ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

GABINETE CONSELHEIRO LUIZ ROBERTO HERBST

PROCESSO :REC - 09/00136200

ORIGEM : Prefeitura Municipal de São Bento do Sul

INTERESSADO : Francisco José Hastreiter

Assunto : Reexame -art. 80 da LC 202/2000 - referente ao Processo SPE- 02/10276924

RELATÓRIO Nº : GC – LRH/2010/024

Recurso de Reexame. Aposentadoria concedida há cerca de 13 anos. Registro do ato.

O direito de que dispõe a Administração Pública para anular atos administrativos ilegais de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 anos da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé (art. 54 da Lei n° 9.784/99).

O Tribunal de Contas deverá ordenar o registro do ato aposentatório, em razão dos princípios da segurança jurídica, da eficiência, da garantia de duração razoável do processo, e da decadência do poder de autotutela da Administração.

Referem-se os autos a Recurso de Reexame, interposto pelo Município de São Bento do Sul, com o objetivo de ver modificada a Decisão n. 0319/2009, na forma a seguir transcrita:

(...)

Interposto o recurso, foram os autos remetidos à Consultoria Geral deste Tribunal de Contas, que após análise apresentou o proficiente Parecer COG - 769/09, de fls. 22/48, de lavra da Auditora Fiscal de Controle Externo Flávia Bogoni, onde, preliminarmente, constatou que o Recorrente possui legitimidade para apresentar o presente Recurso, sendo este tempestivo e revestido das formalidades exigidas por esta Corte.

Quanto ao mérito, destaco os principais trechos do entendimento apresentado pela Consultoria Geral, que concluiu acertadamente pelo provimento do recurso:

(...)

Requer a reforma da Decisão nº 0319/2009 ao argumento de que ocorreu a decadência do direito de invalidar o ato e da regularidade da aposentadoria, tendo em vista o direito adquirido (fls. 02-20 do REC).

Com efeito, merece prosperar a alegação de decadência.

No Parecer COG-614/09, pronunciei-me sobre o tema, afirmando que o prazo decadencial de que a Administração dispõe para anular seus atos incide sobre os atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos, mesmo que ainda pendentes de registro pelo Tribunal de Contas:

III.1 O posicionamento atual deste Tribunal de Contas acerca da decadência dos atos de aposentadoria, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal

O Tribunal de Contas de Santa Catarina já se pronunciou sobre o assunto em inúmeras oportunidades, manifestando-se contrário à aplicação do prazo decadencial estabelecido no art. 54 da Lei n. 9784/99, calcado no entendimento de que para os atos de aposentadoria, o prazo somente passa a correr após o seu respectivo registro, por se tratar de ato complexo.

(...)

Esta Corte de Contas se posicionou desta maneira porque tal é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). A Suprema Corte firmou jurisprudência no sentido de que o ato de aposentadoria é um ato complexo, ou seja, é um ato que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo, de modo que se aperfeiçoa somente com a integração da vontade final da Administração. Partindo dessa premissa, o ato de aposentadoria só se considera perfeito e acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas, correndo, a partir daí, o prazo decadencial.

(...)

Também o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em consonância com o entendimento consolidado do STF, firmou a orientação no sentido de que o ato de aposentadoria consubstancia ato administrativo complexo, aperfeiçoando-se somente com o registro perante o Tribunal de Contas.

(...)

Porém, recentemente, tanto o STF quanto o STJ emitiram decisões que sinalizam a necessidade de se lançar um novo olhar sobre a questão, de forma a prestigiar o princípio da segurança jurídica.

III.2 A existência de decisões recentes do STF e do STJ levando em conta a necessidade de ser atendido o princípio da segurança jurídica na análise dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas

Na decisão liminar proferida pelo STF nos autos do Mandado de Segurança nº 28.106, o Ministro Celso de Mello, considerando o decurso de mais de 9 anos entre o ato concessivo de aposentadoria e a decisão do Tribunal de Contas da União, suspendeu liminarmente a decisão denegatória do registro, com fundamento no princípio da segurança jurídica. Diz o julgado:

Nessa decisão, mesmo que liminar, fica evidente a preocupação com o postulado da segurança jurídica, que impõe a necessidade de se assegurar a estabilidade das situações criadas administrativamente.

Também o STJ recentemente proferiu decisões invocando referido princípio, para decidir justamente a respeito da questão debatida no presente recurso: a aplicabilidade do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei n° 9.784/99 relativamente aos atos de aposentadoria sujeitos a registro. (...)

A ementa e o voto do Relator, Ministro Jorge Mussi, elucidam de forma convincente o pensamento que levou a Turma a adotar esse posicionamento, razão pela qual merecem ser integralmente transcritos:

(...)

Logo, não se trataria de ato complexo, porque na verdade, o que há são dois atos: um que concede a aposentadoria, e outro de que controla a sua legalidade.

Esse posicionamento, vale registrar, foi defendido recentemente no XXIII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, que ocorreu de 21 a 23 de outubro de 2009, em Florianópolis/SC. À ocasião, o Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCM/GO, Fabrício Motta, afirmou que, apesar do entendimento do STF, o ato de aposentadoria não pode mais ser concebido como ato complexo.

Neste sentido, oportuno transcrever trecho de artigo de sua autoria:

Considerando, então, todos esses argumentos, bem como os que foram expostos na manifestação do STJ, conclui-se que o prazo de que dispõe a Administração para exercer o seu poder de autotutela (art. 54 da Lei n. 9.784/99) deve ser contado a partir do ato que concede a aposentadoria, e não do controle da sua legalidade pelo Tribunal de Contas.

A razoabilidade desse posicionamento encontra amparo em princípios derivados do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana (art. 1°, caput e III, da Constituição Federal), tais como os invocados na decisão do STJ: segurança jurídica, eficiência, proteção da confiança legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo (art. 5°, LXXVIII).

Cabe destacar, ainda, que apesar do STF ser o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, caput, da Constituição Federal), o pronunciamento do STJ sobre a questão envolvendo o art. 54 da Lei n. 9.784/99 é de grande relevância, já que é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil (art. 105, III, da Constituição Federal), seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito.

(...)

III.3 A jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no sentido de reconhecer a decadência do direito de anular os atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos

Partindo para a análise no âmbito estadual, importante ressaltar que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) firmou jurisprudência justamente no sentido de que a Administração decai do direito de rever e desconstituir atos de aposentadoria concedidos há mais de cinco anos, em nome do princípio da segurança jurídica:

Em consequência, inúmeros servidores que tem o registro de sua aposentadoria denegado pelo Tribunal de Contas recorrem ao Poder Judiciário estadual para garantir que lhes seja aplicado o entendimento acima.

III.4 O debate suscitado no âmbito interno deste Tribunal visando uniformizar os procedimentos adotados para análise dos atos de aposentadoria

A divergência de posicionamento entre o Tribunal de Contas e o TJSC vem gerando um grande número de ações judiciais interpostas contra decisões desta Corte.

Isso acabou por suscitar, no âmbito interno, o debate acerca do entendimento que hoje é aplicado pelo Tribunal, bem como o reflexo dessa divergência nos seus pronunciamentos definitivos.

Assim, o Corregedor-Geral, Conselheiro Luiz Roberto Herbst, solicitou a esta Consultoria, por meio do Memorando CG n. 44/2009, a realização de estudo a fim de estabelecer uma uniformização dos procedimentos a serem adotados pelo Tribunal diante das decisões judiciais sobre os processos de aposentadoria em análise nesta Corte de Contas.

Na Informação n° 44/2009, a Consultora Geral Elóia Rosa da Silva e a Auditora Fiscal de Controle Externo Caroline de Souza realizaram o trabalho solicitado, sugerindo, dentre outras questões, o "acolhimento pelo TCE da tese de decadência da autotutela da Administração Pública pelo transcurso do prazo quinquenal, mediante alegação do administrador público na instrução dos autos".

(...)

Em momento posterior, o trabalho inicialmente desenvolvido pela Consultoria Geral foi discutido também com a Auditora Substituta de Conselheiro Sabrina Nunes Iocken e com servidores da Diretoria de Atos de Pessoal - DAP, que elaboraram, ao final, quatro propostas de procedimentos a serem adotados pelo Tribunal (Informação n° 54/2009), encaminhadas à Corregedoria-Geral para apreciação desta Corte de Contas em reunião administrativa.

São elas:

No dia 27/10/2009, em reunião administrativa para deliberação interna sobre o assunto, foi decidido que o Tribunal irá adotar a proposta III.

Assim, a partir dessa data, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos de aposentadoria exarados até 2004, sem exame do mérito, com fundamento na segurança jurídica.

[...]

III.6 O posicionamento da Consultoria Geral sobre o tema

Diante da probabilidade de sentença procedente, da deliberação interna do dia 27/10/2009, e de todos os argumentos expendidos neste parecer, opina-se pelo registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica.

Com efeito, tendo sido praticado há cerca de 15 anos (Portaria n° 2606, de 23 de novembro de 1994), e não havendo indícios de má-fé, entende-se que pode ser reconhecida a decadência do direito de que dispõe a Administração para exercer o seu poder de autotutela (art. 54 da Lei n. 9.784/99), visto que transcorreram mais de cinco anos da concessão do ato de aposentadoria.

Como se viu, esse é o termo inicial do prazo decadencial - e não o registro pelo Tribunal de Contas -, porque o ato de aposentadoria não é ato complexo como afirma a jurisprudência hoje dominante no STF.

A nosso ver, esta é a solução jurídica que melhor atende ao senso de justiça e que melhor se amolda ao ordenamento jurídico vigente, porquanto prestigia a segurança jurídica, nos termos de recentes pronunciamentos do STJ e do STF sobre o tema.

(...)

Nesse passo, a fim de evitar que pelo decurso do tempo o Tribunal se veja impedido de exercer o controle de legalidade sobre os atos de aposentadoria, o TCE/SC editou a Resolução n. TC-35/2008 e a Instrução Normativa n. TC-07/2008, por meio das quais ficou estabelecido que as autoridades administrativas devem remeter tais atos em até 60 dias da sua publicação:

A medida se destina a assegurar que os atos sejam remetidos para controle antes mesmo que transcorram os 5 anos do prazo decadencial, dando condições para o Tribunal de Contas cumprir com os princípios constitucionais anteriormente citados, e, principalmente, exercer de forma efetiva a competência que lhe foi atribuída no art. 71, III, da Constituição Federal.

Por fim, oportuno mencionar que a adoção da proposta III do estudo submetido à Corregedoria-Geral (Informação n° 54/2009), no sentido de ordenar o registro, é também a adotada por Tribunais de Contas de outros Estados, a exemplo do TCE de Minas Gerais, que chegou a sumular o entendimento:

Assim, por tudo o que foi exposto, o parecer é pelo provimento do Reexame, a fim de ordenar o registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica, eis que praticado há cerca de 15 anos.

(...)

Ao final, a Consultoria Geral desta Casa conclui:

No caso, a Portaria nº 19 (fl. 61), que aposentou o servidor Pedro Urbainski, foi expedida em 02/01/1997, vale dizer, há quase 13 anos.

Cumpre dizer que o Tribunal Pleno desta Corte, recentemente, confirmou a mudança do seu entendimento no REC 08/00446895.1

Diante disso tudo, opina-se pelo provimento do Reexame, a fim de ordenar o registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica. (grifamos)

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas emitiu o Parecer MPTC n. 7402/2009, de fls. 49/50, ratificando o entendimento apresentado pela Consultoria Geral.

É o relatório.

DISCUSSÃO


A matéria constante dos presentes autos vem sendo debatida por este Egrégio Plenário, bem como em outros Tribunais de Contas e Tribunais Superiores e tem gerado intensa polêmica.

O parecer apresentado pela douta Consultoria Geral, da lavra da Auditora Fiscal de Controle Externo Flávia Bogoni, abrange com excelência os inúmeros aspectos relativos ao tema e não merece reparos.

Verifica-se a existência de decisões recentes no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça primando pela segurança jurídica na análise dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas. E no Tribunal de Justiça de nosso Estado a jurisprudência tem se consolidado pelo reconhecimento da decadência do direito de anular os atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos.

Ante o exposto, com base nos pareceres da Consultoria Geral e Ministério Público junto a esta Corte de Contas, proponho voto para o fim de dar provimento ao Recurso de Reexame nos termos propostos.

VOTO

CONSIDERANDO o parecer da Consultoria Geral desta Corte, mediante Parecer n° COG - 769/2009;

CONSIDERANDO a manifestação da Procuradoria Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por intermédio Parecer MPTC n. 7402/2009;

CONSIDERANDO o exposto, e com fulcro no artigo 59 da Constituição Estadual, no artigo 1º da Lei Complementar n° 202/2000 e no artigo 7° do Regimento Interno, proponho ao Egrégio Plenário o seguinte VOTO:

1 Conhecer do Recurso de Reexame n° 09/00136200, interposto em face da Decisão nº 0319/2009 proferida na SPE nº 02/10276924, e, no mérito, dar-lhe provimento para:

1.1. Modificar o item 6.1, conferindo-lhe a seguinte redação:

2 Dar ciência do Acórdão, voto do Relator e deste parecer à Prefeitura Municipal de São Bento do Sul e ao IPRESBS.

LUIZ ROBERTO HERBST

Conselheiro Relator


1 Relator: Conselheiro César Filomeno Fontes. Decisão n° 4723, proferida na sessão ordinária de 30/11/2009.