ESTADO DE SANTA CATARINA
PROCESSO: CON 10/00235847
UG/CLIENTE: Instituto
de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Içara - IÇARAPREV
INTERESSADO: Ricardo Lino da Silva – Diretor
Presidente
ASSUNTO: Consulta referente à possibilidade de instituição de idade limite para se
conceder benefícios previdenciários ao filho não emancipado, beneficiário de
Regime Próprio de Previdência Municipal na condição de dependente.
RPPS.
Redução da idade de dependente prevista pelo RGPS. Possibilidade.
É cabível a instituição do limite etário em 18 anos
para os filhos não emancipados, dependentes dos Regimes Próprios Municipais,
uma vez que tal adequação se insere na
competência privativa do município para legislar sobre assunto de interesse
local, hipótese do art. 30, inciso I, da Constituição Federal.
I
- RELATÓRIO
Tratam os autos de Consulta subscrita pelo Sr. Ricardo Lino
da Silva, Diretor-Presidente do IÇARAPREV, questionando, basicamente, sobre a
idade limite para se conceder benefícios previdenciários ao filho não
emancipado, beneficiário de Regime Próprio de Previdência Municipal na condição
de dependente.
Seguindo a tramitação regular, o processo foi encaminhado à Consultoria Geral - COG, que elaborou o Parecer n. COG-292/2010 (fls. 32/44), sugerindo conhecer da consulta, por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno, e respondê-la nos seguintes termos:
2.1 O município, no uso da competência
suplementar prevista no artigo 30, inciso II, da Constituição Federal, não pode
limitar o alcance das normas gerais editadas pela União na utilização da
competência concorrente prevista no artigo 24, da Constituição Federal;
2.2 A Portaria nº 402/2008, que
regulamentou a Lei Federal nº 9.717/98 estabeleceu em seu artigo 23, parágrafo
primeiro, que o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, na concessão de
benefícios, deverá observar o mesmo rol de dependentes previsto pelo Regime
Geral de Previdência Social - RGPS, inclusive no tocante a idade dos
beneficiários;
2.3 Na concessão de pensão por
morte a filhos de beneficiários vinculados ao instituto próprio de previdência,
deverá ser considerado o limite de 21 anos conforme a Lei Federal nº 8.213/91.
A Procuradoria-Geral junto ao Tribunal de Contas exarou o Parecer n. 5328/2010 (fls. 45/46), acompanhando o órgão consultivo.
Vieram os autos
conclusos.
É o relatório.
II
– DISCUSSÃO
Trata a consulta de matéria sujeita a exame
e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59,
da Constituição Estadual c/c art. 104, incisos I, II e IV da Resolução n.
TC-06/2001.
Ab
initio, atendidos estão os
pressupostos de admissibilidade do art. 104 da Resolução n. TC-06/2001,
porquanto a matéria versa sobre questão formulada em tese, com natureza
interpretativa de lei, de competência deste Tribunal, o subscritor possui
legitimidade ativa para formular a consulta e com indicação precisa da dúvida
e/ou controvérsia a ser esclarecida. A consulta veio instruída com parecer da
assessoria jurídica da municipalidade, nos termos do art. 104, inciso V, do
Regimento Interno.
Por conseguinte, conheço da consulta e passo
à análise do mérito das questões suscitadas, com o intuito de responder a indagação
do consulente.
O questionamento é o seguinte: “Na
hipótese de concessão de pensão por morte a filhos de beneficiários vinculados
ao IÇARAPREV, deverá ser considerada a idade máxima de 18 anos, conforme a Lei
Municipal n. 1.822/2002, ou o limite de 21 anos, conforme a Lei n. 8.212/1991?
Primeiramente, cabe esclarecer que o Regime Próprio de Previdência
Social é um sistema previdenciário, estabelecido no âmbito de cada ente
federativo, que assegura, por lei, aos servidores titulares de cargo efetivo e
seus dependentes, pelo menos os benefícios de aposentadoria e pensão por morte
previstos no art. 40 da Constituição Federal. Os regimes de previdência são denominados de Regimes
Próprios justamente porque é facultado a cada ente público da Federação (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios) instituir o seu.
É cediço que a ordem
constitucional vigente instituiu um sistema de repartição de competências
administrativas e legislativas, com a finalidade precípua de manter o pacto
federativo.
A matéria, que ora se examina,
trata de direito previdenciário, que no âmbito constitucional é incluída entra
aquelas afetas à competência legislativa concorrente, cabendo, em apertada
síntese, à União editar normas gerais, ou seja, princípios amplos, que traçam
um plano, sem descer a pormenores, e aos Estados-Membros e ao Distrito Federal
exercer a competência suplementar ou a plena, conforme o caso. No que se refere
ao município, este também cabe suplementar a legislação federal e estadual, no
que couber, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das
peculiaridades locais.
A norma geral editada pela União,
acerca dos regimes próprios de previdência, é a Lei n. 9717/1998, esta, por sua
vez, regulamentada pelas Portarias do Ministério da Previdência Social n. 402 e
403/2008, que tratam das diretrizes gerais e das normas atuariais,
respectivamente.
A Lei n. 9717/1998[1] declara expressamente que é vedada a concessão de benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social.
Quanto ao rol de dependentes, a Portaria n. 402/2008 dispõe que:
Art. 23. Salvo disposição em contrário da Constituição
Federal, o RPPS não poderá conceder benefícios distintos dos previstos no RGPS,
ficando restrito aos seguintes: [...]
§ 1º Na concessão de benefícios, será observado o mesmo rol de dependentes
previsto pelo RGPS [...] (sem grifos no original).
Já a Orientação Normativa SPS n. 02/2009 autoriza os entes federativos a estabelecer as condições necessárias ao enquadramento e qualificação dos dependentes, verbis:
Art. 51. [...]
§ 2º Os regimes próprios deverão observar também a
limitação de concessão de benefício apenas aos dependentes constantes do rol
definido para o RGPS, que compreende o cônjuge, o companheiro, a companheira,
os filhos, os pais e os irmãos, devendo
estabelecer, em norma local, as condições necessárias para o enquadramento e
qualificação dos dependentes.
Faz-se necessário, nesse momento, definir o significado e o alcance da norma acima transcrita. Quando o comando estabelece que deva ser observado o rol de dependentes definido para o RGPS, impossibilita, a meu ver, que se insiram outros membros integrantes do grupo familiar, tendo em vista que somente o cônjuge, companheiro (a), filhos, pais e irmãos podem figurar como dependentes previdenciários.
Num segundo momento, a norma dispõe que cada ente federativo, que instituir o Regime Próprio, deve estabelecer, em norma local, as condições necessárias para o enquadramento e qualificação dos dependentes. Ora, quais seriam essas condições necessárias para o enquadramento e qualificação dos dependentes que poderia ser delimitada na norma local? Pesquisando o termo enquadrar no Dicionário Aurélio encontra-se os seguintes significados: ajustar; inserir; incluir. Quanto ao termo qualificar, este pode ser definido como: atribuir qualidade a; reputar; considerar; avaliar.
É lícito concluir, a partir de uma interpretação literal do texto, que cabe ao ente público o ajuste e a atribuição de certas qualidades àqueles dependentes, adequando-as as suas peculiaridades. Sendo plausível, portanto, a definição da idade limite para os filhos não emancipados, o modo como será atestada a invalidez, o modo como será requerido o benefício, etc.
Verifico que a intenção da norma geral (Lei n. 9717/1998) é estabelecer parâmetros amplos. Assim, quando a Lei define quais serão os membros do grupo familiar os considerados dependentes previdenciários, não está fixando a priori, de forma rígida, todas as variáveis, uma vez que estas só poderão ser estabelecidas no contexto local.
É claro que a norma geral editada pela União deve ser respeitada pelos demais entes políticos, sob pena de violação ao pacto federativo. No caso em análise, entretanto, o estabelecimento de condições necessárias para o enquadramento e qualificação dos dependentes é, sem dúvida, competência “privativa”[2]do município, tendo em vista que se trata de interesse local.
Sendo assim, a imposição de regras rígidas pela União, no uso da competência concorrente, inviabilizando a devida adequação da norma às peculiaridades dos demais entes federativos não se compatibiliza com o instituto, gerando inconstitucionalidade por usurpação de competência, tendo em vista que só o próprio ente federativo é capaz de dimensionar as particularidades impostas na gestão administrativa e financeira de seu regime próprio de previdência.
É oportuno mencionar, ainda, a mudança de paradigma que tivemos com a edição do “Novo” Código Civil, já que houve a antecipação da maioridade civil, logo, considera-se atualmente capaz, sob o critério etário, o maior de 18 anos.
Não se pretende fazer, nesse momento processual, uma análise exaustiva da plausibilidade da manutenção do limite etário em 21 anos para o dependente do regime geral e de alguns regimes próprios com o advento do “Novo” Código Civil, já que tal discussão resta superada[3], contudo, não se pode olvidar que o estabelecimento da idade limite em 18 anos não é desarrazoada.
Com isso, entendo que o tema deve
ser analisado de forma sistemática, uma vez que cabe ao intérprete adequar a
interpretação das normas às necessidades atuais, portanto, afirmo que é perfeitamente cabível a instituição
do limite etário em 18 anos para os filhos não emancipados, dependentes dos
Regimes Próprios Municipais, uma vez que tal adequação se encontra inserida na
hipótese do art. 30, inciso I, da Constituição Federal.
III
- VOTO
Assim, diante de todo o exposto, estando os autos instruídos na forma regimental, proponho ao e. Plenário o seguinte voto:
1 – Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal e respondê-la nos seguintes termos:
1.1 É cabível a instituição do limite etário em 18 anos para os filhos não emancipados, dependentes dos Regimes Próprios Municipais, uma vez que tal adequação se insere na competência privativa do município para legislar sobre assunto de interesse local, hipótese do art. 30, inciso I, da Constituição Federal.
2 - Dar ciência da decisão e Voto do Relator ao Consulente.
Gabinete, em 03 de novembro de 2010.
Cleber Muniz Gavi
Auditor Substituto de Conselheiro
Relator
[1]
Art. 5º. Os regimes próprios de previdência
social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos
dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal
(sem grifos no original).
[2] “Sobre os temas de interesse local, os Municípios dispõem de competência privativa”. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5º Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pág. 956.
[3] Baseando-se, principalmente, pelo critério da especialidade definiu-se que o Código Civil não revogou a Lei n. 8213/1991. Nesse sentido, o Enunciado n. 3 da I Jornada de Direito Civil: “A redução do limite etário para a definição da capacidade civil aos 18 anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei n. 8.213/91, que regula especifica situação de dependência econômica para fins previdenciários e outras situações similares de proteção, previstas em legislação especial”.