ESTADO DE SANTA CATARINA

 

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTAO

 

GABINETE DO AUDITOR GERSON DOS SANTOS SICCA

 

 

PROCESSO Nº

DEN 08/00140389

DEN 08/00164300 - apensado

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Joinville

RESPONSÁVEL:

Marco Antônio Tebaldi – ex Prefeito Municipal

ASSUNTO:

Denúncia

 

 

 

EMENTA. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DÍVIDA ATIVA. PROTESTO. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA.

Não configura terceirização indevida o repasse a instituições bancárias das tarefas de emissão de boleto bancário de valores referentes à dívida ativa e protesto dos mesmos em caso de inadimplemento.

Conquanto inócuo o protesto de Certidão da Dívida Ativa, a previsão do ato em legislação local não caracteriza afronta a dispositivos da legislação federal.

 

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de Denúncia encaminhada a esta Corte pelo Sr. Paulo Cezar Machado, através da qual noticia supostas irregularidades na cobrança de tributos por parte do Município de Joinville.

Os autos inicialmente foram encaminhados à Consultoria Geral, que elaborou a informação de fls. 19/21, no sentido de não haver óbice para o conhecimento da Denúncia. Encaminhados os autos à Diretoria de Controle dos Municípios(DMU) para análise da admissibilidade, esta elaborou o relatório de fls. 28/30 sugerindo o conhecimento, no que foi acompanhada pelo Ministério Público Especial às fls. 32/34.

Tendo em vista a presença dos pressupostos básicos de admissibilidade constantes no art. 65 e seguintes da LC nº 202/00, conheci da Denúncia mediante o despacho de fl. 35.

Após a diligência de fls. 38/42 e a abertura de prazo para audiência do responsável (fls. 174/182), que apresentou a defesa de fls. 187/192, a DMU elaborou o relatório de fls. 211/224 sugerindo fosse o ato considerado irregular. É a parte final do relatório técnico:

À vista do exposto, entende a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, com fulcro nos artigos 59 e 113 da Constituição do Estado c/c o artigo 1º, inciso III da Lei Complementar n.º 202/2000, que possa o Tribunal Pleno, decidir por:

 

1 - CONSIDERAR IRREGULAR, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar nº 202/2000, o ato abaixo relacionado, aplicando ao Sr. Marco Antonio Tebaldi - Prefeito Municipal no exercício de 2008, CPF 256.712.350-49, residente à Rua Lajes, 1426, Bairro América, Joinville, SC, multa prevista no artigo 70, II da Lei Complementar nº 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

1.1 - Transferência da cobrança da Dívida Ativa do Município para instituições bancárias (Banco do Brasil, CEF e BESC), procedimento considerado irregular por se tratar de atividade-fim na Administração Pública, em desacordo com os artigos 30, III e 131, § 3º da Constituição Federal c/c arts. 3º e 119 do CTN e Prejulgado nº 1902 deste Tribunal (item 3.1 deste Relatório).

2 - DAR CIÊNCIA da decisão ao Denunciado, Sr. Marco Antonio Tebaldi e ao Denunciante, Sr. Paulo Cezar Machado.

 

O Ministério Público Especial exarou o parecer de fls. 226/234 propugnando pela inconstitucionalidade da Lei Municipal 3919/99 e da Resolução nº 33/2006 do Senado Federal, bem como que o Tribunal de Contas decidisse pela irregularidade do ato analisado com aplicação de multa ao Responsável. Entendeu o Parquet que a transferência da dívida ativa do Município de Joinville para instituições bancárias contraria os arts. 30 III e 131, § 3º, da Constituição Federal.

É o relatório.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

Afirma o denunciante, em concisa síntese, que o Município de Joinville, em contratos celebrados com o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BESC, transferiu a cobrança de valores a estes bancos, os quais estão sendo protestados em cartório, através de boletos bancários. Cita jurisprudência no sentido de ser incabível o protesto de boletos bancários. Diz que a cobrança através de protesto não possui amparo legal e que o meio adequado para a Administração buscar seu crédito é a execução na forma da Lei nº 6.830/80, a qual não contempla o protesto. Por último, afirma que não pode a Fazenda Pública pretender resolver os problemas de ineficiência usando contra o contribuinte meios desnecessários, gravosos e vexatórios.

Após aberto prazo para defesa (fls. 174/182), o Sr. Marco Antônio Tebaldi ofereceu as razões de fls. 187/192, nas quais sustentou que a cessão da dívida deu-se com fundamento na Resolução nº 33/2006 do Senado Federal e que esta Corte de Contas não possui competência para declarar a inconstitucionalidade de norma federal. Assevera, também, que a referida Resolução está em discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3786, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, sendo prudente o sobrestamento do feito até sua decisão final.

No mérito, ressaltou a legalidade do procedimento de cobrança, afirmando que sua conduta é compatível com a Constituição Federal, não havendo delegação da competência tributária, mas apenas procedimento de cobrança extrajudicial, após o respectivo processo administrativo de emissão da Certidão de Dívida Ativa. Alega, ainda, que o procedimento encontra guarida na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei de Responsabilidade Fiscal e que processo de mesmo teor no âmbito do Ministério Público foi arquivado.

Por último, sustenta que a conduta estava pautada na Lei Municipal e na Resolução do Senado Federal, sem qualquer ato atentatório aos princípios da Administração Pública.

Por seu turno, a Área Técnica desta Corte destaca que a Resolução do Senado Federal já está em discussão no Supremo Tribunal Federal e que seus termos afrontam a Constituição Federal e o ordenamento infraconstitucional inerente ao direito tributário, isso porque a cobrança da dívida ativa é atividade-fim da Administração Pública, sendo irregular sua transferência para pessoa física ou jurídica.

O Ministério Público Especial, após citar o entendimento desta Corte de Contas, manifestado através do Prejulgado nº 1902, opina pela inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.919/99, seja por prever a cobrança da dívida ativa por entidades privadas, seja por delegar atividade-fim da Administração Pública. Opina pela declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Municipal e da Resolução do Senado, bem como pela irregularidade do ato com aplicação de multa.

O caso dos autos contempla duas discussões. A primeira referente à viabilidade de efetuar-se protesto de Certidão de Dívida Ativa(CDA). A segunda questão concerne à possibilidade ou não de transferência da cobrança de dívida ativa a terceiros, e se isso ocorre no caso concreto.

Quanto ao primeiro ponto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já teve a oportunidade de se manifestar nos seguintes termos:

EMENTA. TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL - CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA -PROTESTO PRÉVIO - DESNECESSIDADE - PRESUNÇÃO DE CERTEZA LIQUIDEZ - AUSÊNCIA DE DANO MORAL - DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA 284/STF.

1. Não demonstrada objetiva, clara e especificamente pelo recorrente a violação a dispositivo de lei federal, não há como se conhecer do recurso especial interposto pela alínea "a" do permissivo constitucional, a teor do disposto na Súmula 284/STF.

2. A Certidão de Dívida Ativa além da presunção de certeza e liquidez é também ato que torna público o conteúdo do título, não havendo interesse de ser protestado, medida cujo efeito é a só publicidade.

3. É desnecessário e inócuo o protesto prévio da Certidão de Dívida Ativa. Eventual protesto não gera dano moral in re ipsa.

4. Recurso especial do BANCO DO BRASIL S/A conhecido parcialmente e, nessa parte, provido.

5. Prejudicado recurso especial do MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS. ACÓRDÃO

(STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.093.601 - RJ (2008/0169840-0), Rel. Min. Eliana Calmon, data do julgamento 18/11/2008)

 

O Ministério Público Estadual elenca decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina nas quais se admitiu o protesto de Certidão de Dívida Ativa, consoante se verifica dos documentos de fls. 95/98. Por outro lado, vozes da doutrina nacional já rejeitaram o protesto de Certidão de Dívida Ativa, sob o argumento de que o meio próprio de obter o crédito tributário é a execução fiscal, na forma da Lei nº 6.880/80.

No tocante à aceitação, ou não, do protesto de Certidão de Dívida Ativa, verifico que não obstante seja certo que a execução fiscal é o meio por excelência para obter-se a satisfação da dívida, nada impede que o legislador preveja outras formas que facilitem a obtenção do crédito, desde que não se promovam formas de constrição do patrimônio aptas a agredir os direitos do devedor.

Nessa linha de raciocínio, o protesto surgem como uma alternativa para evitar a execução judicial, procedimento praticamente inviável para débitos de pequeno valor. Afora isso, abre mais uma oportunidade para o pagamento, evitando assim o não raras vezes moroso procedimento judicial.

Além disso, não vejo como o protesto possa caracterizar ato que afronte a dignidade do devedor, notadamente porque a dívida encontra-se constituída e afirmada em Certidão da Dívida Ativa. Pode-se questionar se o protesto terá algum efeito jurídico. Entretanto, o fato de a dívida tributária ter sua liquidez e certeza definida por outro instrumento não pode, por si só, obstaculizar o protesto, caso o legislador entenda pela pertinência deste.

Portanto, inclino-me a não ver irregularidade no protesto de Certidão de Dívida Ativa, desde que a legislação local admita o procedimento. Ademais, devo registrar que a efetividade na cobrança de dívidas de quaisquer natureza é um problema sério do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que todas as ações que garantam uma maior recuperação de crédito, além de dar mais credibilidade ao sistema jurídico, trazem inúmeros benefícios, não apenas para os cofres públicos mas também para a economia, pois é sabido que as altas taxas de inadimplência determinam em grande parte as taxas de juros cobradas em financiamentos diversos, e, no tocante à Administração Pública, certamente o baixo grau de recuperação de créditos impele o legislador a aumentar a carga tributária, a fim de obter dos bons pagadores as quantias que não ingressam no Erário.

Ademais, o protesto não constituirá nova obrigação do devedor, já que a certeza e a liquidez são definidas pela própria Certidão da Dívida Ativa.

No que concerne à transferência da cobrança da dívida ativa para terceiros, esta Corte já se posicionou contrariamente, por se tratar de atividade-fim da Administração, a ser realizada por agentes do quadro de pessoal do Poder Público. São os termos do Prejulgado nº 1902:

 

Prejulgado 1902

1. A cobrança de Dívida Ativa, por via judicial ou extrajudicial, é um dos serviços jurídicos de natureza ordinária do ente, sendo necessária a criação de quadro de cargos efetivos para a execução desses serviços, com provimento mediante concurso público (art. 37 da Constituição Federal), se os já existentes forem insuficientes para a demanda do Município.

2. Por se tratar de atividade-fim, é irregular a transferência da cobrança da Dívida Ativa para pessoa física ou jurídica.

3. Nos casos de falta transitória de profissionais da área, portanto temporariamente, poderá ser aplicada a regra prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, que prevê a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos da lei, até o provimento dos cargos via concurso público.

(TCESC, Processo: CON-07/00198601, Parecer: COG - 292/07 - com acréscimos do relator - GCLRH-2007/289, Decisão: 2547/2007, Origem: Prefeitura Municipal de Imbituba, Relator:Conselheiro Luiz Roberto Herbst Data da Sessão:20/08/2007 Data do Diário Oficial: 11/09/2007)

 

Contudo, é importante explicitar o contexto do Prejulgado nº 1902, notadamente as perguntas dirigidas a este Tribunal de Contas, a fim de verificar se os seus termos são perfeitamente aplicáveis à situação objeto de análise.

No processo CON-07/00198601, que originou o Prejulgado nº 1902, o Consulente formulou os seguintes questionamentos:

“1) Pode um Município contratar empresa de Consultoria e Assessoria, para realizar a recuperação de dívidas em atraso?

 

2) Pode um Município, realizando a contratação de empresa de Consultoria e Assessoria em recuperação de dívidas em atraso, remunerar a empresa contratada, com base em porcentagem do total arrecadado, comprovadamente, pelo ente público, através dos serviços prestados, desde que não haja vinculação de receita do imposto cobrado?

 

3) Pode um Município instituir, através de Lei, a faculdade de o mesmo proceder a cobrança amigável dos créditos vencidos e não pagos, por intermédio de empresa de Consultoria e Assessoria em recuperação de dívidas em atraso, em consonância com o disposto no inciso I do artigo 30 de nossa Carta Magna, bem como com os ditames da Lei Federal nº 8.666/93?”

 

No caso analisado por esta Corte, tratava-se de efetivo repasse a terceiros da atividade de cobrança, com a contratação de uma empresa que seria remunerada em percentual do valor arrecadado. Essa situação, entretanto, não se confunde com a que ora é analisada, isso porque o contrato firmado com as instituições bancárias limita-se à emissão do boleto e protesto, com pagamento em valor fixo, não vinculado ao êxito na arrecadação. A execução da dívida, por certo, continua sob  responsabilidade dos agentes da Administração.

Não se pode levar a tese que estabelece limites à terceirização ao extremo de proibir-se a contratação de uma instituição financeira para a realização de serviços que nitidamente configuram atividades meramente auxiliares,  tais como emissão de boletos bancários e protestos. A atividade-fim no que concerne à dívida envolve a emissão da Certidão da Dívida e o procedimento executivo, não sendo justificável que funções meramente acessórias sejam consideradas como representação do poder de império estatal.

Por fim, ressalto que a matéria é objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal, sendo até mesmo possível a definição pela Corte Suprema de uma posição diversa da que está sendo apresentada nesta Proposta de Voto. Não obstante, isso não impede que, nesta oportunidade, este Tribunal reconheça a improcedência da Denúncia.

 

 

 

 

 

III – PROPOSTA DE VOTO

 

Estando os autos apreciados na forma regimental, proponho ao Egrégio Plenário:

6.1. Conhecer do Relatório nº 3977/2009, da Diretoria de Controle dos Municípios(fls. 211/224), para considerar improcedente a Denúncia, em face da comprovação da inexistência de irregularidades.

6.2. Dar ciência do Acórdão aos denunciantes, ao Sr. Marco Antônio Tebaldi e’ ao Prefeito Municipal de Joinville, Sr. Carlito Merss.

 

                                   Gabinete, em 31 de agosto de 2010.

 

Auditor Gerson dos Santos Sicca

Relator