Gabinete do Conselheiro Júlio Garcia
PROCESSO: REP
– 09/00472308
UNIDADE:
Prefeitura Municipal de Brusque
RESPONSÁVEL:
Ciro Marcial Roza
ASSUNTO: Contratação
Temporária Irregular
VOTO GABCJG 994/2010
CONTRATAÇÃO
TEMPORÁRIA. IRREGULARIDADE. NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO. MULTA.
I
- RELATÓRIO
Cuidam
os autos de representação encaminhada a esta Corte de Contas pelo Juiz da Vara
do Trabalho de Brusque, noticiando supostas irregularidades na contratação da
Senhora Angelina de Lurdes Amato Schmidt pela Prefeitura Municipal de Brusque,
por violação ao disposto nos artigos 37, II e IX, da Constituição Federal.
Da análise da documentação encaminhada
pelo representante (fls. 02/26), a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal –
DAP, elaborou o Relatório n. 2.635/2009, no sentido de conhecer da
representação formulada e, por conseguinte, determinar a adoção de providências
com vista à apuração do fato apontado como irregular (fls. 27/33). Tal
entendimento foi acompanhado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de
Contas e por este Relator, consoante Despacho Singular n. 902/2009 (fls. 3435).
Remetidos
documentos pela Unidade Gestora (fls. 44/72), em virtude de solicitação contida
no Ofício DAP n. 16.698/2009 (fl. 41), a Área Técnica confeccionou o Relatório
n. 450/2010 (fls. 74/78), sugerindo a audiência do responsável, Senhor Ciro
Marcial Roza, para manifestar-se acerca da contratação da Senhora Angelina de
Lurdes Amato Schmidt, nos períodos de 22/05/2000 a 31/12/2000,
02/01/2002 a 31/03/2003 e 01/04/2003 a 30/03/2005, para funções permanentes da
administração municipal, sem restar evidenciado a real necessidade temporária e
o excepcional interesse público, em dissonância com o artigo 37, IX, da
Constituição Federal.
Regularmente
comunicado (fl. 81), o responsável deixou transcorrer in albis o prazo para ofertar suas justificativas, resultando na
sugestão da Área Técnica de conhecer da representação, para, no mérito,
considerá-la procedente, aplicando, ao responsável, multa pela contratação
temporária irregular em comento, conforme Relatório n. 3010/2010 (fls. 83/86).
Em
sequência, os autos foram encaminhados ao Ministério Público junto ao Tribunal
de Contas que, por sua vez, exarou o Parecer n. 3.751/2010 no sentido de
acompanhar a conclusão da Diretoria Técnica (fls. 88/90).
É o relatório.
II
- DISCUSSÃO
Cuida-se
de representação encaminhada a esta Corte de Contas pelo Juiz da Vara do
Trabalho de Brusque, noticiando supostas irregularidades na contratação da
Senhora Angelina de Lurdes Amato Schmidt pela Prefeitura Municipal de Brusque,
por violação ao disposto nos artigos 37, II, e IX, da Constituição Federal.
Inicialmente, faz-se necessário tecer
alguns comentários acerca da contratação temporária.
A contratação temporária no âmbito da
Administração Pública configura hipótese excepcional, porquanto, com o advento
da nova ordem constitucional, a investidura em cargo ou emprego público está
condicionada à prévia aprovação em concurso público, ressalvadas as nomeações
para cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, e os casos de adoção
de processo seletivo simplificado, incluindo-se a própria contratação
temporária.
Por se tratar de exceção, a
contratação temporária, para sua regularidade, deverá preencher os requisitos
previstos na Constituição Federal, bem como na legislação infraconstitucional.
Inicialmente, o artigo 37, IX, da
Constituição Federal, estabelece que a regulamentação da contratação temporária
será realizada pelos entes federados, através da edição de lei. Dessa forma, os
municípios, os Estados-membros e o Distrito Federal, bem como a União, com
intuito de firmar contratações temporárias, deverão proceder à regulamentação
do instituto, prevendo, ainda, expressamente, as hipóteses passíveis de ser
objeto da contratação.
No entanto, tais hipóteses não poderão
ser genéricas, visto que deverão objetivar o atendimento da necessidade
temporária de excepcional interesse público. Dessa feita, é imprescindível que
a contratação, fundada no artigo 37, IX, acima mencionado, tenha caráter
temporário, buscando satisfazer o excepcional interesse público. Nessa senda, a
contratação temporária não poderá ser celebrada para o “desempenho de funções
permanentes ou previsíveis da administração pública, já que estas não se
enquadrariam no conceito “necessidade temporária de excepcional interesse
público”, intrínseco no permissivo constitucional, e devem ser exercidas por
servidores efetivos”.[1]
Além da existência de lei, da
temporariedade da contratação e do excepcional interesse público, a contratação
temporária deverá ser precedida de processo seletivo simplificado, conforme
artigo 3º da Lei n. 8.745/93, a qual regulamenta a contratação temporária no
âmbito federal e serve como norte na elaboração dos diplomas legais pelos
outros entes.
Todavia, cabe trazer à baila a
ressalva levantada pelo Promotor Ricardo Paladino, no XII Ciclo de Estudos de
Controle Público da Administração Municipal, in verbis:
Logo, as contratações temporárias devem ser
efetuadas com fulcro em um processo seletivo, que é o instrumento apto a tratar
com igualdade todos os interessados e selecionar os mais hábeis dentre esses.
Por certo que a realização de um processo
seletivo só poderá ser descartada em situações limites, nas quais a emergência
a ser enfrentada e a urgência imprimida pelos fatos são tamanhas que, se um
certame fosse realizado, o próprio interesse público não seria resguardado, em
decorrência da demora inerente a tal método de seleção.
Essa seria, portanto, a exceção da exceção. [2]
Sobre o assunto, o Tribunal de Contas
pacificou seu entendimento através do Prejulgado 746:
A contratação pelo
Município de pessoal por tempo determinado para atender à necessidade
temporária de excepcional interesse público, deve se pautar na
temporariedade, que está intrinsecamente ligada à questão da necessidade que
justifique o interesse público da contratação, nos termos do art. 37, IX, da
Constituição Federal. |
Assim, não preenchido qualquer
requisito necessário à contratação temporária, a Administração Pública não
poderá adotar o instituto, sob pena de restar maculada a contratação efetivada,
por ofensa à obrigatoriedade do concurso público, consoante § 2º do artigo 37
da Constituição Federal.
Art. 37 (omissis)
§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III
implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos
da lei.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal
Federal já decidiu:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei
10.827/94, do Estado do Paraná. I. - A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II.
As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II
do art. 37 e a contratação por
tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público: C.F., art. 37, IX. Nessa
hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos
casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público excepcional. II. - Precedentes do
Supremo Tribunal Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/PB, Ministro Carlos
Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício Corrêa; ADI 2.380-MC/DF,
Ministro Moreira Alves; ADI 2.987/SC, Ministro Sepúlveda Pertence. III. - A lei
referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem
hipóteses abrangentes e genéricas de contratação
temporária, não especificando a
contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao
chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade.
IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.[3]
No
mesmo sentido:
CONSTITUCIONAL. LEI
ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO
TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO
PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI
JULGADA PROCEDENTE. I - A contratação
temporária de servidores sem concurso público é exceção, e não regra na
Administração Pública, e há de ser regulamentada por lei do ente federativo que
assim disponha. II - Para que se efetue a contratação
temporária, é necessário que não
apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o
serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade. III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se
caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração
estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais
funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar:
inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido
de não permitir contratação
temporária de servidores para a
execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse
social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente.[4]
In casu, do exame dos documentos acostados aos autos, constato
que a Unidade Gestora celebrou com a Senhora Angelina Lurdes Amato Schmidt
contratos fundamentados na Lei n. 2.174/97, a qual dispõe sobre a contratação
por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público, nos termos do artigo 37, IX, da Constituição Federal.
Conforme informações prestadas pela
Unidade Gestora (fl. 51), foram três contratos celebrados com a Senhora
Angelina Lurdes de Amato Schmidt, quais sejam:
a)
1º
contrato, com vigência de 22/05/2000 a 31/12/2000, para exercer as funções de
Auxiliar de Serviços Gerais;
b)
2º
contrato, com vigência de 02/01/2002 a 31/03/2003, para exercer as funções de
Agente Comunitário de Saúde;
c)
3º
contrato, com vigência de 01/04/2003 a 01/09/2004, para exercer as funções de
Agente Comunitário de Saúde.
Confrontando as contratações firmadas
com os requisitos da contratação temporária supramencionados, vislumbro estar
ausentes a temporariedade da contratação e o excepcional interesse público.
Ora, as funções de auxiliar de serviços gerais configuram atividades
permanentes e burocráticas da Administração Pública, as quais não se enquadram
no conceito de excepcional interesse público, conforme esposado na ADI 3430/ES,
in fine. Por sua vez, as atividades
exercidas pelo agente comunitário de saúde, apesar de não serem burocráticas,
demonstram-se permanentes e essenciais ao interesse público, em razão do prazo
de vigência do 2º e do 3º contratos, o que enseja sua realização por servidores
efetivos.
Ademais, a celebração de três contratos, com
prazos contíguos, com a Senhora Angelina Lurdes de Amato Schmidt afronta o
entendimento pacificado pelo Tribunal de Contas no citado Prejulgado 746, o
qual estabelece a proibição da prorrogação
de contrato e de nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função.
Assim sendo, pela ausência dos
pressupostos autorizadores da contratação temporária, notadamente o tempo
determinado e a necessidade
temporária de interesse público excepcional, constato, efetivamente, a violação do
disposto no artigo 37, II e IX, da Constituição Federal, como levantado pela
Área Técnica e pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
III
- VOTO
Diante de todo o exposto, estando os autos instruídos
na forma regimental, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário,
propugnando a seguinte proposta de voto:
1. Considerar irregular, com
fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, a
contratação da Senhora Angelina de Lurdes Amato de Schmidt, para funções
permanentes da Administração Municipal, nos períodos de 22/05/2000 a
31/12/2000, 02/01/2002 a 31/03/2003 e 01/04/2003 a 30/03/2005, sem restar evidenciados a real
necessidade temporária e o excepcional interesse público, em dissonância com o
artigo 37, II e IX, da Constituição Federal;
2. Aplicar, ao Senhor
Ciro Marcial Roza, inscrito no CPF sob n. 183.733.727-68, ex-Prefeito Municipal
de Brusque, residente na Rua Orlando José Schaefer, 123, Centro, Brusque/SC,
multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com fundamento no art. 70
inciso II, da Lei Complementar n. 202/00 e art. 109, II, do Regimento Interno,
pela irregularidade supramencionada, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a
contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Casa,
para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o
que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança
judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71, da Lei Complementar n.
202/2000.
3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e do Voto que o
fundamentam, bem como do Relatório DAP n. 3.010/2010 (fls. 83/86), ao responsável, ao
representante e ao controle interno da Prefeitura Municipal de Brusque.
Gabinete, em 16 de agosto de 2010.
__________________________
Júlio
Garcia
Conselheiro Relator
[1] PALADINO, Ricardo. XII Clico de Estudos de Controle
Público da Administração Municipal. Florianópolis: Tribunal de Contas, 2010. p.
198.
[2] Idem cit. p. 201.
[3] ADI 3210 /
PR. Relator:
Min. Carlos Velloso. Julgamento:
11/11/2004. Órgão Julgador: Tribunal Pleno
[4] ADI 3430 / ES. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento: 12/08/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno