Processo nº

RPA 05/00157022

Unidade Gestora

Prefeitura Municipal de Mafra

Interessado

Sra. Taisa Von Linsingen Tavares – Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Mafra (Gestão 2001-2004)

Responsáveis

Sr. Carlos Roberto Scholze, ex-Prefeito Municipal de Mafra (Gestão 2001-2004)

Sr. João Alfredo Herbst, ex-Prefeito Municipal de Mafra (Gestão 2005-2008)

Assunto

Representação acerca de supostas irregularidades praticadas pelo Executivo Municipal de Mafra nos exercícios de 2002 e 2003.

Relatório nº

805/2009

 

 

1. Relatório

 

Tratam os presentes autos de representação encaminhada pela então Presidente da Câmara Municipal de Vereadores do Município de Mafra, Sra. Taisa Von Linsingen Tavares, autuada nesta Corte de Contas em 04.01.2005, noticiando supostas irregularidades perpetradas pelo Executivo Municipal de Mafra, referentes à contratação da empresa SELUMA Serviços de Limpeza Urbana de Mafra Ltda. para exploração de serviços de engenharia sanitária de limpeza urbana naquele Município – Edital de Licitação de Concorrência Pública n° 001/2003.

 

A Diretoria de Controle dos Municípios – DMU – sugeriu o conhecimento da Representação, conforme os termos do Relatório n° 279/2005, emitido em 09.05.2005, com o que concordou o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (Parecer MPTC 1315/2005 datado de 12.05.2005).

 

Após Relatório e Voto deste Relator, datados de 25.05.2005, foi proferida a Decisão Plenária n° 1323/2005[1], na Sessão Ordinária de 13.06.2005, que conheceu da presente Representação e determinou à Diretoria de Denúncias e Representações – DDR – que fossem adotadas providências, inclusive auditoria, inspeção ou diligência que se fizessem necessárias junto à Prefeitura Municipal de Mafra com vistas à apuração dos fatos apontados como irregulares.

 

A extinta Diretoria de Denúncias e Representações – DDR – somente em 22.06.2006 apresentou o Planejamento de Inspeção n° 027/06 e, em 21.08.2006, o Relatório de Inspeção n° 41/2006, no qual sugeriu audiência aos Responsáveis, Sr. Carlos Roberto Scholze, Prefeito Municipal de Mafra na Gestão 2001-2004, em razão de dez irregularidades, e ao Sr. João Alfredo Herbst, Prefeito Municipal de Mafra na Gestão 2005-2008, em razão de duas irregularidades.

 

O processo foi enviado ao Gabinete deste Relator em 11.09.2006, que determinou que se procedesse à audiência dos Responsáveis, em 25.09.2006.

 

Em 05.10.2006, o Sr. Diretor da extinta Diretoria de Denúncias e Representações – DDR – determinou a audiência dos Responsáveis.

 

As justificativas foram protocoladas nesta Casa em 16.11.2006 (Sr. João Alfredo Herbst) e 19.12.2006 (Sr. Carlos Roberto Scholze), esta última após prorrogação de prazo deferida por este Relator.

 

Os documentos referentes às justificativas do Sr. Carlos Roberto Scholze foram juntados aos autos, pelo setor de expediente da extinta Diretoria de Denúncias e Representações – DDR –, em 13.02.2007.

 

Passados 1 (um) ano e 3 (três) meses, o feito foi então reinstruído pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC –, que em 13.05.2008 emitiu o Relatório n° DLC/INSP.2/DIV.6/87/08, sanando a irregularidade referente à adoção do critério menor tarifa combinado com a melhor técnica na Concorrência Pública n° 001/2003, reformulando a restrição referente à exigência de prévio pagamento de taxa de aquisição de edital, de forma compulsória, e mantendo as demais, com a conclusão abaixo:

 

3.1 JULGAR IRREGULARES a Concorrência Pública n° 001/03 e o correspondente Contrato de Concessão de Serviços n. 70/2003, face as ilegalidades constatadas, nos seguintes termos:   

 

Quanto à administração do Sr. Carlos Roberto Scholze, Ex-Prefeito Municipal de Mafra:

 

3.1.1 Adoção de requisitos de Habilitação, dispensáveis e irrelevantes, afrontando o disposto no art. 37, XXI da Constituição Federal e no art. 3º, §1º, inciso I, da Lei n. 8.666/93, frustando o caráter competitivo da licitação e não garantindo a escolha da proposta mais vantajosa, a saber:

a) Exigência concomitante de patrimônio líquido e de garantia de proposta, sem justificativa no processo licitatório e contrariando o disposto no art. 31, § 2º, da Lei n. 8.666/93 c/c art. 18, caput, da Lei n. 8.987/95, e em valores fixados sem amparo no disposto no art. 31, inciso III e § 3º, da Lei n. 8.666/93 c/c art. 18, caput, da Lei n. 8.987/95.  (item 2.2, deste Relatório)

b) Exigência de índices contábeis em patamares superiores aos usualmente utilizados, sem justificativa no processo licitatório, contrariando o disposto no art. 31, § 5º, da Lei n. 8.666/93 c/c art. 18, caput, da Lei n. 8.987/95. (item 2.2, deste Relatório)

c) Exigência de comprovante de pagamento da anuidade da empresa e de seus responsáveis técnicos no Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e Agronomia - CREA, sem amparo no art. 31, da Lei n. 8.666/93 c/c art. 18, caput, da Lei n. 8.987/95. (item 2.2, deste Relatório)

 

3.1.2 Exigência de prévio pagamento de taxa de aquisição do Edital, de forma compulsória, contrariando o disposto no art. 32, §5°, da Lei 8.666/93 c/c art. 18, caput, da Lei 8.987/95. (item 2.3.1, deste Relatório)

 

3.1.3 Modificação de exigência de Habilitação (valor da taxa de aquisição) sem divulgação pela mesma forma que se deu o texto original e sem a reabertura do prazo para entrega das propostas, contrariando o disposto no art. 21, § 4º, da Lei n. 8.666/93 c/c art. 18, caput, da Lei n. 8.987/95. (item 2.4, deste Relatório)

 

3.1.4 Ausência de publicação do resumo do edital em jornal de grande circulação no Estado, contrariando o disposto no art. 21, III, da Lei n. 8.666/93 e ferindo de forma incontestável o principio da publicidade postulado no art. 37, caput, da Constituição Federal. (item 2.5, deste Relatório)

 

3.1.5 Ausência de aprovação do Edital e da Minuta do Contrato pela Assessoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Mafra, contrariando o art. 38, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93 c/c art. 18, caput, da Lei n. 8.987/950. (item 2.6, deste Relatório)

 

3.1.6 Ausência de cláusula contratual impositiva de garantia do fiel cumprimento das obrigações relativas à obra prevista na Cláusula 1º - Itens 1.1.2 e 1.1.3 do Contrato de Concessão n. 070/2003, descumprindo requisito essencial em contrato de concessão de serviços públicos precedidos de obra, previsto no art. 23, parágrafo único e inciso II, da Lei n. 8.987/95. (item 2.7, deste Relatório)

 

3.1.7 O Edital da Concorrência n. 001/2003 - Itens 9.2 - autorizou a Concessionária a receber receitas alternativas com a destinação de resíduos provenientes de outros Municípios no aterro sanitário de Mafra, como forma de subsídio ao valor da tarifa cobrada dos usuários, sem que fossem consideradas na aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato, em completo desrespeito ao previsto no art. 11, parágrafo único, da Lei n. 8.987/95. (item 2.8, deste Relatório)

 

3.1.8 A Comissão de licitação habilitou o Consórcio Serrana/Consermat desrespeitando o princípio da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório, imposto pelo art. 3º, caput, da Lei n. 8.666/93, uma vez que na fase de Habilitação o consórcio-proponente apresentou o “Termo de Compromisso de Constituição do Consórcio” incompleto, descumprindo os requisitos impostos pelo art. 279 da Lei nº 6.404/76. (item 2.9, deste Relatório)

 

3.1.9 O Contrato n. 070/03, decorrente da Concorrência Pública n. 001/03, foi assinado pelo executivo municipal com sociedade constituída pelas empresas Serrana Engenharia Ltda. (capital integralizado de R$ 40.000,00) e Consermat Planejamento e Serviços Tercerizados Ltda. (capital integralizado de R$ 10.000,00) que não possuía os mesmos requisitos de habilitação do proponente vencedor exigidos no edital, contrariando o art. 20, caput, da Lei n. 8.987/95 e os princípios da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório, postulado no art. 3º, caput, da Lei n. 8.666/93. (item 2.10, deste Relatório)

 

Em relação à gestão do Sr. João Alfredo Herbst, Prefeito Municipal de Mafra:

 

3.1.10 O executivo municipal não vem exercendo o fiel e permanente controle sobre a execução dos serviços prestados pela concessionária, bem como, sobre as receitas provenientes de contratos da concessionária com outras prefeituras que devem resultar em revisão do valor das tarifas, descumprindo o disposto nas Cláusulas 6ª e 10ª do Contrato n. 070/2003 e o que impõe o artigo art. 29, Incisos I, III, V, VI  e VII, da Lei n. 8.987/95. (item 2.11, deste Relatório)

 

3.1.11 A Prefeitura não possui em sua estrutura um órgão fiscalizador, responsável pela quantificação e controle periódico dos serviços executados pela concessionária, bem com, não designou o representante responsável pela fiscalização, inclusive, com anotação, em registro próprio, de todas as ocorrências relacionadas com os encargos do contrato,  desrespeitando o disposto no art. 30, parágrafo único, da Lei n. 8.987/95 e os termos do contrato (Itens 10.6 e 10.8) que tratam do controle da execução dos serviços da concessionária. (item 2.12, deste Relatório)

 

3.2 APLICAR MULTA, aos responsáveis:

 

Sr. Carlos Roberto SchOlze, Ex-Prefeito Municipal de Mafra, com endereço à Rua Marechal Floriano Peixoto, n. 575, São Lourenço, Mafra/SC, Cep. 89.300-000, a teor do disposto no art. 70, II da Lei Complementar 202/2000, em face das ilegalidades integrantes dos itens 3.1.1, 3.1.2, 3.1.3, 3.1.4, 3.1.5, 3.1.6, 3.1.7, 3.1.8 e 3.1.9, da parte conclusiva deste Relatório.

 

Sr. JOÃO ALFREDO HERBST, Prefeito Municipal de Mafra, com endereço à Praça Flávio Tavares, n. 12, Centro, Mafra/SC, Cep. 89.300-000, a teor do disposto no art. 70, II da Lei Complementar 202/2000, em face das ilegalidades integrantes dos itens 3.1.10 e 3.1.11, da parte conclusiva deste Relatório.

 

3.3 DETERMINAR, nos termos do caput do art. 29 da Lei Complementar n. 202/00, que o Sr. João Alfredo Herbst, Prefeito Municipal de Mafra, promova a anulação do Contrato de Concessão de Serviços n. 70/2003, oriundo da Concorrência Pública n. 001/03, a partir da publicação do Acórdão, na forma prevista no caput e § 2º do art. 49 da Lei n. 8.666/93.

 

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC -, mediante emissão do Relatório n° DLC/INSP.2/298/2008, em 17.06.2008, da lavra do Coordenador de Controle, Sr. Otto César Ferreira Simões, divergiu em parte do Relatório técnico apresentado pela mesma Diretoria. Eis a Conclusão abaixo:

 

Ante  o exposto, sugere-se:

Considerando a necessidade de uniformizar as Decisões desta Corte de Contas.

Considerando que estes itens não são apontados por esta Inspetoria

3.1.1 A desconsideração dos itens 3.1.1 ‘a’ e ‘c’ e 3.1.3 da conclusão do relatório 87/08.

3.1.2 A manutenção dos demais itens da conclusão 87/08. (grifou-se).

 

Os itens citados na Conclusão do Relatório n° DLC/INSP.2 298/2008, em relação aos quais o Sr. Coordenador de Controle da DLC entende não haver irregularidades, dizem respeito a:

 

a) exigência concomitante de patrimônio líquido e de garantia de proposta como requisito de habilitação;

b) exigência de comprovante de pagamento da anuidade da empresa e de seus responsáveis técnicos no Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e Agronomia – CREA – como requisito de habilitação;

c) modificação de exigência de Habilitação (valor da taxa de aquisição) sem divulgação pela mesma forma que se deu o texto original e sem a reabertura do prazo para entrega das propostas.

 

Em 14.05.2009, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, no Parecer n° MPTC/2167/2009 corroborou o entendimento esboçado pelo Relatório DLC/INSP.2/298/2008.

 

 

2. Voto

 

 

A presente Representação, como visto com longo trâmite nesta Corte de Contas, já que decorridos 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses desde a sua autuação, trata de supostas irregularidades ocorridas na Concorrência Pública n° 001/2003, da Prefeitura Municipal de Mafra, e contrato dela decorrente: Contrato de Concessão de Serviços n° 70/2003, em que houve a contratação da empresa SELUMA Serviços de Limpeza Urbana de Mafra Ltda. para exploração de serviços de engenharia sanitária de limpeza urbana naquele Município pelo prazo de 20 (vinte) anos a contar da assinatura do contrato, em 02.06.2003, com possibilidade de prorrogação no máximo por igual período (fls. 58/74).

Inicialmente, vejamos o que se entende por “serviços de engenharia sanitária de limpeza urbana” no Município de Mafra.

 

Eis o teor da Lei Municipal de Mafra n° 2.700/2002, art. 1°, parágrafo único:

 

Parágrafo Único – Entende-se por serviços de engenharia sanitária de limpeza urbana, a coleta de resíduos dos serviços de saúde, coleta de resíduos domiciliares, serviços gerais de limpeza de vias urbanas, implantação e operação de sistema de disposição final, através de aterro sanitário para resíduos sólidos domiciliares, valas sépticas e incineração de resíduos do serviço de saúde.

 

A concessão em questão, entretanto, não abrangeu todos os serviços acima, mas tão-somente:

 

a) a coleta de resíduos sólidos domiciliares e compactáveis produzidos no Município, compreendendo coleta regular e transporte até o aterro sanitário;

b) a recuperação ambiental e adequação operacional da área atual de deposição dos resíduos, situada na localidade de Rio Branco, a 11 km do centro da cidade;

c) a implantação, operação e manutenção de novo aterro sanitário no Município (fl. 29).

 

Verifica-se que a maior parte das irregularidades apontadas pelo Órgão de Controle diz respeito a procedimentos que, pela Lei de Licitações (Lei Federal n° 8.666/93) e pela Lei de Concessões Públicas (Lei Federal n° 8.987/95), deveriam ser observados pela Unidade, a fim de garantir o princípio constitucional da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, objetivo maior da licitação, bem como para garantir a prestação de serviço público adequado ao pleno atendimento dos usuários.

 

Serviço público adequado, segundo o § 1° do art. 6° da Lei Federal n° 8.987/1995, é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

 

Segundo apontou a área técnica, o certame em questão fez exigências indevidas quanto aos requisitos de habilitação; quanto ao prévio pagamento de taxa de aquisição do edital, de forma compulsória; apresentou vícios quanto à ausência de publicidade do edital; quanto à ausência de parecer jurídico; quanto à ausência de cláusula contratual impositiva de garantia do fiel cumprimento das obrigações relativas à obra; quanto à aferição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, dentre outras. Em relação a essas irregularidades, aponta como Responsável o Prefeito Municipal à época em que houve a realização do certame (ano de 2003). 

 

Em relação a essas irregularidades, entendo correto o apontamento do Órgão de Controle pela aplicação de multas ao Responsável, com fulcro no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n° 202/2000, já que a violação das normas indicadas representam “grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.”

 

O Órgão de Controle aponta, ainda, irregularidades quanto à ausência de controle e fiscalização sobre a execução dos serviços prestados pela concessionária e sobre as receitas provenientes de contratos da concessionária com outras prefeituras que deveriam resultar em revisão do valor da tarifa por parte da gestão municipal posterior à contratação da empresa, sendo Responsável o Prefeito Municipal da Gestão 2005-2008.

 

Tal restrição de ausência de controle e fiscalização da execução do contrato foi observada in loco quando da inspeção realizada na Unidade em junho de 2006, por auditores desta Corte de Contas então lotados na extinta Diretoria de Denúncias e Representações – DDR (Relatório de Inspeção n° 41/2006, fls. 639/641).

 

Verifica-se, quanto a esse aspecto, que em 13.11.2006, O Sr. João Alfredo Herbst, então Prefeito Municipal de Mafra, editou a Portaria n° 1143/2006, constante de fl. 652, atribuindo às servidoras Carina Skrenski e Sulei Mari de Lima as funções inerentes à fiscalização de serviços prestados pela empresa Seluma e dando outras providências.

 

Até então, segundo a área técnica desta Corte de Contas, não existia qualquer controle e fiscalização, impondo-se ao Responsável a aplicação de multas em razão do descumprimento dos dispositivos indicados pelo Órgão de Controle, referentemente à Lei Federal n° 8.987/95 (Lei de Concessões).

 

A partir da data da edição da Portaria n° 1143/2006, não há notícia nos autos acerca de como vem sendo feita a fiscalização dos serviços prestados pela empresa SELUMA Serviços de Limpeza Urbana de Mafra Ltda., tampouco houve outro tipo de controle ou fiscalização por parte desta Corte de Contas.

 

Faço essa afirmação para passar à análise da sugestão da área técnica no sentido de determinar ao Sr. Prefeito Municipal de Mafra para que promova a anulação do contrato em questão, com fulcro no art. 49, § 2°, da Lei Federal n° 8.666/93, que prevê:

 

Art. 49.  A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.

 

§ 2o  A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.

 

O art. 59 da Lei Federal n° 8.666/93, por sua vez, dispõe acerca das consequências (dever de indenização) para a Administração em caso de declaração de nulidade do contrato administrativo:

 

Art. 59.  A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

 

Parágrafo único.  A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

 

Em situação que lembra a dos autos, mutatis mutandis, fui Relator do Processo ALC 07/00009809, da Prefeitura Municipal de Laguna, que tratou de auditoria in loco de licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos referentes aos exercícios de 2006 e 2007.

 

No julgamento do referido Processo ALC 07/00009809[2], foi aplicada multa de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) ao então Prefeito Municipal de Laguna em razão da formalização de Dispensa de Licitação n° 593/2007 (para contratação de empresa especializada para prestação dos serviços de coleta e transporte de resíduos no Município de Laguna) e Contrato decorrente n° 011/2007 em desacordo com a Lei Federal n° 8.666/93, art. 26, parágrafo único, incisos II e III, determinando-se à Câmara Municipal de Vereadores de Laguna que procedesse a sustação do contrato, com fulcro nos arts. 1°, XIII, e 33, parágrafo único, da Resolução TC n° 06/2001.

 

Voltando aos presentes autos, ressalto, uma vez mais, que o contrato de concessão em questão está em vigor desde o ano de 2003 (02.06.2003).

 

Não há como olvidar a dificuldade em se precisar se a anulação do contrato é a medida que melhor atende ao interesse público, notadamente em se tratando de serviço essencial à coletividade como é o caso da coleta de lixo, ainda mais que não há nenhuma informação nos autos acerca da má-qualidade ou da não-adequação dos serviços prestados.

 

Ressaltando o caráter essencial dos serviços de que trata a concessão em comento, é pertinente tecer algumas breves considerações sobre o princípio da continuidade dos serviços públicos.

 

Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[3]:

 

O princípio da continuidade dos serviços públicos é um princípio implícito, decorrente do regime de direito público a que eles estão sujeitos.

(...)

Os serviços públicos, como seu nome indica, são prestados no interesse da coletividade, sob regime de direito público. Por esse motivo, sua prestação deve ser adequada, não podendo sofrer interrupções. A interrupção de um serviço público prejudica toda a coletividade, que dele depende para a satisfação de seus interesses e necessidades. (grifou-se).

 

José dos Santos Carvalho Filho[4] elucida:

 

Os serviços públicos buscam atender aos reclamos dos indivíduos em determinados setores sociais. Tais reclamos constituem muitas vezes necessidades prementes e inadiáveis da sociedade. A conseqüência lógica desse fato é o de que não podem os serviços públicos ser interrompidos, devendo, ao contrário, ter normal continuidade.

(...)

Não é dispensável, porém, acentuar que a continuidade dos serviços públicos está intimamente ligada ao princípio da eficiência, hoje expressamente mencionado no art. 37, caput, da CF, por força de alteração introduzida pela Emenda Constitucional n° 19/98, relativa à reforma do Estado. Logicamente, um dos aspectos da qualidade dos serviços é que não sofram solução de continuidade, prejudicando os usuários. (grifou-se).

 

Dessa forma, entendo prudente a comunicação à Câmara Municipal de Vereadores para que avalie a situação, sustando o contrato, se for o caso, e solicitando ao Poder Executivo Municipal as medidas cabíveis, também caso considere pertinente, já que o interesse da coletividade deve ser analisado de forma primordial.

 

Eis o teor dos arts. 1°, XIII, e 30, da Lei Complementar Estadual n° 202/2000:

Art. 1° Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma estabelecida nesta Lei:

 

XIII — sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembléia Legislativa, exceto no caso de contrato, cuja sustação será adotada diretamente pela própria Assembléia;

 

Art. 30. No caso de contrato, vencido o prazo fixado pelo Tribunal sem que o responsável tenha adotado as providências para o exato cumprimento da lei, o Tribunal comunicará o fato ao Poder Legislativo a quem compete adotar o ato de sustação e solicitar de imediato ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

 

No mesmo sentido a redação dos arts. 1°, XIII, e 33, parágrafo único, da Resolução TC n° 06/2001:

 

Art. 1° Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão  de  controle  externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma da legislação vigente, em especial da sua Lei Orgânica:

XIII - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão ao Poder Legislativo, exceto no  caso  de  contrato,  cuja  sustação  será  adotada  diretamente  pela Assembléia Legislativa ou pela Câmara de Vereadores, conforme o caso;

 

Art. 33. No caso de contrato, se o responsável,  ou  quem  lhe  haja  sucedido,  não  adotar  as providências de que  trata o caput do artigo anterior, o Tribunal comunicará o  fato ao Poder Legislativo  a  quem  compete  sustar  a  sua  execução  e  solicitar, de  imediato, ao Poder Executivo, as medidas cabíveis.

 

 

Diante do exposto, VOTO no sentido de que o Egrégio Plenário adote a seguinte Decisão:

 

2.1 Considerar irregular a Concorrência Pública n° 001/2003, da Prefeitura Municipal de Mafra, e Contrato dela decorrente – Contrato de Concessão de Serviços n° 70/2003.

 

2.2 Aplicar ao Sr. Carlos Roberto Scholze, Prefeito Municipal de Mafra na Gestão 2001-2004, com fundamento no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n° 202/2000, e art. 109, inciso II, da Resolução n° TC-06/2001, as multas abaixo especificadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas – DOTC-e, para comprovar ao Tribunal o recolhimento aos cofres públicos das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71, da Lei Complementar n° 202/2000:

 

2.2.1 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão da exigência de índices contábeis em patamares superiores aos usualmente utilizados, sem justificativa no processo licitatório, contrariando o disposto no art. 31, § 5°, da Lei Federal n° 8.666/93 c/c o art. 18, caput, da Lei Federal n° 8.987/95 (item 2.2,”b”, do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.2.2 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão da exigência de prévio pagamento de taxa de aquisição do Edital, de forma compulsória, contrariando o disposto no art. 32, § 5°, da Lei Federal n° 8.666/93 c/c o art. 18, caput, da Lei Federal n° 8.987/95 (item 2.3.1 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.2.3 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão da ausência de publicação do resumo do edital em jornal de grande circulação no Estado, contrariando o disposto no art. 21, III, da Lei Federal n° 8.666/93 e ferindo de forma incontestável o principio da publicidade postulado no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.5 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.2.4 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão da ausência de aprovação do Edital e da Minuta do Contrato pela Assessoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Mafra, contrariando o art. 38, parágrafo único, da Lei Federal n° 8.666/93 c/c o art. 18, caput, da Lei Federal n° 8.987/95 (item 2.6 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.2.5 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão da ausência de cláusula contratual impositiva de garantia do fiel cumprimento das obrigações relativas à obra prevista na Cláusula 1° - Itens 1.1.2 e 1.1.3 do Contrato de Concessão n° 070/2003, descumprindo requisito essencial em contrato de concessão de serviços públicos precedidos de obra, previsto no art. 23, parágrafo único e inciso II, da Lei Federal n° 8.987/95 (item 2.7 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08)

 

2.2.6 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão de o item 9.2 do Edital de Concorrência Pública n° 001/2003 ter autorizado a concessionária a receber receitas alternativas com a destinação de resíduos provenientes de outros Municípios no aterro sanitário de Mafra, como forma de subsídio ao valor da tarifa cobrada dos usuários, sem que fossem consideradas na aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato, em completo desrespeito ao previsto no art. 11, parágrafo único, da Lei Federal n° 8.987/95 (item 2.8 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.2.7 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão de a Comissão de Licitação ter habilitado o Consórcio Serrana/Consermat desrespeitando o princípio da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório, imposto pelo art. 3°, caput, da Lei Federal n° 8.666/93, uma vez que na fase de Habilitação o consórcio-proponente apresentou o “Termo de Compromisso de Constituição do Consórcio” incompleto, descumprindo os requisitos impostos pelo art. 279 da Lei Federal n° 6.404/76. (item 2.9 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.2.8 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão de o Contrato de Concessão n° 070/03, decorrente da Concorrência Pública n° 001/03, ter sido assinado pelo Executivo Municipal com sociedade constituída pelas empresas Serrana Engenharia Ltda. (capital integralizado de R$ 40.000,00) e Consermat Planejamento e Serviços Tercerizados Ltda. (capital integralizado de R$ 10.000,00) que não possuía os mesmos requisitos de habilitação do proponente vencedor exigidos no edital, contrariando o art. 20, caput, da Lei Federal n° 8.987/95 e os princípios da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório, postulados no art. 3º, caput, da Lei Federal n° 8.666/93. (item 2.10 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.3 Aplicar ao Sr. João Alfredo Herbst, Prefeito Municipal de Mafra na Gestão 2005-2008, com fundamento no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n° 202/2000, e art. 109, inciso II, da Resolução n° TC-06/2001, as multas abaixo especificadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico – DOTC-e, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71, da Lei Complementar n° 202/2000:

 

2.3.1 R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão de o Executivo Municipal não ter exercido o fiel e permanente controle sobre a execução dos serviços prestados pela concessionária, bem como sobre as receitas provenientes de contratos da concessionária com outras prefeituras que deveriam resultar em revisão do valor das tarifas, descumprindo o disposto nas Cláusulas 6ª e 10ª do Contrato n° 070/2003 e o que impõe o art. 29, Incisos I, III, V, VI e VII da Lei Federal n° 8.987/95. (item 2.11 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.3.2  R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão de a Prefeitura não possuir em sua estrutura um órgão fiscalizador, responsável pela quantificação e controle periódico dos serviços executados pela concessionária, bem como não ter designado responsável pela fiscalização, inclusive, com anotação, em registro próprio, de todas as ocorrências relacionadas com os encargos do contrato,  desrespeitando o disposto no art. 30, parágrafo único, da Lei Federal n° 8.987/95 e os termos do contrato (Itens 10.6 e 10.8) que tratam do controle da execução dos serviços da concessionária (item 2.12 do Relatório DLC/INSP.2/DIV.6/87/08);

 

2.4 Comunicar à Câmara Municipal de Vereadores do Município de Mafra acerca do julgamento irregular da Concorrência Pública n° 001/2003 e Contrato dela decorrente – Contrato de Concessão de Serviços n° 70/2003 - , para que aquele Poder Legislativo Municipal avalie a situação e, caso considere pertinente, diante das irregularidades referentes aos itens 3.1.6, 3.1.7, 3.1.9, 3.1.10 e 3.1.11 da conclusão do Relatório n° DLC/INSP.2/DIV.6/87/08, determinar a sustação do contrato, nos termos dos arts. 1°, XIII, e 30, da Lei Complementar Estadual n° 202/2000, c/c os arts. 1°, XIII, e 33, parágrafo único, da Resolução TC n° 06/2001.

 

2.5 Dar ciência da decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, à Representante Sra. Taísa Von Linsingen Tavares, ao Sr. Carlos Roberto Scholze, Prefeito Municipal de Mafra na Gestão 2001-2004, ao Sr. João Alfredo Herbst, Prefeito Municipal de Mafra na Gestão 2005-2008, e à Prefeitura Municipal de Mafra.

 

 

Florianópolis, 18 de setembro de 2009.

 

 

 

Conselheiro Salomão Ribas Junior

Relator

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Sessão Ordinária de 13.06.2005. Relatora Auditora Thereza Apparecida Costa Marques. Publicado no DOE n° 17696, de 09.08.2005.

 

[2] Sessão Ordinária de 19.03.2007. Relator Conselheiro Salomão Ribas Junior. Publicado no DOE n° 18111, de 26.04.2007.

 

[3] Direito administrativo descomplicado. Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 213 e 214.

 

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 33.