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ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
GABINETE CONSELHEIRO LUIZ ROBERTO HERBST |
PROCESSO : REC - 09/00158786
ORIGEM : Prefeitura municipal de são bento do sul
INTERESSADO : FRANCISCO JOSÉ HASTREITER
Assunto : RECURSO DE REEXAME (processo SPE-03/00328907)
RELATÓRIO Nº : GC LRH/2010/170
Recurso de Reexame. Aposentadoria concedida há cerca de 15 anos. Registro do ato.
O direito de que dispõe a Administração Pública para anular atos administrativos ilegais de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 anos da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé (art. 54 da Lei n° 9.784/99).
O Tribunal de Contas deverá ordenar o registro do ato aposentatório, em razão dos princípios da segurança jurídica, da eficiência, da garantia de duração razoável do processo, e da decadência do poder de autotutela da Administração.
Referem-se os autos a Recurso de Reexame, interposto pelo Município de São Bento do Sul, com o objetivo de ver modificada a Decisão n. 0476/2009, na forma a seguir transcrita:
(...)
6.1. Denegar o registro, nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, §2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato aposentatório de Rubens Gazaniga de Oliveira, da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, matrícula n. 9750, no cargo de Vigia, CPF n. 293.097.949-68, PASEP n. 170.385.125-18, consubstanciado na Portaria n. 1720/1994, considerado ilegal conforme pareceres emitidos nos autos, em face do ato concessório de aposentadoria constar o percentual de 86%, quando deveria constar que os proventos correspondem a 54,02%, evidenciando desatendimento à proporcionalidade prevista no art. 156, I, da Lei (municipal) n. 121/93 c/c art. 40, I, da Constituição Federal (redação original).
6.2. Determinar à Prefeitura Municipal de São Bento do Sul a adoção de providências necessárias com vistas à correção ao ato de aposentadoria quanto ao fator de proporcionalidade, comunicando-as a este Tribunal no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação desta Decisão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal, nos termos do art. 41 do Regimento Interno desta Corte de Contas, sob pena de responsabilidade solidária da autoridade administrativa omissa, ou interponha recurso, conforme previsto no art. 79 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Alertar a Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, na pessoa do Prefeito Municipal, que o não-cumprimento do item 6.2 desta deliberação implicará a cominação das sanções previstas no art. 70, VI e § 1º, da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, conforme o caso.
6.4. Determinar à Secretaria Geral - SEG, deste Tribunal, que acompanhe a deliberação constante do item 6.2 retrocitado e comunique à Diretoria Geral de Controle Externo - DGCE, após o trânsito em julgado, acerca do cumprimento da determinação para fins de registro no banco de dados, e à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU.
Interposto o recurso, foram os autos remetidos à Consultoria Geral deste Tribunal de Contas, que após análise apresentou o proficiente Parecer COG - 770/2009, que, preliminarmente, constatou que o Recorrente possui legitimidade para apresentar o presente Recurso, sendo este tempestivo e revestido das formalidades exigidas por esta Corte.
Quanto ao mérito, destaco os principais trechos do entendimento apresentado pela Consultoria Geral, que concluiu acertadamente pelo provimento do recurso:
III.1 O posicionamento atual deste Tribunal de Contas acerca da decadência dos atos de aposentadoria, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal
O Tribunal de Contas de Santa Catarina já se pronunciou sobre o assunto em inúmeras oportunidades, manifestando-se contrário à aplicação do prazo decadencial estabelecido no art. 54 da Lei n. 9784/99, calcado no entendimento de que para os atos de aposentadoria, o prazo somente passa a correr após o seu respectivo registro, por se tratar de ato complexo.
Esta Corte de Contas se posicionou desta maneira porque tal é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). A Suprema Corte firmou jurisprudência no sentido de que o ato de aposentadoria é um ato complexo, ou seja, é um ato que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo, de modo que se aperfeiçoa somente com a integração da vontade final da Administração. Partindo dessa premissa, o ato de aposentadoria só se considera perfeito e acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas, correndo, a partir daí, o prazo decadencial.
Também o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em consonância com o entendimento consolidado do STF, firmou a orientação no sentido de que o ato de aposentadoria consubstancia ato administrativo complexo, aperfeiçoando-se somente com o registro perante o Tribunal de Contas.
Porém, recentemente, tanto o STF quanto o STJ emitiram decisões que sinalizam a necessidade de se lançar um novo olhar sobre a questão, de forma a prestigiar o princípio da segurança jurídica.
III.2 A existência de decisões recentes do STF e do STJ levando em conta a necessidade de ser atendido o princípio da segurança jurídica na análise dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas
Na decisão liminar proferida pelo STF nos autos do Mandado de Segurança nº 28.106, o Ministro Celso de Mello, considerando o decurso de mais de 9 anos entre o ato concessivo de aposentadoria e a decisão do Tribunal de Contas da União, suspendeu liminarmente a decisão denegatória do registro, com fundamento no princípio da segurança jurídica. Diz o julgado:
Há, nesta impetração, um fundamento que me parece relevante e que se apóia no princípio da segurança jurídica, considerado o decurso, na espécie, de mais de 09 (nove) anos entre o ato concessivo de aposentadoria (21/08/1998 publicado em 10/09/1998 fls. 03) e a decisão do Tribunal de Contas da União, que considerou ilegal referida aposentadoria (15/02/2008, mantida por decisão proferida em 03/02/2009 - fls.05/06).
A fluência de tão longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado, servidor aposentado, e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro. (...).
A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé do cidadão (seja ele servidor público, ou não), representam fatores a que o Judiciário não pode ficar alheio, como resulta da jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal: (...)
Essa orientação jurisprudencial (RTJ 119/1170), por sua vez, vem de ser reafirmada, por esta Suprema Corte, em sucessivos julgamentos:
Na realidade, os postulados da segurança jurídica, da boa- -fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado.
Cabe assinalar, por relevante, que também concorre, na espécie, o pressuposto legitimador concernente ao "periculum in mora", eis que, em cumprimento à deliberação ora impugnada, o órgão de origem expediu a Portaria nº 269, de 04 de março de 2009, que alterou portaria anterior que havia concedido aposentadoria ao impetrante (fls. 12).
Não se ignora que os valores percebidos por servidores públicos (ativos e inativos) e pensionistas revestem-se de caráter alimentar (HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Administrativo Brasileiro", p. 491, item n. 5.4.3, 34ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2008, Malheiros). Essa especial natureza jurídica, que caracteriza o estipêndio funcional (vencimentos e proventos) e as pensões, permite, por isso mesmo, qualificá-los como típicas dívidas de valor.
É, também, por essa razão que concedo a medida cautelar ora postulada, pois é importante ter em consideração, para esse efeito, o caráter essencialmente alimentar das pensões e dos vencimentos e proventos funcionais dos servidores públicos (ativos e inativos), na linha do que tem sido iterativamente proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 110/709 RTJ117/1335), inclusive por aquela que se formou sob a égide do vigente ordenamento constitucional (RTJ 136/1351 RTJ 139/364-368 - RTJ 139/1009 RTJ141/319 RTJ 142/942).
A ponderação dos valores em conflito - o interesse da Administração Pública, de um lado, e a necessidade social de preservar a integridade do caráter alimentar que tipifica o valor das pensões e dos estipêndios, de outro - leva-me a vislumbrar ocorrente, na espécie, uma clara situação de grave risco a que estará exposta a parte ora impetrante, privada de valores essenciais à sua própria subsistência.
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a determinar, até final julgamento desta ação de mandado de segurança, na linha de anteriores decisões minhas (MS 27.962-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), a suspensão cautelar da eficácia da deliberação emanada do E.Tribunal de Contas da União consubstanciada nos Acórdãos nº 178/2008 e 285/2009 TCU Primeira Câmara (fls. 05/06), proferidos nos autos do Processo TC nº 009.274/2005-7.
Nessa decisão, mesmo que liminar, fica evidente a preocupação com o postulado da segurança jurídica, que impõe a necessidade de se assegurar a estabilidade das situações criadas administrativamente.
Também o STJ recentemente proferiu decisões invocando referido princípio, para decidir justamente a respeito da questão debatida no presente recurso: a aplicabilidade do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei n° 9.784/99 relativamente aos atos de aposentadoria sujeitos a registro. (...)
A ementa e o voto do Relator, Ministro Jorge Mussi, elucidam de forma convincente o pensamento que levou a Turma a adotar esse posicionamento, razão pela qual merecem ser integralmente transcritos:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. CONTAGEM DE TEMPO. IRREGULARIDADE APURADA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. REVISÃO DO ATO. PRAZO DECADENCIAL. ART. 54 DA LEI N. 9.784/99. TERMO INICIAL.
1. A aposentadoria de servidor público não é ato complexo, pois não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para concede-la. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla sua legalidade.
2. O art. 54 da Lei n. 9.784/99 vem a consolidar o princípio da segurança jurídica dentro do processo administrativo, tendo por precípua finalidade a obtenção de um estado de coisas que enseje estabilidade e previsibilidade dos atos.
3. Não é viável a afirmativa de que o termo inicial para a incidência do art. 54 da Lei n. 9.784/99 é a conclusão do ato de aposentadoria, após a manifestação dos Tribunal de Contas, pois o período que permeia a primeira concessão pela Administração e a conclusão do controle de legalidade deve observar os princípios constitucionais da Eficiência e da Proteção da Confiança Legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo.
4. Recurso especial improvido.
Logo, não se trataria de ato complexo, porque na verdade, o que há são dois atos: um que concede a aposentadoria, e outro de que controla a sua legalidade.
Esse posicionamento, vale registrar, foi defendido recentemente no XXIII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, que ocorreu de 21 a 23 de outubro de 2009, em Florianópolis/SC. À ocasião, o Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCM/GO, Fabrício Motta, afirmou que, apesar do entendimento do STF, o ato de aposentadoria não pode mais ser concebido como ato complexo.
Neste sentido, oportuno transcrever trecho de artigo de sua autoria:
3 O ato de aposentadoria, ato de controle e ato complexo
O entendimento do ato de aposentadoria como complexo não parece o mais adequado. Nas concessões de aposentadoria, inicialmente, é forçoso reconhecer a existência de dois atos: o ato concessório, emitido pela autoridade competente e que propriamente aposenta o servidor; e o ato de controle da legalidade, posteriormente emitido pelo Tribunal de Contas. Não há que se falar em integração de vontades: um ato concede a aposentadoria e o outro, externo e emitido por órgão diverso, controla a legalidade do primeiro. [...]
Nesse sentido, é importante frisar que o ato de aposentadoria possui eficácia inicial, entendida esta como aptidão para produzir imediatamente seu efeito típico - a inatividade remunerada do servidor, independente do pronunciamento do Tribunal de Contas. Verifica-se, no caso, a produção de efeito atípico preliminar ou prodrômico, nos termos propugnados por Celso Antônio Bandeira de Mello, no caso o dever-poder de emitir o ato controlador. Assim, parece-nos que a eficácia definitiva do ato encontra-se sujeita a condição resolutiva - o registro da Corte de Contas. A negativa de registro tem o condão de afetar a eficácia do ato, impedindo sua consumação definitiva. Como ressalta Luciano Ferraz, "o ato final (registro) dos processos relativos a admissão de pessoal, aposentadoria, reforma e pensão perante o Tribunal de Contas é condição sine qua non a que o ato inaugural procedido pelo órgão de origem (que emitido já é eficaz e tem presunção de legalidade) adquira perfeição e afirme sua validade".
A conclusão que se impõe é uma só: por se tratarem de atos diversos, um concessivo e outro controlador da legalidade do primeiro, não se configura integração de vontades e por isso não há que se falar em ato complexo. O ato inicial, concessivo da aposentadoria ou pensão, produz seus efeitos jurídicos típicos imediatamente, ainda que de forma provisória e sujeito à verificação posterior de legalidade - registro - pelo Tribunal de Contas. [...]
Apesar de ser claro o entendimento do STF favorável à complexidade do ato de aposentadoria, entendimento amparado inclusive na Súmula Vinculante n° 3, adiante comentada, a questão ainda provoca controvérsia. No julgamento do Mandado de Segurança n° 26.535/DF, em 06.09.2007, anotou o Ministro Cezar Peluso:
(...) embora eu tenha votado a favor da súmula, estou repensando seriamente a própria exceção que a súmula contempla, porque, não obstante o que esta Corte tem professado há muito tempo, me parece duvidosa a afirmação de que os registros de aposentadoria correspondam à categoria dos atos administrativos ditos complexos. Os atos administrativos ditos complexos são aqueles que só se aperfeiçoam com o último ato de todos aqueles que deva integrar. Não é o caso do regime de aposentadoria.
A questão não é meramente acadêmica, tampouco se trata de singela discussão classificatória. Com efeito, considerando-se "(...) a aposentadoria ato complexo, que só se aperfeiçoa com o registro no Tribunal de Contas da União, o prazo decadencial da Lei n° 9.784/99 tem início a partir de sua publicação". Em outras palavras, o termo inicial para a contagem do prazo decadencial de 5 anos tem o seu início somente após o término do ciclo de formação do ato, ou seja, após o registro. Percebe-se que este entendimento praticamente torna inócua a regra constante do art. 54 da Lei n° 9.784/99, pois o não estabelecimento de um prazo máximo para a apreciação das aposentadorias pelo Tribunal de Contas posterga indefinidamente o início da contagem do prazo decadencial. Em atenção ao princípio da segurança jurídica, curador da estabilidade e previsibilidade das relações jurídicas, a questão tem sido tratada de forma distinta pelo Supremo Tribunal Federal [...]. (grifei)
Considerando, então, todos esses argumentos, bem como os que foram expostos na manifestação do STJ, conclui-se que o prazo de que dispõe a Administração para exercer o seu poder de autotutela (art. 54 da Lei n. 9.784/99) deve ser contado a partir do ato que concede a aposentadoria, e não do controle da sua legalidade pelo Tribunal de Contas.
A razoabilidade desse posicionamento encontra amparo em princípios derivados do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana (art. 1°, caput e III, da Constituição Federal), tais como os invocados na decisão do STJ: segurança jurídica, eficiência, proteção da confiança legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo (art. 5°, LXXVIII).
Cabe destacar, ainda, que apesar do STF ser o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, caput, da Constituição Federal), o pronunciamento do STJ sobre a questão envolvendo o art. 54 da Lei n. 9.784/99 é de grande relevância, já que é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil (art. 105, III, da Constituição Federal), seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito.
III.3 A jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no sentido de reconhecer a decadência do direito de anular os atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos
Partindo para a análise no âmbito estadual, importante ressaltar que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) firmou jurisprudência justamente no sentido de que a Administração decai do direito de rever e desconstituir atos de aposentadoria concedidos há mais de cinco anos, em nome do princípio da segurança jurídica:
MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - APOSENTADORIA - CÔMPUTO DE SERVIÇO RURÍCOLA AVERBADO - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - AUSÊNCIA DE PROVA DO RECOLHIMENTO - TRIBUNAL DE CONTAS - IRREGULARIDADE CONSTATADA DEZ ANOS DEPOIS - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DECADÊNCIA QUINQUENAL DO DIREITO DE REVER E ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS - APLICAÇÃO ANALÓGICO-INTEGRATIVA DO ART. 54 DA LEI FEDERAL N. 9.784/99 - SITUAÇÃO CONSOLIDADA - INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ DO SERVIDOR - PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA - ORDEM CONCEDIDA.
"Decorridos mais de cinco anos da publicação do ato aposentatório do servidor público municipal, convalida-se o ato administrativo não podendo ser revisado por força da decadência, salvo comprovada a má-fé, conforme estabelece o art. 54, § 1º, da Lei n.º 9.784/99. Até porque, 'Não pode o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder de autotutela do Estado0, sob pena de desestabilizar um dos pilares mestres do Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da segurança das relações jurídicas. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade é a regra, e a imprescritibilidade exceção. (...) Aplicação analógica da Lei n. 9.784/99' (STJ, REsp n.ºs 645.856/RS e 628.524/RS, Relatora Ministra LAURITA VAZ)" (TJSC - MS n. 2007.026300-5, de Concórdia, Rel. Juiz Paulo Roberto Camargo Costa, j. em 29.04.08). (grifei)
MANDADO DE SEGURANÇA. NEGATIVA DE REGISTRO DE APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO. ORDEM PARA ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO DE INATIVAÇÃO. [...] LAPSO TEMPORAL PARA O DESFAZIMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO ILEGAL. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 54 DA LEI N. 9.784/1999. SEGURANÇA CONCEDIDA.
Impresente o concurso de dolo ou má fé do servidor, decai a Administração do direito de rever e desconstituir aposentadoria concedida há mais de cinco anos. (grifei)
Em consequência, inúmeros servidores que tem o registro de sua aposentadoria denegado pelo Tribunal de Contas recorrem ao Poder Judiciário estadual para garantir que lhes seja aplicado o entendimento acima.
III.4 O debate suscitado no âmbito interno deste Tribunal visando uniformizar os procedimentos adotados para análise dos atos de aposentadoria
A divergência de posicionamento entre o Tribunal de Contas e o TJSC vem gerando um grande número de ações judiciais interpostas contra decisões desta Corte.
Isso acabou por suscitar, no âmbito interno, o debate acerca do entendimento que hoje é aplicado pelo Tribunal, bem como o reflexo dessa divergência nos seus pronunciamentos definitivos.
Assim, o Corregedor-Geral, Conselheiro Luiz Roberto Herbst, solicitou a esta Consultoria, por meio do Memorando CG n. 44/2009, a realização de estudo a fim de estabelecer uma uniformização dos procedimentos a serem adotados pelo Tribunal diante das decisões judiciais sobre os processos de aposentadoria em análise nesta Corte de Contas.
Na Informação n° 44/2009, a Consultora Geral Elóia Rosa da Silva e a Auditora Fiscal de Controle Externo Caroline de Souza realizaram o trabalho solicitado, sugerindo, dentre outras questões, o "acolhimento pelo TCE da tese de decadência da autotutela da Administração Pública pelo transcurso do prazo quinquenal, mediante alegação do administrador público na instrução dos autos".
Em momento posterior, o trabalho inicialmente desenvolvido pela Consultoria Geral foi discutido também com a Auditora Substituta de Conselheiro Sabrina Nunes Iocken e com servidores da Diretoria de Atos de Pessoal - DAP, que elaboraram, ao final, quatro propostas de procedimentos a serem adotados pelo Tribunal (Informação n° 54/2009), encaminhadas à Corregedoria-Geral para apreciação desta Corte de Contas em reunião administrativa.
III - Ponderação acerca das reiteradas decisões judiciais reconhecendo que o transcurso do prazo de 5 anos consolida a situação jurídica do aposentado, impedindo a alteração do respectivo ato.
3 - Registrar os atos de aposentadoria exarados até 2004, sem exame do mérito quanto à legalidade, considerando a estabilização das relações jurídicas concretizadas há mais de 5 anos e a decadência da autotutela da Administração Pública, com fundamento na segurança jurídica.
No dia 27/10/2009, em reunião administrativa para deliberação interna sobre o assunto, foi decidido que o Tribunal irá adotar a proposta III.
Assim, a partir dessa data, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos de aposentadoria exarados até 2004, sem exame do mérito, com fundamento na segurança jurídica.
III.5 O posicionamento da Consultoria Geral sobre o tema
Diante da probabilidade de sentença procedente, da deliberação interna do dia 27/10/2009, e de todos os argumentos expendidos neste parecer, opina-se pelo registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica.
Com efeito, tendo sido praticado há cerca de 15 anos (Portaria n° 2606, de 23 de novembro de 1994), e não havendo indícios de má-fé, entende-se que pode ser reconhecida a decadência do direito de que dispõe a Administração para exercer o seu poder de autotutela (art. 54 da Lei n. 9.784/99), visto que transcorreram mais de cinco anos da concessão do ato de aposentadoria.
Como se viu, esse é o termo inicial do prazo decadencial - e não o registro pelo Tribunal de Contas -, porque o ato de aposentadoria não é ato complexo como afirma a jurisprudência hoje dominante no STF.
A nosso ver, esta é a solução jurídica que melhor atende ao senso de justiça e que melhor se amolda ao ordenamento jurídico vigente, porquanto prestigia a segurança jurídica, nos termos de recentes pronunciamentos do STJ e do STF sobre o tema.
Nesse passo, a fim de evitar que pelo decurso do tempo o Tribunal se veja impedido de exercer o controle de legalidade sobre os atos de aposentadoria, o TCE/SC editou a Resolução n. TC-35/2008 e a Instrução Normativa n. TC-07/2008, por meio das quais ficou estabelecido que as autoridades administrativas devem remeter tais atos em até 60 dias da sua publicação:
Art. 5º Além do envio de informações pelo e-Sfinge, devem ser remetidos ao Tribunal, na forma e prazos fixados em Instrução Normativa, os respectivos processos administrativos formalizados pelas unidades jurisdicionadas, referentes aos atos de pessoal mencionados no art. 3º desta Resolução, exceto os relativos aos atos de admissão de pessoal. (grifei)
Instrução Normativa n. TC-07/2008
Art. 1º O envio de documentos e informações necessários à apreciação da legalidade de atos de admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva e pensão, nos termos dos arts. 59, inciso III, da Constituição do Estado e 34 da Lei Complementar n. 202/2000, deve ser feito na forma e prazos previstos nesta Instrução Normativa.
Parágrafo único. A autoridade administrativa competente deve enviar ao Tribunal de Contas, por meio documental, no prazo de 60 dias contados da data da publicação do respectivo ato, os processos administrativos formalizados em decorrência de concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva e pensão, para fins de exame da legalidade e respectivo registro. (grifei)
A medida se destina a assegurar que os atos sejam remetidos para controle antes mesmo que transcorram os 5 anos do prazo decadencial, dando condições para o Tribunal de Contas cumprir com os princípios constitucionais anteriormente citados, e, principalmente, exercer de forma efetiva a competência que lhe foi atribuída no art. 71, III, da Constituição Federal.
Por fim, oportuno mencionar que a adoção da proposta III do estudo submetido à Corregedoria-Geral (Informação n° 54/2009), no sentido de ordenar o registro, é também a adotada por Tribunais de Contas de outros Estados, a exemplo do TCE de Minas Gerais, que chegou a sumular o entendimento:
Nas aposentadorias, reformas e pensões concedidas há mais de cinco anos, bem como nas admissões ocorridas em igual prazo, contado a partir da entrada do servidor em exercício, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos que a Administração já não puder anular, salvo comprovada má-fé.
Assim, por tudo o que foi exposto, o parecer é pelo provimento do Reexame, a fim de ordenar o registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica, eis que praticado há cerca de 15 anos.
Ao final, a Consultoria Geral desta Casa conclui:
Assim, por tudo o que foi exposto, o parecer é pelo provimento do Reexame, a fim de ordenar o registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica, eis que praticado há cerca de 15 anos.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas emitiu o Parecer MPTC n. 928/10, de fls. 35/36, ratificando o entendimento apresentado pela Consultoria Geral.
DISCUSSÃO
A matéria constante dos presentes autos vem sendo debatida por este Egrégio Plenário, bem como em outros Tribunais de Contas e Tribunais Superiores e tem gerado intensa polêmica.
O parecer apresentado pela douta Consultoria Geral abrange com excelência os inúmeros aspectos relativos ao tema e não merece reparos.
Verifica-se a existência de decisões recentes no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça primando pela segurança jurídica na análise dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas. E no Tribunal de Justiça de nosso Estado a jurisprudência tem se consolidado pelo reconhecimento da decadência do direito de anular os atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos.
Ante o exposto, com base nos pareceres da Consultoria Geral e Ministério Público junto a esta Corte de Contas, proponho voto para o fim de dar provimento ao Recurso de Reexame nos termos propostos.
VOTO
CONSIDERANDO o parecer da Consultoria Geral desta Corte, mediante Parecer n° COG - 770/2009;
CONSIDERANDO a manifestação da Procuradoria Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por intermédio Parecer MPTC n. 7511/2010;
CONSIDERANDO o exposto, e com fulcro no artigo 59 da Constituição Estadual, no artigo 1º da Lei Complementar n° 202/2000 e no artigo 7° do Regimento Interno, proponho ao Egrégio Plenário o seguinte VOTO:
1 Conhecer do Recurso de Reexame n° 09/00136200, interposto em face da Decisão nº 0476/2009 proferida na SPE nº 03/00328907, e, no mérito, dar-lhe provimento para:
1.1. Modificar o item 6.1, conferindo-lhe a seguinte redação:
6.1. Ordenar o registro, com base no princípio da segurança jurídica e nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, § 2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato aposentatório de Rubens Gazaniga de Oliveira, da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, matrícula n. 9750, no cargo de Vigia, CPF n. 293.097.949-68, PASEP n. 170.385.125-18, consubstanciado na Portaria n. 1720/1994, por ter operado a decadência do direito da Administração Pública anular referido ato (art. 54 da Lei n° 9.794/99).
1.2. Desconsiderar as determinações feitas nos itens 6.2 a 6.4;
2 Dar ciência do Acórdão, voto do Relator e deste parecer à Prefeitura Municipal de São Bento do Sul e ao IPRESBS.
Florianópolis, em 27 de abril de 2010.
LUIZ ROBERTO HERBST
Conselheiro Relator