ESTADO DE SANTA CATARINA
PROCESSO: CON 09/00294884
UG/CLIENTE: Prefeitura
Municipal de Gravatal
INTERESSADO: Rudinei Carlos do Amaral Fernandes
ASSUNTO: Regime jurídico a ser adotado aos profissionais da saúde. Forma de contratação
e prazo
I – RELATÓRIO
Tratam os autos
de Consulta subscrita pelo Sr. Rudinei Carlos do Amaral Fernandes, Prefeito
Municipal de Gravatal, a respeito do regime jurídico aplicável aos
profissionais da saúde da família, agentes comunitários e de combate às
endemias, visto que o regime jurídico da prefeitura é o estatutário. Questionou
ainda a forma e o prazo máximo de contratação destes profissionais.
Seguindo a
tramitação regular, o processo foi encaminhado à Consultoria Geral - COG, que
elaborou o Parecer n. COG-492/09 (fls. 04/26), sugerindo o que segue:
Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente e respondê-la nos seguintes termos:
1. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se lei municipal dispuser de forma diversa, por força do disposto no art. 8º da Lei Federal nº 11.350/06, editada em cumprimento ao § 5º do art. 198, da Constituição Federal.
2. Cabe ao Município definir qual o regime jurídico que irá adotar para admissão dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, criando mediante lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, os cargos ou empregos respectivos e definindo a forma e as condições de realização do processo seletivo público, os meios e os veículos de divulgação a serem utilizados para a ampla publicidade dos editais/avisos de convocação dos interessados e dos atos subsequentes.
3. Para a admissão dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate às Endemias devem ser atendidas as disposições da Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006, e da Lei Federal n. 11.350, de 05 de outubro de 2006, observando-se:
I - que a admissão deve efetivar-se através de prévia aprovação em processo seletivo público;
II - ficam dispensados da realização do processo seletivo público os Agentes Comunitários de Saúde que se encontravam em atividade na data da promulgação da EC n. 51 (14/02/2006), desde que tenham sido contratados mediante anterior seleção pública realizada por órgão da administração direta ou indireta do Estado, Distrito Federal ou do Município, ou se por outras instituições, mediante supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação (art. 2º, parágrafo único, da EC n. 51);
III - o enquadramento de situação concreta no art. 2º, parágrafo único, da EC n. 51, de 2006 (realização de anterior processo seletivo público), é condicionado à certificação por órgão ou ente da administração direta dos Estados, DF ou dos Municípios, sobre a existência de anterior processo de seleção pública;
IV - é vedada a admissão e/ou prestação de serviços por Agentes Comunitários de Saúde que não tenham sido submetidos previamente a processo seletivo público, observado o art. 17 da Lei n. 11.350, de 2006, que prevê a possibilidade de permanência dos Agentes Comunitários de Saúde em exercício na data da publicação da Lei (06/10/2006), até a conclusão de processo seletivo público pelo ente federativo (Estado, DF ou Município).
V - é vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde, inclusive através de Organização Civil de Interesse Público - OSCIPconforme art. 16 da Lei n. 11.350, de 2006.
4. Não pode a Administração determinar prazos nos contratos de trabalho firmados com os Agentes Comunitários de Saúde e de Combates às Endemias. Os contratos devem vigorar por prazo indeterminado sendo possível a rescisão unilateral por parte da Administração nos casos previstos pelo art. 10 da Lei nº 11.350/2006 ou a pedido.
5. Constituem hipóteses para dispensa do Agente Comunitário de Saúde e do Agente de Combate às Endemias, de acordo com o regime de trabalho adotado:
I - a prática de falta grave, conforme previsto no art. 482 da CLT;
II - a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
III - a necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesas, conforme a Lei Federal n. 9.801, de 1999;
IV - a insuficiência de desempenho, apurada de acordo com as disposições do inciso IV do art. 10 da Lei Federal n. 11.350, de 2006;
V - motivadamente (art. 7º, I, Constituição Federal), devendo estar prevista na lei municipal específica, em face da:
a) extinção dos programas federais;
b) desativação/redução de equipe(s);
c) renúncia ou cancelamento do convênio de adesão assinado por iniciativa do Município ou da União;
d) cessação do repasse de recursos financeiros da União para o Município.
6. No caso de admissão pelo regime estatutário, os agentes somente poderão ser desligados do serviço público por interesse próprio ou diante do cometimento de falta grave que justifique a aplicação da pena de demissão, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a amplitude de defesa e o contraditório.
7. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate
às Endemias exercerão suas atividades no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS,
mediante vínculo direto com o órgão ou entidade da administração direta,
autárquica ou fundacional (art. 2º da Lei n. 11.350, de 2006).
8. Os profissionais da saúde
que devem integrar as equipes do Programa de Saúde da Família - PSF submetem-se
ao regime jurídico estabelecido pela legislação municipal. Em face do vínculo
direto com órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou
fundacional, é recomendável que o Município adote o regime jurídico
estatutário, em conformidade com a orientação firmada no prejulgado 1752.
9. Cabe ao Município criar, mediante lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo os cargos de médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem e, quando for o caso, dentistas e auxiliares de consultório dentário, que devem integrar as equipes do Programa de Saúde da Família, estabelecer a respectiva remuneração, bem como definir a forma e condições para realização do concurso público para admissão destes profissionais.
10. Na fixação da remuneração do médico integrante da equipe de saúde do PSF, deve-se observar, em regra, o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal, segundo o qual a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos nos Municípios não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie , do Prefeito Municipal.
11. A saúde é direito social (art. 6º, CF), dever do Estado (art. 196, CF) e princípio constitucional (art. 34, VII, CF). Destarte, em casos concretos, nos quais ocorra conflito entre princípios constitucionais, é admissível, pela doutrina e jurisprudência, a solução da controvérsia utilizando-se a técnica da ponderação de princípios. Assim, no eventual e concreto conflito entre os princípios da saúde e da moralidade administrativa decorrente da admissão de médico para atuar no Programa de Saúde da Família - PSF (Portaria do Ministério da Saúde n. 1.886/GM, de 18/12/1997), comprovada a impossibilidade de observar-se na fixação da remuneração do médico o limite constante do art. 37, XI, CF, através da demonstração de que foi lançado edital de concurso público, com ampla divulgação, sem que acorressem candidatos, é possível adotar-se a ponderação dos princípios aliada a interpretação restritiva como solução do conflito, de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana - fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF).
12. O STF, ao deferir a Medida Cautelar na ADI - Nº 2135-4 que suspendeu a vigência do caput do art. 39 da Constituição Federal, restabelecendo, portanto, a redação anterior à Emenda constitucional nº 19/98 (Regime Jurídico Único), atribuiu à decisão efeitos ex nunc, ou seja, a partir de agosto de 2007. Com isso, toda legislação editada durante a vigência do art. 39, caput, com a redação da Emenda Contitucional nº 19 continua válida, ficando resguardadas as situações consolidadas até o julgamento do mérito.
13. O Município que antes do deferimento da medida cautelar havia adotado regime jurídico estatutário para os seus servidores e o regime de emprego para médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e, quando for o caso, dentistas e auxiliares de consultório dentário vinculados ao Programa de Saúde na Família não está obrigado a alterar a legislação municipal para se adequar às regras do regime jurídico único, pois encontra-se amparado pelos efeitos ex-nunc da decisão cautelar na ADI Nº 2135-4.
14. De acordo com a referida decisão, restaram preservadas
não só a validade da legislação municipal editada anteriormente quanto a
validade dos atos editados sob a égide dessa legislação. Entretanto, o
Município que antes do deferimento da medida cautelar havia adotado o regime
jurídico estatutário ou o regime de emprego para os seus servidores e optado
pelo regime temporário ou pela prestação de serviços para a execução do PSF
deverá fazer cessar referidas contratações porque estão em desacordo com o
entendimento do Tribunal de Contas expresso no Prejulgado 1853. Deve ainda
realizar concurso público para a admissão do pessoal vinculado ao Programa de
Saúde da Família no regime jurídico eleito pela municipalidade e, caso os
cargos existentes na municipalidade não sejam suficientes, pode o Município
criar os quantitativos necessários ao atendimento da demanda do PSF, através de
lei de iniciativa do Poder Executivo.
15. A legislação que disciplina a contratação dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, editada anteriormente ao deferimento da cautelar que suspendeu o caput do art. 39 da Constituição Federal, baseia-se no § 5º do art. 198 da Constituição Federal. Dessa forma, em interpretação conforme à Constituição e considerando o disposto nos parágrafos 4º e 5º do art. 198 da Constituição Federal, bem como as disposições da Lei Federal nº 11.350/06, o regime jurídico aplicável aos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias constitui exceção à regra do caput do art. 39 da Carta Magna, não tendo sido afetado pelos efeitos da cautelar deferida na ADI nº 2135-4.
16. Revogar por absorção de seus preceitos ou por contrariedade com o entendimento encaminhado neste parecer:
- do Prejulgado nº 1083, os itens 1 e 2 e seus subitens;
- do Prejulgado nº 1095, os itens 3 e4 e seus subitens;
- do Prejulgado nº 1347, o item 1 e seus subitens e o item 2;
- o Prejulgado nº 1668;
- o Prejulgado 1700;
- o Prejulgado nº 1853;
- o Prejulgado 1867.
17. Dar ciência desta decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao mandatário do Município de Gravatal.
Foram os autos
à Procuradoria-Geral junto ao Tribunal de Contas que exarou o Parecer nº 5213/2009
(fls. 27/33), no sentido de conhecer a consulta e, no mérito, acompanhar o
parecer COG n. 492/2009.
Vieram
os autos conclusos.
II – DISCUSSÃO
Trata a
consulta de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos
termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual c/c inciso I do
art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.
Atendidos estão
os pressupostos de admissibilidade do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001,
porquanto a matéria versa sobre questão formulada em tese, com natureza
interpretativa de lei, de competência deste Tribunal, o subscritor possui
legitimidade ativa para formular a consulta e com indicação precisa da dúvida
e/ou controvérsia a ser esclarecida. A consulta não veio instruída com parecer
da assessoria jurídica da municipalidade, no entanto tal descumprimento, por si
só, não elide o processo, em razão do art. 105, § 2°, do Regimento Interno.
Por conseguinte,
conheço da consulta e passo à análise do mérito das questões suscitadas, com o intuito de responder as indagações do
consulente.
A Consulta é
formulada com as seguintes perguntas:
a) Qual o regime jurídico a ser adotado aos profissionais da saúde da família, agentes comunitários e de combate á endemias? Lembrando que o regime jurídico desta Prefeitura é estatutário. b) Qual a forma de contratação e o prazo máximos?
Calcado no
ideal de que a consulta deve se pautar somente nos termos questionados pelo
consulente, passo a analisar o mérito.
As dúvidas
foram elaboradas em razão da cautelar na ADI 2135, publicada em 07/03/2008, a
qual teve como efeito o retorno à adoção do regime jurídico único
administrativo, em razão de vício formal admitido na EC19/98, in verbis:
MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19,
DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORES PÚBLICOS.
REGIME JURÍDICO ÚNICO. PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE
CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE EMPREGO PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE
NÃO OBTEVE A APROVAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM
SEPARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO
TURNO, DA REDAÇÃO ORIGINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE PREVISTO
PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO.
SUPRESSÃO, DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO SISTEMA DE REGIME
JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA
MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO
DE VÍCIO FORMAL POR OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
RELEVÂNCIA JURÍDICA DAS DEMAIS ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E
MATERIAL REJEITADA POR UNANIMIDADE. 1. A matéria votada em destaque na Câmara
dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve
apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente
caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a
figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos
termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo
representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS nº 9 e
evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original
suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego
público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quorum de três
quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. 3. Pedido de
medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da
Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da
decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos
atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas
durante a vigência do dispositivo ora suspenso. 4. Ação direta julgada
prejudicada quanto ao art. 26 da EC 19/98, pelo exaurimento do prazo estipulado
para sua vigência. 5. Vícios formais e materiais dos demais dispositivos
constitucionais impugnados, todos oriundos da EC 19/98, aparentemente
inexistentes ante a constatação de que as mudanças de redação promovidas no
curso do processo legislativo não alteraram substancialmente o sentido das
proposições ao final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção
de regime jurídico anterior. 6. Pedido de medida cautelar parcialmente
deferido.
A cautelar em
ação direta de inconstitucionalidade possui efeitos ex nunc, motivo pelo qual toda a legislação editada anteriormente
ao seu deferimento permanece em vigor até o julgamento final do processo. In casu, o marco temporal é a publicação
da referida cautelar, que ocorreu em 07/03/2008.
A Emenda
Constitucional n. 51 foi publicada em 14/02/2006 e a legislação que instituiu o
regime de contratação dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às
endemias - Lei Federal n. 11.350/2006 - foi publicada anteriormente a
07/03/2008, logo, ambos os diplomas permanecem em vigor.
Destarte, toda
a orientação emanada por esta Corte nos Prejulgados 1867, publicado em 07/05/2007
e 1853, publicado em 26/04/2007, a respeito do regime jurídico, forma de
contratação e prazo máximo dos profissionais de saúde da família e agentes
comunitários e de combate às endemias permanece válida, até que se estabilize a
questão colocada no Judiciário acerca da instituição do regime jurídico único.
IV – VOTO
Ante o exposto, proponho ao e.
Plenário o seguinte voto:
1 - Conhecer da Consulta
por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno
deste Tribunal e encaminhar ao
Consulente os Prejulgados 1867 e 1853;
2 - Recomendar ao
Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua assessoria
jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno do Tribunal de
Contas.
3 – Dar ciência desta decisão, do Relatório e Voto
do Relator ao Prefeito do Município de Gravatal, Sr. Rudinei Carlos do Amaral
Fernandes.
4 – Determinar
o arquivamento dos autos.
Gabinete,
em 24 de fevereiro de 2010.
Cleber Muniz Gavi
Auditor Substituto de
Conselheiro
Relator