Processo:

REP-09/00078839

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Chapecó

Responsável:

João Rodrigues

Interessado:

Rodrigo Goldschmidt

Assunto:

Peças de Ação Trabalhista - contratação irregular (bolsista).

Relatório e Voto:

GAC/CFF - 1279/2010

 

                                                                                                                               

Vínculo empregatício. Programa assistencial. Jurisprudência trabalhista. Divergência.

Não há entendimento pacífico na Justiça Trabalhista em Santa Catarina sobre a caracterização de violação ao art. 37, II, da Constituição Federal de 1988, nas hipóteses de inclusão de trabalhadores desempregados em programa emergencial de auxílio desemprego, instituído por Município.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Tratam os autos de Representação apresentada pelo Exmo. Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Chapecó, Dr. Rodrigo Goldschmidt, noticiando a contratação sem concurso público e sem a presença dos requisitos da contratação temporária, nos termos previstos no art. 37, II e IX, da Constituição Federal de 1988, do Sr. Vilson Morais pela Prefeitura Municipal de Chapecó.

 

Cumprida a fase de admissibilidade[1] da Representação, os autos retornaram à Diretoria de Controle de Atos de Pessoal (DAP) para realização da Audiência[2] do responsável, Sr. João Rodrigues. Protocoladas as razões defensivas[3], os autos foram reinstruídos pela DAP que, por meio do Relatório n. 2946/2010[4], sugeriu a aplicação de multa ao responsável ante a inobservância às disposições constitucionais que tratam do ingresso no serviço público.

 

O Ministério Público junto ao Tribunal (Parecer n. MPTC-3626/2010[5]) discordou do entendimento esboçado manifestando-se pela legalidade do ato.

 

Em seguida, vieram-me os autos, na forma regimental, para Voto.

 

É o breve relatório.

 

2. DISCUSSÃO

 

Propõe a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal a procedência da Representação por entender que a Prefeitura Municipal de Chapecó contratou o Sr. Vilson Morais sem a devida observância do art. 37, II e IX, da Constituição Federal de 1988, durante o período de 02.05.2006 a 23.10.2007.  

 

Na fase de Audiência o responsável aduziu que não houve violação às normas constitucionais apontadas, uma vez que o Sr. Vilson prestou serviços à municipalidade na qualidade de bolsista do Programa Emergencial de Auxílio Desemprego (PEAD). Programa instituído, inicialmente, pela Lei Complementar (municipal) n. 237/2005, e, posteriormente, pela Lei (municipal) n. 5.055/06, regulamentada pelo Decreto (municipal) n. 16.120/06. Para tanto, embasa seus argumentos nas supracitadas legislações e em acórdãos proferidos pela Justiça do Trabalho que tratam de matéria idêntica.       

 

O Ministério Público junto ao Tribunal, valendo-se dos documentos acostados aos autos, em especial, dos julgados trabalhistas e das disposições legais que regiam o Programa Emergencial de Auxílio Desemprego do Município, divergiu da instrução técnica, considerando improcedente a Representação apresentada.       Esclareceu o Órgão Ministerial que, embora a DAP tenha sustentado que a contratação do Sr. Vilson deu-se em 02/05/2006 e o preceito legal que instituiu o Programa foi posterior àquela data – 07/07/2006, o Termo de Compromisso assinado por ele, incluindo-o no PEAD, data de 07/06/2006. Período amparado pela Lei Complementar (municipal) n. 237, de 11 de julho de 2005, que inicialmente instituiu o Programa Emergencial de Auxílio Desemprego (PEAD). Outrossim, aduziu que os julgados trabalhistas juntados pelo responsável demonstraram a controvérsia jurídica em torno do tema.

 

Com efeito, tanto as considerações feitas pela DAP como os argumentos esboçados pelo responsável e compartilhados pelo Procurador junto ao TCE, Dr. Aderson Flores, são sólidos e coerentes.

 

A Lei Complementar (municipal) n. 237/2005 e, posteriormente, a Lei (municipal) n. 5.055/2006, regulamentadas, respectivamente, pelos Decretos (municipais) ns. 15.125/2005 e 16.120/2006, instituíram no Município de Chapecó o denominado Programa Emergencial de Auxílio Desemprego (PEAD). Referido programa tinha por objetivo proporcionar aos trabalhadores, com idade acima de dezoito anos, em situação de desemprego igual ou superior a um ano e residentes na localidade a mais de dois anos, ocupação em atividades ligadas aos serviços de interesse local, qualificação profissional, além de bolsa mensal, correspondente a um salário mínimo, e fornecimento de cesta básica, pelo período máximo de um ano.

 

Às fls. 87 a 100 dos autos encontram-se acostados, dentre outros documentos, os Termos de Compromisso e Renovação de prazo de inclusão do Sr. Vilson no Programa Emergencial de Auxílio Desemprego. A partir deles infere-se que sua participação como bolsista deu-se entre 07/06/2006 a 23/10/2007, e que seu “vínculo” com o Município era de caráter assistencial, na forma do art. 203[6], III, da Constituição Federal de 1988. Relação jurídica que, inclusive, foi reconhecida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, em caso idêntico, envolvendo o próprio Município de Chapecó (Recurso Ordinário n. 02393-2007-038-12-00-8)[7], senão vejamos:

 

[...] A sentença recorrida indeferiu os pleitos da inicial por considerar não ter havido relação de emprego entre as partes. Reconheceu que o autor foi beneficiário do Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego – PEAD do Município de Chapecó (Lei n. 5.055/06). Neste programa recebeu ocupação, qualificação profissional e bolsa-auxílio mensal, os quais consistem em elementos distintos daqueles exigidos na CLT para formação de relação de emprego.

 

Cabe ressaltar, de pronto, que a pretensão do autor de reconhecimento do vínculo de emprego com o Município de Chapecó não pode prosperar visto que sua admissão não teria sido precedida de concurso público, contrariando o que dispõe o art. 37, inc. II, da Constituição da República. Assim, o ato administrativo realizado em afronta a essa exigência seria nulo, tal como contido no §2º do mesmo artigo, o que inviabilizaria o reconhecimento do vínculo e também a percepção de parcelas previstas em leis trabalhistas (à exceção do FGTS, por força do teor do art. 19-A da Lei n. 8.036/90).

 

Contudo, entendo que a relação entre as partes não se formou de maneira contrária à Constituição porque a contratação do autor foi regida por lei municipal, cuja aplicação prática em muito se afasta dos moldes previstos na CLT para formação de uma relação de emprego.

 

Com efeito, os elementos probatórios não permitem reconhecer na relação entre autor e réu a presença dos requisitos previstos no art. 3º da CLT. O autor foi incluído no Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego – PEAD, destinado a proporcionar ocupação, qualificação profissional e bolsa-auxílio mensal para trabalhadores integrantes da população desempregada do Município de Chapecó (fls. 121-123). Para tanto, receberia uma bolsa de um salário mínimo mensal, uma cesta básica e seria incluído em cursos de qualificação. Suas obrigações principais seriam desempenhar com assiduidade e pontualidade os serviços oferecidos pela Fundação de Ação Social de Chapecó (FASC) e frequentar os cursos de qualificação e/ou alfabetização.

 

[...] Também não merece prosperar a alegação recursal no sentido de que a Lei n. 5.055, de 07 de julho de 2006, seria posterior à contratação, o que evidenciaria sua nulidade. Isso porque a inclusão do autor no PEAD ocorreu sob a égide da Lei Complementar n. 237, de 11 de julho de 2005, e do Decreto regulamentador, n. 15.125, de 08 de agosto de 2005, conforme verifico do termo de compromisso das fls. 121-123 e do termo de renovação de prazo que se seguiu (fls. 115-116). Somente a renovação de prazo datada 02-05-2007 foi formulada nos termos da Lei n. 5.055/07. Assim, não existe a irregularidade apontada.

 

A legislação que permite a realização das atividades tais como a do autor, mediante concessão de bolsa e cesta-alimentação, não é inconstitucional, pois, tal como destacou a representante do Ministério Público do Trabalho, a iniciativa municipal está inserta nas incumbências do Poder Público previstas na Constituição da República, em especial no art. 203, inc. III (fl. 158).

 

Em conclusão, confirmo a sentença por seus fundamentos, diante de licitude da relação havida entre as partes, regida por leis municipais de caráter assistencial. (grifo nosso)

 

Entretanto, no julgamento do Recurso Ordinário n. 02608-2007-009-12-00-5, em que foram partes o Município de Chapecó e o Sr. Vilson Morais, o egrégio Tribunal Trabalhista pronunciou-se de forma diversa, entendo caracterizada a afronta ao art. 37, I e §2º da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos:

 

MUNICÍPIO. NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. PROGRAMA EMERGENCIAL DE AUXÍLIO-DESEMPREGO.

Perde legitimidade o Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego instituído por Lei Municipal sempre que o Município dele se utiliza para absorver a mão-de-obra necessária à consecução de serviços inerentes à sua atividade-fim. Nessa ótica, a prestação de serviços constitui afronta ao disposto no art. 37, inciso I, § 2º da Carta Constituição, que condiciona a investidura em cargo ou emprego público à aprovação em certame público, bem como à legislação trabalhista, porque se estabelece à margem dos direitos assegurados ao trabalhador.

 

[...] Voto:

 

[...] O Município-réu insurge-se contra essa decisão. Alega que o vínculo mantido com o autor ocorreu tão somente em razão do Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego (PEAD), criado pela Lei Municipal nº 5.055/06, o qual tem caráter puramente assistencial e visa proporcionar ocupação, qualificação profissional e bolsa-auxílio mensal para trabalhadores integrantes da população desempregada do Município. Diz que o autor assinou um termo de compromisso, por meio do qual afirmou a intenção de receber a bolsa oferecida, por prazo determinado, além de se comprometer a participar dos cursos oferecidos pela Fundação a que o programa está vinculado. Assevera que o bolsista continua desempregado, percebendo um auxílio-desemprego, realizando cursos de capacitação e exercendo serviços de interesse público, em caráter eventual. Acrescenta que o programa não constitui fraude à legislação trabalhista, mas apenas uma tentativa de conter os índices de desemprego. Por fim, sustenta que a manutenção da sentença constituirá um precedente que certamente levará à extinção do Programa.

 

Razão não lhe assiste.

 

O autor prestou serviços ao Município-réu por meio do Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego – PEAD -, instituído pela Lei nº 5.055, de 07-07-2006.

 

Segundo os termos da referida Lei, o Programa é dirigido aos trabalhadores maiores de dezoito anos, integrantes da população desempregada residente no Município, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos em seu art. 3º (fls. 32-34).

 

[...] Segundo informações prestadas pela assistente social da FASC (Fundação de Ação Social de Chapecó), o autor fazia serviços gerais, como limpeza de ruas, pintura de meio-fio, recolhimento de galhos, além de pintura de placas junto ao setor de trânsito. Trabalhava, a exemplo dos outros bolsistas, 5 dias por semana, 8 horas por dia, ou 6 dias por semana, 6 horas por dia, sendo um dia destinado à realização de cursos (fls. 157-158).

 

É certo que a instituição do PEAD pelo Município-réu representa uma forma de intervenção do poder público ajustada a um conjunto de objetivos que buscam, ativa ou passivamente, afetar de forma positiva os níveis de desemprego no País. São as chamadas políticas públicas de emprego. Vem ele na esteira da criação de programas similares em outros Municípios do País, a exemplo das Frentes de Trabalho instituídas no Estado de São Paulo.

 

Em que pesem os argumentos utilizados pelo recorrente e as pretensões assistenciais que parecem ter motivado a instituição do Programa sob análise, o depoimento da coordenadora do Programa deixa claro que o Município-réu absorve a mão-de-obra desses trabalhadores para a consecução de serviços inerentes à sua atividade-fim, a exemplo do que aconteceu com o autor. E é nesse aspecto que o Programa perde legitimidade.

 

A própria Lei enumera as atividades em que os trabalhadores recrutados são aproveitados, as quais compõem a gama de serviços prestados aos munícipes pela administração pública local. Há considerar, inclusive, que o Município possui em seus quadros empregados admitidos por meio de concurso público, os quais exercem as atividades relacionadas na norma legal. E, ao contrário do que refere a Lei, a prestação de serviços não se dá em caráter eventual, havendo inclusive controle de jornada (fls. 85-103).

 

Dessa feita, forçoso admitir que a Lei Municipal atende muito mais aos interesses do Município do que, de fato, do trabalhador. É que, em se tratando de prestação de serviços a ente público, a modalidade da contratação do prestador deve seguir os estritos ditames legais, notadamente os princípios que regem à administração pública.

 

Imperioso reconhecer, por corolário, que a prestação de serviços constitui afronta ao disposto no art. 37, inciso I, § 2º, da Carta Constituição, que condiciona a investidura em cargo ou emprego público à aprovação em certame público, bem como à legislação trabalhista, porque se estabelece à margem dos direitos assegurados ao trabalhador.

 

Diante dos entendimentos divergentes em torno do Programa pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, não se pode deixar de ponderar que a intenção do responsável não teve por fim infringir o art. 37, II ou IX, da Carta Magna, mas instituir um instrumento de política pública voltado à reinserção do trabalhador no mercado de trabalho. Razão pela qual, valho-me dos ensinamentos de Benjamin Zymler[8], acerca da responsabilidade subjetiva do agente público no âmbito dos Tribunais de Contas, para propor, apesar do pronunciamento judicial, a não punição do responsável tendo em vista a ausência, clara e objetiva, de dolosamente violar a Constituição Federal de 1988, em especial pelo fato de estar amparado pela legislação municipal, vigente à época.

 

Por fim, registro que o Programa Emergencial de Auxílio Desemprego (PEAD) foi extinto pela Lei (municipal) n. 5.545, de 29 de abril de 2009, conforme legislação acostada à fl. 36 dos autos.

 

 

 

3. VOTO

 

Diante do exposto propondo ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação.

 

3.1. Considerar improcedente a Representação Sr. Rodrigo Goldschmidt, Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Chapecó, em razão do Termo de Compromisso de inclusão no Programa Emergencial de Auxílio Desemprego, firmado entre o Sr. Vilson Morais e o Município de Chapecó encontrar-se amparado na Lei Complementar (municipal) n. 237/2005, na Lei (municipal) n. 5.055/2006 e no art. 203, III, da Constituição Federal de 1988, e ante a ausência clara e objetiva de intenção dolosa de violação ao art. 37, II e IX, da Carta Magna de 1988.

 

3.2. Determinar o arquivamento do Processo.

 

3.3. Dar ciência da Decisão, Relatório e Voto do Relator ao Sr. João Rodrigues, Prefeito Municipal de Chapecó.

 

Florianópolis, em 27 de outubro de 2010.

 

 

 

CÉSAR FILOMENO FONTES

CONSELHEIRO RELATOR



[1]. Relatório de admissibilidade n. 030/2009 – fls. 09-12 dos autos.

Parecer n. MPTC-3079/2009 – fls. 14-15 dos autos.

Despacho n. 111/2009 – fls. 16-17 dos autos.

[2]. Relatório n. 845/2010 – fls. 19-24 dos autos.

Despacho n. 38 – fls. 26 dos autos.

Ofício n. 2204/2010 – fls. 27 dos autos.

[3]. Fls. 30-184 dos autos.

[4]. Fls. 186-193 dos autos.

[5]. Fls. 195-200 dos autos.

[6]. Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...] III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

[7]. Fls. 37-42 dos autos.

[8].ZYMLER, Benjamin. Direito Administrativo e controle. Belo Horizonte: Fórum, 2005. Págs. 338-342. Exame das peculiaridades do ato investigado: pressupostos da imputação de responsabilidade: [...] A avaliação da conduta do gestor, sob a perspectiva da responsabilidade subjetiva, exige do julgador extrema cautela. Exatamente porque pressupõe avaliação pormenorizada contornos fáticos e normativos concernentes aos atos examinados. As dificuldades concretas consistem justamente na identificação de peculiaridades que circundam tais atos. Aponta-se, a propósito, a sensível evolução do TCU em direção ao aprimoramento da atividade de deliberar sobre a regularidade ou não da gestão pública. Pode-se dizer que já se encontra sedimentada, no âmbito do Tribunal, a percepção de que a mera identificação de irregularidade não é requisito suficiente para a apenação do responsável. Há várias etapas a serem superadas para que se possa concluir pela necessidade de apenação do gestor. Esquadrinho, em seguida, tal rotina de investigação da conduta dos agentes públicos, quais sejam existência da irregularidade, autoria do ato examinado, culpa do agente e grau de culpa do agente.

Existência da irregularidade

Naturalmente, há de se perquirir se restou configurada violação a normas legais e regulamentares ou a cláusulas de termos de convênio ou de outros instrumentos do gênero. A norma violada deve ser sempre identificada e explicitamente mencionada. Deve-se dizer, ainda, que a ilicitude pode resultar não somente de ato comissivo, mas também de omissão (falta de ação) do gestor.[...]

Autoria do ato examinado

Superada a etapa anterior (verificação da existência da irregularidade), impõe-se avaliar se o agente efetivamente praticou o ato impugnado (ato comissivo). Ou, ainda, se deixou de agir, quando estava obrigado a fazê-lo (conduta omissiva). A despeito da aparente obviedade dessa exigência, por vezes, surgem situações concretas em que há dúvidas sobre a pertinência de apenação de determinado gestor em razão de certa ilicitude.Com intuito de aferir a participação do gestor no cometimento da irregularidade, impõe-se aferir se ele efetivamente foi o signatário do ato impugnado. Há de se verificar se a irregularidade está inserida no âmbito de sua esfera de competência. Na hipótese de omissão, deve-se investigar, por meio do exame dos normativos que explicitam o conjunto de competências afetas a determinado cargo ou função, ou ainda dos termos de ajuste ou convênio, se estava o gestor realmente obrigado a agir. Interessantes questões são freqüentemente enfrentadas pelo TCU. Por vezes, discute-se a pertinência de se proceder à apenação de governadores de Estado, ou prefeitos de grandes cidades, signatários de convênios, em razão de vícios em licitações. Nessas circunstâncias, há de se avaliar a natureza da ilicitude e indagar: era exigível que tal agente, pessoalmente, impedisse a ocorrência da infração cometida?

A culpa do agente

Verificada a ocorrência de ilicitude e também que determinado agente foi responsável pelo seu cometimento, impõe-se, ainda, indagar se o agente operou com culpa. Não é possível, como registrei anteriormente, a apenação de responsável sem que tenha sido demonstrada a culpa em senso estrito ou o dolo.

Freqüentemente, o agente depara-se com situações em que é chamado a extrair de norma de difícil interpretação uma conseqüência jurídica. Pode ocorrer, por exemplo, que conclua pela necessidade de pagamento de gratificação a certos servidores, a partir de razoável interpretação do preceito legal. Tal interpretação, porém, pode também revelar-se, posteriormente, inadequada. Não se poderia, nessa hipótese, ainda que daí resultasse dano ao Erário, cogitar de apenação do responsável. Pode ainda o gestor, em mais um exemplo, vivenciar excepcional desorganização administrativa plenamente comprovada (por hipótese, repentina exoneração a pedido de grande parte dos servidores nele lotados). E, nesse ambiente, cometer irregularidade grave que justificasse ordinariamente a apenação pelo TCU. É possível, nessa circunstância, dependendo da natureza da ocorrência e a despeito da ilicitude verificada, deixar de apenar o gestor responsável pela prática do respectivo ato.

O grau de culpa do agente

A jurisprudência do TCU tem apontado no sentido de não ser cabível a apenação quando se estiver diante de culpa leve. É possível, portanto, que se verifique a ocorrência de ilegalidade, que tenha sido ela cometida por agente que tem sua conduta examinada, que se tenha aferido a culpa desse agente, mas que seja ela reduzida e, por isso, isente a apenação do responsável.[8]

Não é outro o ensinamento trazido por Francisco Eduardo Carrilho Chaves[8]:

Responsabilização dos agentes

Ao se falar da responsabilização do administrador e de terceiros nos processos que tramitam nas cortes de contas, é necessário segregar suas duas dimensões: a responsabilidade administrativa e a responsabilidade civil. A responsabilidade administrativa está vinculada ao julgamentos das contas, à avaliação dos atos praticados pelo agente em contraste com a lei. Dela poderão resultar sanções, quando cabíveis. A responsabilização civil fundamenta a exigência de ressarcimento do dano causado aos cofres públicos. Em ambas as dimensões, deve haver o liame subjetivo entre a ação do responsável e a irregularidade ou o dano. Portanto, ao fim e ao cabo, a responsabilização é sempre subjetiva.

Responsabilidade administrativa

A responsabilidade administrativa decorre do descumprimento dos normativos aplicáveis ao caso concreto (legalidade, legitimidade e economicidade), o que leva, por vezes, a transparecer a falsa impressão de ser desnecessário verificar a culpa lato sensu e a existência de dano, resultando numa responsabilidade objetiva, para a qual bastaria conseguir vincular a irregularidade à conduta do administrador. Afirma-se que essa responsabilidade deve ser sempre subjetiva, por isso é apenas aparente a impressão de que basta o descumprimento do preceito normativo (leis, regulamentos, contratos, termos de convênio e instrumentos congêneres) para que o administrador seja responsabilizado.