ESTADO DE SANTA CATARINA
PROCESSO: REC 09/00524987
UG/CLIENTE: Prefeitura Municipal de Laguna
INTERESSADO: Adilício
Cadorin
ASSUNTO: Recurso de Reexame no Processo RPL 04/02007280
Recurso
de Reexame. Imposição de multa. Quebra na ordem cronológica de pagamentos. Responsabilidade
do ordenador de despesa. Desprovimento do recurso.
I - RELATÓRIO
Tratam os autos de Recurso de Reconsideração,
com fulcro no art. 80 da LC 202/2000, interposto por Adilicio Cadorim, ex-Prefeito
do Município de Laguna, contra o Acórdão nº 1075/2009 exarado no Processo nº
RPL 04/02007280, que lhe aplicou multa no valor de R$ 400,00 em virtude da
quebra à estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades decorrentes
da Nota de Empenho n. 2548/2003, no valor de R$ 16.833,00.
Em suas razões recursais, o Edil
alega que não houve quebra da ordem cronológica, porquanto o pagamento dependia
de ingresso de recursos da conta vinculada. Teceu comentários acerca da sua
responsabilização, refutando a aplicabilidade da culpa in eligendo. Quanto à reprimenda imposta pela decisão, disse que a
mesma contraria os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, salientando
que não foram explicitados os parâmetros para o seu arbitramento. Por fim,
requereu a anulação da multa imposta.
Os autos foram encaminhados à
Consultoria Geral, que exarou o Parecer n. 687/09, no sentido de negar
provimento ao recurso.
O Ministério Público Especial,
por meio do Parecer nº 7409/2009, acompanhou a Consultoria Geral (fls. 25/27).
Vieram os autos conclusos.
II
– DISCUSSÃO
Não obstante a inadequada modalidade recursal utilizada pelo recorrente, deve prevalecer, no caso – conforme bem respaldado parecer da COG – a aplicação do princípio da fungibilidade, admitindo-se a presente impugnação como Recurso de Reexame, haja vista o preenchimento dos requisitos legais inerentes a tal espécie.
Quanto ao mérito, não merecem prosperar as razões suscitadas.
Inicialmente, no âmbito desta Corte de Contas a imputação de responsabilidade e, por conseqüência, a relação processual é constituída diretamente com o gestor da unidade fiscalizada e não com os servidores que lhe são subalternos e sobre os quais exerce o poder de hierarquia, supervisão e controle, arcando com os ônus da culpa in eligendo e in vigilando.
Como sabido, dentro de uma teoria geral acerca da culpa latu sensu como elemento constitutivo de responsabilidade, existe a subdivisão entre o dolo e culpa stricto sensu. O dolo, em apertada síntese, se traduz na vontade manifesta de realizar a conduta ou produzir o resultado. A culpa stricto sensu refere-se à inobservância ao dever de cuidado objetivo a todas as pessoas de razoável diligência. Sobre essa última, observa-se, ainda, que uma das suas modalidades é a culpa por negligência, ou seja, culpa por omissão, por deixar de praticar a ação que lhe era devida, à luz do cuidado e da diligência que de todos se espera. Acerca dos fatos constantes nos autos, embora não seja possível comprovar o dolo, se identifica, ao menos, a culpa por negligência, o que basta para que esta Corte de Contas comine as penas de multa e débito cabíveis. Atente-se para o fato de que o recorrente foi a autoridade que homologou e adjudicou o procedimento licitatório correspondente aos autos (fls. 193). Destarte, superado e refutado o questionamento do recorrente.
De acordo com a disciplina do caput do artigo 5º da Lei de Licitações
e Contratos (Lei 8.666/93), a Administração Pública deverá obedecer no
pagamento de suas obrigações, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas
exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse
público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente
publicada.
Nessa
linha, se a Administração deve pagar os contratados de acordo com a ordem
cronológica da exigibilidade dos créditos deles, por outro lado, os contratados
dispõem do direito de que os pagamentos assim sejam feitos. Significa dizer que
os contratados têm o direito de exigir que os pagamentos sejam realizados em
tal ordem, que os seus créditos não sejam preteridos por outros cujas datas de
exigibilidade sejam posteriores aos deles.
No caso em apreço, o recorrente reitera os argumentos exarados nos autos originários a respeito da fonte de recursos correspondente à Nota de Empenho n. 2548/03. Vislumbra-se, como colocado pela Diretoria Técnica na oportunidade do primeiro julgamento, a existência de prova documental que aponta a fonte de recurso como ordinária, em que pese as alegações do recorrente (fls. 14).
Entendo que o simples fato de ser a despesa referente a programa de merenda escolar do Município não desconfigura a fonte de recursos destacada para a referida Nota de Empenho. Ademais, restou comprovado que outras empresas vencedoras do Convite n. 21/2003 foram contempladas no ano de 2003 através de notas de empenho que apontavam a mesma fonte de recursos ordinários, enquanto que a empresa recorrida nada percebeu no mesmo período (fls. 233).
Ressalte-se que a alegação de dificuldades financeiras não justifica a utilização de recursos vinculados para despesas correntes da unidade, na senda do alegado pelo recorrente.
Por fim, a respeito da suposta ausência de regulamentação do art. 70, II, da Lei Complementar n.º 202/2000, a fim de que se defina o conceito de grave infração, apontada no recurso, também se trata de alegação que não merece acolhida, porquanto a expressão “grave infração” cuida de um conceito jurídico indeterminado, que atribuiu ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, dentro dos parâmetros da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
Não cabe cogitar, assim, de uma possível regulamentação destinada a melhor detalhamento de todas as hipóteses que se incluiriam no alcance da expressão. Tal assunto já fora devidamente abordado quando da análise do REC 02/10983442 e aprovação do Acórdão n.º 2358/2006, cabendo trazer à colação a seguinte manifestação exarada pelo Exmo. Relator Auditor Gérson dos Santos Sicca no voto condutor:
“O fato do legislador ordinário agregar o adjetivo "grave" ao conceito de "infração legal" não retira sua normatividade e a conseqüente capacidade de aplicação imediata. A interpretação dos conceitos legais, independentemente de sua imprecisão, é tarefa do operador do Direito, que definirá, diante das circunstâncias relevantes para o caso concreto, os elementos conceituais que devem ser tomados em consideração.
A utilização de expressões vagas é corrente no direito, inclusive no direito penal, sem que se possa falar de uma violação ao princípio da legalidade. O conceito de "grave infração" é colocado na lei justamente para distinguir os atos que merecem um sancionamento daqueles que configuram meras irregularidades. Sem essa nota conceitual, todos os atos dotados de algum vício, por mais irrelevante que fosse, gerariam uma sanção ao responsável, o que atentaria contra o princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, a regulamentação pretendida pelo recorrente, ao invés de homenagear o princípio da legalidade, seria totalmente contrária a este, pois a intenção do legislador, ao estabelecer um conceito com um certo grau de elasticidade, foi justamente conferir ao aplicador elementos para uma justa ponderação do caso concreto, o que permite a busca de uma solução equilibrada. Com uma eventual regulamentação, o Tribunal estaria restringindo a atribuição para valorar claramente conferida pela lei ao aplicador do direito.”
Assim, não merece acolhida a pretensão do recorrente, mantendo-se na íntegra a penalidade imposta.
III – VOTO
Ante o exposto, considerando as razões expendidas, proponho ao Egrégio Plenário a adoção da seguinte proposta de voto:
1. CONHECER o presente recurso como de Reexame, em homenagem ao princípio da fungibilidade, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n.º 202, de 15 de dezembro de 2000, interposto contra o Acórdão n.º 1075/2009, proferido no Processo n.º RPL 04/02007280, e, no mérito, negar-lhe provimento.
2. DAR CIÊNCIA desta Decisão, bem como do Parecer e Voto que a fundamentam, ao Sr. Adilicio Cadorin, já qualificado nos autos.
Gabinete, em 25 de fevereiro de 2010.
Auditor Substituto de Conselheiro
Relator