ESTADO DE SANTA CATARINA

 

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

GABINETE DO AUDITOR GERSON DOS SANTOS SICCA

 

 

PROCESSO Nº

REP 10/00098912

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de São Miguel do Oeste

REPRESENTANTE:

Airton Fávero e outros

RESPONSÁVEL:

Nelson Foss da Silva

ASSUNTO:

Representação

 

 

EMENTA. PROJETO DE LEI. PLANO PLURIANUAL (PPA).  LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO). LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL ( LOA). PRAZO.REMESSA.DESCUMPRIMENTO. MULTA.

A não observância dos prazos constitucionais de remessa dos projetos de lei do PPA, da LDO e da LOA, sujeita os infratores à aplicação de multa.

 

 

I - RELATÓRIO

Tratam os autos de Representação de Agente Público, calcada no art. 66, da Lei Complementar nº 202/00, através da qual os Vereadores da Câmara Municipal de São Miguel do Oeste, Senhores Airton Fávero, Claudete Maria de Oliveira Fabiani, Flávio José de Ramos e Genésio Colle, relatam supostas irregularidades no cumprimento dos prazos para encaminhamento dos projetos do Plano Plurianual (quadriênio 2010/2013), da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária do Município (exercício de 2010).

A Representação foi conhecida mediante o despacho de fls. 27/28. Houve abertura de prazo para a apresentação de justificativas (fls. 37/38), o que ocorreu mediante a defesa escrita de fls. 39/42, acompanhada dos documentos de fls. 43/338. Sobreveio o Relatório de fls. 340/349, sugerindo a irregularidade dos atos. São os termos da parte final do referido relatório:

1. CONSIDERAR IRREGULAR, na forma do artigo 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar nº 202/2000, o ato abaixo relacionado, aplicando ao Sr. Nelson Foss da Silva – Prefeito Municipal – gestão 2009/2012, CPF 526.550.249-15, residente à Rua Princesa Isabel, 313, Bairro Salete, São Miguel do Oeste, SC, 89900-000, multas previstas no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

1.1 – Inobservância dos prazos legais para remessa ao Poder Legislativo Municipal dos projetos de lei do PPA, relativo ao quadriênio 2010/2013, como também da LDO e LOA, relativos ao exercício de 2010, afrontando o estabelecido no art. 35, § 2º, incisos I, II e III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT (item II.1 deste Relatório).

O Ministério Público Especial acolheu as conclusões expostas no Relatório da DMU e entendeu pela aplicação de penas pecuniárias em razão dos seguintes ilícitos:

1) Atraso de 217 (duzentos e dezessete) dias na remessa do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias à Câmara de Vereadores de São Miguel do Oeste, contrariando o art. 35 § 2º, II do ADCT, caracterizando afronta ao princípio da legalidade administrativa insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal e comprometendo a efetiva atuação do Poder Legislativo.

2) Atraso de 93 (noventa e três) dias na remessa do Projeto de Plano Plurianual à Câmara de Vereadores de São Miguel do Oeste, contrariando o art. 35 § 2º, I do ADCT, caracterizando afronta ao princípio da legalidade administrativa insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal e comprometendo a efetiva atuação do Poder Legislativo.

3) Atraso de 93 (noventa e três) dias na remessa do Projeto de Lei Orçamentária Anual à Câmara de Vereadores de São Miguel do Oeste, contrariando o art. 35 § 2º, III do ADCT, caracterizando afronta ao princípio da legalidade administrativa insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal e comprometendo a efetiva atuação do Poder Legislativo.

É o relatório.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

Convergem os posicionamentos da DMU e do Ministério Público Especial quanto à existência da irregularidade. Divergem, por outro lado, quanto ao desfecho a ser dado ao processo, entendendo o Ministério Público Especial pela aplicação de três multas, enquanto a DMU entende pela aplicação de apenas uma multa.

O ato de não observar os prazos para o envio dos projetos de lei que tratam do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual está devidamente comprovado. Tanto é verdade que o próprio Responsável admite o atraso com a justificativa que o processo de elaboração dos projetos de lei foi precedido de participação popular.

Nessa linha, diz que optou pela elaboração do orçamento municipal com a participação da população diretamente beneficiada com o propósito de enaltecer o modelo democrático estabelecido para a gestão das políticas públicas, e que tal modelo demandou um período de tempo superior ao estimado.

Entende, porém, que o atraso no envio dos Projetos de Lei não pode ser visto como grave infração à norma legal, uma vez que o interesse público é o fim que deve ser buscado em qualquer ação estatal, o que foi feito mediante a participação da população diretamente interessada.

Sustenta, ainda, que o atraso não causou qualquer prejuízo ao Município uma vez que os projetos foram aprovados ainda no exercício de 2009, além do que foi mais benéfico ao interesse público a participação popular em detrimento do prazo estabelecido. Finaliza dizendo:

Demonstrado que atraso no envio das peças orçamentárias se deu com o objetivo de garantir um dos princípios e diretriz da Constituição Federal, talvez o mais importante deles, o de estabelecer a democracia como forma de estado, sendo a participação popular no processo de organização e gestão das ações públicas, estritamente necessária e fundamental à garantia da democracia, não há, sem sombra alguma de dúvida, motivo para se punir simples atraso, que, frise-se, não causou prejuízo algum às partes ou à população do município.

Assim, diante do exposto, não há que se falar em infração GRAVE, e a norma legal ou regulamento de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, razão pela qual pugna-se pela não aplicação da multa capitulada no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00.

Por fim, em caso de entendimento contrário por parte desta Corte, requereu a aplicação da sanção em grau mínimo.

Como já referido, a infração ao comando Constitucional capitulado no art. 35, § 2º, I, II e III, do ADCT está devidamente comprovada. O cerne da questão está em saber se o argumento apresentado (orçamento participativo) é suficiente para justificar o atraso no envio dos Projetos de Lei do Plano Plurianual, da LDO e da LOA, bem como se esse atraso legitima a aplicação de sanção pecuniária com fundamento no art. 70, II, da LC nº 202/00.

Quanto ao argumento de realização do orçamento participativo, os documentos juntados às fls. 43/338 efetivamente atestam a sua ocorrência. Todavia, a aludida circunstância não pode ser utilizada como fundamento para o descumprimento dos prazos constitucionalmente estabelecidos. A participação popular, como diretriz constitucional apta a efetivar o princípio democrático, não deve ser utilizada como alicerce para descumprimento do próprio texto constitucional. Caminhou bem o Ministério Público Especial nesse trilho ao afirmar que o descumprimento das Leis é algo a ser repudiado em um Estado que se quer “democrático de direito”.

Toda reunião, assembleia ou audiência pública que possibilita a participação da população na discussão e aprovação das propostas que direcionarão os rumos do dinheiro público nos anos subsequentes é uma medida tendente a fortalecer a democracia. Entrementes, se a referida forma de governar vilipendiar outro comando constitucional isso significa que há um erro na condução de todo o processo. Jamais a participação popular deve significar supressão ou obstáculo à participação do representante eleito (Câmara Municipal).Em outras palavras, sob o adágio da participação popular não se pode ferir o texto Constitucional, até mesmo porque o exercício direto da democracia deve ocorrer sem ferir outras formas previstas na Carta Federal.

Dito isto, tenho que a participação popular, além de educar para a cidadania e propiciar um maior controle do gasto público por parte da população, é um fator promovedor da democratização do poder e deve ele coexistir com a democracia representativa, exercida através dos Vereadores. Jamais uma pode significar a aniquilação ou supressão da outra. Ambas devem coexistir de maneira harmônica, propiciando à população o devido conhecimento das ações que serão desencadeadas pelo Poder Público no decorrer dos anos.

No presente caso, a iniciativa do Prefeito Municipal, no princípio de seu mandato, para implantar o orçamento participativo, pode traduzir como uma atitude louvável e que vem ao encontro dos anseios sociais. Entretanto, da leitura dos autos percebe-se que tal iniciativa prejudicou a análise dos projetos por parte do Legislativo municipal. Com efeito, o Projeto de Lei da LDO foi enviado no dia 02/12/2009 (fl. 357), ou seja, com o atraso de 231 dias, uma vez que teria de ter sido enviado até 15/04/2009. A LOA, por sua vez, foi enviada no dia 02/12/2009, com atraso de 93 dias, já que a data-limite findou no dia 31/08/2009. O Projeto de Lei do Plano Plurianual foi enviado no dia 18/11/2009 (fl. 06) com atraso, portanto, de 78 dias.

Os atrasos, devidamente comprovados, ainda que não tenham trazido prejuízos pecuniários ao Município, retiram do Poder Legislativo a possibilidade de uma análise mais detalhada sobre os projetos de lei, implicando a aprovação em mera formalidade e, consequentemente, em baixo controle do gasto público.

Saliento, ademais, que no caso concreto o argumento relativo ao orçamento participativo não pode justificar o atraso no envio dos projetos de lei relativos ao PPA e a LOA exatamente porque os documentos juntados aos autos atestam que as reuniões ocorreram no período de 18 de junho a 06 de agosto. Assim, teve o Executivo quase um mês para enviar os projetos de lei à Câmara de Vereadores dentro do prazo constitucional, que se findou em 31/08/2009. Portanto, entendo devidamente configurada a irregularidade em vista da não observância dos prazos constitucionais para envio dos projetos de lei do PPA, da LDO e da LOA.

Sobre a possibilidade ou não de o Tribunal de Contas aplicar multa ao Responsável pela conduta transgressiva à norma Constitucional, entendo perfeitamente possível, haja vista que houve grave infração à norma legal cuja natureza está afeta ao controle externo exercido por esta Corte de Contas. Trata-se de ofensa a comando constitucional que diz respeito ao Plano Plurianual, à Lei de Diretrizes Orçamentárias e à Lei Orçamentária, matérias estas cuja natureza estão inseridas tanto no plano contábil como no plano financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial do Município.

Entendo, ademais, que a sanção deve ser aplicada isoladamente para cada conduta, assim como bem fundamentou o Ministério Público Especial (fls. 353/354). Foram três atos violadores à Constituição Federal, motivo pelo qual devem receber a devida reprimenda de acordo com os atrasos verificados. Compulsando os autos verifico que o maior atraso se deu no projeto de lei da LDO (231 dias), assim, fixo a multa em R$ 1.000,00 (mil reais), a qual entendo suficiente para penalizar a conduta violadora e prevenir outras do mesmo teor. Para os projetos de lei relativos à LOA e ao PPA, fixo a multa em R$ 600,00 (seiscentos reais) cada, tendo em vista que os atrasos foram de 93 e 78 dias, respectivamente.

 

III – PROPOSTA DE VOTO

Estando os autos instruídos na forma regimental, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário, propugnando pela adoção da seguinte Proposta de Voto:

6.1. Conhecer do Relatório nº 3562/2011, da DMU (fls. 340/349), para CONSIDERAR IRREGULAR, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar nº 202/2000 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina), a inobservância dos prazos legais para remessa ao Poder Legislativo Municipal dos projetos de lei do PPA, relativo ao quadriênio 2010/2013, como também da LDO e LOA, relativos ao exercício de 2010, em afronta ao art. 35, § 2º, incisos I, II e III, do ADCT.

6.2. Aplicar ao Sr. Nelson Foss da Silva, Prefeito Municipal – Gestão 2009/2012, CPF 526.550.249-15, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno deste Tribunal, as multas abaixo discriminadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 1.000,00 (um mil reais), em face do atraso de 231 dias na remessa do Projeto de Lei da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o exercício de 2010, em afronta ao art. 35, § 2º, II, do ADCT;

6.2.2. R$ 600,00 (seiscentos reais), em face do atraso de 78 dias na remessa do Projeto de Lei do Plano Plurianual (PPA), relativo ao quadriênio 2010/2013, em afronta ao art. 35, § 2º, I, do ADCT;

6.2.3. R$ 600,00 (seiscentos reais), em face do atraso de 93 dias na remessa do Projeto de Lei da Lei Orçamentária Anual (LOA) para o exercício de 2010, em afronta ao art. 35, § 2º, III, do ADCT;

6.3. Dar ciência do Acórdão, do Relatório e Proposta de Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório nº 3562/2011 (fls. 340/349) e do Parecer do Ministério Público de fls. 351/355, aos Representantes e ao Representado, Sr. Nelson Foss da Silva, Prefeito Municipal.

Gabinete, em 22 de novembro de 2011.

 

Auditor Gerson dos Santos Sicca

Relator