta Corte de Contas proferiu, então, a Decisão nº 3319/00 (fls. 70) acompanhando a sugestão de Voto do Relator conhecendo da Denúncia e determinando a adoção de providências com vistas à apuração dos fatos denunciados.
A Diretoria de Denúncias e Representações - DDR realizou Inspeção "in loco" na data de 20/04/01 (fls. 71), sendo juntados aos autos os documentos de fls. 72/258.
Em 21/06/07 a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU elaborou a informação nº 203/07 (fls. 259/260) sugerindo o arquivamento do presente processo por entender que o mesmo havia perdido seu objeto.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas emitiu o Parecer MPTC nº 3838/07 (fls. 262) concluindo nos termos da Informação da Instrução.
Em 27/07/07 proferi o Despacho de fls. 263/264, através do qual, após fazer algumas ponderações, determinei o encaminhamento dos autos à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU para que fosse elaborado Relatório Conclusivo.
A Diretoria de Controle dos Municípios - DMU elaborou o Relatório nº 227/08 (fls. 268/269) concluindo pela conversão do processo em tomada de contas especial, a Citação do Responsável, Sr. Valmor José Gauer - Ex-Prefeito Municipal de Monte Carlo - SC (gestão 1997/2000) para manifestação a respeito das irregularidades apontadas.
Proferi o Despacho de fls. 305/309 nos termos do relatório da Instrução.
Houve solicitação de prorrogação de prazo (fls. 311/312), deferido.
Não houve manifestação do Sr. Valmor José Gauer a respeito da Citação realizada, sendo então elaborado pela Diretoria de Controle dos Municípios - DMU o Relatório nº 4993/08 (fls. 319/355) concluindo nos seguintes termos:
"(...)
1 - CONHECER do presente Relatório de Reinstrução, decorrente do Relatório de Inspeção n° 227/2008, resultante da inspeção in loco realizada na Prefeitura Municipal de Monte Carlo, para, no mérito:
2-JULGAR IRREGULARES:
2.1 - com débito, na forma do artigo 18, inciso III, alínea "d" c/c o artigo 21 caput da Lei Complementar n.° 202/2000, as contas referentes à presente Tomada de Contas Especial e condenar o responsável Sr. Valmor Gauer - ex-Prefeito Municipal de Monte Carlo, CPF n° 250.470.009-15, residente à Rodovia SC 456, Km 18, Monte Carlo/SC, CEP 89.618.000, ao pagamento da quantia abaixo relacionada, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres públicos municipais, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (artigos 40 e 44 da Lei Complementar n.° 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência até a data do recolhimento sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (artigo 43, II da Lei Complementar n.° 202/2000):
2.1.1 - dano ao erário no valor de R$ 900,00, decorrente da alienação de um veículo Chevrolet GM Caravan, ano 1986, modelo 1987, de placas CM 1583 e de um motor usado, marca General Motors, 6 cilindros, sem qualquer contrapartida financeira para o Município de Monte Carlo caracterizando claro favorecimento a terceiros, desatendendo, esse ato, os mandamentos expressos no artigo 13 da Lei Orgânica Municipal, com irregularidade tipificada como ato praticado caracterizando desfalque, desvio de dinheiro, bem ou valores públicos, capitulada no artigo 18, III, "d" da Lei Complementar 202/00, sendo passível de enquadramento no artigo 12, inciso II da Lei Federal n. 8429/92 (item 1.2.3 deste relatório);
3 - APLICAR multa(s) ao Sr. Valmor Gauer - ex-Prefeito Municipal de Monte Carlo, conforme previsto no artigo 70, II da Lei Complementar n.° 202/2000, pelo cometimento das irregularidades abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II e 71 da Lei Complementar n.° 202/2000:
3.1. inexistência de elaboração, pela Comissão Avaliadora, do laudo de avaliação e do parecer de avaliação dos bens alienados através do leilão n° 01/97, procedimento exigido pelos artigos 38, VI e 17, II, da Lei Federal n° 8.666/93 e 4° do Decreto Municipal n° 74, contrariando, por conseguinte, o princípio da legalidade estabelecido pelo caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (item 1.1.1);
3.2. inexistência de registros contábeis no Sistema Patrimonial da Prefeitura Municipal de Monte Carlo da Motoniveladora, marca WUBER WAK, ano e modelo 1974, impossibilitando o conhecimento do valor de aquisição do referido bem, caracterizando descumprimento à Lei Federal 4.320/64, em seus artigos 83,85,89,94,95 e 96 e, consequentemente, conflitando com o princípio da legalidade, expresso no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (item 1.1.3);
3.3. não elaboração, pela Comissão Avaliadora, do laudo de avaliação e do parecer de avaliação dos bens alienados através do leilão n° 01/99, procedimento exigido pelo artigos 38, VI e 17, II, da Lei Federal n° 8.666/93 e 4° do Decreto Municipal n° 159/99, contrariando, por conseguinte, o princípio da legalidade estabelecido pelo caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (item 1.2.1);
3.4. adoção de procedimentos indevidos quando da instauração e realização do leilão n° 01/99, prejudicando, inclusive, a obtenção por parte da Administração de resultados mais vantajosos, contrariando dessa maneira o estabelecido no artigo 3° da Lei Federal n° 8.666/93 e, igualmente, o princípio da legalidade expresso no caput do artigo 37 da Constituição da República do Brasil (item 1.2.2);
3.5. inexistência de processo licitatório para a realização de despesas com a manutenção da frota municipal, contrariando exigências contida no artigo 37, inciso XXl da Constituição Federal e no artigo 2° da Lei Federal n° 8.666/93 e, por conseguinte, conflitante com o princípio da legalidade expresso no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (item 2);
3.6. realização de despesa com máquina escavadeira hidraulica de esteira usada apresentando irregularidades no histórico da despesa da nota de empenho e nota fiscal, no valor de R$ 38.480,00 (trinta e oito mil e quatrocentos e oitenta reais), caracterizando descumprimento ao previsto na Resolução N. TC-16/94, de 21 de dezembro de 1994, arts. 56, I e 60 , II (item 3);
3.7. realização de despesa com máquina hidraúlica de esteira usada no montante de R$ 38.480,00 (trinta e oito mil, quatrocentos e oitenta reais) em mau estado de conservação, afrontando aos artigos 37, caput e inciso XXI, da Constituição Federal e 3° da Lei n° 8.666/93, pois a aquisição caracteriza ato de gestão anti - econômico refutado pelo artigo 70 da Lei Complementar n° 202/00, que institui a Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Santa catarina (item 3);
3.8. ausência de controle interno dos gastos com a manutenção da escavadeira hidráulica de esteira usada, adquirida da empresa REMAQ MAQUINAS LTDA, através Convite n° 023/98, em descumprimento ao artigo 4°, § 1°, inciso II da Resolução [4° TC 16/94 e do estabelecido no artigo 82 da Lei Orgânica Municipal item 3);
3.9. fixação de pontuação para o Concurso Público n. 01/2000, sem amparo legal, tendo se mostrado a fórmula aplicada pela municipalidade limitativa à aplicação dos princípios da legalidade e da isonomia, conforme estatuído no artigo 37, caput, da Constituição Federal e extrapolando o disciplinado no artigo 24, caput e incisos I e II da Lei Complementar n. 01/93, de 10 de dezembro de 1993 e contrariando o artigo 19, caput e § 1° e 2°, da Disposições Transitórias da Carta Magna e o artigo 5°, do mesmo diploma (item 5.1);
3.10. ausência de publicidade na divulgação do Concurso Público n. 01/2000, contrariando o princípio da publicidade disciplinado pelo artigo 37, caput, da Constituição Federal, e artigos 20, Parágrafo único e 23, da Lei Complementar Municipal n. 01/93 (item 5.2);
3.11. exigüidade de prazo conferido para as inscrições dos candidatos ao Concurso Público 01/2000, colaborando na ocorrência de dificuldades para a participação de quantidade maior de candidatos interessados, em contraposição ao determinado no artigo 23, caput e inciso I, da Lei Complementar Municipal n. 01/93 e o princípio da publicidade (art. 37, caput, da Constituição Federal) (item 5.3);
3.12. incorreções em formalizações de atos de nomeação de servidores aprovados no Concurso Público 01/2000, contrariando o disposto nos artigos 25, 26, 27, capute inciso 1, e 28, da Lei Complementar Municipal n. 01/93 (item 5.4);
3.13. ocorrência de acessos funcionais entre servidores do Executivo Municipal, contrapondo o disposto no artigo 37, I e II da Constituição Federal e a Lei Complementar Municipal n. 01/93, em seus artigos 111, 117, 118, caput e inciso II, e 119, além do artigo 42, caput e incisos I e II, da Lei Municipal n. 03/93, de 18 de janeiro de 1993 (item 5.5);
3.14. concessão indevida de adicionais por tempo de serviço na forma de duênio e qüinqüênio, contrariando os artigos 99 a 102, da Lei Complementar Muncipal (sic) n. 01/93 (item 5.5);
4 - DAR CIÊNCIA da decisão ao Denunciado, Sr. Valmor José Gauer, aos Denunciantes, Srs. João Carlos Flesch, Valdecir Correa Becker, João Batista Becker Serpa, Wilton Albuquerque e Vanderlei Cunen, Vereadores do Município de Monte Cano no exercício de 2000 e ao interessado, Sr. Antoninho Tibúrcio Gonçalves - atual Prefeito Municipal de Monte Cano."
2. DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Procuradoria Geral do Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas, em seu Parecer nº 1995/09 (fls. 357), manifestou-se nos termos propostos pela Instrução.
3 - DISCUSSÃO
Com fundamento no art. 224 da Resolução n.º TC-06/2001 (Regimento Interno), com base no Relatório de Auditoria acatado pelo Ministério Público, e após compulsar atentamente os autos, passo a tecer algumas considerações que entendo oportunas, para fundamentar o Voto por mim proferido:
3.1 - quanto as Multas:
a) realização de despesa com máquina escavadeira hidráulica de esteira usada apresentando irregularidades no histórico da despesa da nota de empenho e nota fiscal, no valor de R$ 38.480,00 (trinta e oito mil e quatrocentos e oitenta reais), caracterizando descumprimento ao previsto na Resolução N. TC-16/94, de 21 de dezembro de 1994, arts. 56, I e 60 , II (item 3);
Como se vê, trata-se de sugestão de aplicação de penalidade - multa - com fundamento em dispositivo de Resolução (TC 16/94) desta Corte de Contas.
Com relação a matéria cabe trazer aos autos os muito bem lançados argumentos do Parecer COG nº 100/07, da lavra da Parecerista Anne Christine Brasil Costa, do qual extraímos as lições abaixo transcritas:
Analisando as alegações esboçadas pelo Recorrente, constata-se que lhe assiste razão. Vejamos os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o assunto:
"(...) O próprio processo de elaboração das leis, em contraste com o dos regulamentos, confere às primeiras um grau de controlabilidade, confiabilidade, imparcialidade e qualidade normativa muitas vezes superior ao dos segundos, ensejando, pois, aos administrados um teor de garantia e proteção incomparavelmente maiores.
São visíveis, pois, a natural inadequação e os imensos riscos que adviriam para os objetivos essenciais do Estado de Direito - sobreposse, repita-se, em um país ainda pouco afeito a costumes políticos mais evoluídos - de um poder regulamentar que pudesse definir, por força própria, direitos ou obrigações de fazer ou não fazer imponíveis ao administrados.
Resoluções, instruções e portarias
Tudo quanto se disse a respeito do regulamento e de seus limites aplica-se, ainda com maior razão, a instruções, portarias, resoluções, regimentos ou quaisquer outros atos gerais do Executivo. É que, na pirâmide jurídica, alojam-se em nível inferior ao próprio regulamento. Enquanto este é ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e, de conseguinte, investidas de poderes menores.
Tratando-se de atos subalternos e expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante regulamento.
Assim, toda a dependência e subordinação do regulamento à lei, bem como os limites em que se há de conter, manifestam-se revigoradamente no caso de instruções, portarias, resoluções, regimentos ou normas quejandas. Desatendê-los implica inconstitucionalidade. A regra geral contida no art. 68 da Carta Magna, da qual é procedente inferir vedação a delegação ostensiva ou disfarçada de poderes legislativos ao Executivo, incide e com maior evidência quando a delegação se faz em prol de entidades ou órgãos administrativos sediados em posição jurídica inferior à do Presidente e que se vão manifestar, portanto, mediante atos de qualificação menor.
Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do Poder Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, mesmo ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta."
No artigo entitulado "Poder Regulamentar ante o Princípio da Legalidade" (publ. na RTDP nº 4, 1993), o mestre Celso Bandeira de Mello, ainda acrescenta:
"(...) São inconstitucionais as disposições regulamentares produzidas na conformidade de delegações disfarçadas, resultantes de leis que meramente transferem ao Executivo o encargo de disciplinar o exercício da liberdade e da propriedade da pessoas."
Torna-se, nesse contexto, oportuna a transcrição de trechos da Informação nº COG-172/05, da lavra da Auditora Fiscal Walkíria Maciel, emitida nos autos do Processo nº REC-04/01498034 que, com muita propriedade, analisou situação análoga:
Em distinto artigo, Luís Roberto Barroso, no texto abaixo transcrito, faz uma importante análise acerca do exercício do poder regulamentar pelo Tribunal de Contas, a partir de uma acepção constitucional:
Convém, a próposito deste tópico, traçar algumas distinções essenciais entre lei, regulamento e atos administrativos inferiores. Com a ascensão da ideologia liberal e a consagração da separação de Poderes, os Estados democráticos, há mais de duzentos anos, se organizam atribuindo as funções estatais de legislar, administrar e julgar a órgãos diversos. Como corolário de tal ordenação de Poderes, é nota essencial desta modalidade de Estado a submissão de todas as atividades dos cidadãos e dos órgãos públicos a normas gerais preexistentes. Tal peculiariade recebe a designação de princípio da legalidade.
O tema abriga complexidades e sutilezas que envolvem conceitos como os de preferência da lei e reserva da lei, e, dentro desta última, a reserva absoluta e relativa, e a reserva de lei formal e de lei material. Não será necessário tal aprofundamento para os fins do raciocínio aqui desenvolvido. Basta que se assinale que o princípio da legalidade, na sua aplicação aos particulares, traduz-se em que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", na locução clássica reproduzida no inciso II do art. 5º da Carta de 1988. Inversamente, no que toca à Administração Pública, seus órgãos e agentes, o princípio tem significado simétrico: só se pode fazer aquilo que a lei autoriza ou determina. A nova Constituição também abrigou a regra (art. 37, caput).
Pois é de tal circunstância que decorre a distinção fundamental, ao ângulo material, entre a lei e o regulamento. Um e outro, é certo, são atos normativos, de caráter geral e impessoal. Mas somente a lei - e não o regulamento - pode inovar na ordem jurídica, modificando situação preexistente. Sempre a lei, e jamais o regulamento, será a via legítima de se criarem obrigações para os particulares. A doutrina é indiscrepante na matéria. A faculdade regulamentar, lembra Sergio Ferraz, longe de infirmar o princípio da separação dos Poderes, antes o confirma: o regulamento é uma das princípais formas de manifestação da atuação administrativa, e não poderá contrariar a lei formal.
O conceito de poder regulamentar foi expresso, com a clareza habitual, pelo saudoso professor Hely Lopes Meirelles:
"O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes do Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre a matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV)."
No mesmo sentido veja-se a lição do professor Caio Tácito, expondo, de forma didática, os diferentes níveis de atuação normativa do Estado:
"A capacidade ordinária do Estado se manifesta por meio de círculos concêntricos que vão, sucessivamente, da Constituição à lei material e formal, isto é, aquela elaborada pelos órgãos legislativos; desce aos regulamentos por meio dos quais o Presidente da República complementa e particulariza as leis; e, finalmente, aos atos administrativos gerais, originários das várias escalas de competência administrativa."
Como se constata, singelamente, não é controvertido, em doutrina, que o poder regulamentar é privativo do Chefe do Executivo. A única polêmica que existe na matéria é sobre a existência ou não de regulamentos autônomos, ao lado dos regulamentos de execução, generalizadamente admitidos. Estes últimos têm seu fundamento constitucional no art. 84, IV, ao passo que os primeiros legitimar-se-iam nos incisos II e VI do mesmo artigo. A discussão não é importante para os fins aqui visados.
À vista da clareza da dicção constitucional, bem como da univocidade da doutrina quanto à competência privativa do Chefe do Executivo para exercer o poder regulamentar, coloca-se a questão da validade da norma do inciso I, do art. 4º, da Lei Complementar 63, de 1º de agosto de 1990, do Estado do Rio de Janeiro - a chamada Lei Orgânica do Tribunal de Contas -, onde se lê:
"Art. 4º Compete, ainda, ao Tribunal de Contas:
I - exercer o poder regulamentar, podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções normativas sobre a aplicação de leis pertinentes a matéria de suas atribuições e organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade."
É de grande interesse assinalar, desde logo, que a regra acima transcrita foge do modelo da lei federal, que não faz menção a atos e instruções "sobre a aplicação de leis pertinentes a matéria de suas atribuições", utilizando tão-somente a locução "atos e instruções normativas sobre matéria de suas atribuições." Vale dizer: o que vai ser regulamentado não são as leis - porque jamais poderia caber ao Tribunal de Contas fazê-lo - mas apenas as matérias que a lei já lhes atribuiu. Confira-se o texto federal, extraído do art. 3º da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992:
"Art. 3º Ao Tribunal de Contas da União, no âmbito de sua competência e jurisdição, assiste o poder regulamentar; podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções normativas sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade."
De todo modo, embora a diferença assinalada acima não seja de pouca relevância, o problema é com as palavras "poder regulamentar", presentes em ambos os textos. Entendida no seu sentido mais óbvio, a expressão é evidentemente inconstitucional. De fato, do longo elenco de competências atribuídas ao Tribunal de Contas, constante dos onze incisos do art. 71, da Constituição, não consta a referida expressão, até porque, como já se viu, o poder regulamentar é privativo do Poder Executivo. A inconstitucionalidade, portanto, seria patente.
Porém, a doutrina e a jurisprudência brasileiras, inspiradas pela produção do Tribunal Constitucional Federal alemão, têm desenvolvido e aplicado a diversos casos a chamada interpretação conforme a Constituição. Por este mecanismo, procura-se resguardar a validade de uma determina norma, excluindo-se expressamente a interpretação mais óbvia - que conduziria à sua inconstitucionalidade - e estabelecendo uma outra interpretação, que permita ao dispositivo ser aplicado em harmonia com o texto constitucional maior. Por esta técnica, é possível admitir a validade da expressão "poder regulamentar", desde que se entenda que o legislador quis referir-se a uma competência administrativa normativa. Vale dizer: fez referência à espécie - regulamento -, quando queria significar o gênero: ato administrativo normativo.
De fato, parece aceitável reconhecer-se ao Tribunal de Contas competência para editar atos normativos administrativos, como seu Regimento Interno, ou para baixar uma Resolução ou outros atos internos. Poderá, igualmente, expedir atos ordinatórios, como circulares, avisos, ordens de serviço. Nunca, porém, será legítima a produção de atos de efeitos externos geradores de direitos e obrigações para terceiros, notadamente quando dirigidos a órgãos constitucionais de outro Poder. Situa-se ao arrepio da Constituição, e foge inteiramente ao razoável, o exercício, pelo Tribunal de Contas, de uma indevida competência regulamentar, equiparada ao Executivo, ou mesmo, em alguns casos de abuso mais explícito, de uma competência legislativa, com inovações à ordem jurídica.
Tal é o caso, por exemplo, de Deliberação que estabeleça regras para contratação de empresas para prestação de serviços à Administração ou para terceirização. Não pode o Tribunal de Contas expedir regulamento autônomo, nem muito menos invadir esfera legislativa, impondo requisitos e vedações que não têm lastro em texto legal. Da mesma sorte, não há juridicidade em editar o Tribunal de Contas normatização sobre contratação temporária, estabelecendo critérios próprios, substituindo-se ao administrador e ao legislador.
O Supremo Tribunal de Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 828-5-RJ, fulminou, por insconstitucionais, pretensões normativas do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Assim é que considerou inválida a Deliberação nº 45, na qual se previa que a solução de consulta encaminhada ao Tribunal teria caráter normativo. Também já se pronunciou a invalidade da Resolução Normativa que, em estranhíssimo conteúdo, adiou, no Rio de Janeiro, a vigência da Emenda à Constituição Federal nº 1/92, que limitou a remuneração de deputados estaduais e vereadores.
Não bastassem os argumentos incontestáveis até aqui deduzidos, um outro fundamento evidencia a implausibilidade do exercício de poder regulamentar pelo Tribunal de Contas. É que, na hipótese de abuso de poder regulamentar pelo Executivo, a Constituição provê expressamente o mecanismo de sanção: compete ao Legislativo "sustar os atos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar". Não existe qualquer mecanismo constitucional destinado a neutralizar o abuso por parte do Tribunal de Contas. Como não há competência constitucional insuscetível de controle, a conclusão é que simplesmente não há a competência invocada pelo Tribunal de Contas.
Em síntese das idéias enunciadas neste tópico, é possível deixar assentado que a referência feita pela lei ao poder regulamentar do Tribunal de Contas somente será constitucional se interpretada no sentido de uma competência normativa limitada, consistente na ordenação interna de sua própria atuação. Não tem competência o Tribunal de Contas para editar atos normativos genéricos e abstratos, vinculativos para a Administração, nem muito menos para invadir esfera legislativa, estabelecendo direitos e obrigações não contemplados no ordenamento. (grifo nosso)(...)"
Diante do exposto, concluo pelo não acatamento da sugestão de aplicação de multa, relativamente ao presente item, uma vez que fundamentada em norma administrativa, qual seja, a Resolução n. TC-16/94, a qual não pode caracterizar sozinha a fundamentação para aplicação de pena pecuniária.
4 - VOTO
Considerando o que dos autos consta, VOTO, no sentido de que o Tribunal Pleno adote a decisão que ora submeto à apreciação:
4.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "d", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Monte Carlo - SC, com abrangência sobre a execução de despesas, referentes aos exercícios de 1997 a 2000, em decorrência de Denúncia formulada a este Tribunal de Contas, e condenar o Responsável a seguir discriminado ao pagamento do débito de sua responsabilidade, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência do fato geradore do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000):
4.1.1. De responsabilidade do Sr. Valmor José Gauer - ex-Prefeito Municipal de Monte Carlo, CPF n° 250.470.009-15, residente à Rodovia SC 456, Km 18, Monte Carlo/SC, CEP 89.618.000, a seguinte quantia:
4.1.1.1. R$ 900,00 (Novecentos reais), face ao dano causado ao erário do Município, advindo da alienação de um veículo Chevrolet GM Caravan, ano 1986, modelo 1987, de placas CM 1583 e de um motor usado, marca General Motors, 6 cilindros, sem que os recursos financeiros originários desta alienação tivessem ingressado nos cofres públicos, caracterizando favorecimento a terceiros, em descumprimento ao que dispõe o artigo 13 da Lei Orgânica Municipal (item 1.2.3 do relatório nº 4993/08).
4.2. Aplicar ao Sr. Valmor José Gauer - ex-Prefeito Municipal de Monte Carlo, CPF n° 250.470.009-15, residente à Rodovia SC 456, Km 18, Monte Carlo/SC, CEP 89.618.000, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, as multas abaixo especificadas, com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência das irregularidades, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
4.2.1. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da inexistência do laudo de avaliação e do parecer de avaliação dos bens alienados através dos leilões n° 01/97 e 01/99, bem como adoção de procedimentos indevidos quando da instauração e realização deste último leilão, prejudicando a obtenção, por parte da Administração, do resultado mais vantajoso, em desconformidade com as determinações dos artigos 3ª, 38, inciso VI e 17, inciso II, da Lei Federal n° 8.666/93, 4° do Decreto Municipal n° 74, e 4° do Decreto Municipal n° 74, contrariando ainda, o princípio da legalidade estabelecido no caput do artigo 37 da Constituição Federal (itens 1.1.1, 1.2.1 e 1.2.2 do relatório nº 4993/08);
4.2.2. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da inexistência de registros contábeis no Sistema Patrimonial da Prefeitura Municipal de Monte Carlo da Motoniveladora, marca WUBER WAK, ano e modelo 1974, impossibilitando o conhecimento do valor de aquisição do referido bem, caracterizando descumprimento do que dispõe os artigos 83, 85, 89, 94, 95 e 96 da Lei Federal 4.320/64, afrontando igualmente o princípio da legalidade, expresso no caput do artigo 37 da Constituição Federal (item 1.1.3 do relatório nº 4993/08);
4.2.3. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da inexistência de processo licitatório para a realização de despesas com a manutenção da frota municipal, contrariando exigências contida no artigo 37, inciso XXl da Constituição Federal e no artigo 2° da Lei Federal n° 8.666/93 (item 2 do relatório nº 4993/08);
4.2.4. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da ausência de controle interno dos gastos com a manutenção da escavadeira hidráulica de esteira usada, através Convite n° 023/98, bem como realização de despesas com a citada escavadeira, no montante de R$ 38.480,00 (trinta e oito mil, quatrocentos e oitenta reais), quando a mesma se encontrava em mau estado de conservação, caracterizando ato de gestão antieconômico, e em afronta as disposições dos artigos 4°, § 1°, inciso II da Resolução Nº TC 16/94 e do estabelecido no artigo 82 da Lei Orgânica Municipal, bem como aos artigos 37, caput e inciso XXI, da Constituição Federal e 3° da Lei n° 8.666/93 (item 3 do relatório 4993/08);
4.2.5. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da realização do Concurso Público nº 01/2000 com a ocorrência das seguintes irregularidades:
4.2.5.1. fixação de pontuação, sem amparo legal, tendo se mostrado a fórmula aplicada pela municipalidade limitativa à aplicação dos princípios da legalidade e da isonomia, conforme estatuído no artigo 37, caput, da Constituição Federal e extrapolando o disciplinado no artigo 24, caput e incisos I e II da Lei Complementar n. 01/93, de 10 de dezembro de 1993 e contrariando o artigo 19, caput , §§ 1° e 2°, das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e o artigo 5°, também da Constituição Federal. (item 5.1 do relatório 4993/08);
4.2.5.2. ausência de publicidade na divulgação do Concurso Público n. 01/2000, contrariando o princípio da publicidade disciplinado pelo artigo 37, caput, da Constituição Federal, e artigos 20, Parágrafo único e 23, da Lei Complementar Municipal n. 01/93 (item 5.2 do relatório 4993/08);
4.2.5.3. exigüidade de prazo conferido para as inscrições dos candidatos ao Concurso Público 01/2000, colaborando na ocorrência de dificuldades para a participação de quantidade maior de candidatos interessados, em contraposição ao determinado no artigo 23, caput e inciso I, da Lei Complementar Municipal n. 01/93 e o princípio da publicidade (art. 37, caput, da Constituição Federal) (item 5.3 do relatório 4993/08);
4.2.5.4. incorreções nas formalizações dos atos de nomeação de servidores aprovados no citado Concurso Público, contrariando o disposto nos artigos 25, 26, 27, caput, inciso I, e 28, da Lei Complementar Municipal n. 01/93 (item 5.4 do relatório 4993/08);
4.2.6. R$ 200,00 (duzentos reais), em função da ocorrência de acessos funcionais entre servidores do Executivo Municipal, contrariando o que dispõe o artigo 37, incisos I e II da Constituição Federal e a Lei Complementar Municipal n. 01/93, em seus artigos 111, 117, 118, caput e inciso II, e 119, além do artigo 42, caput e incisos I e II, da Lei Municipal n. 03/93, de 18 de janeiro de 1993 (item 5.5 do relatório 4993/08);
4.2.7. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da concessão indevida de adicionais por tempo de serviço na forma de duênio e qüinqüênio, contrariando os artigos 99 a 102, da Lei Complementar Municipal n. 01/93 (item 5.5 do relatório 4993/08);
4.3. Dar Ciência desta Decisão com cópia do Relatório e Voto que a fundamentam, ao responsável Sr. Valmor José Gauer - ex-Prefeito Municipal de Monte Carlo/SC, aos Denunciantes e à Prefeitura Municipal de Monte Carlo/SC.
Gabinete do Conselheiro, 18 de junho de 2009.
WILSON ROGÉRIO WAN-DALL
Conselheiro Relator