PROCESSO Nº:

CON-11/00005797

UNIDADE GESTORA:

Autarquia de Segurança, Trânsito e Transportes de Criciúma

INTERESSADO:

Mauro Cesar Sonego

ASSUNTO:

Mudança de regime jurídico. Adimplemento, gratificação e contagem de tempo de serviço para licença prêmio.

RELATÓRIO E VOTO:

GAC/AMF - 049/2011

 

 

 

1. RELATÓRIO

 

Tratam os autos de Consulta formulada por Mauro Cesar Sonego, Diretor-Presidente da Autarquia de Segurança, Trânsito e Transporte de Criciúma – ASTC, nos seguintes termos:

 

1º. Empregados Públicos (concursados) regidos pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), em caso de optarem pela mudança de regime para o Estatutário, manterão os benefícios adquiridos durante o antigo regime ou somente farão jus aos direitos e vantagens previstas pelo estatuto escolhido a contar da sua opção?

2º. Em caso de escolha pela mudança de regime para o Estatutário, o tempo de serviço computado durante o regime Celetista poderá ser utilizado para fins de direito a licença-prêmio?

3º. As gratificações auferidas através de convenções coletivas de trabalho no regime Celetista poderão continuar a integrar o salário do servidor após sua opção pelo regime estatutário?

 

Explica o consulente que “com a extinção da CRICIUMATRANS [empresa pública] e a criação da ASTC [autarquia], por força da Lei Municipal n. 5.390/09, alterada pela Lei Municipal n. 5.623/10, ocorreram algumas alterações importantes, principalmente no que tange aos empregados lotados na Empresa que passaram a integrar o corpo da ASTC, optando pelo regime estatutário” (fl. 02).

 

 

1.1  Consultoria Geral

 

O Órgão Consultivo, no Parecer COG-33/2011, sugeriu conhecer da Consulta, apesar de não ter vindo instruída com o parecer jurídico da autarquia.

 

Quanto ao mérito, a COG propôs a seguinte resposta:

 

1. A manutenção de benefícios adquiridos pelos empregados públicos sob o comando do regime celetista somente permanecem válidos quando da alteração para o regime estatutário caso haja previsão expressa no respectivo estatuto.

 

2. Em caso de alteração do regime celetista para o estatutário, o tempo de serviço prestado durante o regime celetista somente poderá ser computado para fins de licença prêmio caso haja expressa previsão no estatuto dos servidores.

 

3. As gratificações auferidas por servidor durante o tempo prestado no regime Celetista são protegidas pelo princípio constitucional da irredutibilidade do salário, devendo seu enquadramento ser feito dentro das características originais e constar como Vantagem Pessoal Nominalmente Identificável se a remuneração ultrapassar o maior nível constante do Plano de Cargos e Salários, sendo que eventuais excessos remuneratórios deverão ser absorvidos em futuras concessões de aumento real ou específico.

 

Ao final, a Consultoria sugeriu a revogação do Prejulgado n. 286[1], “considerando que a matéria está tratada de forma mais abrangente no presente processo de consulta” (fls. 29-38).

 

1.2  Ministério Púbico junto ao Tribunal de Contas

 

O Ministério Público de Contas acompanhou o pronunciamento da COG no Parecer n. MPTC/2040/2011, da lavra do Procurador-Geral Mauro André Flores Pedrozo (fls. 39-40).

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

Quanto à admissibilidade da presente Consulta, a COG verificou que os requisitos constantes do art. 104 do Regimento Interno deste Tribunal foram atendidos. Porém, ressaltou que a inicial não veio instruída com o parecer da assessoria jurídica da autarquia, conforme o inciso V do art. 104.

 

Contudo, mesmo não atendendo a essa formalidade, entendo que a peça indagativa pode ser admitida pelo Plenário desta Casa, consoante autoriza o art. 105, § 2°, do Regimento. Isso porque, além de a dúvida interpretativa sobre a legislação municipal merecer o pronunciamento por parte deste Tribunal, pondero que a ausência do parecer jurídico foi a única formalidade não atendida pelo consulente, podendo ser superada.

 

Passo, então, à análise do mérito.

 

O Diretor-Presidente da ASTC indaga, basicamente, se os empregados celetistas da extinta CRICIÚMATRANS, ao optarem pela mudança de regime para o estatutário, poderão manter vantagens, gratificações e contar tempo de serviço para efeito de licença-prêmio.

 

A COG, no seu bem lançado parecer, concluiu, em síntese, que:

 

a) no que tange a benefícios adquiridos no regime celetista, só poderão ser mantidos se houver previsão expressa no estatuto;

 

b) quanto ao tempo de serviço prestado na empresa pública, poderá ser contado somente para efeitos de aposentadoria e de disponibilidade, já que o Estatuto dos Servidores Municipais de Criciúma não previu que pudesse ser computado também para efeito de concessão de licença-prêmio;[2] e

 

c) relativamente às gratificações auferidas no regime celetista, apesar de não haver direito adquirido a regime jurídico, devem ser protegidas quando a mudança levar à redução do salário, em nome do princípio da irredutibilidade, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF.[3]

 

Quanto ao último questionamento, para reforçar a conclusão da COG, trago doutrina específica sobre o assunto, de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

 

4 A irredutibilidade de vencimentos

[...] a transição de regimes jurídicos é perfeitamente legítima, expressando sempre o Poder do Estado na concretização do interesse público, inclusive sobre seus súditos servidores. A expressão desse Poder e a aplicação desse princípio devem, no entanto, operar-se em coordenação com o princípio da irredutibilidade de vencimentos, garantia individual dos mesmos súditos.

 

É cediço, por outro lado, que inexiste direito adquirido às vantagens do antigo regime jurídico, sendo suficiente que o novo preserve o valor nominal da remuneração, excluídas as parcelas transitórias. Nesse ponto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é monolítica.

 

A Constituição, no art. 37, inciso XV, determina:

 

Art. 37...

...

XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis [...]

 

[...]

 

Superada, há muito, a discussão acerca do alcance dessa disposição, sabe-se hoje, de forma cabal, que a irredutibilidade refere-se ao valor meramente nominal dos vencimentos, jamais de seu valor real, isento de pressões inflacionárias. Mais, refere-se ao valor total desses vencimentos. Disso resulta que pode haver redução ou supressão de parcela específica, desde que garantido o montante global percebido pelo servidor.

 

O texto constitucional firma, expressamente, a irredutibilidade dos vencimentos. Noutra vertente, não pode, o ente federativo - estado ou município - reduzir ou ampliar o alcance dos princípios constitucionais sensíveis, entre eles o que veda a redução vencimental. Trata-se de inarredável observância do princípio da simetria.

 

 

6 Efeitos da aplicação do entendimento assentado

É dever analisar os efeitos concretos da implantação do novo regime jurídico.

Com a implantação de um sistema de controle, pode verificar-se a ocorrência de pagamentos indevidos, cuja cessação é imperiosa, pois não se pode invocar direito adquirido à manutenção de pagamento irregular, num cenário em que se não admite direito adquirido contra a Lei.

Admitindo, por uma hipótese - que em Direito é comum -, de retorno ao status quo ante bellum, de que, à época da implantação, a cessação de alguma vantagem implicasse redução salarial, o gestor deveria providenciar o pagamento da parcela legalmente suprimida, como vantagem pessoal nominalmente identificada, na data de início de vigência do novo regime. Alternativamente ao título sugerido - vantagem pessoal nominalmente identificada - poderia ser empregado esse outro título: parcela transitória, que exprime melhor a sua natureza jurídica.

Da data da implantação do regime jurídico, em diante, a essa parcela destacada dos vencimentos deveriam ser aplicados apenas os reajustes que por lei expressamente fossem gerais de remuneração, sem qualquer associação aos índices adotados para categorias específicas ou para vencimento especificado, até que fosse progressivamente absorvida pela remuneração decorrente do novo regime jurídico.

 

8 Conclusões

As considerações expendidas sustentam as seguintes conclusões:

[...]

2. de acordo com a Constituição Federal, somente por lei específica pode ser fixada ou alterada a remuneração dos servidores públicos;

3. a instituição de novo regime jurídico constitui um marco definidor de direitos novos;

4. por não haver direito adquirido a regime jurídico, não podem ser invocadas leis anteriores para justificar a continuidade de pagamento de parcelas de vencimentos;

5. a implantação do novo regime remuneratório não pode provocar redução de remuneração nominal; ocorrendo essa hipótese, deve ser mantida a diferença como parcela transitória;

6. a parcela transitória é sujeita apenas a correção, se e quando for dada, pelos índices que expressamente sejam gerais de remuneração, sendo integralmente absorvida progressivamente.[4] (grifei)

 

Assim, por concordar com o pronunciamento da Consultoria Geral, ratificado pelo Ministério Público de Contas, com base no art. 224 do Regimento Interno, adoto os termos do Parecer COG-33/2011 como fundamento do presente voto.

 

Acrescento ainda que se faz necessário, além de revogar o Prejulgado 0286, revogar também parte do Prejulgado 0574, cujo segundo parágrafo contém interpretação contrária à do STF. Segundo o Prejulgado, “O servidor ocupante de emprego público que for investido em cargo público, passando a receber a retribuição a ele inerente, fixada em lei, mesmo que inferior à situação anterior, não está amparado pelo direito constitucional da irredutibilidade” (grifei). O Pretório Excelso, por sua vez, firmou jurisprudência no sentido oposto, conforme dito anteriormente, já que, apesar de entender que não há direito adquirido a regime jurídico, reconhece a aplicabilidade do princípio da irredutibilidade dos vencimentos quando há a mudança de regime.[5]

 

Nesse sentido, ressalvo que são necessárias pequenas adequações no texto do item 3 da resposta proposta pela COG, para refletir que a manutenção de parcela remuneratória própria do regime celetista não é regra geral, justificando-se apenas quando a mudança para o regime estatutário implica, de fato, decréscimo remuneratório.[6]

 

 

3. VOTO

 

Diante do exposto, proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação:

          3.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados nos artigos 103 e 104 do Regimento Interno (Resolução n. TC-06, de 28 de dezembro de 2001) do Tribunal de Contas.

          3.2. Responder à Consulta nos seguintes termos:

                    3.2.1. A manutenção dos benefícios adquiridos pelos empregados públicos sob o comando do regime celetista somente permanecem válidos quando da alteração para o regime estatutário caso haja previsão expressa no respectivo estatuto.

                    3.2.2. Em caso de alteração do regime celetista para o estatutário, o tempo de serviço prestado durante o regime celetista somente poderá ser computado para fins de licença prêmio caso haja expressa previsão no estatuto dos servidores.

                    3.2.3. Se com a alteração do regime houver decréscimo do valor global da remuneração, o valor da diferença referente a gratificações auferidas por servidor durante o tempo prestado no regime celetista é protegido pelo princípio constitucional da irredutibilidade do salário, devendo constar como vantagem pessoal nominalmente identificável, a qual deve ser absorvida progressivamente, à medida que forem concedidos aumentos reais ou específicos.

          3.3. Revogar, com fundamento no art. 156 do Regimento Interno, o Prejulgado n. 0286 e o segundo parágrafo do Prejulgado 0574.

          3.4. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral a Mauro Cesar Sonego e à Autarquia de Segurança, Trânsito e Transportes de Criciúma.

 

Florianópolis, em 09 de agosto de 2011.

 

ADIRCÉLIO DE MORAES FERREIRA JUNIOR

CONSELHEIRO RELATOR



[1] Prejulgado 0286: “É lícito o cômputo do tempo de serviço sob o regime celetista de servidores municipais que posteriormente, em face do regime adotado pela municipalidade, tornaram-se estatutários, para todos os efeitos legais, incluindo-se a licença-prêmio, desde que os servidores tenham prestado serviços ao Município”.

[2] Art. 263 da Lei Complementar Municipal n. 12/99: “Ficam extintos os contratos individuais de trabalho cujos empregos e funções foram transformados, assegurando-se aos respectivos ocupantes a contagem de tempo de serviço prestado ao município tão somente para efeito de aposentadoria e disponibilidade.

[3] Recurso Extraordinário n. 212.131-2/MG. Relator: Ministro Ilmar Galvão. DJ 29.10.1999. EMENTA: ADMINISTRATIVO. ESTADO DE MINAS GERAIS. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. CONVERSÃO COMPULSÓRIA DO REGIME CONTRATUAL EM ESTATUTÁRIO. REDUÇÃO VERIFICADA NA REMUNERAÇÃO. ART. 7º, VI, C/C ART. 39, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. Situação incompatível com o princípio da irredutibilidade que protegia os salários e protege os vencimentos do servidor, exsurgindo, como solução razoável para o impasse, o enquadramento do servidor do nível mais alto da categoria funcional que veio a integrar, convertido, ainda, eventual excesso remuneratório verificado em vantagem pessoal a ser absorvida em futuras concessões de aumento real ou específico. Recurso conhecido e provido.

[4] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Remuneração: efeitos da instituição de novo regime jurídico. Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 67, set. 2006. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=37400>. Acesso em: 9 agosto 2011.

[5] Conforme o RE 464.946/RJ: “A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico, devendo ser preservado o valor nominal da remuneração, sob pena de ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimento”. Relator: Ministro Dias Toffoli. Primeira Turma. Julgamento em 03.05.2011.

[6] RE-AgR 445810/PE, Relator Min. Eros Grau, julgado em 10/10/2006, 2ª Turma STF. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR INATIVO. GRATIFICAÇÃO. REDUÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. INOCORRÊNCIA. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que inexiste direito adquirido a regime jurídico. O STF tem admitido redução ou mesmo supressão de gratificações ou outras parcelas remuneratórias desde que preservado o montante nominal da soma dessas parcelas, ou seja, da remuneração global. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.