Gabinete do Conselheiro Júlio Garcia

 

 

 

PROCESSO:                                    LCC – 09/00233745

UNIDADE:                             Prefeitura Municipal de Brusque

RESPONSÁVEL:                 Ciro Marcial Rozaex-Prefeito Municipal de Brusque

ASSUNTO:                           Contrato decorrente da Ata de Registro de Preços – Concorrência n. 02/2008, para fornecimento de medicamentos não disponíveis na farmácia de medicamentos básicos.

VOTO GABCJG                    928/2010

 

 

 

 

 

EDITAL DE CONCORRÊNCIA. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. IRREGULARIDADES. REVELIA DO RESPONSÁVEL. APLICAÇÃO DE MULTA.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I - RELATÓRIO

                        Cuidam os autos da Concorrência Pública n. 02/2008, deflagrada pela Prefeitura Municipal de Brusque, cujo objeto é o registro de preços para o fornecimento de medicamentos não disponíveis na farmácia de medicamentos básicos da Secretaria Municipal de Saúde.

O instrumento convocatório foi analisado, inicialmente, nos autos ELC 08/00474406, pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC, através do Relatório de Instrução n. DLC/INSP2/DIV4/499/2008, resultando na Decisão n. 3.057/2008, exarada pelo Tribunal Pleno, no sentido de determinar a sustação cautelar do processo licitatório e a adoção, pelo Sr. Ciro Marcial Roza, de medidas corretivas necessárias ao exato cumprimento da lei ou que procedesse à anulação do certame.

Todavia, em virtude da homologação do resultado da licitação e, por conseguinte, da celebração do ajuste, o que acarretou a perda do objeto do ELC 08/00474406, o Tribunal Pleno prolatou a Decisão n. 4.051/2008, determinando, à Unidade Gestora, o encaminhamento de cópia integral da Concorrência Pública em tela, do acordo firmado e outros documentos correlatos decorrentes, para formação de autos específicos com vista à análise pela Diretoria Técnica competente deste Tribunal de Contas (fl. 02).

Cumprida a determinação pela Unidade Gestora, formou-se o presente feito, restando, em apenso, o ELC 08/00474406, em razão da conexão objetiva, o qual se determinará, ao final, seu arquivamento, tendo em vista a perda de seu objeto. No entanto, em decorrência da ascensão do Dr. Adircélio de Moraes Ferreira Júnior ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Conta, o que ensejou a redistribuição das competências entre os Conselheiros, assumi a relatoria de ambos os processos.

Em sequência, do exame dos documentos remetidos, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC, elaborou o Relatório de Instrução n. 111/2009 (fls. 127/140), em cuja conclusão sugeriu-se a audiência do responsável para apresentação de justificativas a respeito das irregularidades constatadas, o que foi acompanhado pelo despacho do Auditor Relator (fls. 145/147).

Regularmente comunicado (fl. 149), o Senhor Ciro Marcial Roza, após deferimento de pedido de prorrogação de prazo (fl. 150), deixou transcorrer in albis o prazo para ofertar justificativas.

Os autos, então, retornaram ao Órgão Técnico, que, por sua vez, confeccionou o Relatório de Reinstrução n. 110/2010, sugerindo o seguinte:

3. CONCLUSÃO

Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator, com fulcro nos arts. 59, da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar Estadual nº. 202/00, que em seu voto propugne ao Tribunal Pleno:

3.1. JULGAR IRREGULAR o Processo de Concorrência Pública nº. 02/2008 e a Ata de Registro de Preços nº. 032/08, em virtude das seguintes ilegalidades:

3.1.1. Ausência da especificação completa do bem, das unidades e das quantidades do objeto a ser licitado, contrariando o inciso II do art. 15 da Lei nº 8.666/93 e o disposto no inciso I do art. 19 do decreto Municipal de Brusque nº 4.336/99 (item 2.1 do presente Relatório);

3.1.2. Previsão de regramento para julgamento das propostas de preços com base na tabela da ABCFARMA, preâmbulo e item 8.5 do Edital, contrariando o disposto no § 1º do art. 15 da Lei nº 8.666/93 e no inciso II do art. 10 do Decreto Municipal nº 4.336/99 (item 2.2 do presente Relatório);

3.1.3. Previsão de regras para o julgamento das propostas de preços – item 9 do Edital, contrariando o disposto no inciso V do art. 43 e nos incisos I e II do art. 48 da Lei nº 8.666/93 e o inciso III do art. 5º da PM 2814/98, alterada pela Portaria nº MS 3716/98 (item 2.3 do presente Relatório);

3.1.4. Previsão de critério de reajuste de preços com base na Tabela da ABCFARMA – item 11.1 do Edital e item 3.1 da Ata de Registro de Preços, contrariando o disposto no art. 4º da Lei nº 10.742/03 (item 2.4 do presente Relatório);

3.1.5. Previsão de prazo para reajuste dos preços conforme tabela da ABCFARMA – item 11 do Edital e item 3 da Ata de Registro de Preços contrariando o disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 10.192/01, o § 7º do art. 4º da Lei nº 10.742/03 c/c o inciso III do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93 (item 2.5 do presente Relatório);

3.1.6. Redação conflitante e imprecisa a respeito do reajuste dos medicamentos constantes na Tabela da ABCFARMA, configurando irregularidade segundo previsto nos arts. 15, inc. III e 40, inc. XI da Lei nº 8.666/93, bem como nas Leis nºs 10.192/2001, arts. 2º, 3º, §1º e art. 4º e seus §§ da Lei nº 10.742/2003 (item 2.6 do presente Relatório);

3.1.7. Ausência das especificações dos medicamentos bem como das quantidades, contrariando orientação contida nos arts. 15, § 3º, inc. I a III, § 7º e inc. I a III e art. 10 e inc. I a VI do Decreto Municipal nº 4.336/1999, que regulamentou o Sistema de Registro de Preços (item 2.7 do presente Relatório);

3.1.8. Previsão de prazo de validade do Registro de Preços em desacordo com o caput do art. 57 da Lei Federal nº 8.666/93, que estabelece a observância da vigência do crédito orçamentário (item 2.8 do presente Relatório);

3.1.9. Ausência de comprovação de publicação oficial da Ata e trimestralmente, dos preços praticados, de acordo com o previsto no §2º do art. 15 da Lei nº. 8.666/93 (item 2.9 do presente Relatório);

3.2. APLICAR MULTA, ao responsável, Sr. Ciro Marcial Rozaex-Prefeito Municipal de Brusque, inscrito no CPF sob o nº 183.733.727-68, com endereço na Rua Orlando José Schaefer, nº 123, Centro, Município de Brusque/SC, CEP 88.530-000, a teor do disposto no artigo 70, incisos II e VII, da Lei Complementar nº. 202/00, em face das restrições apontadas no item 3.1 desse Relatório.

3.3. RECOMENDAR à Unidade Gestora, que nos futuros instrumentos convocatórios:

3.3.1. Não preveja suspensão do julgamento para verificação de documentos de habilitação, observando o disposto no art. 43 da Lei Complementar nº 123/06 (item 3.2.1 da Conclusão do Relatório nº 725/08); e

3.3.2. Não preveja prazo para se obter esclarecimentos acerca do procedimento licitatório (Preâmbulo do Edital), observando a Lei nº 8.666/93 e os princípios constitucionais do livre acesso à informação (art. 5º, XIV, da CF e da transparência (item 3.2.4 da Conclusão do Relatório nº 725/08).

3.4. DAR CIÊNCIA do relatório e do voto do relator que a fundamentam à Assessoria Jurídica, ao Controle Interno e ao Prefeito do Município de Brusque.

 

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas elaborou o Parecer nº 1.197/2010, manifestando-se por acompanhar o entendimento da Diretoria Técnica (fls. 162/167).

É o relatório.

II - DISCUSSÃO

                        Cuida-se de Concorrência Pública n. 02/2008, deflagrada pela Prefeitura Municipal de Brusque, objetivando o registro de preços para fornecimento de medicamentos não disponível na farmácia de medicamentos básicos da Secretaria Municipal.

Preliminarmente, faz-se necessário tecer alguns comentários acerca da revelia do responsável, Sr. Ciro Marcial Roza, visto que, apesar de regularmente comunicado na forma do artigo 37, II, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (fl. 149), não respondeu à audiência determinada pelo Auditor Relator à época.

 

Dessa forma, vislumbrado o não atendimento à audiência, deve-se aplicar, analogicamente, o disposto no §2º do artigo 15 da referida Lei Orgânica, que assim determina:

 

Art. 15. (omissis)

§ 2º O responsável que não acudir à citação será considerado revel, para todos os efeitos, dando-se prosseguimento ao processo.

 

Todavia, a revelia não impede a apreciação das irregularidades constatadas pela área técnica dessa Corte de Contas, com intuito, caso necessário, de ajustá-las aos ditames legais.

 

II.1 Ausência da especificação completa do bem, das unidades e das quantidades estimadas do objeto a ser licitado, contrariando o disposto nos artigos 15, § 7º, II, da Lei n. 8.666/93, e 10, I, do Decreto Municipal de Brusque n. 4.336/99.

 

A Área Técnica, no item 2.1 do Relatório de Reinstrução n. 110/2010 (fls. 155/161), levantou que o instrumento convocatório não especificou de forma completa o objeto licitado, porquanto não houve a descrição dos medicamentos a serem adquiridos, bem como suas quantidades, o que violaria o disposto nos artigos 15, II, da Lei n. 8.666/93, e 10, I, do Decreto Municipal de Brusque n. 4.336/99, o qual regulamentou o Sistema de Registro de Preços no ente federativo em tela.

Analisando o Edital de Concorrência Pública n. 02/2008 (13/24), verifico, efetivamente, a inexistência de qualquer menção acerca da especificação dos medicamentos e da quantidade estimada a ser fornecida. Tal carência editalícia prejudica a formulação das propostas das licitantes, podendo, ainda, afastar eventuais interessados, em razão de insegurança jurídica ocasionada. E mais, há também reflexos orçamentários, mormente pela impossibilidade de se aferir a suficiência da dotação orçamentária especificada pela Unidade Gestora para fazer frente às despesas advindas da execução dos futuros contratos.

Além dos dispositivos legais ventilados pela Área Técnica, como fundamentadores da irregularidade, acrescento, ainda, as normas contidas nos artigos 14, 15, § 7º, I, e 40, I, todos da Lei n. 8.666/93, os quais determinam a descrição sucinta e clara, mas completa do objeto e, nas compras, a definição das unidades e das quantidades estimadas a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis.

Saliento que a simples menção da Tabela da ABCFARMA não tem o condão de cumprir o previsto nas normas acima, pois a Unidade Gestora, em razão da falta de demanda, poderá deixar de adquirir medicamento não compreendido na farmácia básica, mas constante da mencionada tabela, ensejando, novamente, reflexos na formulação das propostas pelas participantes.

Por fim, incluo, na irregularidade em tela, a restrição apontada no item 2.7 do referido relatório técnico, porquanto tratam de idêntico fato, i.e., a ausência das especificações dos medicamentos e das quantidades, só que, neste caso, relacionada à Ata de Registro de Preços n. 032/2008, documento constante do Anexo I do Edital de Concorrência Pública n. 02/2008.

No entanto, majoro o valor da penalidade pecuniária a ser aplicada ao responsável em 50% do mínimo previsto no artigo 109, II do Regimento Interno, em decorrência dessa dupla deficiência do instrumento convocatório, resultando na quantia de R$ 600,00 (seiscentos reais).

II.2. Previsão de Regramento para julgamento das propostas de preços com base na tabela da ABCFARMA, preâmbulo e item 8.5 do Edital, contrariando o disposto nos arts. 15, §1º, da Lei n. 8.666/93, e 10, II, do Decreto Municipal n. 4.336/99.

 

A Área Técnica, conforme item 2.2 do Relatório de Reinstrução n. 110/2010, verificou a adoção, como critério de julgamento, do maior desconto no preço estabelecido na Tabela ABCFARMA, em dissonância com os artigos 15, § 1º, da Lei n. 8.666/93, e 10, II, do Decreto Municipal n. 4.336/99, porquanto não se trata de tabela apropriada para ser parâmetro de preços dos remédios para o Poder Público.

Nesse item, acompanho o entendimento esposado no Relatório de Reinstrução n. 110/2010 da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, salientando que a Lei n. 8.666/93, em seu artigo 15, § 1º, prevê a obrigatoriedade da Administração Pública de realizar, previamente ao registro de preços, a ampla pesquisa de mercado. A obtenção de tais informações pelo Gestor integra o planejamento obrigatório e prévio à deflagração do processo licitatório, com intuito de dar concretude ao princípio da economicidade na busca da proposta mais vantajosa ao interesse público. Ressalto que a pesquisa de mercado não se limita às licitações relacionadas às compras, mas se estende a qualquer objeto, mormente por ser imprescindível, nos certames públicos, a elaboração de orçamento prévio estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários, por força do artigo 40, § 2º, II, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Destaco, ainda, que a Tabela da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico – ABCFARMA, como ventilado pela Área Técnica, não substitui a ampla pesquisa de mercado, porquanto, além de não ter sido elaborada pelo órgão público, utiliza como parâmetro o valor máximo da venda ao consumidor para todo território nacional, desconsiderando a economia de escala, presente no fornecimento dos medicamentos à municipalidade, bem como as especificidades regionais. Assim, o valor máximo dos medicamentos, que se obteria na ampla pesquisa de mercado, provavelmente, seria aquém daquele constante da Tabela da ABCFARMA, o que influenciaria no percentual de desconto apresentado como proposta pelas licitantes.

Ademais, não se olvida que a participação, na Concorrência Pública n. 02/2008, resumiu-se a apenas uma licitante. Dessa forma, o valor ofertado pela licitante, com base na Tabela da ABCFARMA, poderia não refletir o valor real de mercado, considerado o ganho de escala em razão da demanda.

Por fim, incluo, ainda, nessa irregularidade, a restrição prevista no item 2.3 do Relatório de Reinstrução n. 110/2010, a qual se refere, também, às regras de julgamento das propostas de preços baseadas na Tabela ABCFARMA, pelas razões expostas pela Área Técnica, majorando, todavia, o valor da penalidade pecuniária a ser aplicada ao responsável em 50% do mínimo previsto no artigo 109, II, do Regimento Interno, em decorrência dessa dupla deficiência do instrumento convocatório, resultando na quantia de R$ 600,00 (seiscentos reais).

II.3. Previsão de critério de reajuste de preços com base na Tabela ABCFARMA – item 11.1 do Edital e item 3.1 da Ata de Registro de Preços, contrariando o disposto no art. 4º da Lei nº 10.742/03.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC, apontou, no item 2.4 do Relatório de Reinstrução n. 110/2010, que o critério de reajuste, estabelecido no Edital de Concorrência Pública n. 02/2008 e na Ata de Registro de Preços, ao se fundamentar na Tabela da ABCFARMA, não retrata a real variação do preço do produto, em afronta ao disposto no artigo 40, XI, da Lei n. 8.666/93, e 4º da Lei n. 10.742/03.

Sobre o reajuste, a Área Técnica levantou, ainda, nos itens 2.5 e 2.6 do referido relatório, as seguintes irregularidades, as quais serão mescladas com a restrição em comento, procedendo-se análise conjunta, por se tratar de idêntico assunto:

Previsão de prazo para reajuste dos preços conforme Tabela da ABCFARMA – item 11 do Edital e item 3 da Ata de Registro de Preços, contrariando o disposto nos artigos 2º, § 1º, da Lei n. 10.192/01, 4º, § 7º, da Lei n. 10.742/03, c/c o artigo 15, § 3º, III, da Lei n. 8.666/93; e

Redação conflitante e imprecisa a respeito do reajuste dos medicamentos constantes da Tabela da ABCFARMA, infringindo o disposto nos artigos 15, III, e 40, XI, da Lei n. 8.666/93, bem como nos artigos 2º e 3º, § 1º, da Lei n. 10.192/01, e 4º e seus §§, da Lei n. 10.742/03.

Pois bem.

Verifico, da análise do instrumento convocatório e da Ata de Registro de Preços, que a Unidade Gestora, novamente, utilizou-se da Tabela da ABCFARMA para embasar o critério de reajuste de preços, bem como o prazo para realização deste reajustamento.

No que concerne ao índice a ser fixado pela Administração Pública no reajustamento dos valores contratados, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, em seu artigo 40, XI, determina a adoção de critérios que reflitam a variação do custo de produção, admitida a utilização de índices específicos ou setoriais. A adoção de índice específico objetiva a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, obstaculizando o locupletamento indevido das partes contratantes.

Nessa senda, como bem levantado pela Área Técnica, a Lei n. 10.742/03 estabelece, em seu artigo 4º, o critério a ser adotado pelas sociedades empresárias produtoras de medicamentos no ajuste e determinação de seus preços, o qual será baseado em um índice, em um fator de produtividade e em um fator de ajuste de preços relativos intra-setor e entre setores. Os percentuais de reajustamento, por força do § 6º do mencionado artigo, serão publicados pela Câmara de Regulação de Mercado de Medicamentos – CMED.

Constato, dessa forma, que o percentual de reajustamento de preços deveria ter sido embasado nos critérios previstos no artigo 4º da Lei n. 10.742/03, e não na Tabela de Preços da ABCFARMA, como fixou o item 11.1 do Edital de Concorrência Pública n. 02/2008 e o item 3.1 na Ata de Registro de Preços.

Nesse sentido, vislumbro a ofensa dos artigos 40, XI, da Lei n. 8.666/93, e 4º da Lei n. 10.742/03.

No que se refere ao prazo, melhor sorte não assiste ao responsável, visto que, novamente, o Edital de Concorrência Pública e a Ata de Registro de Preços, em seus itens 11 e 3, respectivamente, vinculam a periodicidade do reajustamento à variação dos preços constantes da Tabela da ABCFARMA. Ora, é consabido que, com o advento do Plano Real, o reajuste dos contratos ou, in casu, da Ata de Registro de Preços, será anual, cujo termo a quo é data limite prevista para entrega da proposta ou do orçamento a que esta se referir, consoante artigo 2º, § 1º, da Lei n. 10.192/01.

Não discrepando, os Prejulgados n.s 424 e 678 dispõem:

Prejulgado 424:

O reajuste de preços poderá ser concedido após decorrido um ano da data limite prevista para entrega da proposta ou do orçamento a que esta se referir, conforme definido no instrumento convocatório da licitação e no contrato, nos termos dos arts. 2° e 3° da Lei (federal) n. 10.192, de 14/02/2001, c/c o art. 40, XI, da Lei (federal) n. 8.666, de 21/06/1993, com a redação da Lei n. 8.883, de 1994.

A alteração contratual para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato pode ser efetuada a qualquer tempo, desde que atendidos aos pressupostos para a sua efetivação.

Prejulgado 678:

O reajuste do preço inicial do objeto do contrato só poderá ser efetivado quando previsto no edital, e, consequentemente, no instrumento contratual.

O reajuste fica condicionado à observância da periodicidade anual, contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que esta se referir.

A escolha do índice de reajuste é de competência da Administração, observadas as disposições dos arts. 40, XI (com a redação da Lei n. 9.648, de 1998) e 55, III, da Lei (federal) n. 8.666, de 1993, c/c os arts. 2º e 3º da Lei (federal) n. 10.192, de 2001.

Com relação aos medicamentos, a própria Lei n. 10.742/03, em seu artigo 4º, § 7º, define que os ajustes de preços ocorrerão anualmente.

Dessa feita, embora a Tabela de Preços da ABCFARMA seja ajustada anualmente, pode o reajuste desta não coincidir com o transcurso do prazo de um ano a partir da apresentação das propostas ou do orçamento a que esta se referir, ocasionando a modificação dos valores da Ata de Registro de Preços de forma antecipada, em flagrante violação ao disposto nas normas supramencionadas.

Pelo exposto, acolho a manifestação da Área Técnica nesse ponto.

Por fim, a respeito da redação conflitante e imprecisa pertinente ao reajuste dos medicamentos, percebo que esta restrição já está contida na irregularidade relacionada ao critério de reajuste, cabendo desconsiderá-la, sob pena de bis in idem na aplicação da pena pecuniária.

Assim, em virtude da vinculação dos critérios e do prazo de reajustamento à Tabela da ABCFARMA, violando o disposto nos artigos 40, XI, da Lei n. 8.666/93, 4º da Lei n. 10.742/03, e 2º, § 1º, da Lei n. 10.192/01, aplico multa pecuniária no valor mínimo previsto no artigo 109, II, do Regimento Interno, acrescido em 50%, pela junção das irregularidades previstas nos itens 2.4 e 2.5 do Relatório de Reinstrução n. 110/2010, o que resulta no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais).

II.4. Previsão de prazo de validade do Registro de Preços em desacordo com o art. 57, caput, da Lei n. 8.666/93, o qual estabelece a observância da vigência do crédito orçamentário.

A Área Técnica, no item 2.8 do Relatório de Reinstrução n. 110/2010, sustentou a violação do artigo 57, caput, da Lei n. 8.666/93, em decorrência da previsão de prazo de validade de um ano da Ata de Registro de Preços n. 032/2008, assinada no início do último quadrimestre de 2008, sem a observância da vigência do crédito orçamentário.

Em que pesem os argumentos esposados pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, não comungo com o entendimento exarado, porquanto a ata de registro de preços tem natureza diversa de contrato.

Elucido.

O contrato é o acordo de vontades gerador de direitos e deveres às partes contratantes. Dessa forma, na hipótese de descumprimento unilateral, a parte adimplente poderá exigir da outra o cumprimento das obrigações previstas no instrumento contratual. Verifica-se, assim, no contrato, a existência de deveres mútuos, bem como a possibilidade de execução forçada dessas obrigações.

Por sua vez, a Ata de Registro de Preços é um documento resultante do processo licitatório deflagrado, no qual conterá a descrição do objeto licitado, sua quantidade e os valores unitários e totais das propostas vencedoras, e será assinada pela Unidade Gestora e pelas licitantes que logram êxito no certame.

No entanto, apesar de assinada pela Administração Pública, ao contrário do contrato, da ata de registro de preços não resulta obrigações ao Poder Público, tão somente às fornecedoras, as quais deverão garantir a entrega dos bens registrados, em conformidade com as especificações e condições editalícias, pelo valor das propostas apresentadas. Na verdade, a ata firma compromissos para futura contratação, ou seja, caso venha a ser concretizado o contrato, há que se obedecer às condições previstas na ata.[1] Nesse sentido, a fornecedora não possui a prerrogativa de exigir da Administração o cumprimento das disposições constantes da ata de registro de preço.

Tal interpretação é reforçada pelo disposto no § 4º do artigo 15 da Lei n. 8.666/93, o qual prevê que a existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir. Assim, a própria legislação diferencia a ata de registro de preços do instrumento contratual, visto que este poderá ou não ser celebrado em momento posterior à elaboração da ata.

Pois bem.

O artigo 57, caput, da Lei n. 8.666/93, levantado pela Área Técnica para fundamentar a restrição em comento, é claro ao prescrever que a duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários.

Vislumbro, dessa forma, que a aplicação da disposição legal acima está restrita aos contratos, não podendo ser estendida de forma analógica às atas de registro de preços.

A aplicação analógica do dispositivo poderia ser realizada na hipótese de ausência de norma acerca da validade ou da vigência da ata de registro, o que não ocorre, porquanto o inciso III do § 3º do artigo 15 da Lei n. 8.666/93 regulamenta o assunto, in verbis:

Art. 15 (...)

§ 3o O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:

(...)

III - validade do registro não superior a um ano.

Ademais, não constato qualquer óbice na validade da ata de registro de preços ultrapassar o prazo de vigência do crédito orçamentário, aplicando-a no exercício financeiro seguinte. Todavia, saliento que o contrato celebrado, para fornecimento de bens, decorrente da ata de registro de preços, este sim deverá observar a vigência do crédito orçamentário do exercício no qual foi firmado, sob pena de nulidade.

Sustento, ainda, que tal entendimento está em consonância com o artigo 167, II, da Constituição Federal, visto que a ata de registro de preços, por não resultar em deveres à Administração, não configura a assunção de obrigações diretas que possam exceder os créditos orçamentários.

 Ressalto que o sistema de registro de preços trouxe certas vantagens à Administração Pública, dentre as quais, a possibilidade de aquisições futuras na quantidade necessária ao atendimento do interesse público e de forma parcelada, bem como a economia de ordem operacional, tendo em vista a redução dos estoques dos produtos.

In casu, da análise da ata de registro de preços, não apuro qualquer infração ao artigo 57, bem como ao artigo 15, § 3º, III, ambos da Lei n. 8.666/93, em decorrência do prazo de validade da Ata de Registro de Preços n. 032/2008 está fixada em um ano, consoante seu item 4.2.

Diante do exposto, rechaço a restrição apontada pela Diretoria Técnica.

II.5. Ausência de comprovação de publicação oficial da Ata e, trimestralmente, dos preços praticados, de acordo com o previsto no § 2º do art. 15 da Lei n. 8.666/93.

A Área Técnica constatou, de acordo com o item 2.9 do Relatório de Reinstrução n. 110/2010, a ausência de comprovação da publicação, na imprensa oficial, dos preços registrados, violando o disposto no artigo 15, § 2º, da Lei n. 8.666/93.

Acompanho o entendimento da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC, tendo em vista que foi requisitada à Unidade Gestora cópia integral da documentação referente à Concorrência n. 02/2008, dos contratos, e outros documentos correlatos decorrentes, através da Decisão n. 4051/2008 (fl. 02), incluindo os comprovantes de publicação trimestral dos preços registrados, os quais não se encontram nos autos.

Dessa forma, aplico ao responsável o valor mínimo previsto no artigo 109, II, do Regimento Interno.

II.6. Das recomendações

A Área Técnica sugeriu, ainda, conforme itens 3.3.1 e 3.3.2 da conclusão do Relatório de Reinstrução n. 110/2010, recomendar à Unidade Gestora: a) não preveja a suspensão do julgamento para verificação de documentos de habilitação, observando o disposto no artigo 43 da Lei Complementar n. 123/06; e b) não preveja prazo para se obter esclarecimentos acerca dos procedimentos licitatórios, observando a Lei n. 8.666/93 e os princípios constitucionais do livre acesso à informação, previsto no artigo 5º, XIV, da Constituição Federal.

No que concerne à primeira recomendação, vislumbro, efetivamente, a inexistência de amparo legal para suspensão do certame, prevista no item 8.5.2 do Edital de Concorrência Pública n. 02/2008, na hipótese de microempresa ou empresa de pequeno porte seja a detentora da melhor proposta.

Transcrevo o supracitado item do edital:

8.5.2. Procedida à classificação provisória e verificado que o melhor preço foi apresentado por Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte licitante, a Comissão de Licitações, suspenderá o julgamento das propostas e tomará a análise da habilitação fiscal desta proponente, intimando-a para, no prazo, de 02 (dois) dias úteis, prorrogáveis por igual período mediante requerimento justificado, regularização da documentação mediante apresentação das respectivas certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.

No entanto, da leitura dos artigos 42 e 43 da Lei Complementar n. 123/06, percebo que as sociedades empresárias qualificadas como microempresas e empresas de pequeno porte possuem o benefício legal de comprovarem a regularidade fiscal tão somente para efeito de assinatura do contrato. Dessa forma, a Comissão de Licitação deverá declarar vencedora a microempresa ou empresa de pequeno porte que apresentar a melhor proposta, passando para o exame da documentação referente à habilitação fiscal. Caso verificada irregularidade na documentação, a Comissão deverá intimar a vencedora do certame para que proceda à regularização, no prazo de 02 (dois) dias, a contar do momento em que a proponente for declarada vencedora. Na hipótese de não cumprimento, fica facultada à Administração convocar os demais licitantes, na ordem de classificação, para assinatura do contrato.

Assim, não há a possibilidade legal de realizar classificação provisória da Microempresa ou da Empresa de Pequeno Porte, suspendendo a sessão para análise de sua documentação relativa à habilitação fiscal, porquanto tal verificação ocorrerá tão somente após esta restar declarada vencedora do certame.

Assim, acompanho a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações.

A segunda recomendação sugerida pela Área Técnica também merece guarida, pois é vedado ao instrumento convocatório limitar o direito ao acesso à informação constitucionalmente amparado.

É consabido que a Administração Pública tem o dever de prestar as informações solicitadas pelos administrados, salvo nos casos de sigilo previstos na Constituição Federal. Ademais, não se pode olvidar que a publicidade é um dos princípios que rege a atuação da Administração Pública e, por conseguinte, o processo licitatório, consoante artigos 37, caput, da Constituição Federal, e 3º, caput, da Lei n. 8.666/93. Assim, as consultas dirigidas à Comissão de Licitação, com o intuito de dirimir dúvida acerca dos termos do instrumento convocatório, poderão ser realizadas a qualquer momento, cabendo à Administração dar a devida publicidade aos esclarecimentos prestados a todos os interessados.

Todavia, acrescento à fundamentação legal os artigos 3º da Lei n. 8.666/93 e 5º, XXXIV, “a”, e 37, caput, da Constituição Federal.

Dessa forma, acompanho novamente a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações.

III - VOTO

Diante de todo o exposto, estando os autos instruídos na forma regimental, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário, propugnando a seguinte proposta de voto:

1 - Considerar irregulares a Concorrência Pública n. 02/2008 e a Ata de Registro de Preços n. 032/2008, dela decorrente, em virtude das irregularidades a seguir relacionadas, aplicando ao Senhor Ciro Marcial Roza, ex-Prefeito Municipal de Brusque, CPF nº 183.733.727-68, multas previstas no artigo 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas para comprovar o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000, conforme segue:

                        1.1 – R$ 600,00 (seiscentos reais) em face da ausência da especificação completa do bem, das unidades e das quantidades do objeto a ser licitado, contrariando o disposto nos arts. 14, 15, § 7º, I e II, 40, I, todos da Lei n. 8.666/93, e 10, I, do Decreto Municipal n. 4.336/99  (itens 2.1 e 2.7 do relatório n. 110/2010);

1.2 – R$ 600,00 (seiscentos reais) em face do regramento para julgamento das propostas de preços com base na Tabela da ABCFARMA, conforme preâmbulo e itens 8.5 e 9 do Edital de Concorrência Pública n. 02/2008, em dissonância com o disposto nos arts. 15, § 1º, 43, IV, 48, I e II, todos da Lei n. 8.666/93, e 5º, III, da Portaria n. MS 2814/98, alterada pela Portaria n. 3716/98 (itens 2.2 e 2.3 do relatório n. 110/2010);

1.3 – R$ 600,00 (seiscentos reais) em face da previsão de critério e de prazo de reajuste de preços com base na Tabela de Peços da ABCFARMA, conforme itens 11 do Edital de Concorrência Pública n. 02/2008 e 3 da Ata de Registro de Preços n. 032/2008, infringindo o disposto nos arts. 40, XI, da Lei n. 8.666/93, 2º, § 1º, da Lei n. 10.192/01, e 4º da Lei n. 10.742/03 (itens 2.4, 2.5 e 2.6 do relatório n. 110/2010);

1.4 – R$ 400,00 (quatrocentos reais) em face da ausência de comprovação da publicação oficial da Ata de Registro de Preços e, trimestralmente, dos preços praticados, de acordo com o previsto no art. 15, § 2º, da Lei n. 8.666/93 (item 2.9 do relatório n. 110/2010);

2 – Recomendar à Unidade Gestora que nos futuros instrumentos convocatórios:

2.1 – Não preveja a suspensão do julgamento do certame para verificação de documentos de habilitação fiscal da Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte que apresente a melhor proposta, em consonância com os arts. 42 e 43 da Lei Complementar n. 123/06;

2.2 – Não preveja prazo para obtenção de esclarecimentos acerca do certame, em observância ao disposto nos arts. 3º da Lei n. 8.666/93 e 5º, XIV, e XXXIV, “a”, e 37, caput, da Constituição Federal (item 3.3.2 do relatório n. 110/2010);

3 – Determinar o arquivamento do processo ELC 08/00474406, em apenso, em virtude da perda do objeto, consoante art. 267, VI, c/c o art. 462, ambos do Código de Processo Civil.

4 - Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório n. 110/2010 da DLC que instruiu o feito, ao responsável e ao controle interno da Prefeitura Municipal de Brusque.

Gabinete, em 09 de agosto de 2010.

 

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Júlio Garcia

Conselheiro Relator



[1] Tribunal de Contas da União. Acórdão 3273/2010. 2ª Câmara, TC-018.717/2007-3, rel. Min-Subst. Augusto Sherman Cavalcanti, 29.06.2010.