TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Gabinete da Auditora Sabrina Nunes Iocken

 

PROCESSO N.º:

 

CON 09/00461535

 

ORIGEM:

Secretaria de estado da segurança pública e defesado cidadão

 

INTERESSADO:

ronaldo josé benedet

 

ASSUNTO:

CONSULTA

 

 

 

RELATÓRIO

 

O presente processo trata de consulta formulada pelo Sr. Ronaldo José Benedet, Secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa do Cidadão, nos seguintes termos:

Dirijo-me a Vossa Excelência para formular a essa egrégia Corte de Contas consulta sobre matéria jurídica em tese, no tocante à matéria de licitações prevista na Lei nº 8.666/93.

Assim, à guisa de exemplo, conjecturemos a hipótese de em um procedimento licitatório de obra a Administração Pública prever em edital uma lista de preços unitários. E que eventualmente, uma das proponentes tenha apresentado preço global vencedor (mais baixo) com preço compatível com o mercado, contudo, ultrapassando alguns preços máximos unitários previstos no Edital pelo Estado.

Assim, com fundamento no art. 59 da Constituição do Estado, no art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000 e no Regimento Interno desse Tribunal, apresento consulta no seguinte sentido: a proponente referida deveria ser desclassificada por apresentar preços unitários superiores aos máximos estabelecidos em edital pela Administração Pública, mesmo tendo proposto o menor preço global? Ou essa proposta de menor valor global deveria ser considerada a vencedora, ainda que com preços unitários superiores aos máximos estabelecidos, atendidos os princípios da razoabilidade e da economicidade?

(...)

A Consultoria Geral (Parecer nº 456/2009) manifestou-se no seguinte sentido:

- As licitações para obras e serviços devem ser precedidas de orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários.

- Nas licitações realizadas em regime de execução de empreitada por preço unitário, deve ser indicado critério de aceitabilidade para preço de cada insumo. Para licitações realizadas em regime de execução de empreitada por preço global, devem ser fixados critérios de aceitabilidade tanto para os preços unitários quanto para o valor global.

- O julgamento das propostas está diretamente vinculado aos dizeres expressos no ato convocatório, portanto, deve o Administrador estabelecer critérios de apresentação de custos unitários para que, no caso de proponente oferecer alguns preços unitários superiores aos fixados no edital, porém, com menor preço global, não necessariamente seja desclassificado, à vista dos princípios da razoabilidade e da economicidade a que a Administração Pública deve estar vinculada.

O Ministério Público acompanhou o entendimento da Consultoria Geral. (Parecer n. 4158/2009).

É o relatório.

 

PROPOSTA DE VOTO

 

1.  Preliminar

Preliminarmente, acompanho a manifestação da Consultoria Geral no sentido de considerar a presente consulta apta para análise por este Tribunal, tendo em vista que preencheu os requisitos impostos pelo artigo 59, da Constituição Estadual, bem como pelo artigo 1º, XV, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, e pelo artigo 104, do Regimento Interno do Tribunal.

 

 

 

2.  Análise do Mérito

 

2.1.        Considerações acerca do Parecer COG

Quanto ao mérito, verifico que por meio do Parecer COG nº 456/09, a Consultoria Geral, com base em orientação oriunda do TCU e do STJ, destacou, em suma, a necessidade da definição de critérios de aceitabilidade para preços unitários e global, ainda que a licitação seja pelo menor preço global, a fim de se evitar que seja classificada proposta com preço global adequado à realidade de mercado, mas com preços unitários excessivos ou inexeqüíveis.

Ressalto que consta do citado parecer uma determinação que foi incluída pelo Tribunal de Contas da União na Decisão nº 820/1997 exarada em processo decorrente de auditoria na qual foi constatado que a Administração realizou uma licitação com regime de empreitada global e não analisou os preços unitários ofertados pela licitante, considerando-a vencedora por ter apresentado o menor preço global. No decorrer da execução do contrato, verificou-se a necessidade de formalizar um termo aditivo e o item que deveria sofrer o acréscimo continha preços manifestamente superiores aos praticados no mercado (sete vezes superior ao maior preço ofertado pelos concorrentes). Nesse contexto, o TCU determinou ao auditado, em suma, que ou acordasse com a empresa vencedora novas bases condizentes com os custos envolvidos ou analisasse o custo/benefício de uma nova contratação. É importante ressaltar que essa determinação não se aplica ao caso que ora se analisa, tendo em vista que na presente consulta está se tratando da etapa da licitação, quando a contratação ainda não foi efetivada e se pode evitar o jogo de planilhas.

Diante dessas considerações, verifico que são necessários algumas considerações à sugestão de resposta apresentada pela Consultoria Geral, a fim de se responder de forma adequada o ponto suscitado pelo Consulente.

 

2.2.              Necessidade de Definição de Critérios de Aceitabilidade de Preços Unitários apresentados em Licitação

 

A questão central apresentada pela SSP/SC diz respeito à possibilidade, em licitação para execução de obras, de admitir-se proposta que contenha preços unitários superiores aos máximos estabelecidos em edital pela Administração Pública.

Tratando do julgamento das licitações, a Lei nº 8.666/93 definiu, em seu artigo 40, X, c/c 48, II, que:

Lei nº 8.666/93

Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

(...) X - o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o dispossto nos parágrafos 1º e 2º  do art. 48; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

Art. 48. Serão desclassificadas:

(...) II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüíveis, assim considerados aqueles que não venham a ser demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação. (grifei)

A análise superficial do artigo citado, considerando que a lei ao disciplinar a questão expressamente se referiu a valor global, pode levar a crer que o exame da aceitabilidade das propostas, isto é, da sua excessividade ou da sua inexeqüibilidade, deve recair exclusivamente sobre o seu valor global, não estando sujeitos a exame os custos unitários ofertados pelo licitante.

Contudo, essa questão, conforme demonstrou o Consulente, não é pacífica. O Tribunal de Contas da União e o STJ têm aceito e até recomendado a análise dos custos unitários que formam o preço global, com o objetivo de impedir que os licitantes apresentem proposta de menor preço global que resulta do acréscimo de certos custos em detrimento da diminuição eqüitativa de outros, caracterizando uma verdadeira manipulação de valores, o que poderia trazer prejuízos ao erário durante a execução do contrato.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu possível a avaliação da aceitabilidade dos preços unitários e do valor global proposto, conforme se extrai do teor da ementa da seguinte decisão:

STJ - RMS nº 1505/RS

2. A licitação da modalidade menor preço compatibiliza-se com a exigência de preços unitários em sintonia com o valor global - arts. 40, 44, 45 e 48 da Lei 8.666/93.

3. Previsão legal de segurança para a Administração quanto à especificação dos preços unitários, que devem ser exeqüíveis com os valores de mercado, tendo como limite o valor global. (STJ, 2ª Turma, RMS nº 15051/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 18.11.2002.)

Nessa mesma linha, forma-se também o posicionamento do Tribunal de Contas da União que, ao analisar irregularidades em contrato originário de licitação processada sob o tipo menor preço global no qual não foram avaliados os custos unitários que o compunham, determinou ao órgão público que:

TCU - Acórdão nº 583/2003

(...) faça constar obrigatoriamente de seus editais de licitação para contratação de obras os critérios de aceitabilidade de preços unitários e global, consoante o disposto no art. 40, caput e inciso X, da Lei nº 8.666/93. (TCU, Plenário, Acórdão nº 583/2003, DOU de 10.06.2003.)

Em outra ocasião, o TCU também determinou:

TCU - Acórdão nº 87/2008

9.5. por ocasião da contratação de obras e serviços, como forma de evitar o chamado ‘jogo de planilhas’:

9.5.2. passe a fixar critérios de aceitabilidade de preços unitários e global, permitida a fixação de preços máximos e vedada a estipulação de preços mínimos, ou de critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, exceto, nesses casos, daqueles próprios ao acompanhamento de preços de mercado; (TCU, Acórdão nº 87/2008 - Plenário, Rel. Min. Aroldo Cedraz, DOU de 01.02.2008.)

A ausência dos critérios de aceitabilidade dos preços unitários configura-se como infração à norma legal e aos Princípios da Publicidade e do Julgamento Objetivo. Esses critérios são necessários para se conhecer os parâmetros de julgamento das propostas dos licitantes, devendo constar necessariamente no edital, para preservar o Princípio da Transparência Pública.

 

2.3.              Formas de Definição de Critérios de Aceitabilidade de Preços Unitários apresentados em Licitação

 

Os critérios de aceitabilidade de preços unitários apresentados devem ser definidos no edital de licitação (artigo 40, X, da Lei nº 8.666/93), podendo ter como base o orçamento detalhado em planilhas, que expressem a composição de todos os custos unitários das obras e serviços, a qual se refere o artigo 7º, §2º, II, da lei nº 8.666/93.  Nesse caso, os custos dos insumos envolvidos na contratação devem refletir os valores praticados no mercado à época da deflagração da licitação, já que servem parâmetro para o julgamento das propostas apresentadas no certame.

Uma vez definidos os critérios para analise dos preços unitários, deve ser avaliada a compatibilidade dos preços unitários apresentados pelos licitantes com os preços correntes no mercado, ou fixados por órgão oficial competente. Devem ser desclassificadas as propostas desconformes ou incompatíveis com o critério previsto no edital ou as propostas que apresentem preços excessivos ou manifestamente inexeqüíveis, conforme preceituam os artigos 43, IV, e 48, II, da Lei nº 8.666/93:

Lei nº 8.666/93

Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:

(...) IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis; (...)

Art. 48. Serão desclassificadas:

(...) II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüíveis, assim considerados aqueles que não venham a ser demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.

Por outro lado, se a Administração fixar em seu edital “preços unitários máximos”, conforme foi indagado pelo Consulente, as propostas que apresentarem preços unitários superiores aos previamente fixados devem ser desclassificadas.

Destaco que os Princípios da Razoabilidade e da Economicidade não justificam o descumprimento das normas do edital, mas devem servir como vetores orientativos para a sua elaboração.

Nesse sentido, verifico que é recomendável a definição dos critérios de aceitabilidade para os preços unitários apresentados pelo licitante, a fim de viabilizar a contratação de proposta que contenha preços unitários superiores aos estimados pela Administração, mas compatíveis com os praticados pelo mercado, visando a contratação pelo menor preço global e o atendimento aos princípios da razoabilidade, da economicidade  e da proporcionalidade.

Para tanto, não é recomendável estipular como único critério de aceitabilidade dos preços unitários o valor máximo constante da planilha de preços elaborada pela Administração, sob o risco de se descumprir os princípios acima elencados e de não se contratar a proposta mais vantajosa para a Administração.

Existem outros critérios que podem ser adotados pela Administração, os quais podem considerar o cronograma físico-financeiro, por exemplo:

...  o percentual correspondente ao valor de cada item do cronograma físico-financeiro (em relação ao valor da proposta) não poderá ser superior ao ‘% do item” estabelecido a seguir...

... quando o valor total do item ultrapassar o percentual estabelecido, a diferença maior somente será paga se já tiver sido executado algum item com valor abaixo do limite (e até o limite) ou quando na execução futura de itens nesta mesma situação, sem qualquer reajuste ou atualização...

Os critérios a serem fixados podem considerar ainda os quantitativos dos itens licitados ou outros aspectos, de acordo com a discricionariedade do Administrador, porém sempre objetivando obter a melhor proposta para a Administração.

 

 

Diante do exposto, apresento ao Egrégio Plenário a seguinte Proposta de Voto:

1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente.

2. Responder a consulta nos seguintes termos:

 2.1. As licitações para obras e serviços devem ser precedidas de orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários.

2.2. Nas obras de licitação de menor preço global deve ser indicado, obrigatoriamente, critério de aceitabilidade para preços unitários. Para licitações realizadas em regime de execução de empreitada por preço global, devem ser fixados critérios de aceitabilidade tanto para os preços unitários quanto para o valor global.

2.3. Quando a Administração fixa preços unitários máximos em seu edital, as propostas que apresentarem preços unitários superiores aos previamente fixados devem ser desclassificadas, sendo que os princípios da razoabilidade e da economicidade não justificam o descumprimento das normas editalícias.

2.4. É recomendável que sejam definidos critérios de aceitabilidade para os preços unitários apresentados pelo licitante, a fim de viabilizar a contratação de proposta que contenha preços unitários superiores aos estimados pela Administração, mas compatíveis com os praticados pelo mercado, visando a contratação pelo menor preço global e o atendimento aos princípios da razoabilidade, da economicidade  e da proporcionalidade.

2.5. Não é recomendável estipular como único critério de aceitabilidade dos preços unitários o valor máximo constante da planilha de preços elaborada pela Administração, sob o risco de se descumprir o princípio da economicidade e de não se contratar a proposta mais vantajosa para a Administração.

3. Dar ciência desta Decisão, do Parecer COG 456/09 e do Voto da Relatora, ao Sr. Ronaldo José Benedet – Secretario de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.

4. Determinar o arquivamento dos autos.

 

Gabinete da Relatora, 21 de setembro de 2009.

 

 Sabrina Nunes Iocken

Auditora