ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

PROCESSO:                        LCC 10/00064503

UNIDADE:                 Centrais Elétricas de Santa Catarina – Celesc Distribuição S.A.

RESPONSÁVEL:      Arnaldo Venício de Souza e outros

ASSUNTO:                Contratação através de inexigibilidade de licitação

 

 

 

RELATÓRIO DE AUDITORIA. CONHECER. MULTA.

 

Inexigibilidade de licitação. Fornecedor exclusivo.

No caso da contratação direta de fornecedor exclusivo, a prova de exclusividade deve ser feita através de atestados específicos, que não podem ser substituídos pela ausência de impugnação da publicação do contrato.

 

Inexigibilidade de licitação. Justificativa de preço.

Uma vez comprovada a exclusividade do fornecedor, a justificativa de preço deve considerar os valores praticados em contratos com outros clientes e os custos de produtos similares.

 

 

 

 

I - RELATÓRIO

Trata-se de auditoria levada a efeito pela Diretoria de Licitações e Contratações - DLC na Celesc Distribuição S.A., sobre a Contratação com Inexigibilidade de Licitação – PCIL n. 388/09, cujo objeto era a Contratação de empresa para prestação de serviços de suporte técnico em Unidades de Resposta Audível - URAs e em equipamento de comutação.

De posse dos dados fornecidos pela na unidade, o Corpo Instrutivo emitiu o Relatório nº 118/2010, sugerindo a audiência dos seguintes responsáveis: Sr. Sérgio Rodrigues Alves, Sr. Arnaldo Venício de Souza, Sr. Eduardo Carvalho Sitônio, Sr. Gilberto Odilon Eggers e Sr. Carlos Alberto Martins (fls. 91-101).

Vieram aos autos as justificativas do Sr. Sérgio Rodrigues Alves (fls. 132-143), dos Srs. Arnaldo Venício de Souza, Gilberto Odilon Eggers e Sr. Carlos Alberto Martins (fls. 146-156). O Sr. Eduardo Carvalho Sitônio, muito embora devidamente informado do processo (fls. 109/103), deixou transcorrer o prazo sem apresentar defesa.

O feito retornou à DLC, que se manifestou através do Relatório nº 292/2011, onde concluiu pela manutenção das irregularidades anteriormente apontadas, sugerindo ao Relator a aplicação de multas aos Responsáveis citados no curso da instrução (fls. 197-207).

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas se manifestou no Parecer nº MPTC/3430/2010, acompanhando a análise procedida pela Equipe Técnica (fl. 208).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

II - DISCUSSÃO

Consoante a Justificativa Técnica de fls. 07 a 13, a Celesc Distribuição mantinha contrato com a empresa DAMOVO DO BRASIL S.A. para assistência e suporte técnico de seus sistemas de telecomunicações até 02/02/2009. Com o advento da nova regulamentação definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, a Companhia precisou expandir seu sistema de teleatendimento (Unidade de Resposta Audível - URA) de 19 para 28 localidades, a fim de garantir o serviço telefônico gratuito 24 horas por dia, com atendimento até o segundo toque, com acesso a toda a área de concessão da empresa e atendimento diferencial para emergências.[1] Para tanto, a Celesc instaurou o Processo de Inexigibilidade de Licitação n. 388/09, e contratou novamente a DAMOVO DO BRASIL S.A.

O Corpo Técnico examinou a contratação em tela, destacando que o caso não se enquadra nas hipóteses de inexigibilidade de licitação e que não foi apresentada a justificativa do preço, responsabilizando todos os diretores que aprovaram a contratação.

Preliminarmente, em relação à indicação efetuada pela área técnica acerca da identificação dos agentes públicos envolvidos, faz-se necessário uma breve ponderação a fim de compatibilizar o entendimento quanto à matriz de responsabilização face ao entendimento deste Relator apresentado em processos semelhantes.

Em outras oportunidades, já apresentei neste Eg. Plenário, manifestação no sentido manter a responsabilidade exclusivamente sobre o gestor da unidade, excluindo os servidores que lhe são subalternos em razão do poder de hierarquia, supervisão e controle, aos quais estes estão subordinados.

Ocorre que, no caso, a responsabilidade não tem por fundamento uma série de atos sucessivos adotados por servidores de diferentes graus de hierarquia. Diversamente, a identificação dos gestores está amparada em decisão colegiada, resultando na extensão de responsabilidade a todos os integrantes da cúpula administrativa da Companhia que autorizaram a contratação (Deliberação n. 086/2009, fl. 21).

Quanto às irregularidades apontadas pelo Corpo Instrutivo, verifica-se:

 

II.1 – Restrição: Não enquadramento em inexigibilidade de licitação contrariando assim o dever de licitação infringindo o inc. XXI do art. 37 da Constituição e o art. 2° da Lei Federal nº 8.666/93.

O Relatório Técnico destacou que o objeto contratado não é oferecido por fornecedor exclusivo, pois, em caso semelhante, licitado pelo Ministério da Justiça, apresentaram-se três empresas para o certame (uma delas, a empresa ora contratada). Observou ainda que os atestados de exclusividade não descrevem com clareza e precisão o objeto do contrato.

Em sua defesa, o Responsável alega que “os equipamentos usados para comutação são as centrais MD110 DA ERICSSON da qual a DAMOVO DO BRASIL é fornecedora exclusiva para Santa Catarina”, consoante as declarações firmadas pela Voice Technology Comércio Exterior Ltda. e pela Associação Comercial e Industrial de Florianópolis – ACIF. Aduz que a ausência de impugnação às publicações que veicularam a contratação, demonstra que não existiam outras empresas especializadas na execução dos serviços contratados. Por fim, considera que o processo licitatório realizado pelo Ministério da Justiça não pode servir de parâmetro, pois tal procedimento teria sido anulado pelo licitante (fls. 137-140 e 150-153).

Em reanálise, a DLC manteve a restrição, ponderando que “anulação posterior da licitação pelo Ministério da Justiça não é motivo que justifique a inexigibilidade de licitação uma vez que são fatos supervenientes à realização do certame licitatório e que não foram declarados no termo de anulação” (fl. 201).

Com efeito, observo que os atestados juntados nas fls. 15 e 68 demonstram apenas que a DAMOVO DO BRASIL S.A. tem contrato de exclusividade com a Voice Technology Comércio Exterior Ltda., destacando, genericamente, a exclusividade na manutenção, instalação, programação e comercialização do produto “Unidade de Resposta Audível”. Tratam-se, pois, de documentos que não mencionam a exclusividade da empresa contratada com a Ericsson para fornecimento das centrais MD 110, tampouco para suporte técnico em tais equipamentos.

Nesse ponto, tem razão o Relatório Técnico ao asseverar que os atestados apresentados pela licitante não descrevem “com precisão e clareza o objeto da contratação” (fl. 202).

Ademais, consta nas fls. 162 a 165 a ata do Pregão Eletrônico n. 29/2007, cujo objeto também envolvia a prestação de serviço de suporte técnico nas centrais telefônicas MD110 DA ERICSSON, no qual participaram três empresas: a Mahvla Telecomm Ltda, a Eridata Teleinformática Ltda e a própria DAMOVO DO BRASIL S.A.

Também não se pode legitimar a contratação a partir da ausência de impugnação às publicações que a veicularam. A inexigibilidade tem como pressuposto lógico a inviabilidade de competição determinada pela singularidade do objeto ou pela exclusividade do ofertante, consoante leciona Bandeira de Mello:

 

São licitáveis unicamente objetos que possam ser fornecidos por mais de uma pessoa, uma vez que a licitação supõe disputa, concorrência, ao menos potencial, entre ofertantes.

Segue-se que há inviabilidade lógica deste certame, por falta de seus “pressupostos lógicos”, em duas hipóteses:

a) quando o objeto pretendido é singular, sem equivalente perfeito. Neste caso, por ausência de outros objetos que atendam à pretensão administrativa, resultará unidade de ofertantes, pois, como é óbvio, só quem dispõe dele poderá oferecê-lo;

b) quando só há um ofertante, embora existam vários objetos de perfeita equivalência, todos, entretanto, disponíveis por um único sujeito.

Esta última hipótese correspondente ao que, em nossa legislação, se denomina produtor ou fornecedor exclusivo.[2]

 

No caso da contratação direta de fornecedor exclusivo, a prova de exclusividade deve “ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes”, consoante determina o art. 25, I, da Lei n. 8.666/93. Trata-se, portanto, de um ato que antecede a contratação e que não pode ser posteriormente convalidado pela simples ausência de impugnação.

Portanto, não ficou comprovado no Processo de Contratação com Inexigibilidade de Licitação n. 388/09 que a DAMOVO DO BRASIL S.A. é fornecedora exclusiva da Ericsson, tampouco de que ela seja a única empresa capaz de prestar serviços de suporte técnico das centrais utilizadas pela Celesc Distribuição.

 

II.2 – Restrição: Ausência de justificativa do preço, contrariando o disposto no inc. III, parágrafo único, do art. 26, da Lei 8.666/93.

Sobre a ausência de justificativa de preço, os Responsáveis alegam que o valor foi obtido com base no contrato anterior (n. 37015), assinado em fevereiro de 2005, o qual foi corrigido pelo INPC e acrescido de outros serviços necessários ao cumprimento das normas fixadas pela Aneel (fls. 140-142 e 153-155).

O Corpo Instrutivo rechaçou os argumentos de defesa em face da ausência de suporte probatório. Destacou ainda, com amparo na doutrina de Marçal Justen Filho que, mesmo na hipótese de inviabilidade de competição, a Administração deve adotar como parâmetro os valores praticados pela empresa em contratos com outros fonecedores, bem como os orçamentos de produtos ou serviços similares disponíveis no mercado.

Deveras, os Responsáveis não trouxeram aos autos provas de suas alegações. Outrossim, as justificativas apresentadas evidenciam que a Celesc Distribuição limitou-se a efetuar a cotação a partir do valor anteriormente oferecido pela própria empresa contratada à Companhia. O levantamento dos valores praticados no mercado ganha especial relevo nas hipóteses de contratação direta, haja vista as condições peculiares que a torna mais vulnerável ao risco de superfaturamento. Por isso, a proposta de preço deve ser contrastada com os valores dos contratos que a proponente mantém com outros clientes e com os custos de produtos similares disponíveis no mercado.

Ora, atende aos objetivos da Lei de Licitações a demonstração de que os custos da contratação são justificáveis, não bastando a simples atualização dos valores, principalmente quando não está comprovada a exclusividade do fornecedor.

Vale registrar, tratar-se de uma restrição decorrente de desobediência a exigência formal contida na Lei de Licitações (art. 26, par. único) – o que por si só já fundamentaria a aplicação de sanção – agravada em função do elevado valor da contratação, próximo a um milhão de reais.

Diga-se, a propósito, que a recontratação direta da DAMOVO DO BRASIL S.A., a partir da atualização dos valores anteriormente pagos, e acrescido de outros serviços, assemelha-se à hipótese de aditamento contratual o que poderia resultar em ofensa ao art. 65, § 2, da Lei n. 8.666/93.

Em relação ao fato de que a Celesc Distruição estaria atendendo a uma nova regulamentação da Aneel, deve-se consignar que as condições de atendimento por meio de Central de Teleatendimento apontadas na Justificativa Técnica (fls. 07-13) estavam previstas desde a publicação da Resolução Normativa n. 57, em 13/04/2004.[3] Ou seja, não representam fato novo, pois são anteriores ao antigo contrato que a Companhia mantinha com a DAMOVO DO BRASIL S.A. (que, segundo os próprios Responsáveis, fora assinado e fevereiro de 2005).

Por fim, a inexigibilidade de licitação deve observar as formalidades legais sob pena de incorrer em crime previsto do art. 89 da Lei 8.666/93. No caso, a dispensa ou inexigibilidade de licitação sem as formalidades legais decorreu de contratação realizada em julho de 2009, não estando, por isso, atingida pela prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 109, III, do Código Penal.

Dessa forma, deve ser remetida cópia dos autos ao Ministério Público Estadual, para as providências que entender de Direito, haja vista a seguinte disposição do art. 102 da Lei 8.666/93:

 

Art. 102. Quando em autos ou documentos de que conhecerem, os magistrados, os membros dos Tribunais ou Conselhos de Contas ou os titulares dos órgãos integrantes do sistema de controle interno de qualquer dos Poderes verificarem a existência dos crimes definidos nesta Lei, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

 

III - VOTO

Estando os autos instruídos na forma Regimental, considerando o parecer do Ministério Público Especial e o relatório da instrução dos quais adoto, em parte, os fundamentos, proponho a este egrégio Plenário o seguinte VOTO:

1. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, a Inexigibilidade de Licitação nº 388/2009 e o Contrato nº 045348/2009, em razão das seguintes restrições:

 

1.1 Não enquadramento em inexigibilidade de licitação contrariando assim o dever de licitação infringindo o inc. XXI do art. 37 da Constituição e o art. 2° da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.2, do Relatório DLC 292/2011);

1.2 Ausência de justificativa do preço, contrariando o disposto no inc. III, parágrafo único, do art. 26, da Lei Federal nº 8.666/93, (item 2.3, do Relatório DLC 292/2011).

2. Aplicar a cada um dos seguintes responsáveis: Sr. Sérgio Rodrigues Alves (Diretor-Presidente da Celesc Distribuição S.A. em 2009, CPF 293.374.029-04), Sr. Arnaldo Venício de Souza (Diretor Econômico-Financeiro da Celesc Distribuição S.A. em 2009, CPF 029.394.109-25), Sr. Gilberto Odilon Eggers (Diretor de Gestão Corporativa da Celesc Distribuição S.A. em 2009, CPF 511.471.309-49), Sr. Carlos Alberto Martins (Diretor Comercial da Celesc Distribuição S.A. em 2009, CPF 179.575.249-15) e Sr. Eduardo Carvalho Sitônio (Diretor Técnico da Celesc Distribuição S.A. em 2009, CPF 223.915.339-34), com fundamento no 70, II, da Lei Complementar nº 202/00 c/c o art. 109, II do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento ao Tesouro do Estado, da multa cominada, ou interporem recursos na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/00).

2.1 R$ 1.000,00 (mil reais) pelo não enquadramento em inexigibilidade de licitação contrariando assim o dever de licitação infringindo o inc. XXI do art. 37 da Constituição e o art. 2° da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.2, do Relatório DLC 292/2011);

2.2 400,00 (quatrocentos reais) Ausência de justificativa do preço, contrariando o disposto no inc. III, parágrafo único, do art. 26, da Lei Federal nº 8.666/93, (item 2.3, do Relatório DLC 292/2011).

3. Remeter cópia dos autos ao Ministério Público Estadual, com fundamento no art. 102 da Lei 8.666/93, para fins de subsidiar eventuais medidas em razão da aparente tipificação do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93.

4. Dar ciência do Acórdão aos responsáveis e à Celesc Distribuição S.A.

Gabinete, em 11 de agosto de 2011.

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator



[1] Entre outras exigências previstas em norma da Aneel.

[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. P. 540.

[3] Revogada pela Resolução Normativa n. 363/2009, ambas da Aneel.