ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

Gabinete do Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Junior

PROCESSO N.

REC-09/00352329

UNIDADE

Prefeitura Municipal de Anchieta

RESPONSÁVEL

Antônio Luiz Mariani

ASSUNTO

Recurso de Reexame contra a Decisão n. 0638/2009, exarada no processo DEN-07/00417338

VOTO N.

GC/AMFJ/2011/24

 

 

Recurso de Reexame. Prazo. Termo inicial.

Se o recurso não foi interposto no prazo a contar da publicação no Diário Oficial, mas é tempestivo considerando a data da efetiva ciência do responsável em aviso de recebimento, é possível que o relator dele conheça, em determinados casos e justificadamente, em nome do princípio do informalismo moderado, da verdade material e da garantia dos direitos ao contraditório e à ampla defesa.

Quebra na ordem cronológica dos pagamentos. Multa.

O art. 5°, caput, da Lei n. 8.666/93 determina que a Administração Pública deve observar a estrita ordem cronológica dos pagamentos, salvo demonstradas relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.

 

 

RELATÓRIO

 

Tratam os autos de Recurso de Reexame interposto por Antônio Luiz Mariani, Prefeito Municipal de Anchieta em 2007, contra o Acórdão n. 0638/2009, de 04/05/2009, proferido nos autos da Denúncia (DEN) n. 07/00417338.

No Acórdão, o Tribunal Pleno conheceu do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura, para considerar irregular a quebra da ordem cronológica no cumprimento das exigibilidades e aplicar ao recorrente a multa de R$ 1.000,00, conforme segue:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à denúncia de irregularidades praticadas na Prefeitura Municipal de Anchieta no exercício de 2007, concernentes à quebra da ordem cronológica no cumprimento de exigibilidades.

Considerando que foi efetuada a audiência do Responsável, conforme consta na f. 37 dos presentes autos;

Considerando que as justificativas e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório DMU n. 2576/2008;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Anchieta, com abrangência ao exercício de 2007, para considerar irregular a quebra da ordem cronológica no cumprimento de exigibilidades.

6.2. Aplicar ao Sr. Antônio Luiz Mariani - Prefeito Municipal de Anchieta, CPF n. 299.356.790-04, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), pela ausência de pagamento de despesas, no valor de R$ 36.704,78, inobservando a estrita ordem cronológica das exigibilidades, em desacordo com o art. 5º da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 1.1 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

[...]

 

Por meio do recurso, suscita o recorrente, em síntese, que a quebra da ordem cronológica dos pagamentos foi praticada em 2004, ou seja, durante a gestão anterior à sua (fls. 02-36).

Remetido o processo à COG, o parecer foi pelo não conhecimento e arquivamento do recurso, devido a sua intempestividade (Parecer COG-368/09 de fl. 38). Da mesma forma se manifestou o Ministério Público no Parecer n. MPTC/3.633/2009 (fls. 39-40).

Apesar disso, o Relator do recurso à época, Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, determinou o retorno dos autos à COG para análise do mérito, pois considerou adequado contar o prazo recursal a partir da data do recebimento do AR – Aviso de Recebimento, e não a partir da publicação no Diário Oficial, já que deste modo o recurso seria intempestivo e o não conhecimento poderia causar prejuízo ao responsável (fl. 41).

Com o retorno dos autos à Consultoria Geral, foi emitido o Parecer COG-418/2010, por meio do qual o órgão consultivo sugeriu conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento (fls. 42-51).

O Ministério Público junto ao Tribunal, por sua vez, divergiu da área técnica e reiterou integralmente o parecer[1] emitido nos autos anteriormente. No Despacho n. GPDRR/162/2010, o Procurador Diogo Roberto Ringenberg opina, mais uma vez, pelo arquivamento do recurso por considerá-lo intempestivo, e requer, assim como procedeu ao se manifestar no processo originário[2], a comunicação imediata dos fatos ao Ministério Público Estadual, porquanto a seu entender configuram indícios de ato de improbidade administrativa e do crime tipificado no art. 92 da Lei n. 8.666/93 (fls. 52-56).

Vieram os autos, então, à minha relatoria, em razão da posse do Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall no cargo de Presidente deste Tribunal de Contas.

É o relatório.

 

FUNDAMENTAÇÃO

1. Pressupostos de admissibilidade

Diante da omissão do recorrente em mencionar qual tipo de recurso desejava interpor, verifico que a Secretaria Geral deste Tribunal autuou corretamente a insurgência como Reexame, que, segundo o art. 79 da Lei Complementar n. 202/2000, é o cabível contra decisões proferidas em processos de fiscalização, tal qual o processo originário (Denúncia).

Na análise dos pressupostos de admissibilidade do Recurso de Reexame (art. 80, com a redação dada pela Lei Complementar n. 393/07, de 01/11/2007),[3] constato, assim, como a COG, que foram atendidas a legitimidade e a singularidade.

Já no tocante à tempestividade, observo que a decisão recorrida foi publicada no DOTC-e de 18/05/2009, e as razões recursais, encaminhadas pelo responsável no dia 18/06/2009, vale dizer, com 1 dia de atraso em relação ao prazo de 30 dias previsto no art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000. Contudo, se considerada a data do recebimento do AR (20/05/2009) como termo inicial, o recurso não seria intempestivo.

O Ministério Público de Contas assevera que o Relator originário, Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, não poderia ter elegido a data de recebimento do AR para a contagem do prazo, pois a Lei prevê expressamente que a tempestividade deve ser aferida a partir da publicação da decisão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas. Com base nisso, opina pelo arquivamento do processo.

Contudo, entendo que essa não é a melhor providência a ser tomada. Na hipótese dos autos, considero que a intempestividade já foi superada quando o Relator inicial do recurso, Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, determinou a análise de mérito pela COG.

A par disso, meu posicionamento também é o de que, em determinados casos e justificadamente, a intempestividade possa ser relevada, em nome do princípio do informalismo moderado e da verdade material, que devem reger os processos em trâmite neste Tribunal.[4]

Entendo, levando em conta tais princípios, que não é descabido privilegiar a data do efetivo recebimento da comunicação do acórdão, de modo a assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa, minimizando, assim, o atraso da interposição tomando como termo inicial a data da publicação do Diário Oficial Eletrônico.

No caso dos autos, o atraso em relação à data da publicação no DOTC-e foi de apenas 1 dia; se for considerada a data da efetiva intimação (recebimento do AR), o recurso é tempestivo; e além disso, o Relator fundamentou sua decisão justificando expressamente que pretendia evitar prejuízo ao recorrente.

Sendo assim, deixo de acolher o parecer do nobre representante do Ministério Público de Contas, para considerar atendidos os pressupostos de admissibilidade necessários ao conhecimento do recurso.

2. Mérito

Quanto ao mérito, o recorrente se insurge contra a multa de R$ 1.000,00 que lhe foi aplicada pelo Tribunal Pleno por não ter respeitado a estrita ordem cronológica das exigibilidades, nos termos do art. 5° da Lei n. 8.666/93, já que se constatou o pagamento de despesas cujo vencimento era posterior aos restos a pagar do exercício de 2004, os quais correspondiam ao montante de R$ 36.704,78.

A Consultoria Geral, em seu bem lançado parecer, analisou detidamente as alegações recursais, e observou o seguinte:

- As despesas se referem ao exercício de 2004, período em que recorrente não era o Prefeito. Porém, tal fato não é o bastante para eximi-lo de responsabilidade, pois a quebra na ordem cronológica partiu de conduta sua, já que, de 2005 em diante, quando estava à frente da Prefeitura, procedeu ao pagamento de obrigações que venceram posteriormente ao exercício de 2004, deixando para trás os restos a pagar pendentes deste exercício;

- A irregularidade tratada nestes autos, de natureza grave, só não prevalece quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante justificativa devidamente publicada da autoridade competente, conforme o art. 5° da Lei n. 8.666/93, reproduzido no Prejulgado n. 421 deste Tribunal. No entanto, nenhuma destas condições teria sido demonstrada pelo recorrente.

Com efeito, no curso do processo originário o responsável alegou, na sua defesa, diversos fatores com o intuito de demonstrar a existência de “razões de interesse público”, as quais, nos termos do art. 5°, autorizariam a quebra. O responsável mencionou ter herdado da administração anterior um déficit financeiro que o impossibilitou de honrar com as obrigações da forma regular; afirmou que, se assim o fizesse, prejudicaria o funcionamento da máquina administrativa, porque não seria possível o pagamento de despesas imprescindíveis como salários, encargos sociais, assistência social, saúde, educação, dentre outras. Informou ainda que o Município foi vítima de grandes catástrofes durante os anos de 2005 e 2008, as quais geraram inúmeras dificuldades, notadamente na atividade agrícola.

Contudo, essas alegações não têm o condão de tornar lícita a quebra praticada no Município de Anchieta. Isso porque, além de não haver a justificativa devidamente publicada da autoridade competente, conforme exige a Lei de Licitações, é possível constatar que nos anos de 2005, 2006 e 2008[5], sob a gestão do recorrente, foram alcançados sucessivos superávits financeiros, e, apesar disso, as despesas preteridas, referentes ao exercício de 2004, continuaram integralmente pendentes de pagamento até 2008, conforme informação extraída do sistema e-Sfinge (fls. 70-74).

Diante disso, acompanho a manifestação da COG no sentido de negar provimento ao Reexame, pois, assim como o Órgão Consultivo, concluo que as alegações do responsável não conseguiram regularizar a forma utilizada pela Prefeitura para efetuar o pagamento das suas obrigações.

O Ministério Público, no curso do processo, também confirmou a necessidade de penalizar o responsável pela irregularidade apurada, e, em sede de recurso, insiste que o Ministério Público Estadual deve ser comunicado dos fatos, porque, em princípio, configuram indícios de improbidade administrativa e do crime descrito na parte final do art. 92 da Lei de Licitações. Diante disso, e com base no art. 102 da Lei n. 8.666/93, entendo que deve ser acolhida a pretensão ministerial.

Meu voto, enfim, é pela negativa de provimento ao Reexame.

 

PROPOSTA DE DECISÃO

 

Diante do exposto, proponho ao Egrégio Plenário que adote a seguinte deliberação:

1. Conhecer do Recurso de Reexame (art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000) interposto contra o Acórdão n. 0638/2009, de 04/05/2009, exarado no Processo n. DEN-07/00417338, e, no mérito, negar-lhe provimento.

2. Comunicar o Ministério Público Estadual sobre os fatos apurados neste processo, os quais, em tese, configuram o tipo previsto na parte final do art. 92 da Lei n. 8.666/93, em consonância com o art. 102 desta mesma Lei.

3. Dar ciência da Decisão, Relatório e Voto do Relator ao recorrente Antônio Luiz Mariani e à Prefeitura Municipal de Anchieta.

 

Gabinete, em 25 de fevereiro de 2011.

 

Adircélio de Moraes Ferreira Junior

Conselheiro Relator



[1] Parecer n. MPTC/3.633/2009, de fls. 39-40.

[2] Parecer n. MPTC/1.586/2009, às fls. 82-86 do processo originário.

[3] Art. 80. O Recurso de Reexame, com efeito suspensivo, poderá ser interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas. (grifei)

[4] FERNANDES. Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 520.

[5] Apesar de a DMU ter informado, no Relatório de Reinstrução n. 2.576/2008 (fl. 79 do processo originário), que no ano de 2007 as contas do Município de Anchieta teriam apresentado superávit financeiro, constato, a partir de consulta ao Processo n. PCP 08/00210000, a existência de déficit no referido exercício, no montante de R$ 116.216,95.