ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

PROCESSO:                        RLA 09/00196106

UNIDADE:                 Prefeitura Municipal de Celso Ramos

INTERESSADOS:    Vanderlei Schons – Prefeito Municipal (de 04/02/2010 a 24/06/2010)

                                    Inês Terezinha Pegoraro Schons - Prefeita Municipal (a partir de 24/06/2010)

RESPONSÁVEL:      José Alciomar de Matia – Prefeito Municipal (de 01/01/2005 a 03/02/2010)

ASSUNTO:                Auditoria em atos de pessoal

 

 

RELATÓRIO DE AUDITORIA. CONHECER. MULTA. RECOMENDAÇÃO.

 

Contratação de servidor. Concurso público.

É vedada a contratação de servidor público sem prévia aprovação em concurso público e sem comprovação da necessidade temporária de excepcional interesse público, consoante determina o art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.

 

Cessão de servidor. Contratação temporária.

É proibida a cessão de servidores municipais contratados em caráter temporário

 

 

I - RELATÓRIO

Trata-se de auditoria in loco levada a efeito pela Diretoria de Controle de Atos de Pessoal – DAP na Prefeitura Municipal de Celso Ramos, abrangendo as admissões de concursados ocorridas no período de janeiro de 2007 a março de 2009, os contratos por tempo determinado em vigor em março/2009, as nomeações para cargos comissionados, a cessão de servidores, etc.

Após a realização da auditoria in loco e da diligência à Unidade Gestora, o Corpo Instrutivo emitiu o Relatório nº 4037/2009 (fls. 1247-1279), sugerindo a audiência do Sr. José Alciomar de Matia.

O Responsável apresentou justificativa e juntou documentos (fls. 1284-1327).

A DAP examinou a defesa através do Relatório nº 1789/2010 (fls. 1328-1340), onde concluiu pelo saneamento parcial das irregularidades apontadas, sugerindo ao Relator a aplicação de multa e a realização de recomendações à Unidade Auditada.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas se manifestou no Parecer nº MPTC/2540/2010 (fls. 1342-1345), acompanhando a análise procedida pela Equipe Técnica.

 Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

II - DISCUSSÃO

A DAP analisou os atos de pessoal da unidade sugerindo a aplicação de multa em razão das irregularidades encontradas no curso da instrução, as quais passo a examinar em contraste com as razões de defesa apresentadas pelo Responsável.

 

II.I Ausência da realização do processo seletivo, bem como ausência de caracterização da necessidade temporária e o excepcional interesse público para a contratação por tempo determinado dos servidores contratados por tempo determinado, o que contraria o artigo 37, caput; e incisos II e IX  e que configura ainda, burla ao concurso público (item 1.1, do Relatório nº 1789/2010).

 

Em sua defesa, o Responsável alega que exonerou todos os servidores temporários contratados irregularmente e que nos casos futuros procederá de acordo com a Constituição da República.

Examinando o caso, vejo que não assiste razão ao Responsável.

Em relação à alegação de que todos os servidores contratados irregularmente foram exonerados, a Equipe Técnica destacou que os documentos juntados aos autos comprovam a dispensa de 17, das 25 pessoas contratadas.

Ademais, ainda que todos os 25 servidores contratados fossem exonerados, já estaria configurada a lesão ao ordenamento jurídico, porque a contratação por tempo determinado é uma exceção à regra do concurso público e se aplica a hipóteses específicas, consoante dispõe o art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.[1]

Ao tratar da exceção constitucional em tela, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona:

Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, "necessidade temporária"), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar. (grifos no original)[2]

 

A matéria também já foi objeto de análise em processo de consulta no âmbito desta Corte de Contas, que deu origem ao Prejulgado 746.

 

Prejulgado 746

A contratação pelo Município de pessoal por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, deve se pautar na temporariedade, que está intrinsecamente ligada à questão da necessidade que justifique o interesse público da contratação, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal.


A Lei Municipal que regulamentar o art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, deve estabelecer as hipóteses e condições em que serão realizadas admissões temporárias de pessoal para atender excepcional interesse público, o prazo máximo de contratação, salários, direitos e deveres, proibição de prorrogação de contrato e de nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função.

O recrutamento do pessoal a ser contratado por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, deverá ser feito mediante processo seletivo simplificado, sujeito à ampla divulgação, observada a dotação orçamentária específica e mediante prévia autorização legislativa.

Os gastos com a folha de pagamento do pessoal contratado por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, estão inseridos entre as Despesas de Pessoal, sendo que o montante que o Município poderá despender, está incluído no limite de 60% (sessenta por cento) da Receita Corrente Líquida Municipal, nos termos do art. 2°, inciso II, da Lei Complementar n.° 96/99.[3]

 

No caso, observo ainda que as contratações foram efetivadas sem que a Prefeitura realizasse qualquer tipo de processo seletivo e que algumas remontam à 1º/02/2005.[4]

Ante o exposto, considerando a contratação de 25 servidores sem a realização de processo seletivo, a lesão ao núcleo essencial da norma do inc. IX, e por via reflexa, ao inc. II, do art. 37, da Constituição Federal e, ainda, o fato de que a restrição não foi totalmente corrigida, acolho a irregularidade apontada pela Equipe Técnica para aplicar ao Responsável multa no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais).

Ato contínuo, determino à Prefeitura Municipal de Celso Ramos a correção da irregularidade apontada no item 2.1.1 do Relatório nº 1789/2010.

 

II.II Cessão de servidores contratados por tempo determinado à Justiça Eleitoral. Art. 37, IX, da Constituição Federal. (item 1.2, do Relatório nº 1789/2010).

 

O Responsável informa que “todos os servidores cedidos a outros órgãos, especialmente os acima elencados tiveram seus contratos rescindidos, cessando assim a irregularidade dos apontamentos, tal como fazem provas as portarias de demissão em anexo”.[5]

Realmente, compulsando os autos verifico nas fls. 1290, 1291 e 1321, que os três servidores cedidos à Justiça Eleitoral foram exonerados. Todavia, a correção da irregularidade não é uma excludente de ilicitude, mas um dever de obediência ao interesse público, que impõe ao gestor o cumprimento do que a lei determina, nos limites estabelecidos pela norma. Assim, tal fato não é capaz de afastar a restrição, mas deve ser considerado na dosimetria da pena.

Em relação ao tema em debate, trata-se, novamente, de questão já examinada nesta Corte de Contas em processo de consulta, a partir da qual o Tribunal elaborou o Prejulgado 1115.

 

Prejulgado 1115

1. O Município pode ceder servidores titulares de cargos efetivos para atender solicitação do Poder Judiciário Estadual, desde que atendidas as seguintes condições: a) demonstração do caráter excepcional da cessão; b) demonstração do relevante interesse público local na cessão do servidor efetivo; c) existência de autorização legislativa para o Chefe do Poder editar ato regularizando a cessão; d) desoneração do Município dos custos com remuneração e encargos sociais do servidor cedido, que devem ser suportados pelo órgão ou entidade cessionária; e) atendimento ao disposto no art. 62 da Lei Complementar nº 101/00 quando, excepcionalmente, os custos sejam suportados pelo Município (autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual e convênio, acordo, ajuste ou congênere específico); f) a cessão deve se referir a servidores efetivos, vedada a cessão de servidores contratados em caráter temporário, de qualquer natureza, e de ocupantes de cargo em comissão. (grifo nosso). [6]

 

Diante do posicionamento fixado nesta Corte e considerando como atenuante a correção integral da irregularidade, acolho a restrição sugerida pela Equipe Técnica, aplicando ao Responsável multa no valor mínimo legal de R$ 400,00 (quatrocentos reais).

Por fim, examinando as recomendações feitas pela DAP, verifico que envolvem a correção de impropriedades de natureza formal que não se revelam lesivas ao patrimônio público ou à ordem legal.

 

III - VOTO

Estando os autos instruídos na forma Regimental, considerando o parecer do Ministério Público Especial e o relatório da instrução dos quais adoto os fundamentos, propondo a este egrégio Plenário o seguinte VOTO:

1 – Conhecer do Relatório nº 1789/2010 que tratou de auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Celso Ramos para considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar nº 202/2000, a situação apurada nos itens 2.1.1 e 2.3.1.

2 – Aplicar ao Sr. José Alciomar de Matia – Prefeito Municipal de Celso Ramos (de 01/01/2005 a 03/02/2010), CPF 348.174.259-20, com endereço na Rua Antônio Mazzucco, 99, Centro, Celso Ramos, SC, CEP 88598-000, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

2.1 – R$ 1000,00 (um mil reais), em razão da contratação por tempo determinado de 25 servidores sem a realização do processo seletivo, não estando caracterizadas a necessidade temporária e o excepcional interesse público, o que contraria o artigo 37, incisos IX e II, da Constituição Federal (item 2.1.1, do Relatório nº 1789/2010).

2.2 - R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da cessão de servidores contratados em caráter temporário à Justiça Eleitoral, contrariando os fundamentos caracterizadores da contratação temporária, previstos no art. 37, IX, da Constituição Federal (item 2.3.1 do Relatório nº 1789/2010);

3 – Determinar à Prefeitura Municipal de Celso Ramos a correção da irregularidade apontada no item 2.1.1, do Relatório nº 1789/2010;

4 – Recomendar à Prefeitura Municipal de Celso Ramos, em respeito aos Princípios da Eficiência, Moralidade e Interesse público, que:

4.1 - o controle de freqüência abranja todos os servidores, efetivos ou comissionados, através de um rigoroso controle formal e diário da freqüência, de maneira que fique registrado em cada período trabalhado, os horários de entrada e saída, ressaltando-se que quando o registro se der de forma manual, o ideal para evitar registro posterior ao dia trabalhado, é a utilização de um livro-ponto por setor ou lotação, com o registro obedecendo à ordem cronológica de entrada no local de trabalho, rubricado diariamente pelo responsável do órgão ou setor, em obediência aos princípios da eficiência e moralidade contidos o artigo 37, da Constituição Federal (item 3, “a”, da conclusão do Relatório nº 1789/2010);

4.2 - proporcione aos munícipes o conhecimento da jornada laboral de seus servidores, inclusive as jornadas especiais, por meio da afixação dessas informações no mural da Prefeitura (item 3, “b”, da conclusão do Relatório nº 1789/2010);

4.3 - realize as avaliações periódicas de desempenho dos servidores durante o período do estágio probatório, a fim de aferir os requisitos necessários ao desempenho do cargo, tais como o interesse no serviço, disciplina, assiduidade e responsabilidade (item 3, “c”, da conclusão do Relatório nº 1789/2010); 

4.4 - dispense atenção para a cobrança do preenchimento correto das declarações de não acumulação de cargo, emprego ou função pública e proventos, nos termos da Instrução Normativa nº TC-07/2008 de 19/12/2008, bem como observar na instrução dos atos de admissão os demais documentos exigidos na Instrução Normativa (item 3, “d”, da conclusão do Relatório nº 1789/2010);

4.5 - seja criteriosa ao ceder pessoal para outros órgãos, haja vista ser vedada a cessão de pessoal contratado em caráter temporário, de qualquer natureza, bem como de ocupantes de cargo em comissão (item 3, “e”, da conclusão do Relatório nº 1789/2010).

5 – Dar ciência da decisão com remessa de cópia do Relatório nº 1789/2010 e do Voto que a fundamentam ao Responsável Sr. José Alciomar de Matia – Prefeito Municipal (de 01/01/2005 a 03/02/2010), ao Sr. Vanderlei Schons – Prefeito Municipal de Celso Ramos (de 04/02/2010 a 24/06/2010) e à Sra. Inês Terezinha Pegoraro Schons - Prefeita Municipal de Celso Ramos (a partir de 24/06/2010).

 

Gabinete, em 03 de agosto de 2010.

 

 

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator

 



[1] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

...II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

...IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;...

[2]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20.ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 261/262.

[3] Processo: CON-TC6601501/90 Parecer: COG-417/99 Origem: Prefeitura Municipal de São Carlos Relator: Conselheiro Antero Nercolini Data da Sessão: 25/08/1999.

[4] Conforme tabela de fls. 1267/1268.

[5] Fl. 1288.

[6]Processo: CON-01/00391044 Parecer: COG - 005/02 Decisão: 365/2002 Origem: Prefeitura Municipal de São José Relator: Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall Data da Sessão: 18/03/2002 Data do Diário Oficial: 10/05/2002.