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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA GABINETE DO CONSELHEIRO HERNEUS DE NADAL |
Processo: |
CON-11/00315800 |
Unidade
Gestora: |
Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina |
Interessado: |
Desembargador Trindade dos Santos |
Assunto:
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Consulta – Possibilidade e/ou legalidade de
inclusão nos contratos vigentes com empresas terceirizadas contratadas pelo
TJSC e nos editais de licitação, de cláusula estipulando reserva de vagas de
trabalho em percentuais de 5 a 10% para presos e egressos do sistema
carcerário |
Manifestação
após voto divergente: |
GAC/HJN - 298/2011 |
MANIFESTAÇÃO APÓS VOTO DIVERGENTE
O presente processo trata de consulta
formulada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Exmo.
Desembargador Trindade dos Santos, por meio do encaminhamento do Ofício nº
71/2011 – CEPIJ -, subscrito pelo Exmo. Juiz Coordenador da Coordenadoria de
Execução Penal e da Infância e Juventude (CEPIJ) Alexandre Karazawa Takaschima,
nos seguintes termos:
Cumprimentado-o
cordialmente, em atenção aos termos da Resolução nº 96, de 27 de outubro de
2009, da Portaria 49, de 30 de março de 2010 e da Recomendação nº 21, de 16 de
dezembro de 2008, com proposta para implantação do Projeto Começar de Novo,
todas do Conselho Nacional de Justiça, consulto Vossa Excelência sobre a
possibilidade e/ou legalidade de inclusão nos contratos vigentes e nos editais
de licitação, com empresas terceirizadas contratadas pelo TJSC, de cláusula
estipulando reserva de vagas de trabalho em percentuais de 5 a 10% para presos
e egressos do sistema carcerário.
Após a emissão dos
pareceres COG nº261/2011 e MPTC nº 2733/2011, na sessão ordinária de 20/07/2011
submeti ao Egrégio Plenário, no exercício da substituição ao Conselheiro Herneus
de Nadal, voto no sentido de responder à Consulta nos seguintes termos:
3.2.1. É possível que os Tribunais de Justiça, em cumprimento
à Resolução n. 96/2009 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e dentro do
“Projeto Começar de Novo”, regulamentem, por meio de ato normativo, a previsão
de cláusula estipulando reserva de vagas de trabalho para presidiários e
egressos, em quantidade não superior a 10% do contrato (limite imposto pelo
art. 36 da lei n. 7.210/84 – Lei de Execução Penal) nos contratos com empresas
terceirizadas, mediante estipulação no edital de licitação, com fundamento na
referida Res. n. 96/09 do Conselho Nacional de Justiça e Recomendação n. 21, de
16 de dezembro de 2008 e art. 58, I e §2º, da Lei n. 8.666/93.
3.2.2. Em relação aos contratos vigentes, é possível a
alteração unilateral com base no inciso I do art. 58 da Lei n. 8.666/93, para
melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos
adquiridos do contratado e desde que observado o equilíbrio contratual, conforme
o que dispõe o §2º do art. 58 e o §6º do art. 65 do mesmo diploma legal,
entretanto, recomenda-se que o TJSC faculte às contratadas a possibilidade de
se adequarem ao Projeto, a exemplo do TJPA ou ainda, opte pela alteração
consensual do contrato, utilizando-se do que dispõe a alínea “d” do inciso II
do art. 65 da Lei de Licitações.
Na mesma sessão o
Auditor Cleber Muniz Gavi solicitou vistas do presente processo e
posteriormente, em 26/07/2011, apresentou voto divergente ao proposto por esta
Relatora, sugerindo a adoção do seguinte entendimento:
2.1. Não se revela possível a inclusão, em edital
de licitação ou nas contratações promovidas pelo Tribunal de Justiça de Santa
Catarina, de cláusula estipulando reserva de vagas de trabalho para os
presidiários e egressos do sistema prisional, haja vista a ausência de previsão
em lei autorizando os entes da Administração Pública e estabeleceram tal
imposição.
Consta das
considerações apresentadas pelo ilustre Auditor, em brevíssimo resumo, que as
resoluções e portarias expedidas pelo CNJ não se constituem em determinação
imposta aos órgãos do Poder Judiciário no sentido de adotar tal providência,
não havendo previsão para que empresas interessadas em contratar com os órgãos
daquela esfera de Poder sejam compelidas a compor seu quadro empregatício com
percentuais mínimos de pessoas que cumprem ou cumpriram pena; que a matéria
objeto da consulta está relacionada com o artigo 24, inciso XIII, da Lei nº
8.666/93, não guardando qualquer correlação com a possibilidade de outras
empresas, com fins lucrativos, serem obrigadas a contratar egressos do sistema
prisional como condição para execução de seus contratos; e que a Recomendação
n. 21/2008, do CNJ, não confere sentido diverso à lei de licitações.
Ainda de acordo com
o Auditor, “é temerário que qualquer órgão da Administração Direta ou Indireta
do Estado de Santa Catarina venha estabelecer, por meio de instrumentos
normativos por eles mesmos editados e sem respaldo em lei, novas condicionantes
para as contratações realizadas, interferindo com a disciplina da lei de
licitações e aditando uma espécie de obrigação não prevista em norma primária
(lei em sentido formal)”.
Por fim, conclui o
Auditor Cleber Muniz Gavi, que o campo de abrangência do artigo 36, §1º, da Lei
de Execuções Penais (Lei Federal nº 7.210/84), não condiz com a providência
cuja regularidade/legalidade é indagada no procedimento de consulta, tendo em
vista que “citado artigo estabelece somente uma limitação quanto ao percentual
de presos que podem compor o quadro funcional das empresas, caso estas optem
por admiti-los, não se extraindo da citada norma qualquer conotação tendente a
impor às empresas privadas o papel de agentes colaboradores no processo de
ressocialização e reintegração”.
Analisando novamente os autos,
destaco que conforme consta do voto anteriormente apresentado por esta
Auditora, foi editada pelo Conselho Nacional de Justiça a
Recomendação nº 29, que tem correlação direta com os editais de licitação para
a execução de obras e serviços públicos, tratando da reserva de vagas em
contratações públicas para presos e egressos do sistema prisional com a fixação
de percentual que pode atingir o limite de 5% (20 ou mais trabalhadores) e 01
vaga para a contratação entre 06 e 19 trabalhadores, facultada a contratação
para até 05 trabalhadores.
A citada recomendação complementa a Recomendação nº
21 (DOU de 26.12.08), que já havia orientado os Tribunais a adotarem programas
de recuperação e reinserção social do preso e do egresso do sistema prisional,
inclusive com o aproveitamento de mão-de-obra para serviços de apoio
administrativo no âmbito da administração do Poder Judiciário.
Pela regra aprovada, o número de vagas a ser
exigido nos editais deverá ser de, no mínimo, 5% do total, quando houver a
contratação de 20 ou mais trabalhadores. No caso de contratação de seis a 19
trabalhadores, a proporção cai para 1%. A recomendação deixa facultada a
disponibilização de vagas para as contratações de até cinco trabalhadores. Conforme
consta do site do CNJ, os próprios tribunais, o Supremo Tribunal Federal (STF)
e também o CNJ já contratam detentos e ex-presidiários.
Verifico assim a
pertinência das considerações apresentadas pelo Auditor Cleber Muniz Gavi, coadunando
com a ideia de ser necessária a edição de norma que regulamente as condições de
absorção da mão-de-obra dos presos ou de egressos do sistema prisional.
Contudo, considero
que a própria Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210/84 – supre a necessidade da
edição de uma lei que autorize os entes da Administração Pública a incluírem,
em edital de licitação ou nas contratações promovidas pelo Tribunal de Justiça
de Santa Catarina, cláusula estipulando reserva de vagas de trabalho para os
presidiários e egressos do sistema prisional.
O
artigo 36 da Lei nº 7.210/84 já prevê a possibilidade de trabalho externo para
o preso:
Lei
nº 7.210/84
Art.
36.
O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em
serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou
Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e
em favor da disciplina.
§ 1º
O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de
empregados na obra.
Além disso, os
artigos 10, 25, 26 e 27 do mesmo diploma legal estabelecem as condições de
assistência ao egresso do sistema prisional, objetivando a sua reintegração na
sociedade, definindo inclusive que o serviço de assistência social deve
colaborar com o egresso para a obtenção de trabalho.
Lei
nº 7.210/84
Art.
10.
A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o
crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo
único. A assistência estende-se ao egresso.
Art.
25.
A assistência ao egresso consiste:
I -
na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade;
II -
na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento
adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses.
Parágrafo
único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única vez,
comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de
emprego.
Art.
26.
Considera-se egresso para os efeitos desta Lei:
I -
o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do
estabelecimento;
II -
o liberado condicional, durante o período de prova.
Art.
27.
O serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de
trabalho.
Sendo assim,
constato que cabe aos Estados editarem regulamentos próprios (decretos
executivos) a fim de regulamentarem a lei de execução penal no âmbito de suas
competências.
Destaco que esse
entendimento foi adotado pelo estado de São Paulo, que editou o Decreto nº
55.126/09, que “Institui o Programa de Inserção de Egressos
do Sistema Penitenciário no Mercado de Trabalho - PRÓ-EGRESSO e dá providências
correlatas”, no qual consta previsão para exigência de que a proponente
vencedora de editais de obras e serviços disponibilize, para a execução do
contrato, de percentual prefixado (5%) de vagas de trabalho aos egressos do
sistema previdenciário para um contingente mínimo de 20 trabalhadores (artigo
4º).
Já no estado do Espírito Santo foi editado o
Decreto nº 2460-R/10, que “dá cumprimento
à Lei de Execução Penal e disciplina a organização e funcionamento da
Administração Pública, para fins de absorção da mão-de-obra advinda do sistema
prisional, nas parcerias contratuais e conveniais da Administração Pública
Estadual, Direta ou Indireta, pertinentes às obras e serviços”.
No artigo 1º do decreto
capixaba consta a seguinte previsão: “Visando o regular cumprimento do contrato
firmado com a Administração Pública Estadual, Direta ou Indireta, o CONTRATADO
se obriga a efetivar a contratação de mão-de-obra necessária à execução da obra
ou serviço advindos do sistema penitenciário Estadual, no percentual de 6%
(seis por cento) da mão-de-obra total para a execução do objeto contratual,
sendo 3% (três por cento) de presidiários e 3% (três por cento) de egressos,
nos termos do artigo 27 c/c o artigo 36, ambos da Lei nº 7210/84”.
Por fim, acrescento que, conforme consta do parecer
exarado pela Consultoria Geral desta Casa, “a previsão no edital de cotas para presos além de não
restringir o caráter competitivo da licitação, pois a previsão é aplicável a
todos os interessados, proporciona maior competição entre os licitantes, reduz
os custos da contratação, permite a reinserção sócio-econômica dos apenados,
atingindo, desta forma, interesses públicos primários e secundários do Estado e
propicia a igualdade de tratamento jurídico-econômico entre os licitantes”.
No que diz respeito ao aditamento dos contratos já vigentes, a COG esclarece
que “[...] o parágrafo 2º do art. 58 menciona a revisão das
cláusulas econômico-financeiras do contrato visando a manutenção do equilíbrio
contratual, dispositivo também aplicável, obviamente, caso ocorra a redução dos
custos da contratação dos apenados”.
Destaco ainda a manifestação do Procurador do
Estado do Espírito Santo, Horácio Augusto Mendes de Souza, ao tratar acerca da
possibilidade de modificação dos contratos já existentes:
Em sexto
lugar, o ordenamento jurídico-licitatório confere à Administração Pública o
poder-dever de instituir cláusulas contratuais visando à melhor adequação do
contrato às finalidades de interesse público, seja unilateralmente, seja, com
maior razão, previamente à celebração do contrato, por ocasião da publicação do
edital de licitação (Lei nº 8666/93, art. 58, I).
Ainda de acordo com a Consultoria Geral, “caso não
se consubstancie a hipótese de dispensa
para a contratação de presos prevista na Lei n. 8.666/93 (que é a exceção),
deve a referida contratação se dar pela regra geral, que é a licitação”.
No intuito de fundamentar seu entendimento, a COG
cita parte do parecer exarado pelo Procurador Horácio Augusto Mendes de Souza,
em consulta formulada pela Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos,
da qual extraio:
Assim,
pode-se dizer que a normatividade em exame constitui um dos respaldos legais
mais expressivos e legitimatórios da previsão nos editais de licitação do
Estado para a absorção, nas obras e serviços contratados pelo Estado, da
mão-de-obra advinda dos presídios.
[...]
Aliás,
neste contexto, relembre-se a previsão legal da hipótese de afastamento da
obrigação de licitar para a contratação de instituição brasileira incumbida,
regimental ou estatutariamente, da recuperação sócio-econômica do preso, desde
que comprovados, dentre outros requisitos, a inquestionável reputação
ético-profissional e a ausência de fins lucrativos (Lei nº 8666/93, art. 24,
XIII).
Ora, pois, se o Estado pode até efetivar
contratação direta, sem licitação, para a parceria com entidade privada,
visando à recuperação dos presos, com maior razão ele pode fixar, no edital de
licitação, a absorção de mão-de-obra carcerária, onde não há o afastamento da
obrigação de licitar e a Administração Pública ainda viabiliza a implementação
de política pública voltada para a recuperação sócio-econômica do preso, por
meio do trabalho, a partir da parceria contratual a ser firmada com a
iniciativa privada.
A partir das considerações acima lançadas e
em decorrência do voto divergente apresentado pelo Auditor Cleber Muniz Gavi,
constato ser necessária a adequação do voto apresentado por esta Relatora na
sessão ordinária de 20/07/2011, no sentido de incluir-se que a absorção da mão-de-obra
advinda do sistema prisional (presos e egressos), em cumprimento à Resolução nº
96/2009 do CNJ, que trata do “Projeto Começar de Novo”, deve ser precedida de
decreto executivo exarado pelo Chefe do Poder Executivo Estadual regulamentando
a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).
Considero ser importante ainda ressaltar ao
Tribunal de Justiça Estadual que, tanto no caso dos contratos vigentes quanto
no caso de lançamento de edital de licitação, nada impede que seja firmado
outro contrato com base no artigo 24, XIII, da Lei nº 8.666/93, desde que
atendidos os requisitos legais.
Diante do exposto, proponho ao Egrégio
Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação:
3.1. Conhecer da
presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados nos
artigos 103 e 104 do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro
de 2001) do Tribunal de Contas.
3.2. Responder à
Consulta nos seguintes termos:
3.2.1. Desde que autorizado por lei
estadual e/ou regulamentada a Lei de Execução Penal por meio de decreto
executivo exarado pelo chefe do Poder Executivo Estadual, é
possível que o Tribunal de Justiça, dentro do “Projeto Começar de Novo”, inclua
a previsão de cláusula estipulando reserva de vagas de trabalho para
presidiários e egressos, nos limites estabelecidos pela Recomendação n. 29 do
CNJ e pelo artigo 36 da Lei n. 7.210/84, nos contratos com empresas
terceirizadas, mediante estipulação no edital de licitação, com fundamento na
Resolução n. 96/09 do Conselho Nacional de Justiça e nas Recomendações n. 21 e
29, também do CNJ, e no artigo 58, I e §2º, da Lei n. 8.666/93.
3.2.2. Em
relação aos contratos vigentes, é possível a alteração unilateral com base no
inciso I do art. 58 da Lei n. 8.666/93, para melhor adequação às finalidades de
interesse público, respeitados os direitos adquiridos do contratado e desde que
observado o equilíbrio contratual, conforme o que dispõe o §2º do art. 58 e o
§6º do art. 65 do mesmo diploma legal, entretanto, recomenda-se ao TJSC que faculte
às contratadas a possibilidade de se adequarem ao Projeto, a exemplo do TJPA ou
ainda, opte pela alteração consensual do contrato, utilizando-se do que dispõe
a alínea “d” do inciso II do art. 65 da Lei de Licitações.
3.2.3. Em
qualquer hipótese, nada impede que a contratação de presidiários e de egressos
do sistema prisional seja realizada por meio de contrato específico firmado com
base no artigo 24, XIII, da Lei nº 8.666/93, desde que atendidos os requisitos
legalmente impostos.
3.3. Recomendar ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
que as próximas consultas a serem remetidas a este Tribunal de Contas venham
acompanhadas de parecer jurídico sobre a matéria, de acordo com o que dispõe o
inciso V do art. 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas (Resolução n. TC-06/2001).
3.4. Dar ciência da Decisão, Relatório e Voto do
Relator, bem como o parecer técnico ao Sr. Trindade dos Santos, Presidente do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC e ao Sr. Alexandre Karazawa
Takaschima, Juiz Coordenador da CEPIJ (Coordenadoria de Execução Penal e da
Infância e Juventude).
Gabinete, em 28 de novembro de 2011.
SABRINA
NUNES IOCKEN
Conselheira
Substituta[i]
(Art. 86, caput, da Lei Complementar n.
202/00)